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Reflexão de uma segunda-feira de carnaval

A PA_LAVRA

a_pa_lavra

A pá lavra o campo
para afofar a cama às sementes.
A pá cava a sete palmos
para garantir o repouso na campa.

Porque palavra, alimento e morte
são necessários para o seguir da vida.

Cleto de Assis – 03/03/2013

Minas pede a palavra: fala o poeta Flávio Otávio Ferreira

Flávio Otávio Ferreira nasceu em outubro de 1980, em João Monlevade. Mas ele se considera um belavistano (de Bela Vista, também MG). É graduado em Letras pelo Centro Universitário de Araxá, cidade na qual reside atualmente. Tem  poemas publicados em várias antologias. Em 2005, lançou, pela Litteris Editora, o seu livro de estreia Cata-ventos, o destino de uma poesia, que participou da 12ª Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro. Em 2007, foi contemplado com a 2ª colocação no I Prêmio Solar de Literatura João Monlevade 43 anos, com o texto Poema Insano. Ainda em 2007, obteve a 3ª colocação no 7º Concurso Estadual de Contos promovido pelo Clesi – Clube dos Escritores de Ipatinga, com o conto  A Mutação.  Em 2009, publicou o livro Itinerário Fragmentado, pelo selo Quártica Premium da Litteris Editora, lançado na 14ª Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro. Seus textos podem ser lidos nos blogs Misantropia , Manufatura (todo dia 7 do mês) e Poema Dia (todo dia 19 do mês).

Nossas boas vindas ao novo correntista do Banco da Poesia.

Recado ao Poeta

Flávio Otávio Ferreira

A morte me assombra o sono,
Deveras, ainda vivo em sonho.
No peito entreaberto
Mal cabe o coração palpitante.
A alma, em frangalhos,
Se vê partida por mil adagas
E, em desespero,
choro em um quarto escuro.

Pobre poeta!
Por que te envenenas em versos?
Quais os objetos de tuas conjecturas?
Que olhos? Que boca? Que sorrisos?
Há na distância das noites estelares
O brilho que se apaga nas horas escuras?
Há na ausência que te move
O tato a tocar de leve em nuvens?

Pobre poeta!
Por que não mergulhas no Ganges,
No Sena, no Reno, no Tietê, no Piracicaba?
Se joga do alto da ponte
Submerge nas águas turvas
E some, consome esses versos
Leva embora estes sonhos que te sufocam.
Por que se perder em amores vãos
Se tens mais a viver para ti?
Exorciza em teu pobre peito
O que o tempo, inexpressivo,
Não pode apagar.
Arranca-lhe o coração
E joga às aves de rapina
Que te espreitam ao longe.

Pobre poeta!
Escolhestes o lado errado da estrada!
Escolhestes o pior dos desertos!
Enquanto buscares na poesia o teu consolo
Terás apenas o desfavor dos versos
Que se amontoam em escombros.
Ruínas que se erguem vertiginosamente
Em teu peito enfurecido.
Logrará, contigo, pobre destino
E, talvez, um dia, tuas próprias mãos
Consigam limpar o sangue
Que jorra em torrentes
Nestas pautas encardidas.

Loucura e silêncio

Não fosse esta loucura
serias mais que abstração nesta linguagem de ícones
que se movem como formigas gigantescas
a carregar consigo as lembranças.
Não fosse este silêncio
regressarias de tuas viagens, mesmo com ressaca de viver
ou tédio a corroer tuas esperanças que em vão
se movem como ratos a remexer latas na dispensa.
Não fosse esta loucura
estarias presente em meu cubículo a bater-me na cara,
coagindo-me a dizer mentiras que te agradam,
apenas para salvar-te da névoa que encobre teu rosto.
Não fosse este silêncio
viria possuir-me o teu espírito em noites sem lua
em tempos de mistério e sombra, simplesmente
pra fazer gracejos e brincar sobre meu corpo quente.
Não fosse esta loucura
não serias só palavras rabiscadas por mãos trêmulas
em muros carcomidos, onde a alvura da cal
não esconde os desfavores do tempo.
Não fosse este silêncio
não terias ido embora pra longe destes olhos
deixando a este louco apenas o consolo
de versos obscenos no espelho do banheiro.
Mas, terias me libertado.
Desatando os nós que nos envolvem;
quebrando este silêncio que devora
as entranhas sufocando em nós o ânimo.
Quebraria este espelho que revela
a nossos olhos as misérias
a que nos condenamos;
Romperia o cordão que injeta em nós venenos.
Abortaria, pois, este desvanecimento
que nos rouba lentamente um do outro,
tornando loucura a tudo que um dia
dissemos querer da vida.

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Ilustrações: Cleto de Assis

Mário Quintana: o Tempo é invenção da Morte

Ah! Os relógios


Amigos, não consultem os relógios
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fúteis problemas tão perdidas
que até parecem mais uns necrológios…

Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida — a verdadeira —
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.

Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.

