Arquivo do mês: março 2010

O que é Poesia — mais três depoimentos

Mais três correntistas do Banco da Poesia encaminharam depoimentos sobre para a mnossa página especial de aniversário. Leia aqui.

Nova crônica: O Poder do X

Postei nova crônica na página apropriada. Divagações político-filológicas para suavizar o cenário eleitoral. Pequena diversão para mim, talvez para os leitores do Banco.

Leia aqui.

Flores silvestres de Lina

Minha amiga Lina Faria é, sem dúvida alguma, uma artista da imagem fotográfica. Já escrevi sobre ela no Banco da Poesia, já “poetei” sobre suas fotos sempre inspiradoras. Ela tem a capacidade de gravar o simples, aquilo que as pessoas em geral não percebem a seu redor. Os bons fotógrafos, eternizadores do instante, do momento quase invisível aos olhos das pessoas comuns, têm a capacidade de fazer, na vida que corre, o corte do tempo infinitamente pequeno, porém enorme na beleza.

Do seu blog Não Lugar, retirei uma foto de flores rasteiras. Quase grudadas no chão. Expostas ao espezinho imediato. Mas, como parte do encanto telúrico, sempre vivas, sempiternas.

Foto Lina Faria

É o chão, mas poderia ser o universo,
chão inverso, onde nascem estrelaflores.
É o chão, cantochão, canto da terra, florescência permanente.
Veja, elas estão a brincar, embora aparentemente imóveis.
Trocam piscadelas, suspiros, ilusões, alusões, confidências.
Violetam-se sem violentar-se, cada qual com sua áurea íntima.
Não importa se, de repente, uma passada errante as pisotear,
aplastando-as e transformando-as em massa orgânica
para adubar a cama onde nasceram.
Um dia elas foram o cosmo, com estrelas brancas
em suas carinhas risonhas,
como almas vigilantes
e de perene beleza.

Cleto de Assis/março 20010

Amanhã tem Dante no Passeio Público

A edição é da  Bernúncia Editora, de Florianópolis, do nosso amigo Vinicius Alves.

E chegamos ao dia 12 de março de 2010

Há exatamente um ano, apertei o comando publicar na área de administração do novo blog, nascido da vontade de colaborar com a divulgação da Poesia. Apresentado sob a forma de um poema, o Banco da Poesia partia de um capital em branco para tentar acumular, ao longo do tempo, em suas projeções de lucros, o tesouro inestimável da comunicação e da sensibilidade humana.

Por isso, caros senhores,
vamos fundar nosso banco:
não obrará em vermelho
mas ainda está em branco.
Trabalhará vanguardeiro
sem pensar só em dinheiro
neste tempo de consumo.
E terá como seu prumo
a palavra desprezada
pelos praxistas do dia.

Hoje, ao fazermos o nosso primeiro balanço anual, notamos que passamos todo o tempo da crise financeira mundial sem contabilizar prejuízos. Ao contrário, os correnstistas foram crescendo e, juntamente com nomes já consagrados na história da literatura, novos poetas foram se juntando, pouco a pouco, em torno da idéia de comemorar permanentemente a boa poesia. Que, em resumo, assume a gratíssima missão de fazer fluir os melhores ideais de busca da beleza e do contínuo aperfeiçoamento espiritual.

Seja a Poesia lapidada por pensamentos sublimes, seja fortemente talhada por dores e desilusões, o certo é que ela abre a alma das pessoas e aponta para a harmonia do espírito. Assim é a Arte, assim todas as artes.

Por sorte minha, de forma espontânea, o querido amigo e poeta Manoel de Andrade amenizou as minhas preocupações de prestador de contas obrigado a um balanço anual, mandando-me um artigo minucioso que mostra o panorama que se desenhou ao longos destes doze meses. Ver abaixo.

