Arquivo do mês: maio 2010

Onde está Rui Moio? Em Terras do Fim do Mundo

Na Internet fazemos amigos a cada momento. Uns apenas de relacionamento fugaz, outros com laços seguros, como se os conhecêssemos fisicamente. Outros há que são apresentados por amigos virtuais e chegam com bagagem de parente, sem maiores formalidades. Assim veio Rui Moio, apresentado por Vera Lúcia Carmona. Natural de Angola, que ele define como “Terras do Fim do Mundo, onde a África é mais África”.

Diz também que, “aos 25 anos,  rumou numa ponte aérea  para a ex-metrópole portuguesa  e, desde então, vive refugiado em Lisboa. Identifica-se como lusófono. Com uns 12 a 13 anos, nas namoros de adolescente, ensaiou as primeiras quadras… ingénuas e de rima forçada… Voltou a poetar entre os 20 e 22 anos. Depois parou, para retornar a estas coisas há uns anos. Hoje tem uns 200 poemas e meia dúzia deles foram publicados no blog Sentires Sentidos – Poemas da minha preferência “. Ele também edita um blog de reflexões denominado Alma Viva, além de Antologias e Quadros Estatísticos.

O presente post demorou a sair. Primeiro, uma troca de correspondência para extrairmos um mínimo de dados biográficos do poeta angolano. Depois a demora no envio de tímidas fotos, que talvez acusassem o espírito de recolhimento do confesso refugiado. Mas agora, já na qualidade de correntista do Banco da Poesia, que ele pretigiou com citações em seu blog. já desde o ano passado, esperamos que sua presença seja contínua, para o prazer dos nossos leiotres.

No poema abaixo, um autodefinição. Sobre estes versos, falou Vera Lúcia:

Um poema que deixa transparecer o quanto o seu coração continua impregnado desse amor pátrio que não enfraquece nem com o passar dos tempos, nem com barreiras.
Admiro esse patriotismo, tão raro nos dias que correm. E, pelos vistos, ao raiar do dia, a inspiração chega-lhe mais forte do que nunca. E as recordações nostálgicas de Angola, contribuiram para que este poema lindo saísse como saíu.

Rui Moio


De braço ao alto, quebrado
Como num salve
Do Império antigo e longínquo
De que somos a argamassa.
Moio, Moio yobé
Foi emoção forte
Que ficou de Cangamba
E por nome,
O nome que o pai deu
Lá na Missão do fim do Mundo
Gigantesca de obra
No Império novo de que somos parte.
De uma união mista
De História, de grandeza, de heroicidade
De sacrifício nunca cobrado
De décadas e de séculos de comunhão
Foi parido no chão quente
Um escrevinhador que se alimenta de emoção.
Mentalmente elaborado na cama, na casa da Quinta Nova, na manhã de 31Ago2009.
Recolhido pelo Banco da Poesia em Sentires Sentidos

Vila Arriaga

Paredão a pique que quase toca o céu
Medonho, assustador
Os meninos e os adultos
vivem temerosos
Das zangas do paredão

A qualquer momento
Podem chover sobre a vila
Toneladas de pedras
Toda a montanha

Quando chove
A mulola ruge
Como um trovão em contínuo
Ela leva as águas envenenadas
Na guerra dos mucubais

Vila de duas ruas,
Estação do caminho de ferro
Com hotel sem hóspedes
E pensão para gente de passagem

Tem laranjeiras grandes a meio da avenida
Escola primária com nome de escritora
Que no puto dá prémio de literatura

Quinta do administrador
Com árvores grandes e antigas
E tanque para a criançada malandra se banhar

Tem colina com miradouro
Com barulhentos lagartos de duas cores
Onde só os meninos lá chegam
Por falta de caminho bom

No sopé da colina, em casa pequenina
Habita o velho primo
Colono antigo de Vila Arriaga

Aos fins de tarde
Lá vai ele, pé ante pé
Juntar-se à cavaqueira
Com o Rocha Pinto e o Duarte

O Lauro, comerciante antigo
É o mais querido de todos
Vende fuba, peixe seco, remédios…
E um pouco de tudo o resto

Tem hospital grande
Casa do médico e do enfermeiro
E até uma ambulância desconcertada
Uma vermelha Harley com side car

Vila de gente festeira
Com muita rapariga casadoira
Tem recinto para festas
Com tecto de buganvílias em flor
Lá dentro há churrasco, rifas,
pista de dança animada com a manivela
de um velho gromofone

Ao lado do pau-bandeira
E diante da administração
É ver uma molemba grande
Que atapeta de vermelho todo o chão

Passou por lá um administrador
Fausto Ramos de seu nome
É dele a traça do clube
do parque infantil com piscina
E é dele a obra da horta e do tanque para a regar

Rui Moio – 18 de outubro de 2004

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Ilustrações: C. de A.