E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguém — ao voltar a si da vida —
acaso lhes indaga que horas são…

De: A Cor do Invisível

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Ilustração: C. de A.

Vicente Gerbasi viaja a Petra

Petra

Petra, cinceladas fueron tus montañas de piedra multicolor,
y de tus montañas surgieron columnas,
escalinatas, viviendas, bancos, templos, panaderías.
En ti los siglos reverberan en el sol ardiente.
En ti la noche suena con aullidos de chacales.
En ti los aerolitos caen como serpentinas en un cementerio.
Tu Palacio de Justicia es una tumba.
Cada una de tus casas
perforaradas en los colores es una tumba.
Petra, eres un cráneo de piedra abierto al azul caliente.
Petra, eres semejante a la tumba de la muerte.
Tus aposentos, tus cocinas, tus columnas, tus estatuas
siguen muriendose en tu imantada intemperie.
(Viajero, si vas a Petra,
cuidate de la muerte.)

En Petra está muerto el tiempo.

Petra, cinzeladas foram tuas montanhas de pedra multicor,
e de tuas montanhas surgiram colunas,
escadarias, vivendas, bancos, templos, padarias.
Em ti os séculos reverberam no sol ardente.
Em ti a noite soa com uivos de chacais.
Em ti os aerólitos caem como serpentinas em um cemitério.
Teu Palácio da Justiça é uma tumba.
Cada uma de tuas casas
perfuraradas nas cores é uma tumba.
Petra, és um crânio de pedra aberto ao azul escaldante.
Petra, és semelhante à tumba da morte.
Teus aposentos, tuas cozinhas, tuas colunas, tuas estátuas
continuam a morrer em tua imantada intempérie.
(Viajante, se vais a Petra,
cuida-te da morte.)

Em Petra está morto o tempo.

Do livro De Otras Geografías, em Los Colores Ocultos. Caracas: Monte Avila Editores, 1985

Ler mais Gerbasi aqui.

Tradução e ilustração: C. de A.

Luiz Adolfo Pinheiro, uma viva lembrança

Luiz_Adolfo_PinheiroHá amigos que vêm e se vão. Há amigos que chegam e ficam para sempre. Luiz Adolfo Pinheiro foi um deles. Partiu prematuramente, na manhã da terça-feira de carnaval, 28 de fevereiro de 2006, vítima de um ataque cardíaco fulminante. Naquela época, ele encarnava um sonho há muito perseguido, como um Dirceu que tinha, realmente, encontrado a sua Marília e podia dizer, abertamente, como seu conterrâneo Tomás Antonio Gonzaga: “Graças, Marília bela, graças à minha Estrela!

Convivi com Luiz Adolfo durante muitos anos. Foi no Ministério da Educação, em Brasília, que nos conhecemos, onde ele fazia uma assessoria de comunicação social para o então ministro Ney Braga. Dali em diante estivemos em permanente contato social e profissional. Desenhei algumas capas de livros por ele escritos e participei de alguns de seus projetos editoriais, ele sempre cheio de criatividade. Em uma de suas dedicatórios em livro, ele definiu-me como “artifice e partícipe das aventuras brasilianas”.

Sofri com ele quando, num erro imperdoável, o incluiram no episódio dos anões do Congresso. Mais tarde o erro seria reconhecido, mas restaram cicatrizes. Ele havia feito uma reforma gráfica e editorial no Correio Braziliense, do qual era diretor de redação e o jornal, em vez de defendê-lo, optou pela medida mais simples, deixando-o sem emprego. Não sei se chegou a receber a indenização concedida pelos danos morais que sofreu, mas as marcas tristes não são apagadas por dinheiro nenhum.

O jornalista, escritor e poeta brasileiro Luís Adolfo Pinheiro nasceu em Prados, MG, em 1940. Fez seus primeiros estudos no Colégio Anchieta, de padres jesuítas, em Nova Friburgo (Rio de Janeiro). Começou no jornalismo como repórter do Correio de Minas, em 1962, de uma geração de jovens profissionais, como Moacir Japiassu, José Maria Mayrink, Carmo Chagas, entre outros. Trabalhou ainda no Estado de Minas, no Diário de Minas e no A Notícia. No Rio, foi de O Jornal e do departamento de pesquisa do Jornal do Brasil, quando ganhou o prêmio de reportagem do IV Centenário do Rio, com o pseudônimo de Flávio de Sá. Em 1968, mudou-se para São Paulo para compor o primeiro time da revista Veja, pela qual mudou-se para Brasília em 1970.

Na capital federal, comandou a sucursal de Veja e de O Globo. Foi superintendente da EBN (atual Radiobrás), redator, colunista e editorialista do Jornal de Brasília e do Correio Braziliense, onde criou os cadernos Mulher e Cidades, e do qual foi também diretor de Redação. Foi também editor da revista Rádio & TV, da Abert e fundador da revista Poder, voltada para a política em Brasília, e vice-presidente da Federação Nacional de Jornalistas, de 1996 até 1968.

