Arquivo do mês: outubro 2011

O centenário de Nelson Cavaquinho

Nelson Cavaquinho, vivo fosse, teria festejado seu centésimo aniversário no último dia 29 de outubro. Pediria flores, necessárias durante a vida e não quando a gente se chamar saudade. Perderia mil cavalos por um samba em boa companhia, ao contrário de Ricardo III, que, segundo Shakespeare, prometeu seu reino em troca de um solípede. Considerava-se um poeta, antes de sambista, e premeditou a dor de Mangueira quando ele partisse. E seus versos assim o comprovam, pois ele, com simplicidade e enorme sensibilidade, sabia moldar com palavras o seu cotidiano. A música popular brasileira está repleta de exemplos de bons poetas sem  academia. Difícil encontrar quem não se impressionou com os famosos versos de Cartola, outro admirável poeta da MPB, ao aconselhar uma antiga namorada, em A vida é um moinho: “Ouça-me bem, amor / preste atenção, o mundo é um moinho / vai  triturar teus sonhos, tão mesquinho / vai reduzir as ilusões a pó”. Ou, em As rosas não falam: “Queixo-me às rosas / mas que bobagem / as rosas não falam / simplesmente as rosas exalam / o perfume que roubam de ti”.

A mesma beleza singela foi colocada em música por Nelson Cavaquinho, nome artístico de de Nelson Antônio da Silva, (Rio de Janeiro, 29 de outubro de 1911—18 de fevereiro de 1986) um dos mais importantes sambistas cariosas, compositor, cavaquinista e violonista. E poeta, sim, senhores e senhoras.  Vejamos alguns exemplos.

 Quando eu piso em folhas secas
Caídas de uma mangueira
Penso na minha escola
E nos poetas da minha estação primeira

(de Folhas secas)

Capa do disco As flores em vida, Eldorado

Tire o seu sorriso do caminho
Que eu quero passar com a minha dor
Hoje pra você eu sou espinho
Espinho não machuca flor
Eu só errei quando juntei minh´alma à sua
O sol não pode viver perto lua

(de A flor e o espinho)

Me dê as flores em vida
O carinho, a mão amiga,
Para aliviar meus ais.
Depois que eu me chamar saudade
Não preciso de vaidade
Quero preces e nada mais

(de Quando eu me chamar saudade)

Desenho de Marcus Wagner

 O sol….há de brilhar mais uma vez
A luz….há de chegar aos corações
Do mal….será queimada a semente
O amor…será eterno novamente

(de Juízo Final)

Ilustração de Milton Luiz

A luz negra de um destino cruel
Ilumina um teatro sem cor
Onde estou desempenhando o papel
De palhaço do amor

(de Luz Negra)

A flor e o espinho

Quando eu me chamar saudade

Dia Nacional do Livro

Hoje, 29 de outubro, comemora-se o aniversário da Biblioteca Nacional, fundada por D. João VI em 1810, dois anos depois de haver chegado ao Brasil e fundado a Imprensa Régia. Nada mais justo, portanto, que o mesmo dia tenha sido consagrado ao Livro, apesar de nossa história não o ter adotado como elemento fundamental para o nosso desenvolvimento cultural. O Rei de Portugal, do Brasil e Algarves manteve severa censura à imprensa. Sob o selo da Imprensa Régia foi editado o primeiro livro no Brasil, “Marília de Dirceu”, de Tomás Antônio Gonzaga. É também fato a comemorar, pois o primogênito da imprensa brasileira foi um livro de poesia! Mas, além das publicações oficiais – inclusive um jornal denominado Gazeta do Rio de Janeiro – nada mais podia ser impresso sem autorização governamental. Mas havia dissidências: um exilado brasileiro, residente na Inglaterra, Hipólito José da Costa, lançou, em Londres, no dia 1 de junho de 1808, o Correio Braziliense, o primeiro jornal brasileiro, clandestino em sua chegada ao nosso país – apenas em outubro do mesmo ano, já que os correios e os transportes não eram tão eficientes. Uma curiosidade: seu editor proclama que o jornal fora criado para combater “os defeitos da administração do Brasil”, o que não é novidade para os brasileiros, passados mais de duzentos anos desse registro editorial. Não deixa de ser lamentável, também, o fato do Brasil só ter sentido o gosto da imprensa no início do Séc. XIX, enquanto outros países da América já a estavam desenvolvendo desde o Séc. XVI. Portanto, e o Livro e o Brasil? Castro Alves deveria ter escrito um poema com esse título, com o mesmo entusiasmo com que comemorou o nascimento da América e sua parceria histórica com o livro. Ou talvez não tenha encontrado razões para se entusiasmar, pois até um presidente que atravessou o portal do Séc. XXI já declarou, pelo menos em duas ocasiões, que não gosta de ler, porque a leitura lhe dá sono.