De minha parte, olhando para o que passou, concluo que valeu a pena. Sem alarde, divulgando o blog primeiramente entre os amigos, depois recebendo adesões espontâneas de outras cidades, estados e de outros países, alargamos o nosso círculo de amizades. Nos primeiros seis meses, contabilizamos uma média de 40 visitações diárias. Nos últimos seis meses, a média subiu para 100 e continua aumentando a cada dia que passa. Ainda é pouco, diante dos gigantecos números da Internet, mas consideremos que o tema escolhido não é dos mais populares. E é exatamente para isso que estamos a trabalhar: para fazer da Poesia um hábito rotineiro na vida das pessoas. Um dia a gente chega lá.

Para comemorar o primeiro ano, procurei reunir um bom grupo de colaboradores em uma página especial. Fiz a eles um simples convite: para você, O que é a Poesia? (clique nos links anteriores ou no título do menu à direita)

Quase todos os convidados mandaram suas colaborações ainda em tempo para podermos soprar a velinha. Outros se excusaram e prometeram enviar suas palavras em seguida, Como estamos em uma ambiente virtual, não há portas inteiramente fechadas e, assim, todas as colaborações poderão ser publicadas a qualquer tempo.

Agradeço aos amigos, colaboradores e visitantes  a confiança e o permanente incentivo a este trabalho. (C. de A.)

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Minha Aldeia

Manoel de Andrade/Curitibaxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

Há um ano o Banco da Poesia abriu suas portas honrando-me com o crédito do primeiro depósito.  Quero pedir licença ao seu editor para chamar –  dramatizando meu enredo neste texto –, essa bela instituição pelo mágico nome de Aldeia da Poesia. Na verdade, é com essa imagem, poética e despojada, que eu sinto este site. E é pra esse recanto que  viajo todo dia.

É também minha Pasárgada, onde, literalmente, sou amigo do rei. Gosto de andar, pra cima e pra baixo, ao longo desse território virtual  de líricas alamedas,   galerias de arte,  parques e jardins construídos genialmente com formas e cores cletianas e densamente povoado de versos.

Ao longo deste ano quase uma centena de poetas ali chegaram para ficar. Pela leitura e pelos traços biográficos, já conheço a todos. Quero citar aqui os seus nomes e desde já peço perdão por minhas palavras não poderem  se referir a cada um, diante de tanta qualidade literária.

Minha renovada alegria é estar convivendo nessa aldeia com tantos amigos fraternos: Cleto, Vidal, Walmor, Marilda, Hélio, Simões, João Batista, Solivan, Débora O’Lins

Sob as luzes da memória, em seus caminhos   transitam  Neruda, Garcia Lorca, Fernando Pessoa e Benedetti e os  nossos  Castro Alves, Gregório de Matos, Vinícius, Drummond, Quintana, Augusto dos Anjos, Ferreira Gullar. Mais adiante  me  surpreendo com a presença de Otávio PazEmily DickinsonAntonio Machado e, mais ao longe, vejo com tristeza Alfonsina Storni caminhando solitária para o mar.

Retomo outros caminhos dessa Aldeia, atravesso seus jardins  e vejo sob um caramanchão quatro poetas que falam e gesticulam. São eles e elas:  Verlaine e Cora Colalina e, no  banco em frente,  Helena Kolody e Baudelaire. A poucos metros,  numa tenda com bom vinho português,  confraternizam  Miguel Torga, Antonio GedeãoAgostinho da Silva, José Dias Egipto, Eugênio de Andrade e Sophia Andressen.

Detenho-me, aqui e ali, “ouço” seus versos e sigo adiante  porque quero conhecer a todos. Chego a um pequeno bosque, frondoso e perfumado  onde se reúnem tantas nacionalidades da poesia e ali ganho meu dia.  São os  que vieram de além mar: Vera lúcia Kalahari, amiga querida que só conheço na saudade e na distância de Angola e Portugal; o grande Mia Couto, de Mocambique;  Sarah Carrère, do Senegal, que conheci recentemente;  Crisódio Araujo, Fernando Sylvan, José Barros Duarte, Jorge Lanten, Ruy Cinatti e Sophia Andressen, essa pleiade de ótimos poetas que enriquecem a literatura do Timor; e, bem assim,  Armênio Vieira e Corsino Fortes de Cabo Verde; e também Emmelie Prophète e Rodney Saint-Eloi, do Haiti.

