Arquivo da tag: Garcia Lorca

Vicente Ailexandre, um Nobel espanhol

Vicente Pío Marcelino Cirilo Aleixandre y Merlo, poeta espanhol, nasceu em Sevilha, em 1898, mas passou a sua infância em Málaga, onde foi colega de escola do futuro escritor Emilio Prados. Filho de uma família da burguesia espanhola, seu pai era engenheiro de estradas de ferro. Mudou-se para Madri, onde cursou Direito e Comércio. Em 1919 licenciou-se em Direito e obteve o título de intendente mercantil. Exerceu funções de professor de Direito Mercantil a partir de 1920 até 1922, na Escola de Comércio.

Em 1917 conheceu Dámaso Alonso, em Las Navas del Marqués, onde veraneava, e, através deste contato, descobre Rubén Darío, Antonio Machado e Juan Ramón Jiménez. Inicia, deste modo, uma profunda paixão pela poesia.

A sua saúde começa a deteriorar-se em 1922. Em 1925 diagnosticaram-lhe uma nefrite tuberculosa, que termina com a extirpação de um rim, operação realizada em 1932. Publicou os seus primeiros poemas na Revista de Occidente, em 1926. Conhece e relacionou-se com Cernuda, Altolaguirre, Alberti e García Lorca. Depois da Guerra Civil não se exilou, apesar das suas ideias políticas. Permaneceu na Espanha e foi galardoado com o “Prêmio Francisco Franco”, em 1949, e transformou-se num dos mestres e exemplos para os poetas jovens.

Sua primeira obra foi Ámbito (1928), dentro da linha de la poesia pura. Em 1927 publicou Espadas como labios, e em 1933 La destrucción o el amor, seguramente sua obra mais importante, segundo seus exegetas. Em 1935 apareceram as prosas poéticas de Pasión en la tierra. Depois da guerra, sua produção poética foi abundante. Destacam-s Sombra del paraíso (1944), Historia del corazón (1954), En un vasto dominio (1962), Poemas de la consumación (1968) e Diálogos del conocimiento (1974). Em 1949 tornou-se acadêmico da Língua Espanhola e, em 1977, recebeu o Prêmi0 Nobel de Literatura.

Morreu em Madri, em 1984.

_________________________________________________________________

La Ventana

Vicente Aleixandre, Espanha
Cuánta tristeza en una hoja del otoño,
dudosa siempre en último extremo si presentarse como cuchillo.
Cuánta vacilación en el color de los ojos
antes de quedar frío como una gota amarilla.
Tu tristeza, minutos antes de morirte,
sólo comparable con la lentitud de una rosa cuando acaba,
esa sed con espinas que suplica a lo que no puede,
gesto de un cuello, dulce carne que tiembla.
Eras hermosa como la dificultad de respirar en un cuarto cerrado.
Transparente como la repugnancia a un sol ubérrimo,
tibia como ese suelo donde nadie ha pisado,
lenta como el cansancio que rinde al aire quieto.
Tu mano, bajo la cual se veían las cosas,
cristal finísimo que no acarició nunca otra mano,
flor o vidrio que, nunca deshojado,
era verde al reflejo de una luna de hierro.
Tu carne, en que la sangre detenida apenas consentía
una triste burbuja rompiendo entre los dientes,
como la débil palabra que casi ya es redonda
detenida en la lengua dulcemente de noche.
Tu sangre, en que ese limo donde no entra la luz
es como el beso falso de unos polvos o un talco,
un rostro en que destella tenuemente la muerte,
beso dulce que da una cera enfriada.
Oh tú, amoroso poniente que te despides como dos brazos largos
cuando por una ventana ahora abierta a ese frío
una fresca mariposa penetra,
alas, nombre o dolor, pena contra la vida
que se marcha volando con el último rayo.
Oh tú, calor, rubí o ardiente pluma,
pájaros encendidos que son nuncio de la noche,
plumaje con forma de corazón colorado
que en lo negro se extiende como dos alas grandes.
Barcos lejanos, silbo amoroso, velas que no suenan,
silencio como mano que acaricia lo quieto,
beso inmenso del mundo como una boca sola,
como dos bocas fijas que nunca se separan.
¡Oh verdad, oh morir una noche de otoño,
cuerpo largo que viaja hacia la luz del fondo,
agua dulce que sostienes un cuerpo concedido,
verde o frío palor que vistes un desnudo!