O certo é que o Livro, esse objeto ainda confeccionado em papel impresso, mas que já tem sucedâneos eletrônicos a pedir passagem, merece ser comemorado todos os dias, como o grande repositório do conhecimento e ferramenta indispensável n o progresso cultural.

Fazemos de Castro Alves o arauto dessa festa, na beleza de seus versos.

O Livro e a América

O Livro e a América - ilustração de Cleto de Assis

Talhado para as grandezas,
pra crescer, criar, subir,
p Novo Mundo nos músculos
sente a seiva do porvir.
— Estatuário de colossos —
cansado doutros esboços
disse um dia Jeová:
“Vai, Colombo, abre a cortina
da minha eterna oficina…
Tira a América de lá”.

Molhado inda do dilúvio,
qual Tritão descomunal,
o continente desperta
no concerto universal.
Dos oceanos em tropa
um — traz-lhe as artes da Europa,
outro — as bagas de Ceilão…
E os Andes petrificados,
como braços levantados,
lhe apontam para a amplidão.

Olhando em torno então brada:
“Tudo marcha!… Ó grande Deus!
As cataratas — pra terra,
as estrelas — para os céus.
Lá, do pólo sobre as plagas,
o seu rebanho de vagas
vai o mar apascentar…
Eu quero marchar com os ventos,
corn os mundos… co’os
firmamentos!!!”
E Deus responde — “Marchar!”

Marchar! … Mas como?…  Da Grécia
nos dóricos Partenons
a mil deuses levantando
mil marmóreos Panteons?…
Marchar co’a espada de Roma
— leoa de ruiva coma
de presa enorme no chão,
saciando o ódio profundo. . .
— Com as garras nas mãos do mundo,

— Com os dentes no coração?…
“Marchar!… Mas como a Alemanha
na tirania feudal,
levantando uma montanha
em cada uma catedral?…
Não!… Nem templos feitos de ossos,
nem gládios a cavar fossos
são degraus do progredir…
Lá brada César morrendo:
“No pugilato tremendo
quem sempre vence é o porvir!”

Filhos do sec’lo das luzes!
Filhos da Grande nação!
Quando ante Deus vos mostrardes,
tereis um livro na mão:
O livro — esse audaz guerreiro
que conquista o mundo inteiro
sem nunca ter Waterloo…
Eólo de pensamentos,
que abrira a gruta dos ventos
donde a Igualdade vooul…

Por uma fatalidade
dessas que descem de além,
o sec’lo, que viu Colombo,
viu Guttenberg também.
Quando no tosco estaleiro
da Alemanha o velho obreiro
a ave da imprensa gerou…
O Genovês salta os mares…
Busca um ninho entre os palmares
e a pátria da imprensa achou…

Por isso na impaciência
desta sede de saber,
como as aves do deserto
as almas buscam beber…
Oh! Bendito o que semeia
livros… livros à mão cheia…
E manda o povo pensar!
O livro, caindo n’alma
é germe — que faz a palma,
é chuva — que faz o mar.

Vós, que o templo das idéias
largo — abris às multidões,
pra o batismo luminoso
das grandes revoluções,
agora que o trem de ferro
acorda o tigre no cerro
e espanta os caboclos nus,
fazei desse “rei dos ventos”
— Ginete dos pensamentos,
— Arauto da grande luz! …

Bravo! a quem salva o futuro
fecundando a multidão! …
Num poema amortalhada
nunca morre uma nação.
Como Goethe moribundo
brada “Luz!” o Novo Mundo
num brado de Briaréu…
Luz! pois, no vale e na serra…
que, se a luz rola na terra,
Deus colhe gênios no céu!…

Castro Alves  – 1847-1871

Adeus a Rosirene Gemael

Há alguns dias, entrei no Facebook e vi um nome conhecido na lista de sugestões de amigos: Rosirene Gemael, jornalista, a quem eu não via desde 1988, quando trabalhamos juntos na campanha de seu tio Airton Cordeiro , então candidato a prefeito de Curitiba.  Mandei solicitações de amizade a ela e ao Kiko, seu irmão, sem saber que ela estava hospitalizada. Do Kiko recebi resposta, mas não dela. Hoje chegou uma mensagem de sua página, com pequeno  poema-despedida e  a triste surpresa de seu falecimento.