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Gente de Cangamba

A igreja de Cangamba foi inaugurada em 1964 ou 1965. Levantou-se rapidamente, ao lado da avenida antiga de eucaliptos. Veio a guerra russo-cubana e a destruição da airosa vila, mas… a semente da religião ficou com os sobreviventes. Eis aqui um hino ao Senhor à maneira tão bela dos coros gentílicos dos kalutchazes. E a procissão percorre a linda e histórica avenida de eucaliptos…
Rui Moio

Roberto Prado viaja sobre nuvens cósmicas

Conheci Roberto Prado de forma equivocada, durante e após a explosão de um debate internetiano em um site de literatura. Palavras trocadas, em todos os sentidos, geraram um súbito mal-estar entre pessoas que têm na poesia um elo inquebrantável de união. Talvez uma faísca gerada pelo encontro inesperado de duas gerações que se desconheciam mutuamente. Talvez nada disso, só a falha (ou defesa natural) humana da súbita raiva projetada pelo cérebro reptiliano que comanda as nossas mais primitivas reações de sobrevivência. Feitas as contas, após o retorno da razão, salvaram-se todos e surgiu a oportunidade para novas relações produtivas.Sem maiores detalhes, pois todos já saímos da UTI da quase irracionalidade, posso afirmar que restaram ricas lições a orientar os passos seguintes. Um deles, que assumi, foi procurar conhecer um dos protagonistas do debate, para verificar o seu roteiro de construtor da sensibilidade, notadamente como poeta. Descobri seu blog, Amplo Espectro, e encontrei farto material de reflexão sobre muitas coisas e poesia muita, esparramada entre textos de amigos e conhecidos.Por iniciativa de Roberto, que visitou o Banco da Poesia e aqui deixou um comentário positivo, foi inicado novo diálogo, que funda um marco de bom relacionamento com a publicação, hoje, de um poema de sua lavra, fartamente ilustrado por esta pessoa que vos escreve.

Retirei do site de Antonio Miranda o seu resumo biográfico.

Roberto Prado de Oliveira nasceu em Curltiba-PR em 31 de agosto de 1959. E publicitário e jornalista. Foi ator, autor e diretor teatral de 1975 a 1981. Para o cinema escreveu os roteiros de Barbabel, média-metragem, 1997, com Rodrigo Barros Homem Del Rei; Em Nome da Honra, longa- metragem sobre obra de Domingos Pellegrini Jr., 1999, com Aníbal Marques; Você é Bom, média metragem, 2000, com Antonio Augusto Freitas.

Publicou, pela Lagarto Editores, os livros com poemas escritos em parceria com Antonio Thadeu Wojciechowscki, Marcos Prado (seu irmão, já falecido), Sérgio Viralobos, Edilson Del Grossi: OSS – Poemas a 2, 4, 6 ou 8 mãos; Dois mais dois são três em um; Pérolas aos poukos; Erdeiros do azar; Eu, aliás, nós.

Traduziu, com Marcos Prado, Thadeu Wojciechowski, Sérgio Viralobos e Edilson Del Grossi: O Corvo, de Edgar Allan Põe (Curitiba, 1.° edição em póster, 1985 e 2.° edição trilingue, São Paulo, editora Expressão, 1987); Os Catalépticos (Lagarto Editores, 1991), com traduções de Dante Alighieri, Yeats, Rimbaud, Baudelaire, Camões, Edgar Allan Põe, Adam Mickiewicz e Shakespeare; em 2001, em colaboração com Alberto Centuriâo de Carvalho e António Thadeu Wojciechowski, publicou uma livre adaptação em forma de poemas de Tao – O Livro, de Lao Tse. Individualmente, publicou Sim Senhor às suas ordens isto é um Motim (Lagarto Editores, 1994).

Como compositor, teve várias canções gravadas pelo grupo Beip AA Força, nos discos Que me quer o Brasil que me persegue (1990); Música ligeira nos países baixos (1993); Sem suingue (1996) e Barbabel (1998); Lábia Pop (Carta ao ídolo, 1991); Missionários (Wo is WxO, 1992); com Talara (Jogo de espelhos, 1979) e na coletânea Cemitério de Elefantes (diversos, 1990), “1”, diversos (1994); Network, Vol. 1 (Sheffield, Inglaterra, 1993); Grupo Fato (Fogo Mordida, 1996), Sidail César (Chega de Choro, 1998), Adriano Sátiro (A caminho do céu, 1998).