A Janela

Quanta tristeza em uma folha do outono,
duvidosa sempre no último extremo se se apresenta como navalha.
Quanta vacilação na cor dos olhos
antes de ficar frio como una gota amarela.
Tua tristeza, minutos antes de morrer,
somente comparável com a lentidão de uma rosa quando acaba,
essa sede com espinhos que suplica ao que não pode,
gesto de um pescoço, doce carne que treme.
Eras formosa como a dificuldade de respirar em um quarto fechado.
Transparente como a repugnância a um sol ubérrimo,
tíbia como esse solo onde ninguém jamais pisou,
lenta como o cansaço que rende o ar quieto.
Tua mão, sob a qual se viam as coisas,
cristal finíssimo que nunca acariciou outra mão,
flor ou vidro que, nunca desfolhado,
era verde ao reflexo de uma lua de ferro.
Tua carne, em que o sangue detido apenas consentia
uma triste borbulha rompendo entre os dentes,
como a débil palavra que quase já é redonda
detida na língua docemente de noite.
Teu sangue, em que esse limo onde não entra a luz
é como o beijo falso de pós ou um talco,
um rosto em que cintila tenuamente a morte,
beijo doce que dá uma cera esfriada.
Ó tu, amoroso poente que te despedes como dois braços amplos
quando por uma janela agora aberta a esse frio
uma fresca borboleta penetra,
asas, nome ou dor, pena contra a vida
que segue voando com o último raio.
Ó tu, calor, rubi ou ardente pluma,
pássaros acesos que são núncio da noite,
plumagem com forma de coração colorado
que no negro se estende como duas asas grandes.
Barcos distantes, silvo amoroso, velas que não soam,
silêncio como mão que acaricia o quieto,
beijo imenso do mundo como uma só boca,
como duas bocas fixas que nunca se separam.
Ó verdade, ó morrer uma noite de outono,
corpo imenso que viaja rumo à luz do fundo,
água doce que sustentas um corpo concedido,
verde ou fria palidez que vestes um desnudo!

A Don Luis de Góngora

Vicente Ailexandre

¿Qué firme arquitectura se levanta
del paisaje, si urgente de belleza,
ordenada, y penetra en la certeza
del aire, sin furor y la suplanta?

Las líneas graves van. Mas de su planta
brota la curva, comba su justeza
en la cima, y respeta la corteza
intacta, cárcel para pompa tanta.

El alto cielo luces meditadas
reparte en ritmos de ponientes cultos,
que sumos logran su mandato recto.

Sus matices sin iris las moradas
del aire rinden al vibrar, ocultos,
y el acorde total clama perfecto.

A Dom Luís de Gôngora

Que firme arquitetura se levanta
da paisagem, se urgente de beleza,
ordenada, e penetra na certeza
do ar, sem furor e a suplanta?

As linhas graves vão. Mas dessa planta
brota a curva, torce sua justiça
na cúpula, e respeita a cortiça
intacta, cárcere para pompa tanta.

O alto céu luzes meditadas
reparte em ritmos de poentes cultos,
que sumos logram seu mandato estreito.

Seus matizes sem Iris as moradas
do ar rendem ao vibrar, ocultos,
e o acorde total clama perfeito.

___________

Versão ao Espanhol e ilustrações: C. de A.

E chegamos ao dia 12 de março de 2010

Há exatamente um ano, apertei o comando publicar na área de administração do novo blog, nascido da vontade de colaborar com a divulgação da Poesia. Apresentado sob a forma de um poema, o Banco da Poesia partia de um capital em branco para tentar acumular, ao longo do tempo, em suas projeções de lucros, o tesouro inestimável da comunicação e da sensibilidade humana.

Por isso, caros senhores,
vamos fundar nosso banco:
não obrará em vermelho
mas ainda está em branco.
Trabalhará vanguardeiro
sem pensar só em dinheiro
neste tempo de consumo.
E terá como seu prumo
a palavra desprezada
pelos praxistas do dia.

Hoje, ao fazermos o nosso primeiro balanço anual, notamos que passamos todo o tempo da crise financeira mundial sem contabilizar prejuízos. Ao contrário, os correnstistas foram crescendo e, juntamente com nomes já consagrados na história da literatura, novos poetas foram se juntando, pouco a pouco, em torno da idéia de comemorar permanentemente a boa poesia. Que, em resumo, assume a gratíssima missão de fazer fluir os melhores ideais de busca da beleza e do contínuo aperfeiçoamento espiritual.

Seja a Poesia lapidada por pensamentos sublimes, seja fortemente talhada por dores e desilusões, o certo é que ela abre a alma das pessoas e aponta para a harmonia do espírito. Assim é a Arte, assim todas as artes.