Vem da poética Espanha os cantos  de Francisco Cenamor e Artur Alonso. Da pátria de Goethe, de Schiller e de Hölderlin chegam os versos de Herman Hesse e da lendária Bagdá, a poesia de Dunya Mikail.

Os hispano-americanos estão chegando e aqui já estão  Vicente Gerbasi, da Venezuela, e Guadalupe Amor, do México,  Álvaro Miranda, da Colômbia e Tejada Gomez, da Argentina, além da quase mitica mexicana Sóror Juana de La Cruz.

Há, nessa aldeia,  um nicho construído pela  saudade e pela esperança de um soldado russo que partiu para a guerra. Espera-me,   escreveu comovido  Konstantin Simonov à  sua amada. Creio ser um dos mais belos poemas,  nesse rastro de belezas que encontro nessa aldeia, e que Hélio do Soveral genialmente imortalizou na língua portuguesa.

No fundo de um vale há uma pequena pedreira disposta de forma circular, formando, naturalmente,  um teatro de arena. Chego até lá e encontro poetas brasileiros de todas as partes do país para um grande  festival de poesia. Sou um dos convidados para partilhar meus versos com   Maurício Ferreira, Isaias de Faria, Rafael Nolli, Saramar Mendes de Souza, Anair Weirich, Raul Pough, Erly Welton, José Marins, Luiz Adolfo Pinheiro, Murilo Mendes, Domingos Pellegrini, Oswald de Andrade, Juca Zokner, Oscar Alves, Iriene Borges, Mauricio Ferreira, Cássio Amaral, Rafael Nolli e possivelmente mais alguns que ainda não encontrei por aqui.

Esta a Minha Aldeia, já global pela magia tecnológica, mas ainda acolhedora e solidária pela graça da Poesia.

Curitiba- março de 2010

Iriene Borges singra e sangra em azul

Trilha / Iriene Borges


Na ponta da esferográfica
sangro azul
e singro realidades abissais

A amplitude é claustrofóbica
se não passa pelo funil
do saber empírico

Burilo lembretes em letras graúdas
Migalhas de agora
que não permitem voltar atrás

mas de longe estrelas miúdas
alumiando-me na noite afora
do meu labirinto onírico

fevereiro de 2009

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Ilustração: C. de A.

A insurgência de J.B. Vidal

Coma / j.b. vidal

nasço e inauguro em mim a trajetória da morte,
início e fim, siameses do útero à campa,

como fonte, me insurjo, resisto,
consciente de sua presença, prossigo
sepultado vivo na matéria,
com a alma esgarçada na miséria
de um momento que ela mesma desconhece,

não há passado para o início não haverá futuro para o fim,

o que será dos meus pensares?
da razão? o que ficará dos sentidos?
das agonias, dos sofreres,
dos sentimentos, penso profundos,
o que será dos meus saberes?

não me falem de exemplos,
experiências, conhecimentos,
como óbolos para quem vem a seguir,
para eles há futuro, esquecer.

não me venham com alegorias cenobitas,
relações de fé-imagem, palavras-reveladoras,
crenças obtusas oferecidas em sacras mansões, não!

digam apenas que estou louco,
que me debato em trevas,
que abreviei a trajetória,
que vivo morto por querer viver depois…

verão/2003

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Ilustração: C. de A.

