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Reflexões do C.A.R.A. na Sexta-feira Santa

Carlos-Alberto-Rodrigues-Al

C.A.R.A. são as iniciais de Carlos Alberto Rodrigues Alves. Mas a coincidência vem a calhar, pois ele é O Cara. Teólogo, pedagogo, Pastor evangélico e professor, porém sua profissão (de fé) verdadeira é ser amigo de muita gente. Quase sempre de bom humor, faz de versos de Vinicius sua máxima de vida: “a alegria é a melhor coisa que existe”. E também verseja, muitas vezes, embora sua melhor expressão artística esteja nas pontas do dedos, bom violonista que é. É casado com Luciana e tem três belos filhos: Giovani, Kauan e Giulia.

Hoje assume sua conta no Banco da Poesia, citando um de nossos poetas maiores, mas expondo uma visão da realidade que bem demonstra sua sensibilidade poética. Virão, em breve, versos seus.

Sobre Eriberto e seu cãozinho

Nesta semana santa, comovi-me diante de um catador de papel e morador de rua. Ele passa todos os dias em frente ao meu trabalho. Detalhe: sempre acompanhado de seu fiel e magérrimo cãozinho. Eriberto disse-me que não aceitou a oferta generosa de uma Ong que queria lhe dar um abrigo com maior dignidade. Razão de não ter aceito a generosidade: “ Eles me disseram que eu não poderia levar o Piloto para morar comigo”.

Vendo esta cumplicidade existencial entre o pequeno animal e seu dono entendi um pouco mais o poema do Drumond:
cao

Vamos, não chores.
A infância está perdida.
A mocidade está perdida
Mas a vida não se perdeu.
O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.
Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis carro, navio, terra.
Mas ainda tens um cão…

Interpretei a cena que vi como mais uma lição de que nosso olhar não deve focar as nossas vias-sacras e sim as ressurreições constantes que a vida nos oferece. Noites que se transformam em manhãs, invernos que se tornam primaveras, lagartas que se metamorfoseiam em borboletas… Ou um cãozinho, com seu olhar de amigo, que nos comprova o valor da lealdade. C. A. R. A.

Axé, Olorum!

Paulo Valente, do frio curitibano ao calor baiano

Paulo_ValenteConheci Paulo Valente ainda bem jovem, ao lado de seu homônimo pai, um senhor de excelente bom gosto que manteve, durante muitos anos, em Curitiba, uma galeria de arte e de objetos de decoração. Com minhas andanças brasilianas, perdi contato com ele e nos cruzamos recentemente em diálogos feicebuquianos, dentro do natural amontoado de amigos comuns. E o redescobri como criativo fotógrafo, que utiliza sua visão plástica para reinventar a poesia. No clique fotográfico nasce o clique poético, que tem que ser instantâneo, minimalista. Algumas de suas produções são tão concisas que dispensam palavras, a poesia verte nas pequenas imagens. Faz brincadeiras com tachinhas e luz que se tornam sérias cenas de palco, algumas a lembrar dançarinas de balé.

Ele nasceu em Curitiba, em 1947, e desde jovem se dedicou às artes plásticas. Adotou a fotografia como ferramenta para o desenvolvimento de suas atividades artísticas, sempre acompanhando as diversas fases do artista. Ainda em sua cidade, participou de diversos concursos e salões. Mudou-se para Salvador em 1977, onde, paralelamente ao ofício de designer de interiores, continuou a desenvolver sua arte e a participar de salões e coletivas. Entre os anos de 1990 e 1993 suas obras estiveram presentes no acervo da Belanthi Gallery, de Nova Iorque, em exposições individuais e coletivas.

Em seus trabalhos mais recentes a fotografia é utilizada como mídia plástica e poética. Segundo ele, adota “o pseudônimo Olorum Piancóski menos para resguardar-me do que para acentuar o hibridismo cultural que pretendo revelar nesses rápidos e despretensiosos fotopoemas”.

Rápidos, talvez. Despretensiosos, nunca.

Saudamos o nosso Piancóski curitibano e o Olorum soteropolitano: Powitanie! Axé!

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Continua em próximos capítulos.

