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Walter Bezerra, de Maceió, reflete sobre o Fim do Mundo

Crônica sobre o fim do mundo

Sabemos que o mundo não se acabou no ano 2000, frustrando a interpretação de uma das centúrias do astrólogo, astrônomo, alquimista, erudito e mago francês Michel Nostradamus.

Agora, os donos da bola de cristal estão afirmando que o dia 21 de dezembro de 2012 será o fim do mundo (ou o início de um novo ciclo, como dizem os mais românticos), segundo previsão apocalíptica baseada na cultura maia.

O pressentimento é que o Sol nascerá, no tal dia, aliado ao planeta e ao centro da Via Láctea, um fato astronômico que só acontece a cada 26 mil anos e que provocará o cataclismo, causando o fim da vida na Terra.

Em alguns países, como na Espanha, as pessoas de alto poder econômico estão construindo, em sistema de cooperativas, os famosos bunkers, refúgios subterrâneos emergenciais, para se protegerem da possível explosão do planeta.

Os bunkers permitem que as pessoas permaneçam no interior deles até 3 anos, respirando ar puro e sobrevivendo à base de medicamentos e alimentos estocados. Eles estão protegidos por uma capa de 60 centímetros de concreto e contam com filtros de partículas radioativas para evitar a infiltração de resíduos tóxicos ou a passagem de radiação ou bactérias.

A história dos bunkers é uma realidade inconteste. Mas, digamos que as pessoas realmente acreditem que o mundo vai se acabar em 21 de dezembro, eu fico a imaginar, cá da minha porção vidente hilária, o que poderia acontecer diante dos efeitos colaterais causados pela síndrome do pânico generalizada:

Milhares e milhares de mulheres grávidas desesperadas por não poderem sequer conhecer a cara dos frutos de seus ventres;

Mulheres casadas – reprimidas, sofridas e traídas por seus maridos – pulando, por simples vingança, a cerca pela primeira e última vez;

Outras revelando, para seus maridos mulherengos, que tais filhos não são deles, mas dos vizinhos, patrões e pés de lã;

Outras ainda, agora decididas e encorajadas, revelando suas fantasias sexuais a seus maridos, namorados e parceiros de cama conservadores e recatados sexualmente;

Caretas e falsos moralistas experimentando maconha, cocaína, LSD e outras drogas alucinógenas e “reveladoras”;

Pais repressores, arrependidos, pedindo perdão a seus filhos;

Boa percentagem dos católicos, evangélicos, mulçumanos, espíritas e outros crédulos rogando a Deus para que lhes salve as almas, posto que só eles – por serem religiosos confessos e praticantes – merecem mais do que ninguém sobreviver à tragédia;

Centenas de milhares de agnósticos saindo de cima do muro e fazendo opção definitiva por Deus;

Empresários e milionários gastando tudo com viagens, extravagâncias e orgias;

Maus políticos, insaciáveis, promovendo a farra do Dinheiro Público dos Últimos Dias;

Homens e mulheres de bem revelando seus quinhões corruptos camuflados;

Multidões incautas, pobres, honestas e sem grandes ambições jogadas ao deus-dará;

Empregados e bajuladores mandando seus gerentes, diretores e patrões tomarem no devido lugar;

Formação acirrada e célere de cartéis, empresários majorando os preços, inflação a todo pique;

Devedores rindo da cara de seus credores;

Aproveitadores e caloteiros adquirindo tudo a crédito: carros de luxo, lanchas, vinhos, uísques, jóias, casacos de couro e perfumes caríssimos, visando desfrutar os (últimos) prazeres da vida;

Todo mundo, pessoas jurídicas e físicas, sonegando impostos, provocando a falência múltipla de países, estados e municípios e quebrando, por osmose, seus funcionários e fornecedores;

Tchau, tchau serviços essenciais públicos (saúde, segurança, educação etc.)!;

Estupradores de plantão violentando ídolos, divas e paixões adormecidas e dissimuladas;

Homossexuais enrustidos assumindo suas opções e preferências sexuais,

Vegetarianos devorando carnes, inclusive vermelhas, e naturalistas comendo produtos de origem animal, incluindo enlatados;

Naturistas e exibicionistas desfilando nus pelas ruas, sem nenhum pudor ou constrangimento;

Comercialização massificada de confessionários eletrônicos aplicados em iPhones, (concessão já aprovada pela Igreja Católica), e a efervescência da prática do Sacramento da Confissão nas paróquias de todo o mundo;

O Vaticano revelando, ainda que tarde, seus segredos históricos e eclesiásticos guardados secularmente a sete chaves;

Líderes de todas as facções religiosas revelando – em confissão e por desencargo de consciência – que Dostoiévski, Nietzsche, Saramago, Chaplin, Galilei, Reich, Freud, Einstein, Huxley, Epicuro, Fernando Pessoa, Thomas Edison, Charles Darwin e Lennon, entre inúmeros gênios, eram figuras sapientes, confiáveis, generosas e amáveis, dignos de serem ouvidos e seguidos;

