Arquivo do mês: agosto 2009

Um trovador do Norte do Paraná

O poeta José Marins distribuiu algumas folhas de trovas de Antonio Augusto de Assis, de Maringá. Gostei e solicitei ao Marins que ampliasse as informações sobre o poeta dos três A, para publicação no Banco da Poesia. Pedido rápido e resposta idem. E eis um novo depositante de nosso Banco, que mostra não só uma pequena coleção de quadras, mas também poemínimos e um lírico soneto.

Bem vindo seja, augusto Antonio e, ainda por cima, de Assis. E mil agradecimentos ao José Marins, pela colaboração.

aaassisAntonio Agusto de Assis é poeta e trovador. Nasceu em São Fidélis, Rio de Janeiro,
no dia 07 de abril de 1933. Hoje aposentado, foi professor do Departamento de Letras
da Universidade Estadual de Maringá e reside naquela cidade do Norte do Paraná.
Integra a Academia de Letras de Maringá e a União Brasileira de Trovadores (seção
de Maringá).Editor do boletim Trovia, da UBT – Maringá e do jornal  Trovamar, da UBT – Balneário Camboriú.

Publicações do autor: Robson; Itinerário; Coleção Cadernos de A. A. de Assis – 10 volumes; O português nosso de cada dia; Poêmica; Caderno de trovas; Autor dos versos da “Missa em trovas”.

Livros disponíveis na Internet (e-books) Tábua de Trovas; Trovas Brincantes; Cem trovas no Cen (Cá Entre Nós), antologia de vários autores; 60 Trovas de Amor, antologia; 60 Trovas de Humor, antologia; 60 Trovas de Saudade e Triversos.

Por um beijo

Beijos

Por um beijo eu lhe dou o que sou e o que tenho:
os bons sonhos que sonho, as plantinhas que planto,
a pureza, a alegria, as cantigas que eu canto,
e o meu verso se acaso houver nele arte e engenho.

Por um beijo eu lhe dou, se preciso, o meu pranto,
as angústias da luta em que há tanto me empenho,
as saudades que trago do chão de onde venho,
as promessas que eu faço, piedoso, ao meu santo.

Por um beijo eu lhe dou meus anseios de paz,
minha fé na ternura e no bem que ela faz,
meu apego à esperança, que insisto em manter.

Por um beijo, um só beijo, um momento de amor,
eu lhe dou meu sorriso, eu lhe dou minha dor,
o meu todo eu lhe dou, dou-lhe inteiro o meu ser!

Poeminhas (à moda de haicais)

Florzinha caipira.
Até o girassol, tão nobre,
ao vê-la suspira.

●●●

Um pingo… dois pingos…
não parou mais de pingar.
E se fez o mar.

●●●

Sempre assim supus.
Pirilampo ou vaga-lume,
tanto faz: é luz.

●●●

Trenzinho da serra…
Pa… Pa-ra-ná… Pa-ra-ná…
pra Paranaguá.

●●●

Releio Pessoa.
Finjo tão completamente,
que a tristeza voa.

A. A. de Assis é o trovador mais premiado do Brasil, em certames nacionais, estaduais e internacionais.

Moderno, poupa viagem
o novo pombo correio:
– Hoje ele manda a mensagem
numa boa, por e-mail…

●●●

De dia caleja a palma
o irmão que cultiva o chão;
de noite alivia a alma
nas cordas de um violão!

●●●
Num tempo em que tantas guerras
enchem o mundo de terror
benditos os que na terra
semeiam versos de amor.

João Manuel Simões deposita flores

Oferenda

Guirlanda

O que preferes, meu amor? Magnólias
ou alvos, puros lírios virginais
vergados pelo som de harpas eólias
soltas nas longas tardes outonais?

Jasmins, hortências, rosas amarelas?
Cravos de sangue, meigas açucenas?
Girassóis da família das estrelas?
Agapantos beijados por falenas?

Crisântemos serão de teu agrado?
Que preferes, amor? Por que não falas?
Que outras flores há que não possuas?