No pouco relacionamento, já descobrimos que temos algo em comum, a admiração pelo poeta goiano Gilberto Mendonça Teles, que elogiou seus versos quando passou, há alguns anos, por Curitiba.

Em breve, notícias mais atualizadas, que poderão ser fornecidas depois pelo próprio poeta. A ele, nossas boas-vindas e a remessa, desde já, de seu certificado de correntista do Banco da Poesia.

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Ó, céus!

Roberto Prado, Curitiba

deliberações sintéticas da ordem dos geômetras nefelibatas

1. Um grande sólido geométrico.

mal de deserto com água se cura
nada por perto, chover é precipitação
cúmulo mesmo é formar uma figura
nuvem que deixa ver densa a solidão

2. Elementos obedientes.

de olhos fechados eu desvendo
pobre cego de tanta idiotia
mistérios? esse sol nascendo
só para comprovar minha teoria

3. Supremacia da fórmula.

com a ajuda do meu céu
de nuvens esparsas fiz uma você
agora que eu passei para o papel
não está mais aqui quem te vê

4. Compasso de esfera.

o sol é um sólido insolente
o belo horizonte, uma linha
eu traço e eis o nascente
no ninho, poente, a galinha

5. Linha férrea.

mesmo contando nos dedos
tudo o que eu calculo bate
desastre não tem segredos
agora sim, astros, ao debate

Vicente Ailexandre, um Nobel espanhol

Vicente Pío Marcelino Cirilo Aleixandre y Merlo, poeta espanhol, nasceu em Sevilha, em 1898, mas passou a sua infância em Málaga, onde foi colega de escola do futuro escritor Emilio Prados. Filho de uma família da burguesia espanhola, seu pai era engenheiro de estradas de ferro. Mudou-se para Madri, onde cursou Direito e Comércio. Em 1919 licenciou-se em Direito e obteve o título de intendente mercantil. Exerceu funções de professor de Direito Mercantil a partir de 1920 até 1922, na Escola de Comércio.

Em 1917 conheceu Dámaso Alonso, em Las Navas del Marqués, onde veraneava, e, através deste contato, descobre Rubén Darío, Antonio Machado e Juan Ramón Jiménez. Inicia, deste modo, uma profunda paixão pela poesia.

A sua saúde começa a deteriorar-se em 1922. Em 1925 diagnosticaram-lhe uma nefrite tuberculosa, que termina com a extirpação de um rim, operação realizada em 1932. Publicou os seus primeiros poemas na Revista de Occidente, em 1926. Conhece e relacionou-se com Cernuda, Altolaguirre, Alberti e García Lorca. Depois da Guerra Civil não se exilou, apesar das suas ideias políticas. Permaneceu na Espanha e foi galardoado com o “Prêmio Francisco Franco”, em 1949, e transformou-se num dos mestres e exemplos para os poetas jovens.

Sua primeira obra foi Ámbito (1928), dentro da linha de la poesia pura. Em 1927 publicou Espadas como labios, e em 1933 La destrucción o el amor, seguramente sua obra mais importante, segundo seus exegetas. Em 1935 apareceram as prosas poéticas de Pasión en la tierra. Depois da guerra, sua produção poética foi abundante. Destacam-s Sombra del paraíso (1944), Historia del corazón (1954), En un vasto dominio (1962), Poemas de la consumación (1968) e Diálogos del conocimiento (1974). Em 1949 tornou-se acadêmico da Língua Espanhola e, em 1977, recebeu o Prêmi0 Nobel de Literatura.

Morreu em Madri, em 1984.