A NASA tirando do baú e divulgando, embora sem mais nenhuma serventia, suas descobertas científicas e pesquisas espaciais sigilosas;

Terroristas e homens-bombas explodindo de raiva, revoltados com o efeito bumerangue;

Todo mundo, incluindo aidéticos, praticando sexo sem camisinha;

Pedófilos dissimulados praticando suas taras imorais e esdrúxulas;

Psicanalistas, psicólogos e terapeutas irresponsáveis seduzindo seus pacientes;

Homofóbos, racistas, chauvinistas, xenófobos e preconceituosos em geral praticando calorosamente suas aversões nefastas;

Depravação, obscenidade, parentes copulando com parentes, Sodoma e Gomorra se reeditando, tudo como Satã quer e gosta;

Pessoas revoltadas fazendo justiça com as próprias mãos, visando, por exemplo, vingar a morte do irmão assassinado ou a da mãe acidentada no trânsito;

Pessoas injustiçadas dando, numa atitude revanchista, o troco a seus déspotas e opressores;

Oportunistas e caras de pau vendendo terrenos na Lua e em Marte, à vista e em espécie, com desconto de 90%;

Internautas inescrupulosos espalhando boatos e defecando nas redes sociais contra seus desafetos;

Desesperados querendo ser tornar, a todo custo, cobaias de extraterrestres, só para fugir da catástrofe;

Propaganda de lançamento de um novo produto: Fique invisível e se livre da explosão mundial!

Grandes laboratórios farmacêuticos futurando zilhões e zilhões de euros com a pandemia de doenças como a antlofobia, astrofobia, brontofobia, termofobia, calipsefobia, demonofobia, somnifobia, meteorofobia e necrofobia, entre outros transtornos de ansiedade de nomes morfológica e semanticamente psicodélicos;

Superpotências pedindo perdão à Humanidade pela ganância capitalista e ocupações imperialistas, que causaram guerras e mortes de milhões de pessoas inocentes em diversos continentes do Planeta.

Enfim, se as pessoas acreditassem plenamente na previsão apocalíptica, o fim do mundo seria um verdadeiro deus nos acuda, uma bagaceira sem igual.

Mas, se eu fosse Deus, não destruiria o mundo não. Faria algumas reformas essenciais, justas e necessárias

Primeiro ato: em vez de Terra, o planeta passaria a se chamar Paz!

Em seguida, ignoraria essa conversa de herdeiros  do pecado original. Nada de pagar o justo pelo pecador! Nem aqui, nem na China!

Chega de tragédias: não haverá terremotos, tsunamis, tornados, vulcões, dilúvios ou qualquer outro fenômeno natural destrutivo em nenhum lugar do mundo!

Eu, o Todo-Poderoso, acabaria com a indústria bélica. Não haverá bombas nucleares, mísseis e nenhum tipo de arma de fogo sobre o planeta!

Eu, o Criador Onipresente, faria a reforma racial: não haverá brancos, negros, amarelos, índios.Todos serão coloridos!

Eu, o Soberano Onipotente, implantaria a reforma geográfica: não haverá país maior que outro! Todos terão os mesmos metros quadrados e a mesma quantidade de recursos e belezas naturais! Todos falaram uma só língua e suas moedas correntes terão o mesmo valor cambial! Não haverá mais superpotências e nem impérios!

Eu, o Supremo Magistrado, faria a reforma moral: fora todos os corruptos, crápulas, usurpadores e ditadores de qualquer tendência político-ideológica!

Eu, o Senhor da Democracia, promoveria também a reforma social: todos serão realmente iguais perante a lei e gozarão dos mesmos privilégios materiais e culturais!

Eu, o Sumo Sacerdote da Alma, faria, com urgência e sem pestanejar, a reforma religiosa e espiritual: a partir de hoje, a religião do planeta será o Amor!

E, por fim, eu, o Onisciente, decretaria: não tentarás contra a natureza. A partir de agora, a consciência ecológica passará a ser matéria disciplinar obrigatória em todas as escolas do planeta Paz!

Walter Bezerra

(ilustração de Cleto de Assis)

 

Walter Bezerra a imaginar com John Lennon e Ayrton Senna

Walter Bezerra, correntista de Maceió que abriu conta recentemente no Banco da Poesia (ver aqui), nos envia mais depósitos. O poema abaixo, inspirado no Imagine, de John Lennon, e uma crônica sobre a chegada de Ayrton Senna no céu e a conversa com seus anfitriões. Leia na página de Crônicas, número 9.

Imagine ( outra versão)

Walter Bezerra, Maceió


Imagine não existir Justiça, ONU, Constituição, Código Penal, presídios,

e mesmo assim fossem  os homens  pacíficos, justos e honestos.

Imagine que não haja muçulmanos, judeus, brancos, negros, amarelos e índios, apenas pessoas.

