Minha amiga luso-angolana Vera Lucia Carmona, que adotou o mítico deserto Kalahari em seu nome de poeta, cumpriu anos. Não sei por onde ela anda, mas deve, com certeza, estar a traçar caminhos, descobrir sendas, desdobrar solidariedade. Onde estiver, receba meu abraço, com o presente que é seu poema.
Livre
Ser livre…
Deixar para trás os meus desejos
e todos estes loucos preconceitos
e partir,
partir e ter o ensejo
de ser aquilo que não sou
e que sempre ansiei ser.
Poder caminhar sem um destino
como errante, pobre peregrino
tendo apenas como amigas as estrelas,
contando os meus sonhos só a elas.
Misturar-me com os negros nas senzalas
Comendo sem rodeios do seu pão,
Ver dançar as chamas das fogueiras
e dormir na dureza duma esteira.
Poder saber por onde vou
e marcar a cada hora o meu dia
sem sentir a cada passo o grilhão
de se seguir apenas a razão.
Poder provar de cada fruto
que encontrasse nascendo nos pomares
e poder misturar-me com os miúdos
descalços, livres, vagabundos,
que vagueiam às portas dos casais
sem vãos temores e sem barreiras.
Por este vida simples, mas verdadeira,
eu daria a minha vida só de incertezas
e todos os meus sonhos de grandeza.
Vera Lucia Carmona
(Ilustração de Cleto de Assis)