Miosótis e gerânios, lado a lado?
Leves glicínias para as tuas salas?
Num ramo imenso, amor, são todas tuas…

xxxxxxxxxdo livro Suma Poética, 1979

A volta do boêmio

Capa do livro "Emílio de Menezes, o último boêmio, de Raimundo Menezes. Livraria Martins Editorta, 1956

Capa do livro "Emílio de Menezes, o último boêmio, de Raimundo Menezes. Livraria Martins Editora, 1956

Não, não se trata do melancólico samba-canção de Adelino Moreira, imortalizado por Nelson Gonçalves. Refiro-me a Emílio de Menezes, cujos versos e momentos satíricos foram postados aqui dias atrás.

Um curioso livro, publicado no Brasil em 1932, resultado de trabalhio psicográfico do médium Chico Xavier, reuniu poemas de vários autores já falecidos, sob o título de Paranaso de Além Túmulo. Entre os poetas da inusitada coletânea, aparece o nosso Emílio, que demonstra não ter perdido a graça, mesmo depois de morto. Mas, nas entrelinhas, confessa-se curado do humor sarcástico de seus tempos de boêmia terrestre, conservando, entretanto, a veia cômica que popularizou seus versos por aqui, em tempos idos.

São dois sonetos de contrição bem humorada que, verdadeiros ou não, preservam, sem dúvida alguma, o conhecido estilo do poeta paranaense.

Eu mesmo

Eu mesmo estou a ignorar se posso
chamar-me ainda o Emílio de Meneses,
procurando tomar o tempo vosso,
recitando epigramas descorteses.

Como hei de versejar? Rimas em osso
são difíceis… contudo, de outras vezes,
eu sabia rezar o Padre-Nosso
e unir meus versos como irmãos siameses.

Como hei de aparecer? O que é impossível
é ser um santarrão inconcebível,
trazendo as luzes do Evangelho às gentes…

Sou o Emílio, distante da garrafa,
mas que não se entristece e nem se abafa,
longe das anedotas indecentes.

AnjoEmilio

Aos meus amigos da Terra

Amigos, tolerai o meu assunto,
(sempre vivi do sofrimento alheio).
Relevai, que as promessas de um defunto
são coisa inda invulgar no vosso meio.

Apesar do meu cérebro bestunto,
o elo que nos unia, conservei-o,
como a quase saudade do presunto,
que nutre um corpo empanturrado e feio.

Espero-vos aqui com as minhas festas,
nas quais, porém, o vinho não explode,
nem há cheiro de carnes ou cebolas.

Evitai as comidas indigestas,
pois na hora do “salva-se quem pode”,
muita gente nem fica de ceroulas…

Eu mesmo [Emílio de Meneses] 
 
Eu mesmo estou a ignorar se posso
chamar-me ainda o Emílio de Meneses,
procurando tomar o tempo vosso,
recitando epigramas descorteses.
 
Como hei de versejar? Rimas em osso
são difíceis... contudo, de outras vezes,
eu sabia rezar o Padre-Nosso
e unir meus versos como irmãos siameses.
 
Como hei de aparecer? O que é impossível
é ser um santarrão inconcebível,
trazendo as luzes do Evangelho às gentes...
 
Sou o Emílio, distante da garrafa,
mas que não se entristece e nem se abafa,
longe das anedotas indecentes.
 
 
Aos meus amigos da Terra
 
Amigos, tolerai o meu assunto,
(sempre vivi do sofrimento alheio).
Relevai, que as promessas de um defunto
são coisa inda invulgar no vosso meio.
 
Apesar do meu cérebro bestunto,
o elo que nos unia, conservei-o,
como a quase saudade do presunto,
que nutre um corpo empanturrado e feio.
 
Espero-vos aqui com as minhas festas,
nas quais, porém, o vinho não explode,
nem há cheiro de carnes ou cebolas.
 
Evitai as comidas indigestas,
pois na hora do "salva-se quem pode",
muita gente nem fica de ceroulas...

Campeão de bilheteria

applaudingNosso Banco da Poesia está obtendo, a cada dia que passa, mais leitores. Estamos com uma média diária de mais de 80 visitas, o que é muito bom por se tratar de um blog especializado em poesia e afins. Umas das últimas postagens, o conto de Vera Lúcia Kalahari, atraiu muita gente e o diálogo que suscitou entre a autora e Manoel de Andrade, nos comentários, merece ser lido. Vejam abaixo.