Gravo aqui uma homenagem a ela, profissional respeitadíssima por sua inteligência, competência e sensibilidade. Vai sua foto, com o poemeto que alguém postou em seu nome. Que pena, Rosirene, por não conseguirmos nos rever. Certamente perdi bons papos com você sobre a Curitiba que você amou e  sobre a qual tanto pesquisou e escreveu, sempre preocupada com a nossa cultura.

Transcrevo, abaixo,  a nota de adeus publicada no blog do Zé Beto, também publicada no blog do Solda, que fez sua homenagem gráfica à amiga.

Rosirene Gemael, adeus

26 out 2011 – 12:15

Ela voou para longe hoje cedo. Não sei por quê, mas sempre que encontrava com esta menina, me vinha a nítida impressão de que era um passarinho em forma de gente. Daqueles que não fazem alarde, que observam a paisagem com olha doce e quando piam, o som é mavioso e reconfortante. Não fui amigo dela, e sim de seu irmão, Kico, que é o oposto, locomotiva em constante movimento, criando estradas, abrindo atalhos. Sabia que Rosirene era tão criativa quanto, mas do seu jeitinho. Sabia que o texto desta jornalista que completaria 61 anos de vida era tão primoroso quanto a imagem que me passava. Nunca trocamos muitas palavras nestes anos todos que nos conhecemos, mas eu a admirava também por não ser como ela. “Ela estava sofrendo muito”, me disse o Kiko há pouco, de São Paulo, pouco antes de embarcar para Curitiba. Sim, eu sabia que ela estava doente há um bom tempo, mas quando a encontrei recentemente, ela que morava na rua de cima aqui no bairro Seminário, recebi um sorriso tão cativante, assim como aquele olhar de quem compreende o lado azul e o lado negro desta vida, mesmo porque tudo é incompreensível. Marco, o filho dela, estava ao seu lado neste último encontro. Parece um pássaro também. É o legado da minha amiga que voou hoje. Zé Beto

O que é Poesia? (3)

O nosso baú de definições não para de crescer. Agora é a vez de Erly Welton Ricci colocar mais umas moedinhas poéticas neste cofre especializado que recolhe as infindas versões sobre esta arte.  Sua contribuição, além de estar aqui, foi também depositada no seu escaninho, na página especial.

poesia deve ser isso:
o que ferve e congela
o que assombra e desanuvia
o que apaga
e incendeia
acena
à cena vazia

poesia deve ser isso:
o que amalgama e fere
anátema do frio
o que crema e espalha
amassa, esfarela,
e entra no cio

poesia deve ser isso:
morfemas e lexias
qualquer sal
um risco
de difundir
a via
quase
abissal

Erly Welton Ricci

Dante convida

Dante Mendonça, jornalista, cartunista e escritor – é membro da Academia Paranaense de Letras –,  apresenta mais uma novidade em sua obra artística: uma exposição de aquarelas, instalada na sede da Aliança Francesa de Curitiba, na rua Prudente de Moraes, 1101. A abertura será no próximo dia 03 de novembro, às 19 horas. A mostra ficará aberta ao público até 02 de dezembro.

Desejamos ao Dante pleno sucesso em mais esta faceta de sua veia artística.

O que é Poesia? (1)

O nosso poeta Manoel de Andrade deixou momentaneamente a poesia em hibernação e mergulhou na prosa. Há vários meses se concentra em reunir memórias de sua peregrinação pelo Brasil e pela América Latina, quando assumiu um auto-exílio, na época do governo militar. Inconformado pela perda de um diário, em um dos últimos percursos de sua caminhada pelo continente, no qual registrava a memória daqueles dias de cavaleiro andante, Maneco (como o chamamos os amigos) tenta recuperar a riquíssima experiência em um livro de memórias com o título provisório de “O Bardo Errante”.
Recentemente, um blog de Portugal – Livres Pensantes, do Algarve –  descobriu seus poemas e passou a publicá-los, assim como artigos seus também publicados na rede. Feita a aproximação, M.A. cedeu um fragmento do livro ainda inédito, que pode ser lido aqui.