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La Ventana

Vicente Aleixandre, Espanha
Cuánta tristeza en una hoja del otoño,
dudosa siempre en último extremo si presentarse como cuchillo.
Cuánta vacilación en el color de los ojos
antes de quedar frío como una gota amarilla.
Tu tristeza, minutos antes de morirte,
sólo comparable con la lentitud de una rosa cuando acaba,
esa sed con espinas que suplica a lo que no puede,
gesto de un cuello, dulce carne que tiembla.
Eras hermosa como la dificultad de respirar en un cuarto cerrado.
Transparente como la repugnancia a un sol ubérrimo,
tibia como ese suelo donde nadie ha pisado,
lenta como el cansancio que rinde al aire quieto.
Tu mano, bajo la cual se veían las cosas,
cristal finísimo que no acarició nunca otra mano,
flor o vidrio que, nunca deshojado,
era verde al reflejo de una luna de hierro.
Tu carne, en que la sangre detenida apenas consentía
una triste burbuja rompiendo entre los dientes,
como la débil palabra que casi ya es redonda
detenida en la lengua dulcemente de noche.
Tu sangre, en que ese limo donde no entra la luz
es como el beso falso de unos polvos o un talco,
un rostro en que destella tenuemente la muerte,
beso dulce que da una cera enfriada.
Oh tú, amoroso poniente que te despides como dos brazos largos
cuando por una ventana ahora abierta a ese frío
una fresca mariposa penetra,
alas, nombre o dolor, pena contra la vida
que se marcha volando con el último rayo.
Oh tú, calor, rubí o ardiente pluma,
pájaros encendidos que son nuncio de la noche,
plumaje con forma de corazón colorado
que en lo negro se extiende como dos alas grandes.
Barcos lejanos, silbo amoroso, velas que no suenan,
silencio como mano que acaricia lo quieto,
beso inmenso del mundo como una boca sola,
como dos bocas fijas que nunca se separan.
¡Oh verdad, oh morir una noche de otoño,
cuerpo largo que viaja hacia la luz del fondo,
agua dulce que sostienes un cuerpo concedido,
verde o frío palor que vistes un desnudo!

A Janela

Quanta tristeza em uma folha do outono,
duvidosa sempre no último extremo se se apresenta como navalha.
Quanta vacilação na cor dos olhos
antes de ficar frio como una gota amarela.
Tua tristeza, minutos antes de morrer,
somente comparável com a lentidão de uma rosa quando acaba,
essa sede com espinhos que suplica ao que não pode,
gesto de um pescoço, doce carne que treme.
Eras formosa como a dificuldade de respirar em um quarto fechado.
Transparente como a repugnância a um sol ubérrimo,
tíbia como esse solo onde ninguém jamais pisou,
lenta como o cansaço que rende o ar quieto.
Tua mão, sob a qual se viam as coisas,
cristal finíssimo que nunca acariciou outra mão,
flor ou vidro que, nunca desfolhado,
era verde ao reflexo de uma lua de ferro.
Tua carne, em que o sangue detido apenas consentia
uma triste borbulha rompendo entre os dentes,
como a débil palavra que quase já é redonda
detida na língua docemente de noite.
Teu sangue, em que esse limo onde não entra a luz
é como o beijo falso de pós ou um talco,
um rosto em que cintila tenuamente a morte,
beijo doce que dá uma cera esfriada.
Ó tu, amoroso poente que te despedes como dois braços amplos
quando por uma janela agora aberta a esse frio
uma fresca borboleta penetra,
asas, nome ou dor, pena contra a vida
que segue voando com o último raio.
Ó tu, calor, rubi ou ardente pluma,
pássaros acesos que são núncio da noite,
plumagem com forma de coração colorado
que no negro se estende como duas asas grandes.
Barcos distantes, silvo amoroso, velas que não soam,
silêncio como mão que acaricia o quieto,
beijo imenso do mundo como uma só boca,
como duas bocas fixas que nunca se separam.
Ó verdade, ó morrer uma noite de outono,
corpo imenso que viaja rumo à luz do fundo,
água doce que sustentas um corpo concedido,
verde ou fria palidez que vestes um desnudo!

A Don Luis de Góngora

Vicente Ailexandre

¿Qué firme arquitectura se levanta
del paisaje, si urgente de belleza,
ordenada, y penetra en la certeza
del aire, sin furor y la suplanta?

Las líneas graves van. Mas de su planta
brota la curva, comba su justeza
en la cima, y respeta la corteza
intacta, cárcel para pompa tanta.

El alto cielo luces meditadas
reparte en ritmos de ponientes cultos,
que sumos logran su mandato recto.

Sus matices sin iris las moradas
del aire rinden al vibrar, ocultos,
y el acorde total clama perfecto.

A Dom Luís de Gôngora

Que firme arquitetura se levanta
da paisagem, se urgente de beleza,
ordenada, e penetra na certeza
do ar, sem furor e a suplanta?

As linhas graves vão. Mas dessa planta
brota a curva, torce sua justiça
na cúpula, e respeita a cortiça
intacta, cárcere para pompa tanta.

O alto céu luzes meditadas
reparte em ritmos de poentes cultos,
que sumos logram seu mandato estreito.

Seus matizes sem Iris as moradas
do ar rendem ao vibrar, ocultos,
e o acorde total clama perfeito.

