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Cine Teatro Ouro Verde vive a sua maior tragedia

O fogo destrói o Cine Teatro Ouro Verde

A tragédia em dois atos

Se o destino do café é ser torrado, o mesmo não deveria ter ocorrido com o cinema histórico de Londrina que homenageou os bons tempos em que a coffea arabica enriqueceu o Norte do Paraná. O café era, sem dúvida alguma, o ouro verde e não foi por acaso que o moderno cinema projetado pelo arquiteto curitibano João Batista Vilanova Artigas, no final da década de 40 e inaugurado em 1952, recebeu o suntuoso nome: Cine Ouro Verde, que por mais de vinte anos orgulhou a cidade. Era um dos arrojados projetos de Vilanova Artigas, junto ao da Estação Rodoviária, do Fórum e do Edifício Autolon, para os quais ele contou com a parceira do arquiteto Carlos Castaldi.  Já contei, aqui, a história do tombamento da Estação Rodoviária, hoje Museu de Arte de Londrina.  Mas o incêndio que devorou o Cine Teatro Universitário Ouro Verde me chocou, pois também participei do episódio que o salvou, quando ele estava na fase final da venda para uma instituição bancária.

Antiga foto de Londriuna, onde aparecem, à esquerda, o Cine Ouro Verde e, à direita, o Edifício Autolon, projetos de Vilanova Artigas

No final da década de 70 eu trabalhava com Ney Braga no Ministério da Educação. Em uma visita que fiz a Londrina, conversei com Walmor Macarini, então redator-chefe da Folha de Londrina, que me contou sobre a venda do Cine Ouro Verde, propriedade da família de Celso Garcia Cid, de José Garcia Molina, seu sócio na Viação Garcia, de Jordão Santoro e Ângelo Pezarini. O prédio, que não comportava mais a atividade cinematográfica – como ocorreu com a quase totalidade dos cinemas brasileiros, apagados pelas salas de exibição menores dos shopping centers – estava em negociação com um banco, o que significaria o fim do espaço cultural e, possivelmente, a sua derrubada em favor de um edifício mais adequado aos novos negócios. Tanto Walmor quanto eu, evidentemente, nos preocupávamos com o destino do Cine Ouro Verde, um marco da história londrinense e da arquitetura brasileira, inaugurado em 1952, com projeto de  Vilanova Artigas, também autor de outros projetos na cidade, inclusive a estação rodoviária, igualmente inaugurada em 52 e que, já no final da década de 60, se mostrava pequena demais para  a Londrina que se desenvolvera rapidamente.

A fachada do Ouro Verde, que conservou o desenho do projeto original

Outro aspecto da fachada do Ouro Verde (fotos odiraio.com)

Com a preocupação de um final triste para o Cine Ouro Verde, falei com o reitor Oscar Alves, da UEL, e ele telefonou ao ministro Ney Braga, externando também seu desalento com a possível venda do edifício a um grupo privado. Adiantou que eu voltaria a Brasília no dia seguinte e relataria ao ministro os detalhes da situação. No mesmo dia de meu retorno ao MEC, procurei o ministro e expus o problema. Ato contínuo, ele pediu à secretária para localizar um dos proprietários, Manoel Garcia Cid, que logo estava ao telefone. Solicitou ao Neco informações sobre os valores em negociação, além de um prazo para que o poder público pudesse apresentar uma proposta de aquisição do cinema e conservar seu objetivo cultural. Em seguida, fez ele mesmo uma ligação direta para o governador Jaime Canet Jr. e informou-lhe sobre a questão, já com a sugestão de que o MEC entraria com a metade do valor e o governo paranaense com a outra parte, a ser paga em prazo maior.  O governador mostrou-se relutante, em princípio, pois já estávamos em  1978 e ele deixaria o governo em março do ano seguinte. Foi a deixa para que Ney Braga lhe dissesse que, então, estava tudo resolvido, pois ele, como ministro da Educação, daria a primeira metade e a segunda parte seria paga pelo governador Ney Braga, que viria a substituir Canet.