De certa maneira, podemos ver em Manoel de Andrade um lampejo de Telêmaco, filho de Ulisses, descrito por Homero também como alguém que andou “errante por muitas terras, viu as cidades de numerosas gentes e conheceu-lhes os costumes; e, por sobre o mar, sofreu no seu coração aflições sem conta, no intento de” projetar sua voz em direção à liberdade e à solidariedade humana.

Cumprimentando-o por mais essa conquista de sua odisséia poética, fazemos uma homenagem com a publicação de um poema seu, ainda inédito na nuvem internética. Como numa sequencia ao post anterior, ele procura respostas para a eterna pergunta: o que é Poesia?

O que é a poesia…, meu irmão?

a Maria da Graça Andrade

A poesia, Gracinha
não é somente teu sonho
tua paixão de menina…
é a respiração suspensa
por tudo que desatina
é tua voz de criança
o abc que te ensina
a soletrar esperança
é a região proibida
para os que não sabem ver
é onde me despojo e morro
pra me sentir renascer.

A poesia, Gracinha
é cada grão que germina
é o corpo do camponês
inclinado sobre a terra
semeando a própria dor
são os ombros do proletário
suportando no salário
o peso imenso da vida.

A poesia, Gracinha
é o nosso maior pecado
é a flor que o homem pisa
neste mundo devastado
é tudo que agoniza
pelo nosso esquecimento
é nossa vida vivida
além deste eterno momento
é a fome de cada dia
protelada sempre em vão
é a própria sede da terra
sem a chuva de verão.

A poesia, Gracinha
está na raiz do amor
em toda coisa criada
e no ato do Criador
está no macho sobre a fêmea
no pólen gerando a flor
na jornada das abelhas
na flor transformada em mel
está no salto incontido
do filhote em busca do céu
no vôo da mariposa
latente numa crisálida.
Por traz da humana  crueza
a poesia, Gracinha
é o amor parindo a vida
no ventre da natureza.

A poesia, Gracinha
são teus olhos debruçados
numa aurora de verão
é o vulto da minha dor
boiando na solidão
é minha infância num tempo
que o rio escorreu pro mar
é o amor feito  lenha
ardendo no teu olhar
é a rubra flor do teu corpo
desabrochando o desejo
a inocência transformada
numa árvore de beijos
é o lirismo que assoma
no rosto da minha amada
quando meu canto ilumina
os passos da madrugada
é o nosso olhar batendo
nos olhos de quem se amou
a vida buscando a gente
no que a saudade deixou.

A poesia, Gracinha
é minha forma de morrer
quando tenho que cantar
toda dor que me transtorna
é a angústia de te dar
meu canto desfigurado
pelo áspero fardo de dor
que amarga meu sorriso
ao sentir que desfaleço
quando contemplo meu povo
com suas mãos algemadas
caminhando para o abismo
nesta pátria engatilhada
é este jeito de sentir
minha dor multiplicada
pela fé que não me mude
quando o asfalto se mancha
com o sangue da juventude.

A poesia, Gracinha
é o delírio de ver
o homem ensaiar tão alto
a dimensão do seu salto
e a tristeza de saber
que embaixo tanto lhe falta
tornando assim prematura
a vertigem  do astronauta.

A poesia, Gracinha
é uma canção operária
trabalhando solitária
na reconstrução do homem.
É a palavra feita canto
o canto feito esperança
de todo pão repartido
no gesto amplo e fraterno
de um tempo enfim ressurgido.

A poesia, Gracinha
se a mim cabe definir…
é o clarim que anuncia
ao homem que ainda um dia
cansado dos seus enganos
despertará comovido
garimpando atrás dos anos
a fala imensa do amor.

A poesia, eu te digo,
é o gesto dilatado
de toda mão estendida
é o doce sabor dos frutos
a face amarga do mundo
a eterna canção da vida.

Curitiba, outubro de 1968
________________________

Iustração: C. de A.