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Versão ao Espanhol e ilustrações: C. de A.

Marilda Confortin abre a mão (e o coração) e faz novos depósitos

Olhar materno

Marilda Confortin, Curitiba
Olhar materno - Cleto de Assis

A menina dos seus olhos

envelheceu

sem ru(s)gas

Vá, idade

Vá-idade Cleto de Assis

dobra os joelhos

doma o orgulho

aceita os conselhos

do espelho

Às vezes acho que te amo, mas logo passa

acho_que_te_amo Cleto de Assis
É quando chove.

Tremulo, umedeço,
emulo terra no cio.

Choro.

Quando estio, te evaporo

Às vezes acho que te amo.

É quando acordo e rebooto.
Reinstalo saberes, sabores,
deleito lembranças,

reluto deletar-te.
Salvo-temporariamen-te

Quando rio, diluo,
deságuo em teus braços afluente,

fluo,
esqueço que sou

somente um riacho.

Às vezes acho que te amo…

Sonho, extasio,
fixo o olhar no vazio

da saudade.

Mas tem sempre
um maldito mosquito
que voa de repente,
trazendo-me de volta
à realidade.

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Ilustrações: C. de A.

Buma, um africano na Europa

Vera Lúcia Kalahari envia mais uma crônica. Desta vez conta a história de Buma, símbolo do africano de fala portuguesa que procura atingir o horizonte da felicidade em Lisboa, capital da pátria-mãe. Muito parecida com as sagas de tantos brasileiros que buscam o sonho da cidade grande ou de outros países e, muitas vezes, somente encontram pesadelos. Está na página de Crônicas, número 10.

O Poder da Palavra

Continuamos com nossa campanha publicitária em favor da Poesia.

Poder_da_Palavra_Cleto_de_Assis

A salvadorenha Yanira Soundy

A dona dos belos poemas publicados abaixo vem de El Salvador, na América Central.  A nova poeta que o Banco da Poesia recebe agora é Yanira Soundy,  nascida em novembro de 1964, filha do arquiteto e pintor Edgar Soundy e Amália Trigueros de León de Soundy. Tem três filhos, Camila Marisol, Rebeca Lourdes e Edgard. É sobrinha do escritor e editor Ricardo Trigueros de León.

Advogada , escritora e colunista, publicou as primeiras linhas de seus contos e prosas poéticas nas páginas de La Prensa Gráfica, com a idade de 19 anos.Em 1987, colaborou com sua poesia em Filosofía, Arte y Letras e em El Diario de Hoy e  com artigos e reportagens sobre direitos humanos em ambos os veículos. Neste fazer jornalístico obteve o Prêmio Nacional UNICEF – Imprensa Escrita, no ano de 1992.

Yanira Soundy ganhou o  Prêmio Santillana IPEC, outorgado pela Fundação Santillana para Ibero-América no ano de 1998, graças a seu trabalho Comunicação Total para Crianças Surdas. Recebeu também o Prêmio Versal Editores em 1999, pelo qual sua obra foi selecionada para participar da antologia poética Las Caras del Amor (Andover, Massachussets, Estados Unidos e Québec, Canadá), com distribuição em trezentos países do mundo.

No ano 2001 o Centro Nacional de Registro de El Salvador lhe conferiu a honra de reconhecer sua trajetória e seu trabalho como escritora e poeta salvadorenha em nível nacional e, no ano de 2002,sua obra é publicada no livro Poésie Salvadorienne du XXe Siécle, editado na Suíça pela especialista em História da Literatura Latino-americana Maria Poumier. Em 2003 recebeu da Assembléia Legislativa de El Salvador o reconhecimento por haver apresentado à Comissão de Legislação e Pontos Constitucionais propostas de reformas à Constituição da República de seu país  e diferentes leis complementares em favor de pessoas surdas e pessoas cegas, com o propósito de que estas tenham a capacidade plena para celebrar atos jurídicos, públicos e privados, em forma legal. Em 2004 recebeu o reconhecimento honorífico  da Fundação Avon da América Central por seu trabalho e favor da comunidade surda salvadorenha.

Tito Mosquera Irurita, advogado, escritor, professor e  ex-Embaixador da Colômbia em El Salvador,  se referiu a ela, dizendo que “a elegância literária de Yanira reside, em minha  opinião, no pretender ser elegante,rebuscada ou erudita. Seu léxico é o de cada dia, como água cristalina da fonte. Nos versos de Yanira há uma palpitação tão forte de vida, um ritmo iminente tão espontâneo e tão cálido que seus poemas nos põem em comunicação direta com a emoção que lhes deu origem, no que esta emoção tem de incoercível e de vital.”