Juana Inés, a Mulher que muito amou sem ter amado

Quando a segunda revolução industrial, ocorrida na última metade do Séc. XIX, passou a incorporar a mão-de-obra feminina, principalmente nas indústrias têxteis, as condições de trabalho insalubre e extensiva carga horária ficaram mais visíveis e protestos se originaram em todo o mundo, já carregado por inflamadas polêmicas políticas sobre a nova economia. No dia 8 de março de 1857, um movimento de operárias de Nova Iorque foi duramente reprimido. As mulheres revoltosas – que exigiam redução do tempo de trabalho de 16 para dez horas diárias e correções salariais – foram mantidas presas dentro de uma fábrica a seguir incendiada. Cerca de 130 tecelãs morreram carbonizadas.

A ocorrência, lastimável sob todos os ângulos, ficou apenas como registro histórico por mais de 50 anos, quando foi proposta na Dinamarca, em 1910, o seu posicionamento como marco do Dia Internacional da Mulher, que passou a ser comemorado praticamente em todo o mundo. Segundo palavras de Leon Trótski, um dos artífices da fase inicial da revolução russa de 1917, esse dia foi o verdadeiro estopim da revolução: “ Em 23 de fevereiro (8 de março no calendário gregoriano) estavam planejadas ações revolucionárias. Pela manhã, a despeito das diretivas, as operárias têxteis deixaram o trabalho de várias fábricas e enviaram delegadas para solicitarem sustentação da greve. Todas saíram às ruas e a greve foi de massas. Mas não imaginávamos que este ‘dia das mulheres’ viria a inaugurar a revolução”.

Finalmente, em 1975 as Nações Unidas adotaram a data oficialmente, para celebrar as conquistas sociais, políticas e econômicas das mulheres, mas também para recordar as muitas discriminações e violências a que estão ainda sujeitas em várias partes do mundo.

Hoje o Dia Internacional da Mulher gera apenas reportagens especiais nas televisões, artigos nos jornais, discursos políticos nas tribunas, talvez sermões apropriados nos templos. As floriculturas venderão um pouco mais de flores e pronto: cumpridas as missões, esperaremos até o próximo ano para repetirmos as comemorações.

Mas estaremos realmente a refletir sobre o papel da mulher em nossa sociedade, a partir de sua função biológica mais sagrada, que é a de ser mãe de todos nós, e depois companheira de dores e alegrias, mestra das primeiras letras, objetivo quase único dos garotões adolescentes, figura complementar do homem no permanente jogo da vida?

Na sua egolatria, o homem chegou a pensar que a mulher fosse ser sem alma, criada apenas para servi-lo. E muitas mulheres, dentro dessa premissa mesquinha, foram sacrificadas, vilipendiadas, humilhadas. Com certeza, muitas vezes ainda assim são tratadas.

Retaro de Juana Inés de la Cruz – Séc. XVII – Autor desconhecido, assinado J. Sánchez

Por isso, neste cantinho dedicado à Poesia, fomos buscar uma rara mulher e poeta para homenagear a Mulher. Seu nome é Juana Inés de Asbaje y Ramírez de Santillana, entre tantas versões por aí existentes. Alguns a tratam apenas por Juana de Asbaje ou de Asuaje, pois há dúvidas sobre oi seu sobrenome. Popularmente, ela ficou conhecida como Sóror Juana Inés de la Cruz, após ter adotado a vida religiosa, primeiro com as rígidas Carmelitas, depois com as Jerônimas.

Parece evidente que a escolha pela vida do claustro não foi mais que uma proteção buscada em seu mundo barroco do Séc. XVII, na nascente colonização européia do México, entre os vestígios da civilização asteca e as limitações religiosas da sociedade espanhola. Juana teve a sorte de embrenhar-se, desde muito cedo, na leitura. Tinha apenas três anos quando aprendeu a ler e aos seis começou a escrever poemas. Por influxo de seu avô materno, com quem teve um intenso convívio na infância, entrou no reino do conhecimento como leitora voraz, passando a ler os clássicos gregos e romanos e a teologia daquele momento histórico. Aprendeu latim em vinte lições e praticamente sozinha dominou o idioma português, o que a tornou, mais tarde, leitora do padre Antonio Vieira e sua acérrima crítica. Conta-se que, ainda pequena, ficava escondida para ouvir as lições recebidas por sua irmã mais velha. Mas seu primeiro choque cultural foi quando descobriu que somente os homens podiam ingressar nas universidades. Ingenuamente, chegou a pedir para sua mãe que a vestisse com trajes masculinos para que pudesse continuar a estudar.

