Conheci Chico de Assis recentemente. Fui apresentado a ele por uma amiga que o conhece há mais tempo. Pelo que entendi, ambos tiveram um namorico na juventude e nunca mais deixaram de ser amigos. Chamou-me a atenção o seu nome, pois pensei logo em um possível parentesco. Mas ele me informou que foi batizado como Francisco de Assis Xavier. O sobrenome era do pai, que resolveu fazer uma homenagem a dois dos santos de sua devoção.
Na escola, ainda pequeno, muitos caçoavam, como informou, de seu nome,
chamando-o de São Francisco de Assis Xavier, ou simplesmente São Francisco Xavier. Mais tarde, para livrar-se das brincadeiras patronímicas, retirou o apelido paterno e passou a usar apenas Francisco de Assis. Emenda pior que o soneto, só mudou de santo. Como sempre foi uma pessoa simples, sem vaidades físicas, e costumava usar sandálias mais confortáveis que apertados sapatos – e, durante algum tempo de sua juventude contestatória, uma barba à cubana – as semelhanças com o frade italiano eram ainda mais evidentes. Daí decidiu reduzir para Chico de Assis. Contou-me que só usa o nome verdadeiro em documentos e na conta bancária, quando sobra algum para depositar.
Minha amiga falou de suas qualidades de poeta e ele rapidamente emendou:
“De vez em quando…”, denotando certa timidez em falar de suas virtudes.
Mas, após uns três bons copos de vinho, destramelou a língua e nos brindou com alguns trabalhos seus, os que sabia de cor.
Ao final da conversa, depois de muita insistência minha, pediu meu e-mail para enviar alguns textos. Revelou que sempre se manteve longe da divulgação eletrônica de seus versos. Primeiro, porque nunca considerou seus poemas acabados, definitivos. “A cada passo que damos na vida, sempre há o que acrescentar”, falou, filosófico. Segundo, porque, no fundo, não se julgava um verdadeiro poeta, digno de espalhar suas palavras por aí. Jamais quis publicar livros e o máximo a que chegou foi à distribuição de trabalhos xerocados a amigos muito íntimos.
Como faço sempre com os novos colaboradores do Banco da Poesia, pedi a ele que enviasse, junto com os poemas, um resumo biográfico e uma foto. Aí ele reagiu e, quase seco, disse-me que os poemas já eram enorme concessão que fazia, em consideração à amiga comum. Mas biografia e foto, de jeito nenhum.
Mas por quê? — saiu-me a pergunta instintivamente. Ele simplesmente pegou um guardanapo de papel e escreveu, em um só lance, e, em seguida, entregou-me o produto, com o esclarecimento de que a primeira quadra é de Machado de Assis:
xxxxx“Ante as sandálias furadas
xxxxxQue entre cascalhos gastei,
xxxxxNão culpo o chão das estradas,
xxxxxCulpo os maus passos que dei.”
xxxxxNão tenho biografia
xxxxxSó poeira recolhida
xxxxxEm cada dura porfia.
xxxxxResumo assim minha vida.
xxxxxJá a foto reclamada
xxxxxnão a tenho, nem desejo
xxxxxter a cara publicada.
xxxxxEvito assim o gracejo
xxxxxQue me zangava de fato
xxxxxdesde os tempos de baixinho:
xxxxxquando viam meu retrato
xxxxxfalavam que era “santinho”…
Justifica-se, portanto, o quase anonimato. Dias depois, recebi sua mensagem, enviada de uma lan house. Ele havia dito que, como gosta muito de viajar, não tem computador. Sempre que precisa, estaciona em uma loja de Internet e escreve seus versos, ou transcreve os já rabiscados em uma caderneta. A máxima aproximação com o mundo eletrônico de exclusiva propriedade é um pen drive doado por um amigo, que levou tempo para aceitar; foi incluído em sua parca bagagem material porque não ocuparia lugar de nenhum par de meias – informou também o seu sempre presente bom humor.
Publico um primeiro poema, agradecendo a Chico de Assis, com as boas vindas do Banco da Poesia ao poeta estreante na rede eletrônica.
Promessa
Não, não: não quero encontrar o amor dentro de uma receita de bolo.
Esta virá depois, metaforicamente, como requer a poesia.
Mas agora, neste momento mágico,
quando eu já pensava que tinha perdido as conexões cardíacas
tão próprias de almas mais jovens e aventureiras,
deixe-me entregue às metáforas e às imaginações.
Quando eu fizer perguntas, deixe-me navegar no mar das dúvidas
que só se apaziguará com o tempo.
Talvez nós dois, juntos, o levaremos à bonança
sem usar palavras, só com atos de ternura.
Por isso, quando ainda a sinto arredia,
atenta a atos e palavras com científico rigor,
juro, solene, junto ao altar do deus Amor:
preencherei sua alma com flores e poesia.
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Ilustração: Tratamento gráfico de imagem recolhida na Internet, sem indicação de autor
São Francisco de Assis é representado pela letra grega T – Tau, que significa transformação e equilibrio.
Ele a usava como assinatura das bençãos para aplacar as tentações dos amigos não-santos.
Caro Chico de Assis, com a sua poesia, você pode até transformar quem a lê mas jamais aplacará a tentação.
M.José Piave
…E não é bom não se conseguir aplacar a tentação?
Caro Chico de Assis, se tentação houver, viva-a, prove-a e sinta-se plenamente vivo…
Deixe-se embriagar e,principalmente, deixe que ela o inspire a dar-nos poemas como este.
Vera Lucia
Se eu fosse a musa do Chico, continuaria arredia, só para ser preenchida com flores e poesias…
Bem vindo, poeta.