Aliás, queremos concitar nossos leitores a enviar comentários, pois o blog só se justifica pela troca de idéias, das análises, peloo recebimento de sugestões e, se possível, de colaborações. C. de A.

Um conto de Vera Lúcia Kalahari

Nossa amiga e correntista Vera Lúcia Kalahari nos envia, de Angola, um conto de sua autoria, premiado em 1973 em Lourenço Marques, atual Maputo, Luanda, Huambo e Benguela.

Mãe

xxxxxEsse era o dia em que Saiengue, o soba de Camanongue, esperava a chegada de seu filho único, vindo da cidade.
xxxxxO rapaz partira há seis anos e agora todos aguardavam o seu regresso: o pai, a velha mãe, a mulher, o filho e a filha. Nesses seis anos nenhum deles o vira e assim cada um o esperava anciosamente.
xxxxxA cubata erguia-se a certa distância do povoado, longe da única estação, e por isso não podiam saber a hora exata da chegada. Era uma pequena casa muito limpa, no meio de um extenso mangueiral, alinhado nas margens do rio. Do outro lado erguiam-se verdejantes montanhas que se perdiam em picos altos e nublados. No tempo do frio, o rio corria remansoso e pouco profundo. Mas quando as chuvas chegavam das serranias, as águas cresciam assustadoramente, lamacentas e escuras.
Todos se haviam vestido mais cedo e ficaram sentados pacatamente à espera. Lá estava o velho pai, a barba branca destacando-se no rosto negro e grave. Era um homem respeitado naqueles lugares.
xxxxxHoje, porque seu filho único voltava, pusera o seu melhor pano, que comprara há anos na cidade.
xxxxxAo lado do velho, sentava-se a mulher, a única que tivera em toda a sua vida, porque havia sido uma boa companheira, dócil e trabalhadora. Numa pedra mais baixa, sentava-se a nora, companheira do seu filho. Segurava uma fita longa de missangas, e seus dedos hábeis iam tecendo um cinto largo de cruzes miúdas, em carmesim. O seu rosto, nem feio nem bonito, denotava a ansiedade febril que a tomava. De vez em quando baixava-se para dizer qualquer coisa à pequenita que lhe brincava aos pés. Mais longe, debaixo de uma grande mangueira, um rapazito esguio tentava colher um fruto dourado. O velho tinha os olhos fitos no rapaz, mas via-se que o seu pensamento estava distante.
xxxxxA velha mãe virou-se para a nora e perguntou:
xxxxx— Compraste o peixe na loja do Calonjere?
xxxx —Sim, minha mãe, tratei de tudo.
xxxxxNa obscuridade da porta os seus olhos brilhavam na face escura.
xxxxxO miúdo escorregou, caíu e começou a chorar desalmadamente. A jovem mulher levantou-se rapidamente e limpou-lhe os calções do pó.
xxxxx— Cala-te! Teu pai está prestes a chegar e não gostará de te encontrar assim!
xxxxxO rapaz limpou as lágrimas com as mãos e sentou-se calmamente no capim áspero. O velho olhou o neto, alisou a barba branca e, sorrindo, disse:
xxxxx— Calomanga ficará satisfeito por ter à sua espera dois filhos como estes.Ele te agradecerá a maneira como trataste seus velhos pais nestes longos anos. Foi um bom dia aquele em que te trouxe para esta casa.
xxxxxMal havia acabado de proferir estas palavras, ouviu-se uma voz na curva do caminho. Era bem a voz de que eles se lembravam e que tanto desejavam ouvir, mas agora bem diferente das suas recordações.
xxxxx— Aqui estou!
xxxxxA velha mãe uniu as mãos com força sobre o regaço. O velho levantou-se rapidamente do chão. Os passos do recém-chegado ressoavam mais perto, na terra avermelhada. A mulher, que se deixara ficar sentada, de olhos fitos no solo, pôde ver os pés calçados de grossas botas e ouviu-o gritar:
xxxxx— Meu pai! Mãe!
xxxxx— Filho…— disse o velho.
xxxxxA sua voz tremeu e suavemente começou a chorar. A mãe acercara-se timidamente e tocou no braço do filho.
xxxxx— Calomanga, estás diferente. Não pareces o mesmo!
xxxxx— Mãe, seis anos não deixam ninguém na mesma – disse o rapaz numa voz clara e rápida.
xxxxxDepois, acercou-se da jovem mulher que se mantivera imóvel.
xxxxx— Então, Fuvuca, estás boa?
xxxxx— Foi a melhor das filhas para nós,Calomanga-falou o velho.
xxxxx— Sim?— interrompeu o jovem. — E onde estão os meus filhos?
xxxxx—Estou aqui…
xxxxxO pequeno abeirou-se lentamente e olhou aquele desconhecido, de sapatos de cabedal e de calças que eram de um tecido grosso e escuro, uma fazenda dos brancos. Calomanga passou-lhe a mão pelos cabelos ásperos , rindo.
xxxxx— Então foi nisto que se transformou o pequeno choramingas que deixei?
xxxxxA jovem mulher olhava-o agora abertamente. Sim! Como estava mudado! Seis anos na cidade haviam modificado seu marido, cheio de juventude e energia. Sentiu-se muito tímida e começou a chorar.
xxxxxApós uma longa pausa, como se cada um tentasse adivinhar os pensamentos do outro, Calomanga começou a falar. Dir-se-ia que falava apenas para preencher o vácuo que se estendia sobre eles.
xxxxx— Como é bom estar de volta! É pena continuar tudo tão atrasado!
xxxxx— Estamos na mesma – respondeu o velho pai, permanecendo um pouco pensativo.
xxxxx— Pois é…Habituado como estou à cidade, tudo me parece bem diferente – estas últimas palavras foram ditas com um certo ar de troça -.
xxxxxFuvuca sentiu um leve aperto no coração e, silenciosamente, afastou-se.