Foi vencedor de vários prêmios jornalísticos, entre eles o do IV Centenário do Rio de Janeiro, outorgado pelo Jornal do Brasil (1965) e o Prêmio Esso Regional Centro-Oeste (1993), pelo Correio Braziliense.

Publicou ainda livros sobre a história política do País, como A Consciência Nacionalista;
A Política Demográfica Brasileira; A Queda de Jango; A República dos Golpes; 3 X 30 – Bastidores da Imprensa;
e JK, Jânio e Jango, os Três Jotas que Abalaram o Brasil. São dele também as ficções Tocata & Fuga e Joel, um Justiceiro e preparava o lançamento de JK, Procura-se um Outro, em que narra a trajetória política de Juscelino Kubitschek.

Seu último cargo foi de assessor-chefe da Assessoria de Comunicação Social do Superior Tribunal de Justiça (STJ), convidado pelo presidente Edson Vidigal, cargo que assumiu em 5 de abril de 2004.

A Luiz Adolfo, o poeta amigo, minha homenagem, com a publicação de poemas seus em nosso Banco da Poesia. C. de A.

Morte

xxxxxxxxxxxxxxxx“Meu canto de morte,
xxxxxxxxxxxxxxxxxGuerreiros, ouvi!”
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx(Gonçalves Dias)

anjo_da_morte
minha morte
como será?

morrerei de acidente
dor grito gente gente
entre sangue e gemido
menos só, mais coletivo
no seio da multidão
xxxxxxxxxx– morrerei sem solidão?

minha morte
como será?

morrerei gasto, em desuso
de velhice velha e rabicho
que nem sabe se distingue
uma folha de um livro
um balanço de uma rede
uma palha de um caniço
xxxxxxxxxx – morrerei confuso, disso?

minha morte
como será?

soleníssima rito quente
missa de corpo presente
flor coroa e rastro
de alguém que teve lastro
numa terra pó sem fim
xxxxxxxxxx – morrerei de algo assim?

minha morte
como será?

morrerei de emboscada
morte quente e castigada
ou de pura sonolência
(sono de sonho e dolência)
numa tarde de janeiro
na Mantiqueira ou Florença
xxxxxxxxxx morrerei com minha essência?

minha morte
como será?

morrerei sem madrugada
no meio da noite, nada
no meio do dia, sem cada
pedaço que formei
com choro e sangue (sangrei)
xxxxxxxxxx – morrerei, eu saberei?

minha morte
como será?

Invasão holandesa

xxxxxxxxxxxxxxxx“Ali andavam entre eles três ou quatro moças,
xxxxxxxxxxxxxxxxxbem novinhas e gentis, com cabelos muito pretos
xxxxxxxxxxxxxxxxxe compridos pelas costas; e suas vergonhas,
xxxxxxxxxxxxxxxxxtão altas e tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras
xxxxxxxxxxxxxxxxxque, de as nós muito bem olharmos,
xxxxxxxxxxxxxxxxxnão se envergonhavam.”
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx(Carta a El Rei D. Manuel,
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxde Pero Vaz de Caminha, em 1500)

índia
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxde
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxper
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxnas
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxa
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxbertas
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxe
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxar
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxvir
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxgi
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxnal
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxa
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxin
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxdia
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxre
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxce
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxbe
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxmau
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxcio
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxnas
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxsau

Festa do Livramento

xxxxxxxxxxxxxxxx“Andar com fé eu vou
xxxxxxxxxxxxxxxxQue a fé não costuma faiá.”
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx(Gilberto Gil)

Imagem_procissaolivramento
No alto do morro
a igreja branca e amarela
espera o romeiro
de julho.

A parede
descascada
sustenta a torre sem sino
sem relógio
sem palma.

Já não se ouve o lamento do escravo
e o grito de “ouro!”
no fundo do vale.

Nossa Senhora do Livramento
do Pensamento
do Passamento
recebe no altar
a prece do romeiro
descalço
que pede a cura
da sífilis da filha.

A poeira vermelha
encobre o caminhão
a laranja
a boca
a alma.

o vigário traça uma cruz no ar:
em nome do Pai e do Filho e do
outro lado estoura o foguete
e a criança
chora no batismo.

o caipira
de roupa nova
ajoelha só com um joelho
e pede a Deus perdão
para o pecado da comadre.

o coro entoa
Maria Mater Gratiae
e o vento frio de julho
na Mantiqueira mineira
espalha a sua brisa
sobre o justo e o pecador.

Ao cair da noite
ainda há uma vela se consumindo
na porta da igreja deserta.

o romeiro se despediu
com o sinal da cruz
a cicatriz e o pus
até o ano que vem
amém.

____________

Do livro Brasilíadas. Editora Dom Quixote: Brasília, 1985

Duas parcerias

Brasilíadas e Tocata&Fuga, duas das capas que desenhei para Luiz Adolfo Pinheiro

Brasilíadas e Tocata&Fuga, duas das capas que desenhei para Luiz Adolfo Pinheiro