A doação do Cine Ouro Verde à UEL, em 1978: da esquerda para a direita: Francisco Borsari Neto, secretário da Educação e Cultura, Jaime Canet Jr., governador do Paraná, Ney Braga, Oscar Alves, reitor da UEL e Cleto de Assis, diretor de Assuntos Estudantis do MEC – Foto Folha de Londrina

Tudo acertado em menos de uma hora, o processo foi encaminhado para sua resolução legal e, no dia 14 de abril de 78, uma cerimônia no próprio Cine Ouro Verde, com a presença do ministro e do governador, selou a sorte do Cine Ouro Verde, que viria a ser absorvido pela Universidade Estadual de Londrina. Para a adaptação do cinema às novas atividades culturais, consegui do ministro Ney Braga, mais tarde, a aprovação de um projeto de reforma. O Cine Teatro Universitário Ouro Verde foi inaugurado pelo reitor José Carlos Pinotti Filho, que sucedeu a Oscar Alves, e reformado pelo seguinte dirigente, reitor Marco Antonio Fiori. Em 1998, ele foi finalmente tombado pelo Patrimônio Histórico estadual.

Platéia do Cine Teatro Universitário Ouro Verde: tudo transformado em cinzas

Platéia do Cine Teatro Universitário Ouro Verde: tudo transformado em cinzas

E agora? O incêndio do último domingo, dia 12 de fevereiro, causou um grande impacto no Paraná. O governador Beto Richa já anunciou que promoverá a recosntrução daquele espaço cultural. A reitora da UEL, profa. Nádina Aparecida Moreno, também já enfatizou a necessidade da reconstrução, em suas primeiras manifestações à imprensa, logo após o sinistro. Mas a perda foi de todos nós. Um importante local para o desenvolvimento cultural e um poema arquitetônico de Vilanova Artigas, ele  também um patrimônio da cultura paranaense e brasileira.

Eu creio que a tarefa de reerguer das cinzas esta Fênix cultural é obra para todos nós.

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Jão Batista Vilanova Artigas  (1915-1985)

“Admiro os poetas. O que
eles dizem com duas palavras a gente
tem que exprimir com milhares de tijolos.”

Domingos Pellegrini lança novo livro em Curitiba

A história da mãe do escritor Domingos Pellegrini

Jaime Cimenti

O consagrado e premiado escritor Domingos Pellegrini estreou na literatura em 1977, com o livro de contos O Homem Vermelho, premiado com o Prêmio Jabuti. Com o romance O Caso da Chácara Chão, de 2001, recebeu outro Jabuti. Com outros romances e livros de poesia, recebeu mais quatro Prêmios Jabuti. Há quinze anos o autor vive de literatura, depois de ter se mudado para uma chácara na cidade onde nasceu, Londrina. Herança de Maria é uma alentada narrativa de 416 páginas que retrata a vida da mãe do escritor, uma mulher forte, que nasceu menina humilde no interior do Paraná, tornou-se dona de pensão, engravidou sem saber direito o que era um parto, desafiou um soldado da ditadura com tapa na cara para proteger o filho e viveu separada do marido na época em que isso era uma vergonha. Era mulher com resposta para tudo. As primeiras páginas do romance iniciam com Maria, aos 80 anos, em coma. As mãos fortes, que no passado bateram o pilão, estão, agora, imóveis, repousando sobre seu peito. Este romance é a estreia de Pellegrini na Editora LeYa Brasil. A narrativa é intensa, comovente e envolve lembranças, cartas antigas encontradas em caixas de sapato, memórias e conversas com quem conheceu Maria ao longo da vida. Descrevendo a trajetória de Maria, o protagonista e alterego do autor fica ao seu lado no quarto, observando-a e acabando por reconstruir  momentos da vida de nosso Brasil destas últimas décadas, através de suas ideologias e mudanças. O filho não sabe se Maria, com o corpo inerte, vai durar dias, meses ou anos. A decisão sobre o final da vida da mãe cabe a Deus, mas a ele também. Que morte deveria ter aquela Maria especial? O que poderia ser feito depois de tantas décadas de luta? Como lembrar dos caminhos de  tantos homens, mulheres, civis, militares, jovens e crianças, envoltos num período marcante da História do Brasil? O protagonista lembra, relembra, imagina e vai construindo o possível. Ele decide que aquela mulher extraordinária, forte, íntegra, corajosa, capaz de operar verdadeiros “milagres”, merece algo mais grandioso do que simplesmente viver na inércia de um vegetal.  Editora LeYa, 416 páginas, R$ 44,90, www.leya.com.br.