Fonte: http://www.artepoetica.net/yanirasoundy.htm

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A ese hombre

Yanira Soundy, El Salvador


Pienso en ese hombre que besa
como si el mar fuera a desbordarse,
que siembra su sonrisa en mi piel con la altivez de la espiga,
que dibuja mi soledad sobre la niebla.

Pienso en ese hombre, dócil a mis ojos, fiel, pleno, íntegro.
En su vuelo humedecido sin tiempo y sin espacio.
Como primavera sobre el trigo del otoño.

Pienso en ese hombre que inventa soles, aguas de seda al tacto
y una verdad sencilla para amarme.
Ese hombre cierto, inconstante, mío.
En el callado temblor de sus latidos,
en sus ojos de oscuros desafíos.

Pienso en ese hombre que me espera con dulce arrobamiento.
En su cabello de trigo que me inunda
en un pleamar de pétalos y trinos.

Ese hombre:
Sol salvaje, río de música y silencio, pájaro en el alba.
Pienso en ese hombre
y hay aroma en la música y color en el aroma,
claveles recién abiertos y flores niveas en mis sueños.

A esse homem

Penso nesse homem que beija
como se o mar fora desbordar-se,
que semeia seu sorriso en minha pele com a altivez da espiga,
que desenha minha solidão sobre a névoa.

Penso nesse homem, dócil a meus olhos, fiel, pleno, íntegro.
Em seu voo umedecido sem tempo e sem espaço.
Como primavera sobre o trigo do outono.

Penso nesse homem que inventa sóis, águas de seda ao tato
e uma verdade singela para amar-me.
Esse homem certo, inconstante, meu.
No calado tremor de suas pulsações,
em seus olhos de escuros desafios.

Penso nesse homem que me espera com doce arrebatamento.
Em seu cabelo de trigo que me inunda
em um preamar de pétalas e trinos.

Esse homem:
Sol selvagem, rio de música e silêncio, pássaro na alba.
Penso nesse homem
e há aroma na música e cor no aroma,
cravos recém abertos e flores níveas em meus sonhos.

Esa mujer

Yanira Soundy, El Salvador


Soy esa mujer, la que no amas. El seno desnudo de tu
agónica luz, el enjambre prendido de tus ramas, el cristal
que sueña tu mirada.

Soy esa mujer, la que no amas. Breña, mata, punzante
jarra, calle muda por donde no se escuchan tus pasos y
cuerpo desnudo para el eclipse de tus ojos.

Soy esa mujer, la que te toca demente.
Mil veces presa de ti en la delgadez del agua.
Pecho en fiebre que ambiciona tus besos, solo, adusto,
hecho pámpano ardiente.

Soy el anhelo inseguro que te acecha, la palabra que se
deslíe de tus labios húmedos chispeante entre la niebla.

Soy esa mujer, la que espera por ti, y sigue la ruta de tus
manos, tu cuello, tu voz y tus caminos. La que guarda tu
pasión, desafiando al escollo y la calma, olvidando tu
incansable deseo de volar, y ser en mí tan sólo agua al
trasluz y cielo de mi costa.

Soy esa mujer, un espacio inmenso, torrente en tu valle,
murmullo de tu ráfaga, amor que late en lo infinito, firme
y deslumbrante. Esa que siembra los surcos y su orgullo
entre las flores.

Y tú, hombre: pena y alegría, no aprendes que después
será muy tarde.

Essa mulher

Sou essa mulher, a que não amas. O seio desnudo de tua
agônica luz, o enxame pendido de teus ramos, o cristal
que sonha teu olhar.

Sou essa mulher, a que não amas. Brenha, mata, pungente
jarra, rua muda por onde não se escutam teus passos e
corpo desnudo para o eclipse de teus olhos.

Sou essa mulher, a que te toca demente.
Mil vezes presa de ti na delgadez da água.
Peito em febre que ambiciona teus beijos, solo, adusto,
feito sarmento ardente.

Sou o anseio inseguro que te espreita, a palavra que se
dilui de teus lábios úmidos faiscante entre a névoa.

Sou essa mulher, a que espera por ti, e segue a rota de tuas
mãos, teu pescoço, tua voz e teus caminhos. A que guarda tua
paixão, desafiando o escolho e a calmaria, esquecendo teu
incansável desejo de voar, e ser em mim tão somente água à
contraluz e céu de minha costa.

