Poeta barroco brasileiro, Gregório de Matos e Guerra nasceu em Salvador/BA, em 23/12/1636, embora alguns biógrafos digam que seu natalício é março de 1623. Morreu no Recife/PE, em 1696. Estudou em Portugal e foi contemporâneo do Pe. Antônio Vieira. Amado e odiado, é conhecido por muitos como Boca do Inferno ou Boca de Brasa, em função de suas poesias satíricas, muitas vezes trabalhando o chulo em violentos ataques pessoais. Influenciado pela estética, estilo e sintaxe de Gôngora e Quevedo, é considerado o verdadeiro iniciador da literatura brasileira.
Sua poesia faz crítica mordaz da sociedade da época, distante de nós mais de 330 anos. Mas nota-se muita semelhança entre o que criticava e os costumes (princpalmente os políticos) de nossa atualidade. (C. de A.)
Cronologia da vida de Gregório de Matos e Guerra
1636 – A data comumente aceita para o nascimento de Gregório de Matos e Guerra é a
de 23 de dezembro de 1636, mas alguns biógrafos podem apresentar a possibilidade de
ter ocorrido em março de 1623. O poeta nasceu em Salvador, Bahia, e era filho de Gregório de Matos (natural de Guimarães, Portugal) com Maria da Guerra. Os Matos da Bahia eram uma família abastada, formada por proprietários rurais, donos de engenhos, empreiteiros e funcionários da administração da colônia.
1642 – Devido à condição financeira de sua família, Gregório teve acesso ao que havia
de melhor em educação na época e pôde estudar no Colégio dos Jesuítas, em Salvador.
1650 – Viaja para Portugal, onde irá completar seus estudos.
1652 – Ingressa na Universidade de Coimbra.
1661 – Formatura em Direito. Nesse mesmo ano, casa-se com D. Michaela de Andrade,
proveniente de uma família de magistrados.
1663 – É nomeado Juiz de Fora de Alcácer do Sal, Alentejo, por D. Afonso VI.
1665-66 – Exerce a função de Provedor da Santa Casa de Misericórdia no mesmo local.
1668 – No dia 27 de janeiro é investido da incumbência de representar a Bahia nas Cortes,
em Lisboa.
1671 – Assume o cargo de Juiz do Cível, em Lisboa.
1672 – Torna-se Procurador da Bahia em Lisboa por indicação do Senado da Câmara.
1674 – Novamente representante da Bahia nas Cortes, em Lisboa. Nesse mesmo ano, é destituído da Procuradoria da Bahia e batiza uma filha natural, chamada Francisca, na Freguesia de São Sebastião da Pedreira, em Lisboa.
1678 – Fica viúvo de D. Michaela com quem sabe-se que teve um filho do qual não há registros históricos.
1679 – É nomeado Desembargador da Relação Eclesiástica da Bahia.
1681 – Recebe as Ordens Menores, tornando-se clérigo tonsurado.
1682 – É nomeado Tesoureiro-Mor da Sé, por D. Pedro II. Como magistrado de renome, tem sentenças de sua autoria publicadas pelo jurisconsulto Emanuel Alvarez Pegas. Isto viria a acontecer novamente em 1685.
1683 – No início do ano, depois de 32 anos em Portugal, está de volta a Bahia, Brasil. Meses após seu retorno, é destituído de seus cargos eclesiásticos pelo Arcebispo D. Fr. João da Madre de Deus, por se recusar a usar batina e também por não acatar a imposição das Ordens maiores obrigatórias para o exercício de suas funções. É nessa época que surge o poeta satírico, o cronista dos costumes de toda a sociedade baiana. Ridiculariza impiedosamente autoridades civis e religiosas.
1685 – É denunciado à Inquisição, em Lisboa, por seus hábitos de “homem solto sem modo de cristão”.
168(?) – Ainda na década de 1680, casa-se com Maria de Póvoas (ou “dos Povos”). Desta união, nasce um filho chamado Gonçalo.
1691 – É admitido como Irmão da Santa Casa de Misericórdia da Bahia.
1692 – Paga uma dívida em dinheiro à Santa Casa de Lisboa.
1694 – Seus poemas satíricos contra o Governador Antonio Luiz Gonçalves da Câmara Coutinho faz com os filhos deste o ameacem de morte. O Governador João de Alencastro, amigo de Gregório, e outros companheiros do poeta armam uma forma de prendê-lo e enviá-lo à força para Angola, sem direito a voltar para a Bahia. Isto causa profundo desgosto a Gregório. Ainda nesse mesmo ano, envolve-se em uma conspiração de militares portugueses. Interferindo neste conflito, Gregório colabora com a prisão dos cabeças da revolta e tem como prêmio seu retorno ao Brasil.
1695 – Retorna para o Brasil e vai para o Recife, longe de seus desafetos na Bahia. Morre no dia 26 de novembro, antes de completar 59 anos, de uma febre contraída em Angola.
Poemas de Gregório de Matos
Queixa-se o poeta em que o mundo vai errado e, querendo emendá-lo, o tem por empresa dificultosa
Carregado de mim ando no mundo,
e o grande peso embarga-me as passadas,
que como ando por vias desusadas,
haço o peso crescer, e vou-me ao fundo.
O remédio será seguir o imundo
caminho, onde dos mais vejo as pisadas,
que as bestas andam juntas mais ornadas,
do que anda só o engenho mais profundo.
Não é fácil viver entre os insanos,
erra, quem presumir, que sabe tudo,
se o atalho não soube dos seus danos.