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Conheci Maria, a real, apenas de raspão. Mais precisamente, ao atender dois telefonemas que ela fez à redação do Novo Jornal, em Londrina  – lá pelos idos de 1970 – cujo redator-chefe era o jovem e talentoso jornalista Domingos Pellegrini,  seu filho. Mãe zelosa, reclamava do fato de o “menino” estar trabalhando até altas horas, quando deveria estar em casa. Anos mais tarde, quando conversamos, em um de nossos reencontros, ele descreveu a tragédia de ver sua mãe padecer, à beira da morte. Era, talvez, um rápido trailer do livro que agora expõe ao público, numa primorosa edição da LeYa, de editores portugueses que, novamente, estão descobrindo o Brasil, sem muito alarde, mas com um catálogo já bem fornido. Obras como Uma Patada com Carinho, da cartunista Fabiane Bento Langona (Chiquinha);A Bossa do Lobo, na qual Denilson Monteiro conta a vida de Ronaldo Bôscoli; Historietas assombradas, de Victor-Hugo Borges; O fim da guerra, de Denis Russo Burgierman, e Escritos em verbal de aves, do poeta Manoel de Barros.

A editora LeYa também investe, agora, na reedição do livro do curitibano Leandro Narloch, o Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, um best-seller que já vendeu 200 mil exemplares, desde seu lançamento, em 2009.  Desta vez ele será vendido em uma caixa, associado ao Guia Politicamente Incorreto da América Latina, que Narloch escreveu em parceria com seu colega de Veja, Duda Teixeira. Anuncia-se que a tiragem da dupla será de 70 mil exemplares, um número realmente expressivo no mercado editorial do Brasil.

Pellegrini lançou seu novo livro em Curitiba no último dia 25 de novembro, no bar Quintana. Como sempre, reuniu amigos e admiradores de sua literatura, mostrando mais uma história bem contada, que pode ser a história de milhões de brasileiros que vivem simplesmente em pacatas cidades do interior, com raízes na roça. Uma história de amor filial e amor materno, sem ser melodramática. Uma história como essas que a gente guarda na memória da criança que todos fomos e que muitos esquecem. A intimidade familiar e a onipresença de Maria, a simples, a batalhadora, a sofredora, mais heroína do que o próprio filho que queria ser herói para salvar o Brasil de todas as suas desgraças. Pelo menos até onde já fui, na leitura de A Herança de Maria, deu para perceber que Domingos Pellegrini alia as suas qualidades de excelente narrador, poeta e historiador da simplicidade ao sentimento de gratidão pelo que recebeu de sua mãe, nas contínuas heranças de dedicação. Seu livro é uma grande herança ao revés, que dela não recebeu, mas que entrega carinhosamente após sua morte.

Este novo reencontro com Domingos Pellegrini também me deu a oportunidade para rever velhos amigos londrinenses, como os que aparecem na foto. Faltou Nilson Monteiro, também amigo e colaborador do Novo Jornal, que já havia saído na hora do “instantâneo”. Obrigado, Dinho, por mais esta jóia literária. Cleto de Assis

Claret de Rezende, Cleto de Assis, Ricardo Sampaio e Domingos Pellegrini, colegas nos tempos áureos da Folha de Londrina. Embeleza a foto Dalva, esposa de Pellegrini

Um Prêmio para Marilda Confortin

Convite

A Secretaria-Geral da Presidência da República, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Movimento Nacional pela Cidadania e Solidariedade convidam para a solenidade de entrega do Prêmio ODM Brasil (3.ª Edição) e do Lançamento do 4.º Relatório de Acompanhamento dos Objetivos do Milênio.

A solenidade será realizada em Brasília, conforme segue:

Data: 24 de março de 2010 ( quarta-feira)
Horário: às 16 horas
Local: Centro de Convenções Ulysses Guimarães – Auditório Planalto
Endereço: SDC – Centro de Divulgação Cultural – Eixo Monumental.

Transmissão ao vivo: http://www.odmbrasil.org.br/noticias_detalhes/55/premiacao-sera-dia-24-de-marco-em-brasilia

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E nos conta Marilda:

Pois é… a boa notícia é que eu estarei lá, para receber esse prêmio juntamente com representantes da equipe da Secretaria Municipal de Educação que ajudou a implantar a Rede de Bibliotecas Escolares em Curitiba, o projeto premiado.