Por sorte minha, de forma espontânea, o querido amigo e poeta Manoel de Andrade amenizou as minhas preocupações de prestador de contas obrigado a um balanço anual, mandando-me um artigo minucioso que mostra o panorama que se desenhou ao longos destes doze meses. Ver abaixo.

De minha parte, olhando para o que passou, concluo que valeu a pena. Sem alarde, divulgando o blog primeiramente entre os amigos, depois recebendo adesões espontâneas de outras cidades, estados e de outros países, alargamos o nosso círculo de amizades. Nos primeiros seis meses, contabilizamos uma média de 40 visitações diárias. Nos últimos seis meses, a média subiu para 100 e continua aumentando a cada dia que passa. Ainda é pouco, diante dos gigantecos números da Internet, mas consideremos que o tema escolhido não é dos mais populares. E é exatamente para isso que estamos a trabalhar: para fazer da Poesia um hábito rotineiro na vida das pessoas. Um dia a gente chega lá.

Para comemorar o primeiro ano, procurei reunir um bom grupo de colaboradores em uma página especial. Fiz a eles um simples convite: para você, O que é a Poesia? (clique nos links anteriores ou no título do menu à direita)

Quase todos os convidados mandaram suas colaborações ainda em tempo para podermos soprar a velinha. Outros se excusaram e prometeram enviar suas palavras em seguida, Como estamos em uma ambiente virtual, não há portas inteiramente fechadas e, assim, todas as colaborações poderão ser publicadas a qualquer tempo.

Agradeço aos amigos, colaboradores e visitantes  a confiança e o permanente incentivo a este trabalho. (C. de A.)

_____________________________________________________________

Minha Aldeia

Manoel de Andrade/Curitibaxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

Há um ano o Banco da Poesia abriu suas portas honrando-me com o crédito do primeiro depósito.  Quero pedir licença ao seu editor para chamar –  dramatizando meu enredo neste texto –, essa bela instituição pelo mágico nome de Aldeia da Poesia. Na verdade, é com essa imagem, poética e despojada, que eu sinto este site. E é pra esse recanto que  viajo todo dia.

É também minha Pasárgada, onde, literalmente, sou amigo do rei. Gosto de andar, pra cima e pra baixo, ao longo desse território virtual  de líricas alamedas,   galerias de arte,  parques e jardins construídos genialmente com formas e cores cletianas e densamente povoado de versos.

Ao longo deste ano quase uma centena de poetas ali chegaram para ficar. Pela leitura e pelos traços biográficos, já conheço a todos. Quero citar aqui os seus nomes e desde já peço perdão por minhas palavras não poderem  se referir a cada um, diante de tanta qualidade literária.

Minha renovada alegria é estar convivendo nessa aldeia com tantos amigos fraternos: Cleto, Vidal, Walmor, Marilda, Hélio, Simões, João Batista, Solivan, Débora O’Lins

Sob as luzes da memória, em seus caminhos   transitam  Neruda, Garcia Lorca, Fernando Pessoa e Benedetti e os  nossos  Castro Alves, Gregório de Matos, Vinícius, Drummond, Quintana, Augusto dos Anjos, Ferreira Gullar. Mais adiante  me  surpreendo com a presença de Otávio PazEmily DickinsonAntonio Machado e, mais ao longe, vejo com tristeza Alfonsina Storni caminhando solitária para o mar.

Retomo outros caminhos dessa Aldeia, atravesso seus jardins  e vejo sob um caramanchão quatro poetas que falam e gesticulam. São eles e elas:  Verlaine e Cora Colalina e, no  banco em frente,  Helena Kolody e Baudelaire. A poucos metros,  numa tenda com bom vinho português,  confraternizam  Miguel Torga, Antonio GedeãoAgostinho da Silva, José Dias Egipto, Eugênio de Andrade e Sophia Andressen.

Detenho-me, aqui e ali, “ouço” seus versos e sigo adiante  porque quero conhecer a todos. Chego a um pequeno bosque, frondoso e perfumado  onde se reúnem tantas nacionalidades da poesia e ali ganho meu dia.  São os  que vieram de além mar: Vera lúcia Kalahari, amiga querida que só conheço na saudade e na distância de Angola e Portugal; o grande Mia Couto, de Mocambique;  Sarah Carrère, do Senegal, que conheci recentemente;  Crisódio Araujo, Fernando Sylvan, José Barros Duarte, Jorge Lanten, Ruy Cinatti e Sophia Andressen, essa pleiade de ótimos poetas que enriquecem a literatura do Timor; e, bem assim,  Armênio Vieira e Corsino Fortes de Cabo Verde; e também Emmelie Prophète e Rodney Saint-Eloi, do Haiti.