Por certo, sua adaptação cultural não foi fácil, mas ninguém conseguiu domar sua ânsia pelo saber: “Com a erudição acumulada durante anos de estudo, correspondia-se com os grandes nomes do mundo hispânico, tendo escrito até ao Papa. Sóror Juana escreveu literatura centrada na liberdade, o que era um prodígio naquela época. Em seu poema Hombres Necios ela defende o direito da mulher a ser respeitada como ser humano e critica o sexismo da sociedade do seu tempo, zombando dos homens que condenam a prostituição, ao mesmo tempo em que se aproveitam de sua existência. Além de livros religiosos como a Bíblia, que representavam certamente mais de 90 por cento dos livros que chegavam à América na época, há relatos de que ela possuía obras atípicas para um cidadão da América do século XVII, como escritos de Leibniz, dentre outros”.

“Seu confessor, o jesuíta Antonio Núñez de Miranda, recriminou-a por escrever, trabalho que acreditava ser vedado à mulher, o que, junto com o frequente contato com as mais altas personalidades da época, devido à sua grande fama intelectual, desencadeou a ira deste, diante da qual ela, sob a proteção da vice-rainha, Marquesa de Laguna, decidiu rejeitá-lo como confessor. Essa amizade com as vice-rainhas fica plasmada nos versos que, usando o código do amor cortês, levaram a uma interpretação errônea das mesmas a respeito de certas tendências homossexuais. Às duas que coincidiram temporalmente com ela escreveu poemas bastante inflamados e a uma dedicou um retrato e um anel. Foi precisamente uma das vice-rainhas a primeira a publicar poemas de Sóror Juana.”

Juana de la Cruz foi homenagada em seu país em cédulas de mil pesos. Após reforma monetária, passou a figurar nas notas de 200 pesos.

Ela mesma chegou a confessar assexuação ou androginia, tal devia ser a confusão que os preconceitos e os sentimentos religiosos de culpa lhe causavam na alma:

“Pues  no soy mujer que a alguno

de mujer pueda  servirle

y solo sé que mi cuerpo ,

Sin que a uno u otro se incline

Es neutro, o abstracto, cuanto

sólo el alma deposite”.

“Pois  não sou mulher que a alguém

de mulher possa  servir-lhe

e só sei que meu corpo ,

sem que a um ou outro se incline

é neutro, ou abstrato, quanto

só a alma deposite”.

Apesar das exegeses literárias e psicanalíticas que se fazem, atualmente, sobre sua vida e obra, a leitura de seus poemas torna nítida uma mulher ardente, ansiosa por amar e que tem que sublimar esse amor em fantasias poéticas e, a exemplo de outras religiosas, no amor místico a Deus e a Cristo.

Não foi à toa que escolheu a liberdade para tema de suas reflexões. Uma liberdade que se contrapunha à repressão social que lhe deve ter sido dolorosamente imposta.

A liberdade que a transformou, para os pósteros, na “Fênix Mexicana”, talvez a primeira feminista das Américas.

Amou a liberdade e o amor, sem nunca ter gozado realmente nenhum desses sentimentos em sua plenitude. Mas escreveu versos corajosos e enfrentou as contradições intelectuais, deixando um exemplo de vida de uma mulher que tudo tinha para apagar-se na mediocridade e na mentalidade machista de um tempo ainda com resquícios medievais, mas que ressurgiu do pó levantado pela ignorância.