Iniciamos a Rede de Bibliotecas em 2005, quando tínhamos apenas os 45 Faróis do Saber. Hoje, são 170 bibliotecas municipais integradas por um sistema web que permite localizar qualquer título existente no acervo de mais de 700 MIL livros. O plano para o futuro é integrar também as bibliotecas da Fundação Cultural. Aí, serão mais de 1 milhão de livros catalogados para que ninguém nessa cidade tenha a desculpa de não ler. Todas as bibliotecas são abertas à população. É só procurar a mais próxima de sua casa.

Para consultar o endereço das bibliotecas ou pesquisar o catálogo de livros, clique no link: http://www.cidadedoconhecimento.org.br/cidadedoconhecimento/index.php?subcan=12

Dos 1470 projetos avaliados pelo IPEA, foram premiadas as seguintes prefeituras:

– Prefeitura de Belo Horizonte (MG) – Prática: Programa Abastecer
– Prefeitura de Boa Vista (RR) – Prática: Programa Municipal de Saúde Indígena
– Prefeitura de Boa Vista (RR) – Prática: Projeto Estufa
– Prefeitura de Caculé (BA) – Prática: Coleta seletiva de materiais recicláveis
– Prefeitura de Campinas (SP) – Prática: Nave Mãe
Prefeitura de Curitiba (PR) – Prática: Rede Municipal de bibliotecas escolares de Curitiba
– Prefeitura de Novo Repartimento (PA) – Prática: Sustentabilidade ambiental através do cultivo de cacau, pelo SAF
– Prefeitura de Orós (CE) – Prática: Cozinha Comunitária – Nutrição à Mesa
– Prefeitura de Osasco (SP) – Prática: Vigilância da Criança com risco de mortalidade
– Prefeitura de Osasco (SP) – Prática: Recuperação de Minas e Nascentes.
– Prefeitura de Penápolis (SP) – Prática: Agricultura Urbana.

Marilda termina seu recado dizendo: ” Legal, né?”

E nós lhe dizemos: Mais que legal: maravilhoso. Já publicamos em outra ocasião, mas seu trabalho merece ser louvado com os belos versos de Castro Alves:

Oh! Bendito o que semeia
livros… livros à mão cheia
e manda o povo pensar!
O livro cainda n’alma
é germe – que faz a palma,
é chuva – que faz o mar.

Parabéns, Marilda!

Exposição Zimmermann & Lipmann

Primeiro aniversário

No próximo dia 12 de março o Banco da Poesia completará seu primeiro ano de vida. E, como toda organização bancária que se preza, deverá publicar seu primeiro balanço anual. Mas, à diferença das entidades financeiras, esquecerá os números e resultados
materiais. Queremos comemorar tão somente os dividendos culturais que possamos ter acumulado nestes doze primeiros meses de existência. Meses de permanente contato com um seleto grupo de pessoas que ama a poesia e sabe que a arte, bem além das ideologias, une as pessoas e as remete aos mundos imensuráveis dos sentidos e da fraternidade.

Lembrei-me agora de Gilberto Gil. Quando o mundo percebeu que homem poderia passear fisicamente na Lua, a eterna bola de queijo dos namorados, Gil tratou de passar um alerta musical, em sua Lunik 9:

Poetas, seresteiros, namorados, correi
É chegada a hora de escrever e cantar
Talvez as derradeiras noites de luar
Momento histórico, simples resultado do desenvolvimento da ciência viva…

E não é a Internet também um simples-grande resultado da ciência viva? A magia dos luares não morreu, como temia o compositor. Em vez da morte das noites enluadas, estemunhamos o nascimento de uma grande nuvem eletrônica a possibilitar um encontro cada vez mais próximo entre as pessoas, mesmo as geograficamente separadas por grandes distâncias.

É interessante notar que tudo foi resultado da corrida espacial da guerra fria entre os Estados Unidos e a então União Soviética, que se estendeu entre 1945 (fim da Segunda Guerra Mundial) e 1989 (queda do Muro de Berlim). A Internet, originada em um plano de segurança de informações criado pelo exército norte-americano, na década de 60, uniria mais que separaria, para a felicidade geral das nações.