Vem da poética Espanha os cantos  de Francisco Cenamor e Artur Alonso. Da pátria de Goethe, de Schiller e de Hölderlin chegam os versos de Herman Hesse e da lendária Bagdá, a poesia de Dunya Mikail.

Os hispano-americanos estão chegando e aqui já estão  Vicente Gerbasi, da Venezuela, e Guadalupe Amor, do México,  Álvaro Miranda, da Colômbia e Tejada Gomez, da Argentina, além da quase mitica mexicana Sóror Juana de La Cruz.

Há, nessa aldeia,  um nicho construído pela  saudade e pela esperança de um soldado russo que partiu para a guerra. Espera-me,   escreveu comovido  Konstantin Simonov à  sua amada. Creio ser um dos mais belos poemas,  nesse rastro de belezas que encontro nessa aldeia, e que Hélio do Soveral genialmente imortalizou na língua portuguesa.

No fundo de um vale há uma pequena pedreira disposta de forma circular, formando, naturalmente,  um teatro de arena. Chego até lá e encontro poetas brasileiros de todas as partes do país para um grande  festival de poesia. Sou um dos convidados para partilhar meus versos com   Maurício Ferreira, Isaias de Faria, Rafael Nolli, Saramar Mendes de Souza, Anair Weirich, Raul Pough, Erly Welton, José Marins, Luiz Adolfo Pinheiro, Murilo Mendes, Domingos Pellegrini, Oswald de Andrade, Juca Zokner, Oscar Alves, Iriene Borges, Mauricio Ferreira, Cássio Amaral, Rafael Nolli e possivelmente mais alguns que ainda não encontrei por aqui.

Esta a Minha Aldeia, já global pela magia tecnológica, mas ainda acolhedora e solidária pela graça da Poesia.

Curitiba- março de 2010

Murilo Mendes, dois poemas

murilomendes_guignardMédico, telegrafista, auxiliar de guarda-livros, notário e Inspetor do Ensino Secundário do Distrito Federal. Foi escrivão da quarta Vara de Família do Distrito Federal, em 1946. De 1953 a 1955 percorreu diversos países da Europa, divulgando, em conferências, a cultura brasileira.Em 1957 se estabeleceu em Roma, onde lecionou Literatura Brasileira. Manteve-se fiel às imagens mineiras, mesclando-as às da Sicília e Espanha, carregadas de história. Assim diz a sua biografia. Mas Murilo Mendes, nascido em Juiz de Fora, em 13 de maio de 1901, e falecido em Lisboa, em 13 de agosto de 1975, mais que tudo isso, foi um poeta. E dos bons.

Cartão postal

PostCard
Domingo no jardim público pensativo.
Consciências corando ao sol nos bancos,
bebês arquivados em carrinhos alemães
esperam pacientemente o dia em que poderão ler o Guarani.
Passam braços e seios com um jeitão
que se Lenine visse não fazia o Soviete.
Marinheiros americanos bêbedos
fazem pipi na estátua de Barroso,
portugueses de bigode e corrente de relógio
abocanham mulatas.

O sol afunda-se no ocaso
como a cabeça daquela menina sardenta
na almofada de ramagens bordadas por Dona Cocota Pereira.

xxxxxxxxxxxxxxde Poesias, 1925/1955. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1959

Canto a García Lorca

LorcaBlood
Não basta o sopro do vento
Nas oliveiras desertas,
O lamento de água oculta
Nos pátios da Andaluzia.

Trago-te o canto poroso,
O lamento consciente
Da palavra à outra palavra
Que fundaste com rigor.

O lamento substantivo
Sem ponto de exclamação:
Diverso do rito antigo,
Une a aridez ao fervor,

Recordando que soubeste
Defrontar a morte seca
Vinda no gume certeiro
Da espada silenciosa
Fazendo irromper o jacto

De vermelho: cor do mito
Criado com a força humana
Em que sonho e realidade
Ajustam seu contraponto.

Consolo-me da tua morte.
Que ela nos elucidou
Tua linguagem corporal
Onde el duende é alimentado
Pelo sal da inteligência,
Onde Espanha é calculada
Em número, peso e medida.

xxxxxxxxxxxxxxde Antologia poética. Sel. João Cabral de Melo Neto. Introd. José Guilherme Merquior. Rio de Janeiro: Fontana; Brasília: INL, 1976
_____________
Ilustrações
Alberto da Veiga Guignard – Retrato de Murilo Mendes
Óleo sobre tela – 61cm x52cm
Cartão postal e García Lorca – montagem gráfica de C. de A.