O que é Poesia? (2)

No início de vida do Banco da Poesia  publicamos uma página especial do com este título. Vários poetas deram suas opiniões e as definições mostraram que Poesia – assim como todas as artes – tem tantas definições quanto a multidão de almas que já habitou, habita e ainda viverá neste pontinho ínfimo do cosmos. Mas a profusão de significados só amplia a beleza dessa arte antiga, protegida por três entre as nove musas gregas.

E prosseguimos com a busca por mais interpretações, porque, afinal, a poesia se alimenta de metáforas. Assim, ampliamos nossa página O que é Poesia, depois de intensa garimpagem. Ela está aberta para todos os que desejarem contribuir.

Para completar, um recadinho de Carlos Drummond de Andrade aos poetas, sobre o que não é poesia.

Não faças poesias com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão inofensivo à efusão lírica.
Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro
são indiferentes.
Nem me revele seus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.

¡Bienvenido, Eduardo Masullo!

Conheci Eduardo Masullo há cerca de três anos. Ele vivia na Colômbia e veio a Curitiba cumprir uma missão educacional. Convivemos por cerca de uma semana e, já no final de sua visita, descobrimos (eta, mundo pequeno!) que tínhamos amigos comuns. Em 2010, depois de longo tempo sem notícias suas, descobri que ele estava de volta à sua terra e passamos a nos corresponder. Revelou-me outra faceta de sua criatividade,  a literatura. Enviou uma boa coleção de poemas para o Banco da Poesia, que passamos a publicar, a partir de hoje. Tive o prazer de passá-los ao Português. Junto a seus poemas, veio uma pequena descrição do autor, com a mesma concisão de seu estilo poético.

“Nasci em Buenos Aires, em Villa Devoto. Um bairro de classe média acomodada, amigável, estável, com valores às vezes firme, onde uma criança podia amadurecer como um gato: distanciando-se, a cada dia, um metro a mais de sua casa,  de forma gradual, até chegar ao mundo.”
“Estudei sociologia. Publiquei um livro de poesia (Empezar en Buenos Aires) e um romance (Quién mató a Iadira Salazar), além de uma série de poemas e contos em várias publicações. Traduzi Henry James, Melville, Gore Vidal etc. Além de livros de sociologia. Trabalhei como publicitário em Buenos Aires, Colômbia e Venezuela. Vivo em Buenos Aires e, para mais dados, meu endereço é emasullo@gmail, por meio do qual qual responderei com muito prazer.”

¡Bienvenido, hermano Eduardo!

Los Guerreros

Todo triunfo lleva a la muerte.
A los enemigos muertos
la próxima guerra los ascenderá a estatuas,
afortunadamente,

Si no hay guerra
el sol no dice nada
la amistad no existe.
Si no hay guerra
cómo vas a hacer amigos?

Un enemigo muerto
no es un enemigo,
tampoco un amigo,
es un odre de ausencia.
Hagamos de él,
ya mismo,
una estatua
para la próxima guerra
que ya vendrá.

Os Guerreiros

Todo triunfo leva à morte.
Aos inimigos mortos
a próxima guerra os ascenderá a estátuas,
afortunadamente,Se não há guerra
o sol não diz nada
a amizade não existe.
Se não há guerra
como vais fazer amigos?Um inimigo morto
não é um inimigo,
tampouco um amigo,
é um odre de ausência.
Façamos dele,
agora mesmo,
uma estátua
para a próxima guerra
que já virá.

9/7/2010

El hombre araña

Atrapado en esta red de palabras
Que es el mundo,
Me creo un poeta.

O homem aranha

Pegado a esta rede de palavras
que é o mundo,
me creio um poeta.

Tanto andar

Y nunca llego a ninguna parte.
Bajado del avión,
andando el pasillo de los aeropuertos,
miro a mis espaldas
y sé que algo no ha llegado,
algo que no perdí, que no está allí,
que sencillamente no está ya conmigo.

¿Qué es lo que dejo?
Una pierna, un brazo.
Algo que llevo doble –
¿Un testículo? ¿La mitad
De las ganas de vivir?

¿Cómo seguiré,
de ahora en adelante,
sin saber lo que he dejado?,
Lo que me ha abandonado
en estos pasillos que llevan
a todas las nadas?

¿El recuerdo de una lluvia,
la caricia de tus dedos
sobre mis dedos; de tus ojos
sobre mi mirada; de tu garúa vieja
sobre mi soledad apenas?