Nesses veludos pálidos de Outono

Os Outonos de Emiliano Perneta

David Emiliano Perneta, considerado o Príncipe dos Poetas Paranaenses, teve vida relativamente curta: faleceu aos 54 anos, após ter construído uma biografia pendente entre o lirismo poético, a fervorosidade da política, a paixão profissional pelo Direito, pelo jornalismo e, finalmente, pela auditoria militar, função que cumpriu até sua morte. Mas foi à Poesia que entregou sua maior paixão, tornando-se célebre ainda em vida e aclamado entre os maiores de sua geração. Nasceu em Curitiba, a 3 de janeiro de 1866, em um sítio dos arredores da cidade, hoje pertencente ao município de Pinhais. Seu sobrenome era Antunes, do pai Francisco David, cujo apelido era Perneta, por seu jeito de andar. Adotou essa alcunha, dando origem a mais um ramo tradicional das famílias paranaenses. Desde cedo atraído pela poesia do francês Baudelaire, foi um dos condutos para a implantação do movimento simbolista no Brasil.

Segundo o crítico literário Wilson Martins, em texto publicado pelo jornal Gazeta do Povo, o movimento simbolista marca uma espécie de nascimento da literatura curitibana. “Foi um movimento organizado que produziu bastante e teve relevância nacional”. Os autores curitibanos produziram algumas das principais revistas literárias nacionais, entre elas a Cenáculo, Victrix, A República, Palium e Jerusalém. Para Martins, o principal autor do grupo é mesmo Emiliano Perneta. “É um grande poeta e o que teve, merecidamente, mais destaque nacional.”

No mesmo texto, a professora aposentada da Universidade Federal do Paraná, Cassiana Lacerda, uma das principais pesquisadoras do simbolismo brasileiro, diz que o culto a Perneta, no entanto, foi prejudicial ao poeta. “A província o idolatrou pelo que ele não merecia e não o idolatrou pelo que ele merecia”, explica. O melhor da produção do autor, segundo ela, foi feito quando ele estava longe de Curitiba, em contato com escritores de maior relevância. Mais do que pela obra em si, porém, Perneta era comemorado em Curitiba pelo seu reconhecimento nacional.

A influência dos simbolistas durou até a década de 30, quando o modernismo vindo de São Paulo e do Rio de Janeiro passou a ditar as regras na produção literária.

O simbolismo foi uma típica manifestação cultural da passagem do século. Teve como característica a sofisticação, o culto a valores aristocráticos, usados como uma reação ao pensamento racionalista, o misticismo e a influência de culturas orientais. (Gazeta do Povo, 09/08/2008)

O escritor e crítico José Cândido de Andrade Muricy, em um de seus estudos sobre o poeta, assinala que, de certa forma, Emiliano previu as circunstâncias de sua morte em um de seus últimos sonetos, Lá. E, em sua derradeira composição, datada de 1920, também se refere, como no outro, ao clima melancólico do Outono.Fazemos ao poeta a nossa homenagem, colocando-o entre os que saudaram a estação das folhas amarelecidas. (C. de A.)

Quando eu fugir, na ponta duma lança,
Deste albergue noturno, em que me vês.
Não sei que sonho vão, nem que esperança
Vaga de abrir os olhos outra vez..
 
Porque a esperança doce, de criança,
D’inda os poder abrir na placidez
Duma nuança mansa que não cansa,
Lá, para além dos astros, lá, talvez?
 
Há de ser ao cair do sol. Ereto,
Tal como sou, rudíssimo de aspecto,
Mas tão humilde, e teu, e se te apraz,
 
Eu te verei entrar, suave sono,
Nesse veludos pálidos de Outono,
Ó Beatitude! Angelitude! Paz!

Ao cair da tarde

Agora nada mais. Tudo silêncio. Tudo.
Esses claros jardins com flores de giesta,
Esse parque real, esse palácio em festa,
Dormindo à sombra de um silêncio surdo e mudo…

Nem rosas, nem luar, nem damas… Não me iludo,
A mocidade aí vem, que ruge e que protesta,
Invasora brutal. E a nós que mais nos resta,
Senão ceder-lhe a espada e o manto de veludo?

Sim, que nos resta mais? Já não fulge e não arde
O sol! E no covil negro desse abandono,
Eu sinto o coração tremer como um covarde!

Para que mais viver, folhas tristes de outono?
Cerra-me os olhos, pois, Senhor. É muito tarde.
São horas de dormir o derradeiro sono.

Nilson Monteiro, novo e ilustre correntista

A estréia bancária de Nilson Monteiro

O Banco da Poesia recebe mais um correntista ilustre, que demorou a chegar mas, com certeza, estará sempre por aqui a enriquecer sua conta poética. Orgulho-me por tê-lo como amigo e ter participado de sua formação profissional, como jornalista, no tempo em que ele, um jovem entusiasmado pela área, mostrava o seu talento numa experiência inovadora, o Novo Jornal, por mim editado em Londrina.