Sou essa mulher, um espaço imenso, torrente em teu vale,
murmúrio de tua lufa, amor que pulsa no infinito, firme
e deslumbrante. Essa que semeia os sulcos e seu orgulho
entre as flores.

E tu, homem: pena e alegria, não aprendes que depois
será muito tarde.

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Versão ao Espanhol e Ilustrações: C. de A.

Walter Bezerra a imaginar com John Lennon e Ayrton Senna

Walter Bezerra, correntista de Maceió que abriu conta recentemente no Banco da Poesia (ver aqui), nos envia mais depósitos. O poema abaixo, inspirado no Imagine, de John Lennon, e uma crônica sobre a chegada de Ayrton Senna no céu e a conversa com seus anfitriões. Leia na página de Crônicas, número 9.

Imagine ( outra versão)

Walter Bezerra, Maceió


Imagine não existir Justiça, ONU, Constituição, Código Penal, presídios,

e mesmo assim fossem  os homens  pacíficos, justos e honestos.

Imagine que não haja muçulmanos, judeus, brancos, negros, amarelos e índios, apenas pessoas.

Imagine não existir Tratados, Concílios e Conferências, apenas consciência e voluntariedade.

Imagine que não exista  São Paulo, Flamengo, Barcelona, Liverpool e Boca, apenas a beleza e a emoção do gol.

Nenhum preconceito ou discriminação, somente respeito.

Imagine não existir  ignorância, devoção, lavagem cerebral, nenhuma idolatria.

Imagine nenhum soldado ou general, nenhum míssil ou bomba nuclear.

Imagine que não exista  Natal, nem papai Noel, e mesmo assim sejam os homens fraternos e solidários.

Imagine que não haja futuro, simplesmente esse instante.

Imagine, Lennon, se existissem no mundo milhões e milhões  de pessoas como você.

Imagine se todos tivessem a doçura e a lucidez de Carlitos.


Manoel de Andrade comenta Florbela Espanca

A propósito do post sobre Florbela Espanca, Manoel de Andrade fez um comentário em forma de soneto que merece ganhar a primeira página.

Florbela


.……………………………….

Obrigado, Cleto amigo
por abrir essa janela
e poder olhar contigo
o coração da Florbela.

Encanto, dor e lirismo
e uma triste biografia.
Amor, chama e pessimismo
ardendo na poesia

Onde ecoa agora o canto
daquela alma inquieta
que o mundo aqui não esquece?

Peço a Deus, nesse recanto,
lhe chegue deste poeta,
seu louvor e sua prece.

Florbela Espanca há 93 anos

Florbela Espanca morreu com 36 anos. Jovem e ainda bela flor. Seu sobrenome raro, herdado de pai natural, que só lhe perfilharia 18 anos após sua morte, poderia mais anunciar as agressões sofridas durante a sua curta vida, que as que dela jamais partiram. Permaneceu durante toda a vida com a terrível marca em sua certidão de nascimento: “filha ilegítima de pai incógnito”. Na realidade, ela teve vida familiar, pois a esposa legal de João Maria Espanca tomou a responsabilidade de, como madrinha, criá-la e educá-la, assim como também ocorreu mais tarde com seu irmão Apeles, gerado por mesmo pai e mesma mãe.

Ela tinha mais poesia e ritmo em seu nome completo: Florbela d’Alma da Conceição Espanca. E descobriu a poesia muito cedo e conheceu as variadas reações da sociedade portuguesa da primeira metade do Séc. XX, a exemplo do que ocorreu com outra poeta sua contemporânea, Virgínia Victorino (ver aqui). Três casamentos, celebridade e decepções prematuras, talvez um sentimento de amor pela morte, à qual não temia, conforme escreveu: “A morte pode vir quando quiser: trago as mãos cheias de rosas e o coração em festa”.

Romântica, buscou o amor em três casamentos e se fala em um quarto romance, já no final da vida, que teria sido uma das causas do encontro premeditado pela morte. Pois ela morreu exatamente quando completava seu 36º aniversário, por meio de uma dose excessiva de Veronal, o primeiro barbitúrico posto à venda por laboratórios, de efeitos sedativos e soníferos.

Mesmo sua morte — embora aparentemente marcada por um ritual quase literário, pela escolha do dia de seu nascimento e de seu primeiro casamento — também foi envolta em mistérios: há quem conteste o suicídio, já que seu último marido era médico e deveria tê-la impedido de estar rodeada de tantas drogas. Além disso, relata-se a visível calma do esposo ao encontrá-la morta e dar a notícia aos familiares. Para tornar ainda mais misterioso o infausto ato, seu atestado de óbito foi assinado por um carpinteiro, apesar da profissão do marido.