………………………………………………………………………………………………………….

xxxxxCalomanga havia distribuído os presentes que trouxera.
xxxxxA jovem esposa retirara-se para um canto, olhando o marido e os filhos que o cercavam.
xxxxx— Pai…tenho uma coisa para lhe dizer…
xxxxxO velho estremeceu e puxou com força a manta que lhe escorregava nas pernas. A fogueira bruxuleava, pondo sombras grotescas nas mangueiras que se erguiam em copas cerradas.
xxxxx— O pai sabe… — continuou o filho . — Na cidade vêm-se muitas coisas. Já não poderei ficar aqui. Acostumei-me a outra vida. Vim, para levar os meus filhos, para metê-los na escola dos brancos.
xxxxxOs pequenos começaram aos pulos, a gritarem radiantes.-
xxxxx— Irei no comboio…Irei no comboio…
xxxxxA miúda agarrou-se ao pai e perguntou ansiosamente:
xxxxx— Eu também vou?
xxxxx— Sim, tu vais também, — respondeu o pai com energia.
xxxxx— E Fuvuca? – falou o velho mansamente.
xxxxx— Bem…ela…pensei mandá-la de volta para o pai. Dar-lhe-ei dinheiro e nada lha faltará.
xxxxxO pequeno Jamba virou-se para a mãe, os olhos brilhando de satisfação.
xxxxx— Então irei para a escola! Sempre desejei isso!
xxxxxNenhum deles pensava em Fuvuca, reparava na sua expressão. Ninguém notou como ela tremia, a não ser o velho, que continuava sentado, acariciando a barba branca.
xxxxxCalomanga, radiante com a alegria dos filhos, exclamou:
xxxxx— Irás para a escola, verás grandes ruas, automóveis , tudo o que nunca viste até agora.
xxxxxA criança não se pôde conter:
xxxxx— Quando vamos? Eu quero ir já!

old_hands
xxxxxFuvuca olhou para aquele filho que acalentara ao longo das noites, que bebera do seu leite. Lembrou-se de quando lhe limpava a boca gotejante de leite branco. Era então aquele o seu filho! Este, encontrando o olhar da mãe, confessou, pensativo:
xxxxx— Sempre quis ir para a cidade, mãe!
xxxxxCalomanga agarrava a filha, num gesto de posse. Então, a miúda encostando a cara ao pai, olhou, arrogante, para a mãe.
xxxxx— Está claro que nada te faltará – dirigiu-se o homem para a jovem mulher.