Nilson Monteiro nasceu em Presidente Bernardes, no interior de São Paulo, Aportou  em Curitiba ainda aos 10 anos de idade, por força da profissão do pai, que era representante comercial. Um ano e meio depois, por volta de 1964, mudou-se com a família para Londrina, onde se estabeleceu e pôde desenvolver seus estudos, dividindo-se entre os cursos de Letras e Literatura Francesa e Comunicações, na Universidade Estadual de Londrina .

O grande estímulo para ingressar na profissão veio através do jornalista e escritor Domingos Pellegrini, que o levou para o Diário de Londrina, de Edson Maschio, onde, ainda adolescente, foi responsável pela coluna “No Mundo Estudantil”.

Sempre pelas mãos de Pellegrini deu o passo seguinte, que o conduziu à redação do semanário Novo Jornal, ao lado de Marcelo Oikawa, Roldão Arruda e Carlos Eduardo Lourenço Jorge, no início da década de 1970.

O convite para ingressar na Folha de Londrina surgiu na sequência, por intermédio de Walmor Macarini, em 1973. Lá permaneceu por cerca de cinco anos, passando por diversas editorias, com ênfase para a de Cultura. Simultaneamente, desenvolvia trabalhos em rádio e televisão e fazia incursões no terreno da literatura, escrevendo contos e poemas. Passou também por agências de publicidade e ajudou a fundar a Cooperativa de Jornalistas do Paraná, que produzia o jornal Paraná Repórter.

Ainda em meados de 1970 fez parte da redação do lendário Panorama, uma experiência ousada capitaneada pelo empresário e ex-governador Paulo Pimentel, que teve vida breve, porém marcou  história no jornalismo paranaense. Após seu fechamento, Nilson foi para São Paulo, trabalhar no jornal Movimento, o principal porta-voz da esquerda no país à época da ditadura militar. Voltou depois para a Folha de Londrina, onde atuou como repórter especial e editor do Caderno de Cultura, angariando vários prêmios por reportagens que publicou.

Em 1986 transferiu-se para o jornal O Estado de São Paulo, depois para a Gazeta Mercantil, onde editou o Caderno Regional do Paraná e, finalmente, para a revista Isto É.

Nesse meio tempo continuou produzindo poemas e contos. O livro de poemas “Simples” foi editado em 1984. Depois vieram “Curitiba Vista por um Pé Vermelho”, editado pela Fundação Cultural de Curitiba, “Ferroeste, um novo Rumo para o Paraná”, “Itaipu, a Luz”, e, finalmente, “Madeira de Lei”, que narra a trajetória do empresário Miguel Zattar, um pioneiro na área da silvicultura, na condução das Indústrias João José Zattar S/A.

Atualmente lotado no gabinete do governador Beto Richa, Nilson fez assessoria de imprensa no Banco Regional de Desenvolvimento Econômico (BDRE), na Companhia de Habitação do Paraná – Cohapar – e na Associação Comercial do Paraná – ACP. Também assessorou o ex-governador José Richa em sua última campanha para o Senado, na década de 1990.

Seu trabalho recebe, neste momento de sua vida, reconhecimento público, ao ser diplomado como Cidadão Honorário do Paraná, título que receberá no próximo dia 20 de março.

Bem vindo, Nilson poeta, ao nosso Banco. (Cleto de Assis, con informações da Assessoria de Impnresa da Assembléia Legislativa do Paraná)

Impressões de viagem

(crônica a Neruda)

 
Onde andas, poeta, como fantasma
grunhindo as tábuas do convés?

Onde passeias, leve, pipa entre as cores
dos varais e das casas penduradas nas escarpas?

Onde choras, líquido, em meio
às ondas largas e geladas do Pacífico?

Onde, plantas, mágico, teu coração
nas pedras, gelatinas de ostras endurecidas?

Onde, esfarinhas, versejador, tua alma
em estrelas, uvas bêbadas, cafés franceses?

Onde, fincas, amante, as âncoras
na vida, feira livre, de teu povo?

Onde, espalhas, boiadeiro, as crinas
de teus cavalos, relinchos selvagens?

Onde, anjo, sem alas, sem religião,
feito de renda branca da cordilheira,
tateias a pele desses muros?