O será mi soledad, vieja traidora,
la que he abandonado perdida para siempre?

Ya he mirado para atrás
completamente. Y no he visto nada.
es hora de volver a andar,
viejo camarada.
Otras lluvias, otras soledades,
otras ciudades,
la pesadez mayor en las rodillas,
hay que andar, hay que andar,
preparando el gran viaje
sin saberlo, cuando ya no haya siquiera
nadie que vuelva la cabeza.

Tanto andar

E nunca chego a nenhuma parte.
Baixado do avião,
andando pelos corredores dos aeroportos,
olho em minhas costas
e sei que algo não chegou,
algo que não perdi, que não está ali,
Que simplesmente já não está comigo.

Que é o que deixo?
Uma perna, um braço.
Algo que carrego em duplo –
Um testículo? A metade
da vontade de viver?

Como seguirei,
de agora em diante,
sem saber o que deixei?
O que me abandonou
nestes corredores que levam
a todos os nadas?

A lembrança de uma chuva,
a carícia de teus dedos
sobre meus dedos; de teus olhos
sobre meu olhar; de tua garoa velha
sobre minha solidão apenas?

Ou será minha solidão, velha traidora,
a que abandonei perdida para sempre?

Já olhei para trás
completamente. E não vi nada.
É  hora de voltar a andar,
velho camarada.
Outras chuvas, outras solidões,
outras cidades,
o peso maior nos joelhos,
há que andar, há que andar,
preparando a grande viagem
sem sabê-lo, quando já não haja sequer
ninguém que volte a cabeça.

11/7/2010
Versão e ilustrações: C. de A.

Canto esperançoso de Vera Lúcia

Vera Lúcia Carmona, ou Vera Lúcia Kalahari, dona do blog Infinito, editado em Portugal, é uma das mais assíduas correntistas do Banco da Poesia. Jornalista e escritora, além de sensível poeta, ela vive ora em Portugal, ora em Angola ou em suas rotas africanas, continente no qual nasceu e por onde perambula com suas esperanças por um mundo melhor. Como sua conta corrente não foi ampliada nos últimos meses (mais por culpa do gerente do Banco), fui a seu blog e emprestei, segundo as regras bancárias, um lindo poema seu, que vai abaixo. Saudades, Vera Lúcia!

Cântico dos cânticos

Queria ter confiança na eternidade
e na terra da verdade…
Queria nunca m’esquecer
que volta sempre a primavera
qu’entre pedras faz nascer rosas…
Queria deixar de ser este mar morto
mar sem ondas e sem portos…
Queria deixar de mendigar
no silêncio das noites escuras
caminhando por ermas estradas
sem saber pra onde vou.
Queria saber quem me roubou minha coroa de rainha
quem pisou minhas ilusões desfolhadas…
Queria ser a manhã qu’apaga estrelas
e encontrar amor em todas elas…
Queria ser a perdida, a que não s’encontra
aquela que ninguém conhece,
a rutilante luz dum impossível…
Queria deixar de segurar nas mãos
o bem que nunca é meu
e encontrar no caminho o meu bordão d’estrelas…
Queria encontrar a água que procuro e de que estou sedenta…
Queria não pensar nos que andam descalços pela vida…
Nos que choram em insanas guerras…
Nos que mentiram e nos que mentem…
Não ter pena dos que em má hora nasceram…
Queria ter asas para voar e ser na fé
na agonia dum moribundo…
Queria ser tudo…e não sou nada.

Vera Lucia

Ilustração: C. de A,

Novamente, o Nobel de Literatura de 2011

O Banco da Poesia já publicou a notícia da premiação do Nobel de Literatura de 2001 (veja aqui), destinada ao poeta sueco Tomas Traströmer. A repersussão do prêmio, no Brasil, foi mínima, embora seja importante destacar que foi um porta a mercê-lo, entre tantos escritores de renome na literatura universal contemporânea.

Vamos dar um repeteco, com um artigo publicado na Espanha, onde seus versos são mais conhecidos, pois já existem algumas traduções feita no idioma de Cervantes.