Imagine não existir Tratados, Concílios e Conferências, apenas consciência e voluntariedade.

Imagine que não exista  São Paulo, Flamengo, Barcelona, Liverpool e Boca, apenas a beleza e a emoção do gol.

Nenhum preconceito ou discriminação, somente respeito.

Imagine não existir  ignorância, devoção, lavagem cerebral, nenhuma idolatria.

Imagine nenhum soldado ou general, nenhum míssil ou bomba nuclear.

Imagine que não exista  Natal, nem papai Noel, e mesmo assim sejam os homens fraternos e solidários.

Imagine que não haja futuro, simplesmente esse instante.

Imagine, Lennon, se existissem no mundo milhões e milhões  de pessoas como você.

Imagine se todos tivessem a doçura e a lucidez de Carlitos.


Um paulistano nas Alagoas: Walter Bezerra

Ganhamos um novo correntista: Walter Bezerra nos escreve de  Maceió,  de Alagoas, onde vive. E conta quem é: “Não tenho muito a falar de mim. Nasci paulistano em 1959, mas sou alagoano até a alma. Sou publicitário por convicção e poeta, contista, cronista e compositor por insistência. Como sempre vivi no ostracismo voluntário, não tenho nenhuma obra publicada, a não ser uma mísera participação numa coletânea de poetas alagoanos”.

E prossegue: “Fui redator das principais agências de publicidade do Recife, como a Ítalo Bianchi, Gruponove e MMS. Em 1989, participei, no Rio,  da campanha de Brizola para presidente da República, através da Makplan, agência do publicitário pernambucano José Nivaldo Júnior. Assinei a coluna Dito por não Dito, no semanário A Semana, de Olinda. Fui responsável também pela coluna Brainstorm, no Jornal do Comércio, do Clube de Criação de Pernambuco, entidade da qual eu fui presidente. Como profissional,  fui medalhista ouro no Colunistas Norte/Nordeste e finalista do Profissional do Ano, da Globo.  Vez e outra, me dou articulista e publico alguns textos nos jornais de  Alagoas. No momento, estou concluindo um romance e produzindo um CD, que contará com a participação de 10 cantores daqui da terra”.

“É só isso, Cleto. Um grande abraço!”

O só-isso já é muito. Quem é “poeta, contista, cronista e compositor” – além de publicitário, atividade onde deve depositar sua criatividade, – já faz bastante coisa para melhorar este mundinho. Esperamos que os seus poemas e também suas crônicas sejam permanentemente entesourados em nosso Banco da Poesia.

Bem vindo, Walter!

Da morte

Walter Bezerra

O que é viver senão um estágio para a morte?
Quando defendemos uma ideologia,
…..e ela não floresce, não morremos aos poucos?
Quando amamos e não há reciprocidade,
…..não violentamos o fígado, pâncreas,
…..pulmões, tripas, mente, coração?
Os humanistas e os apaixonados são suicidas
involuntários.
Quem dera, antes de morrer, possa eu esclarecer
…..o que se fez dúvida ou má interpretação.
Quem dera, antes de morrer, possa eu me redimir
…..com aqueles que, por negligência, não os inclui
…..entre os meus prediletos.-
…..com aqueles que, por omissão, não me dediquei
…..com a merecida intensidade.
Quem dera, antes de morrer, possa desculpar-me
…..com aqueles que, por imprudência, não amei
…..com a devida ternura.Quem dera, antes de morrer, possa eu,
…..no meu ínfimo alcance, contribuir para que os que são covardemente
…..manipulados repugnem os seus déspotas.
Quem dera, antes de morrer, possa eu deixar algum
…..legado para os oprimidos e os que sofrem
…..de prisão de ventre neurônica.
Não tenho medo da morte,
…..mas desejo que ela permita que as rugas
…..me venham em primeiro plano.
Morrer precoce é uma tirania.
Sei que a morte é inevitável,
…..mas espero que ela não me surpreenda
…..fulminantemente.
Espero que ela me venha dócil,
…..encontre-me dormindo, anestesiado,
…..sem pesadelos, sem cumplicidade.
A pior das mortes é a súbita.
Quando eu morrer, não me visitem o túmulo,
…..porque nem a minha alma niilista
…..estará mais ali.
Quando eu morrer, não me acendam velas,
…..porque luz não haverá mais em mim.
Quando eu morrer, para que flores
…..se eu não poderei mais sentir-lhes
…..o perfume?
A lembrança que se tem de alguém que partiu
…..é a única explicação teórica da ressurreição.
O nascimento é, por si só, a anunciação da morte.
Imortal é aquele que nunca nascerá.
A morte nos mora na vida;
…..ela é o pagar das luzes,
…..a plenitude da solidão.
Morrer é dar adeus em silêncio;
…..é colocar um ponto final na poesia
…..que somos nós.
A gente não morre; evolui.
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Ilustração: C. de A.