Aqui, poeta,
aqui entre livros, mapas, bússolas, bananeiras
cerâmicas
e escadas,
as pessoas te chamam neste inferno de paixões
de anjo

Nesta cidade feita de ruelas,
peles, ondas, vinho, fumaça,
bodegas, teias, dores,
empanadas, penhascos que arranham o céu,
choclo e palta nos beiços dos pratos,
pisco e pinga nos copos,
funiculares ensandecidos

Descubro, num átimo, que amo
o atômico explodir da vida,
pedaços de gente esparramados
ao pé do cerro
sortidos em meio ao sebo do porto,
sentimentos espalhados sem cercas

Descubro que amo
cada arrulho de seus colegiais,
meias de lã, gravatas inglesas
achadas no passado,
maritacas de azul
gritando alegrias e mirando futuros
nas rachaduras da arquitetura

Descubro que amo
cada lágrima que desce
nas fendas molhadas da montanha,
vidro, cristal safira que fura os olhos
para embrulhar-se nos lençóis do Pacífico

Descubro que amo
cada suspiro de teu ar,
o cheiro pastoso de teu mercado,
cada célula de teus mariscos,
cada ensaio de voo
de teus copos suados

Descubro que amo
cada farelo de tuas pedras
cada dor de seu paraíso
cada ritmo de teus versos
cada sentimento de entranhas,
das putas e das guitarras,
de ventanas, de pinturas
em paredes sem casca

Onde, poeta, é permitido sonhar
com este prelúdio salgado
desta sinfonia doce que
deram o nome de Neruda?

Aqui,
neste chão agarrado em Valparaíso,
madeira de porão do mar
tua casa de degraus
de mastros eriçados,
La Sebastiana.
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Ilustrações: C. de A.

Haikais de Carlos Verçosa

Homenagem a um bom amigo

Ele se identifica no Facebook como relações públicas, publicitário, jornalista, roteirista, poeta. Inverto a apresentação e coloco o poeta em primeiro lugar, pois as outras profissões são circunstanciais.  Carlos Alberto Verçosa Silva, um pé vermelho de Londrina que foi para a Bahia há muitos anos e lá mudou o sotaque, mas não o talento e o caráter. Fomos vizinhos e bons amigos, embora a vida, que nos faz ciganear por aí, tenha me punido por longo tempo sem notícias do novo baiano. Até que a fama o alcançou, com a publicação de Oku: viajando com Bashô*, um verdadeiro tratado com mais de 500 páginas sobre o Haikai, a finíssima contribuição da poesia oriental que busca a concisão e a objetividade de momentos mágicos. Inspirado em Matsuô Bashô (1644-1694), Verçosa compôs uma obra antológica,  nacionalmente reconhecida.  E foi por aí que o reencontrei.

Faço a ele uma pequena homenagem, com a publicação de trêss de seus próprios haikais, já transformados em aves soltas nas nuvens internetianas. Sem a devida licença do autor, mas para imenso prazer meu, dei aos dois últimos vestimenta plástica.

Verçosa, o Banco da Poesia é seu. Aqui você tem crédito ilimitado. (Cleto de Assis)

I

 

 

 

 

II

 

III

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* O “Oku” do titulo refere-se a “Oku no Hosomichi”, diário de viagem escrito pelo poeta japonês Basho no século 17. O trabalho de Carlos Verçosa, um alentado volume de 568 paginas, pode ser dividido em tres partes: a primeira contem traduções de dois ensaios de Octavio Paz sobre haicai: “A Poesia de Matsuo Basho” e “A Tradição do Haikai”. A segunda consiste na tradução do diário de viagem “Oku no Hosomichi”, ou “Sendas de Oku”, como é mais conhecido no Brasil, a partir da tradução mexicana de Octavio Paz e Eikichi Hayashiya. Por ultimo, o ensaio “Presença do Haikai na Poesia Brasileira”, do próprio Verçosa. (Edson Kenji Iura, em “A Obra de Carlos Verçosa” )

O que é Poesia? (3)

O nosso baú de definições não para de crescer. Agora é a vez de Erly Welton Ricci colocar mais umas moedinhas poéticas neste cofre especializado que recolhe as infindas versões sobre esta arte.  Sua contribuição, além de estar aqui, foi também depositada no seu escaninho, na página especial.

poesia deve ser isso:
o que ferve e congela
o que assombra e desanuvia
o que apaga
e incendeia
acena
à cena vazia

poesia deve ser isso:
o que amalgama e fere
anátema do frio
o que crema e espalha
amassa, esfarela,
e entra no cio

poesia deve ser isso:
morfemas e lexias
qualquer sal
um risco
de difundir
a via
quase
abissal

Erly Welton Ricci

¡Bienvenido, Eduardo Masullo!