Graças à magia da comunicação eletrônica, em um ano fizemos amigos em várias partes do mundo. Em 365 dias, estamos a revelar novos poetas, que passaram a partilhar o mesmo espaço com aedos já consagrados.

Teremos, portanto, muitas razões para fechar nosso balanço positivamente.

Marilda Confortin convida

Perdi ontem. Mas hoje e amanhã tem mais.

A festa de Aramis

Marilene e Francisco Millarch, os anfitriões da festa e guardiões do precioso acervo de Aramis

Compareci ao evento de lançamento dos DVDs com entrevistas gravadas por Aramis Millarch ao longo de sua intensa carreira de investigador do fato cultural e de personalidades que produzem cultura (ver post abaixo). De certa forma, além de marcar um momento de intensa saudade de nosso amigo querido, o encontro foi como uma reunião ampliada das muitas que Aramis promovia, em sua residência ou no estúdio da rua 24 de maio, onde os ambientes foram batizados com nomes de personalidades escolhidas por seu coração. Marilene – sempre atenta ao trabalho de seu marido e gentil com os convidados –, e Francisco – que, desde cedo, acompanhou, com orgulho, a incessante caça de seu pai por pessoas e fatos que rodeavam as atividades culturais– comandaram a reunião, levada a efeito no pequeno auditório da Universidade Positivo.

Como nas antigas tertúlias, lá encontrei muitos amigos e conversamos fartamente sobre nosso companheiro comum. A mesa redonda programada foi transformda em uma sessão de depoimentos elogiosos à figura do homenageado. Nenhuma polêmica, uma única grande concordância: Aramis faz falta, ninguém ainda conseguiu substituí-lo na imprensa do Paraná, com aquele seu vigor, sua curiosidade, sua maneira otimista de ver a vida e os protagonistas de seus textos, apesar da visível ansiedade interior que também o marcava. Acertei, pois, no meu breve texto de ontem, quando dele lembrei exatamente sob o ângulo do Aramis insubstituível.

Hemínio Bello de Carvalho não veio a Curitiba. Na véspera, comunicou a Francisco que seu pavor pelas máquinas voadoras vencera a vontade de estar aqui para homenagear seu grande amigo. Mas a mesa estava poderosa: Maí Nascimento Mendonça, jornalista (e minha companheira em uma primeira mesa redonda realizada no Solar do Rosário, há alguns anos – juntamente com Dante Mendonça, seu marido, e Aroldo Murá Haygert – também sobre Aramis);  Elói Zanetti, publicitário, que lembrou o longo período em que ambos fizeram um programa inesquecível da rádio Ouro Verde, o famoso Domingo sem Futebol; Constantino Viaro, um dos primeiros a conhecer o Aramis jornalista, desde o dia em que ele foi contratado pelo jornal O Estado do Paraná, então com sua redação dirigida pelo também saudoso João Dedeus Freitas Neto, e Marden Machado, crítico de cinema, que eu ainda não conhecia, pois sua migração do Nordeste para Curitiba ocorreu em uma época em que eu estava ao desabrigo da sombra dos pinheirais. Marden recordou os esparsos mas assíduos encontros com Aramis nos festivais de cinema por este Brasil afora e, não sem tristeza, lembrou que sua vinda para Curitiba ocorreu exatamente no ano em que Aramis nos deixou, privando-os de um contato mais constante. Francisco interpolou comentários afetivos, comprovando ou acrescentando  detalhes aos depoimentos dos participantes da mesa.

A coleção: valeu a pena Aramis Millarch ter conversado com tanta gente

O material apresentado  é de primeiríssima qualidade. Ao amontoar dezenas, centenas de fitas de áudio e vídeo, ao lado, por cima e por baixo dos milhares de textos e publicações colecionados, Aramis talvez não imaginasse que seu trabalho teria um suporte tão bem acabado. São oito DVDs (portanto, horas e horas de gravação) com entrevistas e depoimentos de muita gente boa já falecida ou ainda atuante na vida cultural e social brasileira. Uma verdadeira relíquia, digna do talento e da tenacidade de Aramis, o segundo filhote do trabalho de preservação tomado pelas rédeas por sua família, uma vez que o poder público ainda não reconheceu devidamente a obra meritória de Aramis Millarch.(O primeiro rebento é o excelente site em sua homenagem, que preserva o seu valioso acervo, também obra de Francisco e Marilene: o Tablóide Digital , que lembra a coluna assinada por Aramis, durante muitos anos, n’O Estado do Paraná.)