Fama y Obras Posthumas del Fénix de México, Décima Musa, Poetisa Americana Sor Juana Inés de la Cruz. Biblioteca da Universidade Bielefeld, Alemanha

Com o abraço do Banco da Poesia a todas as mulheres do mundo, publico alguns poemas seus. Os dois sonetos foram extraídos do livro O Amor é mais que um Labirinto, organizado por Germán Dehesa V., múltiplo ativista cultural mexicano, com prólogo de Margo Glantz, professora e escritora mexicana, e publicado pela empresa de telecomunicações Impsat, em 1998 . Traz excelentes ilustrações do artista mexicano Jorge Marín, o que o insere na estante dos livro de arte, de apurado bom gosto. Os sonetos levam os números originais da publicação. Já o poema Hombres Necios foi recolhido na Internet. Como a publicação traz os poemas na língua original, tratei de atrever-me na sua versão ao português. Os organizadores da edição referida atestam que, apesar do muitos contatos que Juana Inés teve, em sua época, com Portugal e com a língua portuguesa, ainda não foi feita “uma tradução da Obra Completa da escritora”. (C. de A.)

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XXVI

¿Vesme, Alcino, que atada a la cadena

de amor, paso en sus hierros aherrojada

mísera esclavitud, desesperada

de libertad y de consuelo ajena?

¿Ves de dolor y angustia el alma llena,

de tan fieros tormentos lastimada

y entre las vivas llamas abrasada

juzgarse por indigna de su pena?

¿Vesme seguir sin alma un desatino

que yo misma condeno por extraño?

¿Vesme derramar sangre en el camino,

siguiendo los vestigios de un engaño?

¿Muy admirado estás? Pues ves, Alcino,

más merece la causa de mi daño.

Vês-me, Alcino, que atada à cadeia

de amor, vivo em seu aço aferrolhada

mísera escravidão, desesperada

de liberdade e de consolo alheia?

Vês de dor e angústia a alma plena,

de tão ferozes tormentos lastimada

e entre as vivas chamas abrasada

julgar-se por indigna de uma pena?

Vês-me seguir sem alma um desatino

que eu devo condenar por inumano?

Vês-me esparramar sangue no destino,

seguindo os vestígios de um engano?

Mui admirado estás? Pois vês, Alcino,

mais merece a causa de meu dano.

IV

Esta tarde, mi bien, cuando te hablaba,

como en tu rostro y tus acciones vía

que con palabras no te persuadía,

que el corazón me vieses deseaba.

Y amor, que mis intentos ayudaba

venció lo que imposible parecía.

pues entre el llanto que el dolor vertía

el corazón deshecho destilaba.

Baste ya de rigores, mi bien, baste:

no te atormenten más celos tiranos

ni el vil recelo tu virtud contraste

con sombras necias, con indicios vanos,

pues ya en líquido humor viste y tocaste

mi corazón deshecho entre tus manos.

Esta tarde, meu bem, quando te falava,

como em teu rosto e tuas ações eu via

que com palavras não te persuadia,

que o coração me visses desejava.

E amor, que meus intentos ajudava

venceu o que impossível parecia.

pois entre o pranto que a dor vertia

o coração desfeito destilava.

Baste já de rigores, meu bem, baste:

não te atormentem mais zelos malsãos

nem vil receio teu puro ser contraste

com sombras néscias, com indícios vãos,

pois já em líquido humor viste e tocaste

meu coração desfeito entre tuas mãos.

Hombres necios

Arguye de inconsecuentes el gusto

y la censura de los hombres que en

las mujeres acusan lo que causan

Hombres necios que acusáis

a la mujer sin razón,

sin ver que sois la ocasión

de lo mismo que culpáis:

si con ansia sin igual

solicitáis su desdén,

¿por qué queréis que obren bien

si las incitáis al mal?

Combatís su resistencia,

y luego con gravedad

decís que fue liviandad

lo que hizo la diligencia.

Queréis con presunción necia

hallar a la que buscáis,

para pretendida, Tais,

y en la posesión, Lucrecia.

¿Qué humor puede ser más raro

que el que falta de consejo,

él mismo empaña el espejo

y siente que no esté claro?