E porque estou escrevendo um pouco da história de Florbela? Primeiro, antiga admiração pela poeta portuguesa, também contemporânea do poeta maior Fernando Pessoa. Depois, porque acabei de ler o livro Poemas – Florbela Espanca (Martins Fontes, 2004), edição preparada por Maria Lúcia Dal Farra, igualmente responsável por outros trabalhos sobre a poeta. O livro transcreve as seis principais obras de Florbela  — Trocando Olhares (1913-1917); Livro de Mágoas (1919); Livro de “Sóror Saudade” (1923); Charneca em Flor (prduzida antes de sua morte, mas editada no ano seguinte, 1931); Reliquae (também póstuma, 1931) e Esparsa Seleta (que reúne poemas escritos de 1917 a 1930). Maria Lúcia Dal Farra faz primorosos estudos sobre a poeta e sua obra e nos oferece uma síntese biográfica comentada e a bibliografia de Florbela.

Mas a principal razão deste post é a coincidência de datas. Hoje, 30 de abril, completam-se exatamente 93 anos do término do primeiro manuscrito poético de Florbela Espanca, Trocando Olhares, o último livro a ser publicado, em 1994, também com organização e notas de Maria Lúcia Dal Farra. E terminar um livro é, para o escritores, a decisão de entregá-lo à leitura pública. Portanto, há 93 anos, Florbela d’Alma da Conceição Espanca entrava no reino universal e eterno da Poesia doada à vida e ao mundo.

A festa de aniversário será enfeitada por poemas desse seu primeiro livro. (C. de A.)

Dedicatória

É só teu meu livro; guarda-o bem;
Nele floresce nosso casto amor
Nascido neste dia em que o destino
Uniu o teu olhar à minha dor!

Poetas


Ai as almas dos poetas
Não as entende ninguém;
São almas de violetas
Que são poetas também.

Andam perdidas na vida,
Como as estrelas no ar;
Sentem o vento gemer
Ouvem as rosas chorar!

Só quem embala no peito
Dores amargas e secretas
É quem em noites de luar
Pode entender os poetas.

E eu que arrasto amarguras
Que nunca arrastou ninguém
Tenho a alma pra sentir
A dos poetas também!

08/01/1916

Mentiras

“Ai quem me dera uma feliz mentira
Que fosse uma verdade para mim!”
Júlio Dantas


Tu julgas que eu não sei que tu me mentes
Quando o teu doce olhar poisa no meu?
Pois julgas que eu não sei o que tu sentes?
Qual a imagem que alberga o peito teu?

Ai, se o sei, meu amor! Eu bem distingo
O bom sonho da feroz realidade…
Não palpita d’amor, um coração
Que anda vogando em ondas de saudade!

Embora mintas bem, não te acredito;
Perpassa nos teus olhos desleais,
O gelo do teu peito de granito…

Mas finjo-me enganada, meu encanto,
Que um engano feliz vale bem mais
Que um desengano que nos custa tanto!

10/03/1916

Maior Tortura

Na vida para mim não há deleite,
Ando a chorar convulsa toda a noite,
E não tenho nem sombra em que me acoite,
E não tenho uma pedra em que me deite!

Ah! Toda eu sou sombras, sou espaços!
Perco-me em mim na dor de ter vivido!
E não tenho a doçura duns abraços
Que me façam sorrir de ter nascido!

Sou como tu um cardo desprezado,
A urze que se pisa sob os pés,
Sou como tu um riso desgraçado!

Mas a minha tortura inda é maior:
Não sou Poeta assim como tu és
Para concretizar a minha dor.

Com o título de “A Minha Tortura”, e dedicado “A um grande poeta de Portugal”, esse soneto comparece refundido em Livro de Mágoas (Nota de Maria Lúcia Dal Farra)

A Maior Tortura

Na vida, para mim, não há deleite.
Ando a chorar convulsa noite e dia…
E não tenho uma sombra fugidia
Onde poise a cabeça, onde me deite.

E nem flor de lilás tenho que enfeite
A minha atroz, imensa nostalgia!…
A minha pobre Mãe, tão branca e fria
Deu-me a beber a Mágoa no seu leite!

Poeta, eu sou um cardo dsprezado
A urze que se pisa sob os pés.
Sou, como tu, um riso desgraçado!

Mas a minha tortura inda é maior:
Não ser poeta assim, como tu és,
Para gritar num verso a minha Dor!…

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Ilustrações: C. de A.