xxxxx— Nunca passarás necessidades.
xxxxxFuvuca olhou-o com dignidade, mas ele nem reparou, enlevado como estava com os filhos. E sem que ninguém se apercebesse, a mãe saíu de casa. Sentou-se na pedra onde se sentara por tantos anos com os dois filhos. Num instante pensou no que seria a sua vida dali para o futuro. Sim! Já sabia qual o caminho a tomar. Levantou-se e caminhou silenciosamente para o rio que brilhava ao luar. Ainda ouviu a voz do filho, gritando alegremente:
xxxxx— E posso também andar de carro?
xxxxxO velho tinha começado a falar, numa voz triste e implorativa.
xxxxxA água corria-lhe agora aos pés e sentiu o frio cortante do seu beijo. Lembrou-se por instantes que devia descer rapidamente e lançou-se convulsivamente para a frente.

xxxxxO rio abriu-se para a receber num abraço gélido. Como de muito longe, pareceu-lhe ouvir ainda a voz do filho, repetindo várias vezes, a rir:
xxxxx— Irei de comboio…Irei de comboio…
xxxxxEsta voz morreu ao longe e a jovem mãe nada mais ouviu.
xxxxxAs águas fecharam-se novamente e continuaram o seu serpentear tranquilo para o mar.

River

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Ilustrações: Cleto de Assis

Paraná na final do Prêmio Jabuti de Poesia

PremioJabutiFoi divulgada a relação dos finalistas do Prêmio Jabuti 2009, concedido pela Câmara Brasileira do Livro. Os vencedores serão conhecidos apenas em setembro. Mas chegar à final já é consagração. Os três vencedores de cada categoria serão anunciados no dia 29 de setembro, exceto os ganhadores das categorias Livro do Ano Ficção e Livro do Ano Não-Ficção, que serão revelados na cerimônia de premiação, no dia 4 de novembro, na Sala São Paulo.

O Paraná está honrosamente representado por Alice Ruiz, que concorre com seu livro Dois em Um, editado pela Iluminuras. Se ela vencer, será o seu segundo Jabuti, pois já foi premiada em 1989, com seu livro Vice Versos.

São estes os livros finalistas do Jabuti 2009:

Dois em Um (Iluminuras), Alice Ruiz (Paraná)
Chocolate Amargo (Brasiliense), Renata Pallotini (São Paulo)
Antigos e Soltos: Poemas e Prosas da Pasta Rosa (Instituto Moreira Salles), Instituto Moreira Salles (Rio de Janeiro)
Cinemateca (Schwarcz), de Eucanaã Ferraz (Rio de Janeiro)
A Letra da Ley (Annablume), Glauco Mattoso (São Paulo)
Homem Ao Termo – Poesia Reunida [1949-2005] (Editora UFMG),  Affonso Ávila (Minas Gerais)
Outros Barulhos (Reynaldo Bessa), Reynaldo Bessa (Rio Grande do Norte)
Geometria da Paixão (Anome Livros), Dagmar de Oliveira Braga (Minas Gerais)
Os Corpos e Os Dias (Editora de Cultura), Laura Erber (Rio de Janeiro)
Ferreira Gullar: Poesia Completa, Teatro e Prosa (Nova Fronteira), Ferreira Gullar (Maranhão)
Réquiem (Contra Capa), Lêdo Ivo (Alagoas)
Uma Hora Por Dia (7letras), Maria Helena Azevedo (Rio de Janeiro)

Dois em Um
Alice Ruiz nasceu em Curitiba, PR, em 22 de janeiro de 1946. Começou a escrever contos com 9 anos de idade, e versos aos 16. Foi “poeta de gaveta” até os 26 anos, quando publicou, em revistas e jornais culturais, alguns
poemas. Mas só lançou seu primeiro livro aos 34 anos.

Aos 22 anos casou com Paulo Leminski e, pela primeira vez, mostrou a alguém o que escrevia. Surpreso, Leminski comentou que ela escrevia haikais, termo que até então Alice não conhecia. Mas encantou-se com a forma poética japonesa, passando então estudar com profundidade o haikai e seus poetas, tendo traduzido quatro livros de autores e autoras japonesas, nos anos 1980.

Teve três filhos com o poeta: Miguel Ângelo Leminski, Áurea Alice Leminski e Estrela Ruiz Leminski. Estrela também é uma grande poeta: acabou de lançar um livro, junto com o Yuuka de Alice: Cupido: Cuspido e Escarrado (pela Editora AMEOP, de Porto Alegre) – provando que, filha de duas feras, essa Estrela tem luz própria.