O prudente varão há de ser mudo,
que é melhor neste mundo o mar de enganos
ser louco cos demais, que ser sisudo.
Disparates na lingua brazilica a huma cunhãa, que ali galanteava por vicio
1.
Indo à caça de tatus
encontrei Quatimondé
na cova de um Jacaré
tragando treze Teiús:
eis que dous Surucucus
como dous Jaratacacas
vi vir atrás de umas Pacas,
e a não ser um Preá
creio, que o Tamanduá
não escapa às Gebiracas.
2.
De massa um tapiti,
um cofo de Sururus,
dous puçás de Baiacus,
Samburá de Murici:
Com uma raiz de aipi
vos envio de Passé,
e enfiado num imbé
Guiamu, e Caiaganga,
que são de Jacaracanga
Bagre, timbó, Inhapupê.
3.
Minha rica Cumari,
minha bela Camboatá
como assim de Pirajá
me desprezas tapiti:
não vedes, que murici
sou desses olhos timbó
amante mais que um cipó
desprezado Inhapupê,
pois se eu fora Zabelê
vos mandara um Miraró.
Epílogos
Que falta nesta cidade?… Verdade
Que mais por sua desonra?… Honra
Falta mais que se lhe ponha… Vergonha.
O demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta,
numa cidade, onde falta
Verdade, Honra, Vergonha.
Quem a pôs neste socrócio?… Negócio
Quem causa tal perdição?… Ambição
E o maior desta loucura?… Usura.
Notável desventura
de um povo néscio, e sandeu,
que não sabe, que o perdeu
Negócio, Ambição, Usura.
Quais são os seus doces objetos?… Pretos
Tem outros bens mais maciços?… Mestiços
Quais destes lhe são mais gratos?… Mulatos.
Dou ao demo os insensatos,
dou ao demo a gente asnal,
que estima por cabedal
Pretos, Mestiços, Mulatos
Quem faz os círios mesquinhos?… Meirinhos
Quem faz as farinhas tardas?… Guardas
Quem as tem nos aposentos?… Sargentos
Os círios lá vêm aos centos,
e a terra fica esfaimando,
porque os vão atravessando
Meirinhos, Guardas, Sargentos
E que justiça a resguarda?… Bastarda
É grátis distribuída?… Vendida
Que tem, que a todos assusta?…Injusta.
Valha-nos Deus, o que custa,
o que El-Rei nos dá de graça,
que anda a justiça na praça
Bastarda, Vendida, Injusta.
Que vai pela clerezia?…. Simonia
E pelos membros da Igreja?… Inveja
Cuidei, que mais se lhe punha?… Unha.
Sazonada caramunha!
enfim que na Santa Sé
o que se pratica, é
Simonia, Inveja, Unha.
E nos frades há manqueiras?… Freiras
Em que ocupam os serões?… Sermões
Não se ocupam em disputas?… Putas.
Com palavras dissolutas
me concluís na verdade,
que as lidas todas de um Frade
são Freiras, Sermões, e Putas.
O açúcar já se acabou?… Baixou
E o dinheiro se extinguiu?… Subiu
Logo já convalesceu?… Morreu.
À Bahia aconteceu
o que a um doente acontece,
cai na cama, o mal lhe cresce,
Baixou, Subiu, e Morreu.
A Câmara não acode?… Não pode
Pois não tem todo o poder?… Não quer
É que o governo a convence?… Não vence.
Que haverá que tal pense,
que uma Câmara tão nobre
por ver-se mísera, e pobre
Não pode, não quer, não vence.
Glossário
xxxxxSocrócio – aperto, ambição; furto.
xxxxxCírios – sacos de farinha (a grafia correta é sírios)
xxxxxSimonia – venda de coisas sagradas.
xxxxxUnha – roubalheira; avareza; tirania, opressão.
xxxxxSazonada caramunha – Experimentada lamentação! (Soares Amora).
xxxxxA expressão tem sentido ambíguo. Sazonada é derivado de sazonar
xxxxxe equivale a amadurecida. Caramunha pode ser “a cara das crianças
xxxxxquando choram” ou a “lástima pelo próprio mal que se causou”.
xxxxxManqueiras – Vícios, defeitos; doença infecciosa no homem e em
xxxxxcertos animais.
Descreve o que era realmente naquele tempo a cidade da Bahia de mais enredada por menos confusa

A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar a cabana, e vinha,
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.
Em cada porta um freqüentado olheiro,
Que a vida do vizinho, e da vizinha
Pesquisa, escuta, espreita, e esquadrinha,
Para a levar à Praça, e ao Terreiro.
Muitos Mulatos desavergonhados,
Trazidos pelos pés os homens nobres,
Posta nas palmas toda a picardia.
Estupendas usuras nos mercados,
odos, os que não furtam, muito pobres,
E eis aqui a cidade da Bahia.
O editor deste blog não resistiu à semelhança de costumes e fez uma paródia do soneto, dedicada a uma outra urbe brasileira famosa

A cada canto um probo deputado,
ou senadores com suas palavrinhas,
Não sabem dirigir suas cozinhas,
Mas querem governar por atacado.
Em cada porta um vivo araponga,
Que a vida do caseiro e do ministro
Revolve, escuta, espreita, faz registro,
Em prol do chefe, cheio de candonga.
Há assessores desavergonhados,
Deitados aos pés do homem nobre,
Tentando alcançar sua braguilha.
Dizem lutar pelos desgraçados,
eleitos, esquecem do mais pobre,
E eis aqui a cidade de Brasília.
(C. de A.)