Um pequeno livro encima a coleção, com projeto gráfico de Oscar Reisntein e direção de Arte de Oswaldo Miranda (Miran) E não podemos esquecer da ficha técnica completa, como fazia Aramis ao comentar os filmes que via e aconselhava. Além dos já mencionados, registra-se:

Organizadores
Samuel Ferrari Lago
Luiz Antonio Ferreira
Rodrigo Barros Homem d’El Rei

Equipe
Coordenação: Samuel Ferrari Lago
Fotos e ilustrações: Acervo Família Millarch
Fotos equipe: Paulo Lago
Revisão: Renata Sklaski
Consultoria: Francisco Millarch

Foi uma festa para se guardar no lado esquerdo do peito, como costumava dizer Aramis, assumindo os versos de Fernando Brant, musicados por Milton Nascimento.

Por último, a recordação da última foto que tiramos juntos. Foi em Brasília, em frente ao Kubitschek Plaza Hotel, quando fui visitá-lo, junto com Teresa e Pablo, por ocasião de uma de suas idas ao Festival de Cinema. Não lembro o ano exato,  mas ambos estávamos mais magros e menos grisalhos. Com certeza, no século passado…

A última foto

O imortal Aramis Millarch

Ninguém é insubstituível: com esta frase, queremos justificar a nossa efemeridade, o nosso papel de passageiros provisórios na nave Vida. De fato, não só somos substituídos em nossas atividades, como a própria vida providencia que pessoas melhores venham completar o trabalho por muitos iniciado e nem sempre concluído. Fazemos falta? “Ó sombra fútil chamada gente! Ninguém faz falta, não fazes falta a ninguém. Sem ti correrá tudo sem ti.” É o que lembra Fernando Pessoa a todos nós, condenados ao esquecimento, “no vácuo dinâmico do mundo…

Mas há pessoas verdadeiramente insubstituíveis. Pessoas cuja atuação social foi única, inconfundível, incomparável. São aquelas pessoas que lembramos quando, diante de determinadas situações, dizemos: Ah, se fulano estivesse aqui!…

Aramis: justíssima homenagem

É o que sempre ouvimos de Aramis Millarch, aquele irrequieto jornalista que vivia escarafunchando os fatos ligados à cultura do Paraná e do Brasil, em suas colunas de jornal e nos vários projetos de documentação construídos com suas próprias forças e engenho.

Aramis era amigo dos consagrados e dos iniciantes. Saudava os medalhões das artes e incentivava os que começavam a trilhar os caminhos da literatura, das artes plásticas, da música, do teatro.

E hoje — como bem lembrou Renê Doty, em seu pronunciamento no último dia 10 de novembro, na inauguração do Museu Guido Viaro — Aramis faz falta. Ninguém substituiu a sua garra, o seu interesse, a sua assiduidade na cobertura dos fatos culturais.

Orgulho-me de ter privado de sua amizade e ter recebido seu incentivo e apoio, quando, na Coordenaria de Assuntos Culturais da Universidade de Londrina, organizamos uma ponte pela qual transitaram muitos artistas que vinham a Curitiba e esticavam suas temporadas no Norte do estado. Fomos pares em muitos outros projetos, nos quais Aramis sempre participava sem qualquer interesse pessoal, mas sempre movido pelos resultados culturais de cada empreendimento.

Por isso, não posso deixar de registrar o evento de hoje, o lançamento do projeto Aramis Millarch – 30 anos de jornalismo cultural, produzido por Samuel Ferrari Lago, Rodrigo Barros Homem d’El Rei e Luiz Antonio Ferreira e patrocinado pela Petrobrás. O projeto — um libro e DVDs — coloca à nossa disposição mais 50 mil artigos e entrevistas com personalidades e artistas, feitos por Aramis e, por certo, coroa o esforço desenvolvido por Marilene e Francisco Millarch, esposa e filho, no trabalho de preservação e digitalização do enorme acervo deixado pelo insubstituível jornalista e pesquisador. Voltarei ao tema, oportunamente, porque há muito que rememorar a respeito do saudoso Aramis Millarch. (C. de A.)