Con el favor y el desdén

tenéis condición igual,

quejándoos, si os tratan mal,

burlándoos, si os quieren bien.

Opinión ninguna gana,

pues la que más se recata,

si no os admite, es ingrata

y si os admite, es liviana.

Siempre tan necios andáis

que con desigual nivel

a una culpáis por cruel

y a otra por fácil culpáis.

¿Pues cómo ha de estar templada

la que vuestro amor pretende,

si la que es ingrata ofende

y la que es fácil enfada?

Mas entre el enfado y pena

que vuestro gusto refiere,

bien haya la que no os quiere

y quejaos enhorabuena.

Dan vuestras amantes penas

a sus libertades alas,

y después de hacerlas malas

las queréis hallar muy buenas.

¿Cuál mayor culpa ha tenido

en una pasión errada,

la que cae de rogada

o el que ruega de caído?

¿O cuál es más de culpar,

aunque cualquiera mal haga:

la que peca por la paga

o el que paga por pecar?

Pues ¿para qué os espantáis

de la culpa que tenéis?

Queredlas cual las hacéis

o hacedlas cual las buscáis.

Dejad de solicitar

y después con más razón

acusaréis la afición

de la que os fuere a rogar.

Bien con muchas armas fundo

que lidia vuestra arrogancia,

pues en promesa e instancia

juntáis diablo, carne y mundo.

Homens néscios

Argúi como inconsequentes o gosto

e a censura dos homens que

nas mulheres acusam o que causam.

Homens néscios que acusais

à mulher sem ter razão,

sem ver que sois a ocasião

do mesmo que vós culpais:

se com ânsia sem igual

solicitais seu desdém,

por que quereis que obrem bem

se as incitais sempre ao mal?

Combateis sua resistência

e logo com gravidade

dizeis que foi leviandade

o que fez a diligência.

Quereis com presunção néscia

achar a que perseguis,

para pretendida, Taís,

e para a posse, Lucrécia.

Que humor pode ser mais raro

que o que falta de conselho

o mesmo que empana o espelho

e sente que não está claro?

Com o favor e o desdém

tendes a condição igual,

queixando-vos, se vos tratam mal,

burlando-vos, se vos tratam bem.

De opinião incongruente

pois a que mais se recata

se não vos admite, é ingrata

se vos admite, é impudente.

Sempre tão néscios andais

que com balança infiel

a uma culpais por cruel

e a outra por fácil culpais.

Pois como há de ser temperada

a que vosso amor pretende

se a que é ingrata ofende

e a fácil vos enfada?

Mas entre o enfado e a pena

que vosso gosto difere

bem haja a que não vos prefere

e queixai-vos em cantilena.

Dão as amantes apenadas

asas a tais liberdades

e enchei-as de bondades

após julgá-las malvadas.

Qual maior culpa há tido

em uma paixão errada

a que cai por ser rogada

ou o que roga por caído?

Ou qual é mais a culpar

com o sinal de uma chaga:

s que peca pela paga

ou o que paga por pecar?

Pois para que vos espantais

da culpa que mereceis?

Querei-as qual as fazeis

ou fazei-as tal as buscais.

Deixai de solicitar

e depois com mais razão

acusareis a aflição

da que os fora a rogar.

Bem com muitas armas fundo

que luta vossa arrogância

pois em promessa e em instância

juntais diabo, carne e mundo.