Primeiro poeta sueco em receber um Nobel de Literatura

Entre os nominados ao premio se encontrava Murakami*, um autor que, mesmo com muitos admiradores, tem vários inimigos entre os críticos, que crêem que o único que lhe favoreceu como autor foi haver nascido em uma época propensa, mas que deixa muito a desejar, no sentido literário.
Além dessa – e realmente uma das nominações mais surpreendentes – foi a de Bob Dylan**, um cantor norte-americano de muito prestígio, mas cuja lírica não pode, nem de começo, competir com a de Trastömer e de tantos outros poetas contemporâneos.

Tomas Traströmer nasceu em15 de abril de 1931 na cidade de Estocolmo, a capital da Suécia. Desde muito jovem se vinculou com as letras, chegando a converter-se em um importante poeta em sua terra.

Em 1990 sofreu um acidente vascular que lhe tirou grande parte de sua motricidade e afetou  consideravelmente sua capacidade de falar. O poeta assegurou, em reiteradas entrevistas, que graças à poesia e à música pode superar esse momento crucial e doloroso em sua existência.

Metáforas para entender a realidade

A poesia de Trastömer se caracteriza por apresentar a realidade de uma forma metafórica, porém sumamente acessível. O faz de uma maneira tão clara e espontânea que permite uma leitura amena, mas não pouco profunda. Em poucas palavras, sua obra ajuda a entender o mundo através de imagens, cores e, sobretudo, sons.

Na obra de Trastömer se pode apreciar un compromisso comparável com qualquer poeta ou escritor europeu de seu tempo: uma necessidade que chega a converter-se em obsessão por conseguir reconstruir uma realidade feita em pedaços, com as consequências da Segunda Guerra Mundial.

Em sua obra “Los recuerdos me miran” (As recordações me olham), Trastömer deixa que as páginas se impregnem de memória, de inventadas histórias que habitam em seu interior, de seres que preencheram sua existência e agora já não estão, de fantasmas…

Numa manhã de junho é muito cedo
para despertar, mas tarde para dormir de novo.
Devo ir à relva que está cheia
de recordações, que me seguem com o olhar.
Não se veem, misturam-se completamente
com o fundo, camaleões perfeitos.
Tão perto que os escuto respirar
apesar do estridente canto dos pássaros.

O artista que há em Trastömer

De qualquer maneira,  estamos não somente frente a um grande poeta e escritor, mas também diante de um artista em corpo e alma, que sabe tocar o piano e tem uma conexão muito forte com a música em geral.

Por outro lado, ele colaborou, como psicólogo, em uma instituição de internação de menores em Roxtuna, colaborando com a reaproximação desses jovens à realidade, em uma tentativa de entregar-lhes formas novas de encarar e ver a vida e de entender as relações que os seres humanos estabelecemos com a própria realidade.

Em razão de provir de um país cuja língua  não é de todo universal, a poesia de Tranströmer não é muito conhecida. Entretanto, ele foi galardoado com o Nobel, pois seu trabalho não poderia passar despercebido.

Este poeta é um verdadeiro apaixonado pela arte da escritura e a prova clara disto é que, em seguida a seu acidente, no qual perdeu a fala e muitas de suas faculdades motoras, Trastömer aprendeu a escrever com a mão esquerda, para não cessar seu trabalho, para não abandonar aquilo que amava, uma das razões que lhe permitia existir.

Dissidências sobre a entrega do Nobel

A concessão do Nobel de Literatura a Tomas deu muito o que falar. Muitos meios de comunicação se colocaram totalmente contra a entregado prêmio, posto que ele não é, na verdade, um poeta conhecido internacionalmente. No entanto, muitos opinam que foi uma premiação acertada.

De vez em quando é bom que a Academia Sueca atenda nomes de bonss escritores e poetas, mesmo que não sejam mediáticos, pois por experiencia sabemos que não necessariamente os mais lidos são os melhores.

Além disso, oreconhecimento de Trastörmer põe em evidencia que existem muitos nomres, alguns como o seu, pouco conhecidos forra de seu país, e outros no mais absoluto anonimato, que têm algo para oferecer e que merecem nosso reconhecimento. (Por Téxil Gardey, redatora do site Poemas del Alma, Espanha)

__________________
* Haruki Murakami (12 de janeiro de 1949), escritor e tradutor japonês.
** Bob Dylan ( 24 de maio de 1941), músico, cantor, compositor, poeta e pintor norte-americano. (notas do Banco da Poesia)