Alice publicou, até agora, 15 livros, entre poesia, traduções e uma história infantil, que você pode conhecer clicando em Bibliografia [no site da autora].

Compõe letras desde os 26 anos – a primeira parceria foi uma brincadeira com Leminski, que se chamou “Nóis Fumo” e só foi gravada em 2004, por Mário Gallera. A poeta tem mais de 50 músicas gravadas por parceiros e intérpretes. Está lançando, em 2005, seu primeiro CD, o Paralelas, em parceria com Alzira Espíndola, pela Duncan Discos, com as participações especialíssimas de Zélia Duncan e Arnaldo Antunes. Para conhecer
essas gravações e os parceiros da poeta, dê uma olhadinha em Discografia [também no site da autora].

Antes da publicação de seu primeiro livro, Navalhanaliga, em dezembro de 1980, já havia escrito textos feministas, no início dos anos 1970 e editado algumas revistas, além de textos publicitários e roteiros de histórias em quadrinhos.

Alguns de seus primeiros poemas foram publicados somente em 1984, quando lançou Pelos Pêlos pela Brasiliense. Já ganhou vários prêmios, incluindo o Jabuti de Poesia, de 1989, pelo livro Vice Versos.

Já participou do projeto Arte Postal, pela Arte Pau Brasil; da Exposição Transcriar – Poemas em Vídeo Texto, no III Encontro de Semiótica, em 1985, SP; do Poesia em Out-Door, Arte na Rua II, SP, em 1984; Poesia em
Out-Door, 100 anos da Av. Paulista, em 1991; da XVII Bienal, arte em Vídeo Texto e também integrou o júri de oito encontros nacionais de haikai, em São Paulo.

As aulas de haikai são uma experiência única para quem já fez – Alice convence a gente que no fundo de cada um existe um poeta louco pra despertar, e descobrimos surpresos que sim, é possível!

Quer saber mais sobre Alice Ruiz? Então passeie pelas páginas do [seu] site – e depois não se esqueça de escrever pra ela, contando o que você descobriu aqui! Carô Murgel – Historiadora (s.d.)

Chico de Assis, uma estréia no Banco e na rede

Conheci Chico de Assis recentemente. Fui apresentado a ele por uma amiga que o conhece há mais tempo. Pelo que entendi, ambos tiveram um namorico na juventude e nunca mais deixaram de ser amigos. Chamou-me a atenção o seu nome, pois pensei logo em um possível parentesco. Mas ele me informou que foi batizado como Francisco de Assis Xavier. O sobrenome era do pai, que resolveu fazer uma homenagem a dois dos santos de sua devoção.

Na escola, ainda pequeno, muitos caçoavam, como informou, de seu nome,
chamando-o de São Francisco de Assis Xavier, ou simplesmente São Francisco Xavier. Mais tarde, para livrar-se das brincadeiras patronímicas, retirou o apelido paterno e passou a usar apenas Francisco de Assis. Emenda pior que o soneto, só mudou de santo. Como sempre foi uma pessoa simples, sem vaidades físicas, e costumava usar sandálias mais confortáveis que apertados sapatos – e, durante algum tempo de sua juventude contestatória, uma barba à cubana –  as semelhanças com o frade italiano eram ainda mais evidentes. Daí decidiu reduzir para Chico de Assis. Contou-me que só usa o nome verdadeiro em documentos e na conta bancária, quando sobra algum para depositar.

Minha amiga falou de suas qualidades de poeta e ele rapidamente emendou:
“De vez em quando…”, denotando certa timidez em falar de suas virtudes.
Mas, após uns três bons copos de vinho, destramelou a língua e nos brindou com alguns trabalhos seus, os que sabia de cor.

Ao final da conversa, depois de muita insistência minha, pediu meu e-mail para enviar alguns textos. Revelou que sempre se manteve longe da divulgação eletrônica de seus versos. Primeiro, porque nunca considerou seus poemas acabados, definitivos. “A cada passo que damos na vida, sempre há o que acrescentar”, falou, filosófico. Segundo, porque, no fundo, não se julgava um verdadeiro poeta, digno de espalhar suas palavras por aí. Jamais quis publicar livros e o máximo a que chegou foi à distribuição de trabalhos xerocados a amigos muito íntimos.