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Resumo biográfico

1648 (presumivelmente)– Juana Inés Ramírez nasce como filha ilegítima de uma família pobre  da região rural de San Miguel Nepantla, México;

1656 – É mandada para a Cidade do México, parta viver com uma tia do lado materno; aprende Latim;

1664 – Ingressa na Corte, aos 16 anos, em virtude de sua prodigiosa inteligência e por sua beleza física;

1668 – Entre no Convento de San Jerónimo, aos 20 anos,; escreve muitos poemas, peças de teatro, estuda filosofia, música e ciências;

1691 – Escreve a famosa Respuesta a Sor Filotea, pseudônimo de um bispo católico com quem polemizou, defendendo o direito da mulher a estudar e escrever; recebe pressão da hierarquia eclesiástica para abandonar seus estudos;

1694 – Abjura, sob grande pressão, e é forçada a vender seus livros e instrumentos musicais e científicos;

1695 – Uma praga atinge seu convento; ela adquire a doença e morre a 17 de abril, com a idade presumida de 46 anos.

Nova página: Gilberto Mendonça Teles

Gilberto Mendonça Teles

Hoje inauguramos mais um departamenrto deste Banco, a página dedicada a Gilberto Mendonça Teles, poeta goiano  de quem falou Drummond:

Repito aqui — repetição
é meu forte ou meu fraco?— tudo
que floresce em admiração
no itabirano peito rudo
(e em grata amizade também)
ao professor, melhor, ao poeta
que de Goiás ao Rio vem,
palmilhando rota indireta,
mostrar – com um ou com dois eles
no nome – que ciência e poesia
em Gilberto Mendonça Teles
são acordes de uma harmonia.

Para mim, um orgulho tê-lo entre os correntistas do Banco da Poesia. Para os nossos leitores, tenho certeza que será um continuado prazer acompanhar a nova página.

Robert Doisneau, um poeta da fotografia

Em outubro de 2009 o Centro Cultural Fiesp, de São Paulo, exibiu uma exposição de de Robert Doisneau, famoso artista da câmera fotográfica nascido na França. O texto abaixo foi publicado no momento da mostra.
Duas décadas antes de fotografar o beijo mais famoso das ruas de Paris, Robert Doisneau (1912-1994) trabalhava na fábrica da Renault. Usava câmera sem obturador – uma boina fazia o serviço – para registrar a vida na linha de montagem e, de quebra, uns ensaios publicitários para a marca de carros.

Ficou provado mais tarde que O Beijo do Hotel de Ville, fotografia que fez em 1950, não foi um flagrante em frente à prefeitura, e sim uma cena posada com modelos. Do mesmo jeito que na fábrica da Renault arranjava e rearranjava os melhores operários em linha, mexia nas máquinas e fazia brilhar a carroceria dos carros para seus instantes, senão decisivos, calculados.

Toda a mise-en-scène em torno da indústria automobilística francesa aparece nas mais de cem fotografias reunidas agora no Centro Cultural Fiesp. Também surge nessas imagens traços formais da obra do fotógrafo que ganhariam expressão máxima só décadas depois.

“Ele tinha uma visão muito humanista, otimista”, afirma a curadora Ann Hindry. “Queria um mundo mais humano.”

Nesse ponto, seus retratos de gente comum se aproximam do estilo de Walker Evans. Mas enquanto o norte-americano esquadrinhava a miséria, Doisneau buscava certa leveza. “Suas imagens são mais cinematográficas”, diz Hindry. “Há uma agilidade, flexibilidade.”

É quando desengessa seus registros, então livres dos vícios formais que aprendeu com os modernistas, que Doisneau atinge essa espontaneidade. Retrata uma vitrine da Renault na Champs-Elysées com uma multidão se espremendo do lado de fora para observar os carros -contraponto entre o mundo real e o luxo lá dentro.

Mas faz isso sem qualquer panfletarismo. Ele enxerga o próprio colarinho branco e se recusa a fotografar as greves que abalaram a periferia parisiense. Depois registra belas donzelas com os automóveis: curvas de carne para vender curvas metálicas sobre rodas. (Silas Martí, da Folha de São Paulo)

Meu amigo Carlos Verçosa, poeta e novo baiano, me enviou, lá de Salvador, a apresentação abaixo. São notáveis poemas fotográficos. Clique no título abaixo para ver as fotos. (Necessário ter o programa Windows PowerPoint instalado em seu computador)

Robert Doisneau