Como faço sempre com os novos colaboradores do Banco da Poesia, pedi a ele que enviasse, junto com os poemas, um resumo biográfico e uma foto. Aí ele reagiu e, quase seco, disse-me que os poemas já eram enorme concessão que fazia, em consideração à amiga comum. Mas biografia e foto, de jeito nenhum.

Mas por quê? — saiu-me a pergunta instintivamente. Ele simplesmente pegou um guardanapo de papel e escreveu, em um só lance, e, em seguida, entregou-me o produto, com o esclarecimento de que a primeira quadra é de Machado de Assis:

xxxxx“Ante as sandálias furadas
xxxxxQue entre cascalhos gastei,
xxxxxNão culpo o chão das estradas,
xxxxxCulpo os maus passos que dei.”

xxxxxNão tenho biografia
xxxxxSó poeira recolhida
xxxxxEm cada dura porfia.
xxxxxResumo assim minha vida.

xxxxxJá a foto reclamada
xxxxxnão a tenho, nem desejo
xxxxxter a cara publicada.
xxxxxEvito assim o gracejo

xxxxxQue me zangava de fato
xxxxxdesde os tempos de baixinho:
xxxxxquando viam meu retrato
xxxxxfalavam que era “santinho”…

Justifica-se, portanto, o quase anonimato. Dias depois, recebi sua mensagem, enviada de uma lan house. Ele havia dito que, como gosta muito de viajar, não tem computador. Sempre que precisa, estaciona em uma loja de Internet e escreve seus versos, ou transcreve os já rabiscados em uma caderneta. A máxima aproximação com o mundo eletrônico de exclusiva propriedade é um pen drive doado por um amigo, que levou tempo para aceitar; foi incluído em sua parca bagagem material porque não ocuparia lugar de nenhum par de meias – informou também o seu sempre presente bom humor.

Publico um primeiro poema, agradecendo a Chico de Assis, com as boas vindas do Banco da Poesia ao poeta estreante na rede eletrônica.

Promessa

Oferta

Não, não: não quero encontrar o amor dentro de uma receita de bolo.
Esta virá depois, metaforicamente, como requer a poesia.
Mas agora, neste momento mágico,
quando eu já pensava que tinha perdido as conexões cardíacas
tão próprias de almas mais jovens e aventureiras,
deixe-me entregue às metáforas e às imaginações.

Quando eu fizer perguntas, deixe-me navegar no mar das dúvidas
que só se apaziguará com o tempo.
Talvez nós dois, juntos, o levaremos à bonança
sem usar palavras, só com atos de ternura.

Por isso, quando ainda a sinto arredia,
atenta a atos e palavras com científico rigor,
juro, solene, junto ao altar do deus Amor:
preencherei sua alma com flores e poesia.

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Ilustração: Tratamento gráfico de imagem recolhida na Internet, sem indicação de autor

Artur Alonso Novelhe (da Galícia) imerso em pensamentos

Mulher formosa, olhada na distância

MulherFormosa

Serão, pois pensamento, os tristes olhos da mulher que eu amei por um segundo?
E não por ingenuidade seria a irmã mais velha da lua que já possuí
alguma que outra vez, como sempre com a torpeza da casualidade; seu espelho.
Aquele que tantas vezes se pergunta que demos fazes tu ai, interrompendo,
interpretando a desoras as horas do mundo.

Será o meu pensamento que sonha um corpo perfeito, e não repara
porque nunca tampouco reparamos, nas inúmeras dificuldades,
que estão ai a volta e formam o impedimento.

Será que a paixão cega ao homem que reparte bondades pelas ruas além, tiradas a volta,
antes dela, muito antes dela na tarde esquecer-lhe os deveres, zunir-lhe a paciência
só para respirar, ao longe, aquele sinuoso perfume de fêmea voraz
tão distante tão impossível, que é simples invento nosso
e por cima nos encoraja a embrenhar num profundo, escuro mar,
onde a luz sempre depende de aquela penúltima paisagem: ela olhando a lua nossa.

Ela que domina e tu nunca sabes, aonde pode seu engenho conduzir
no país dos surdos, do outro lado do quarto minguante, nas caras sempre ocultas.

Será o pensamento, a sentir-se já na sua magia escravo
ou simplesmente o nosso próprio ego estúpido, que orgulhoso nos prepara
à derrota mais completa e iminente, nessa batalha que nunca poderemos ganhar
por que o amor que perdura é para o débil um impossível

Mesmo antes de ser dela, já fomos vitimas do nosso infinito desejo:
ficamos admirando a mais profunda das belezas. Sempre, a ela, nos rendemos.

Serão, pois seus tristes olhos ou o medo a ruir, instintos que dela me afastam,
me matam por dentro, me impelem, ir na sua procura e
perder-me… Perder-me com ela por sempre.

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Leia mais poemas de Artur Alonso Novelhe aqui, aqui e aqui.

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Ilustração: Cleto de Assis

Miniconto

Lex Mirtaceae

xxxxxxxxxCleto de Assis

Gabiromar

Tal qual o sábio inglês, ele repousava em baixo de uma árvore. Não uma vetusta macieira britânica, mas uma guabirobeira selvagem, que, provavelmente plantada por Deus ou um de seus jardineiros, há muito estava ali, a alimentar passarinhos, serelepes e meninos aventureiros.

Sem se importar com as leis da mecânica universal, seu pensamento gravitava em torno de memórias guardadas lá no fundo da cachola. De repente, um fruto caiu do galho mais alto e esborrachou-se em seu nariz.

O susto sempre faz a gente pensar em coisa maior. Ele imediatamente desviou sua cabeça para o lado, com medo de que mais petardos caíssem sobre ele. Cumpria a primeira parte da terceira lei de Newton: actioni contrariam semper et aequalem esse reactionem. Mas nada mais trágico aconteceu.

Passou a mão em seu rosto e sentiu a massa fria e amarelada, que seria tomada como imp(r)udência de ave voadora não fosse o odor penetrante e inigualável do fruto maduro. Ao susto sobreveio a paz. Cheiro de infância. Gosto de meninice.

Fechou os olhos, sem limpar a face lambuzada e aspirou fortemente. Ah, a viagem movida a guabiroba… O sorriso dos olhos de Marisa a passar-lhe, um a um, os pequenos globos mirtáceos. Depois, as mãos de Marisa, a ternura de Marisa e o perfume suave de Marisa.  Ele pensou que se um perfumista afamado capturasse da fruta o aroma, teria que gravar no frasco o nome insubstituível: Marisa. Do mar das saudades. Do mar a brisa.

Estava criada a Lei da Afetividade.

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Ilustração: C. de A.

Iriene em dois poemas

Iriene

Ainda não conheço Iriene Borges pessoalmente. Quase por acaso, passei em seu blog e li seus versos. Gostei: com certeza estamos diante de uma nova e promissora poeta paranaense. Para supresa minha, notei que ela colocou o Banco da Poesia em seus links, o que já nos torna amigos virtuais. Em rápida comunicação, pedi licença para publicar seus poemas e solicitei algumas referências biográficas.  Ela vive em Curitiba, estuda artes plásticas na Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Poeta, participa do livro Pó &Teias – Antologia de Poemas, crônicas e Contos, edição de 2006, e de Balela, a ser publicado ainda em 2009. Estreia hoje no Banco da Poesia. Espero que seja nossa constante correntista. Bem vinda seja, Iriene.

Práticas antigas

PráticasAntigas

Eu dançarei sobre teu túmulo
Paganismo inerte
Música que aprendi de ouvido
no pulsar envenenado
que me perverte
mas sustenta o fôlego

Desfarei no giro dos quadris
A mandinga e a modorra
que lançaste-me sobre a libido
Terei teu jazigo revolvido
e até o verme cuidarei que morra
sob coreografias febris

Ocorre que as hordas infernais
são palavras esmurrando minha porta
e as logro no encanto das cantigas
E entre ritos novos e práticas antigas
vislumbro-te carne exposta
nas manchetes dos jornais

Breve dançarei sobre teu túmulo

Alquimia

Alquimia
Adorno-me com falsas pepitas
que brilham no breu

Ardil que ante os espelhos
desvia-me de ver

Ouro de tolo sou eu

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Ilustrações: C. de A.