Conheci Eduardo Masullo há cerca de três anos. Ele vivia na Colômbia e veio a Curitiba cumprir uma missão educacional. Convivemos por cerca de uma semana e, já no final de sua visita, descobrimos (eta, mundo pequeno!) que tínhamos amigos comuns. Em 2010, depois de longo tempo sem notícias suas, descobri que ele estava de volta à sua terra e passamos a nos corresponder. Revelou-me outra faceta de sua criatividade,  a literatura. Enviou uma boa coleção de poemas para o Banco da Poesia, que passamos a publicar, a partir de hoje. Tive o prazer de passá-los ao Português. Junto a seus poemas, veio uma pequena descrição do autor, com a mesma concisão de seu estilo poético.

“Nasci em Buenos Aires, em Villa Devoto. Um bairro de classe média acomodada, amigável, estável, com valores às vezes firme, onde uma criança podia amadurecer como um gato: distanciando-se, a cada dia, um metro a mais de sua casa,  de forma gradual, até chegar ao mundo.”
“Estudei sociologia. Publiquei um livro de poesia (Empezar en Buenos Aires) e um romance (Quién mató a Iadira Salazar), além de uma série de poemas e contos em várias publicações. Traduzi Henry James, Melville, Gore Vidal etc. Além de livros de sociologia. Trabalhei como publicitário em Buenos Aires, Colômbia e Venezuela. Vivo em Buenos Aires e, para mais dados, meu endereço é emasullo@gmail, por meio do qual qual responderei com muito prazer.”

¡Bienvenido, hermano Eduardo!

Los Guerreros

Todo triunfo lleva a la muerte.
A los enemigos muertos
la próxima guerra los ascenderá a estatuas,
afortunadamente,

Si no hay guerra
el sol no dice nada
la amistad no existe.
Si no hay guerra
cómo vas a hacer amigos?

Un enemigo muerto
no es un enemigo,
tampoco un amigo,
es un odre de ausencia.
Hagamos de él,
ya mismo,
una estatua
para la próxima guerra
que ya vendrá.

Os Guerreiros

Todo triunfo leva à morte.
Aos inimigos mortos
a próxima guerra os ascenderá a estátuas,
afortunadamente,Se não há guerra
o sol não diz nada
a amizade não existe.
Se não há guerra
como vais fazer amigos?Um inimigo morto
não é um inimigo,
tampouco um amigo,
é um odre de ausência.
Façamos dele,
agora mesmo,
uma estátua
para a próxima guerra
que já virá.

9/7/2010

El hombre araña

Atrapado en esta red de palabras
Que es el mundo,
Me creo un poeta.

O homem aranha

Pegado a esta rede de palavras
que é o mundo,
me creio um poeta.

Tanto andar

Y nunca llego a ninguna parte.
Bajado del avión,
andando el pasillo de los aeropuertos,
miro a mis espaldas
y sé que algo no ha llegado,
algo que no perdí, que no está allí,
que sencillamente no está ya conmigo.

¿Qué es lo que dejo?
Una pierna, un brazo.
Algo que llevo doble –
¿Un testículo? ¿La mitad
De las ganas de vivir?

¿Cómo seguiré,
de ahora en adelante,
sin saber lo que he dejado?,
Lo que me ha abandonado
en estos pasillos que llevan
a todas las nadas?

¿El recuerdo de una lluvia,
la caricia de tus dedos
sobre mis dedos; de tus ojos
sobre mi mirada; de tu garúa vieja
sobre mi soledad apenas?

O será mi soledad, vieja traidora,
la que he abandonado perdida para siempre?

Ya he mirado para atrás
completamente. Y no he visto nada.
es hora de volver a andar,
viejo camarada.
Otras lluvias, otras soledades,
otras ciudades,
la pesadez mayor en las rodillas,
hay que andar, hay que andar,
preparando el gran viaje
sin saberlo, cuando ya no haya siquiera
nadie que vuelva la cabeza.

Tanto andar

E nunca chego a nenhuma parte.
Baixado do avião,
andando pelos corredores dos aeroportos,
olho em minhas costas
e sei que algo não chegou,
algo que não perdi, que não está ali,
Que simplesmente já não está comigo.

Que é o que deixo?
Uma perna, um braço.
Algo que carrego em duplo –
Um testículo? A metade
da vontade de viver?

Como seguirei,
de agora em diante,
sem saber o que deixei?
O que me abandonou
nestes corredores que levam
a todos os nadas?

A lembrança de uma chuva,
a carícia de teus dedos
sobre meus dedos; de teus olhos
sobre meu olhar; de tua garoa velha
sobre minha solidão apenas?

Ou será minha solidão, velha traidora,
a que abandonei perdida para sempre?

Já olhei para trás
completamente. E não vi nada.
É  hora de voltar a andar,
velho camarada.
Outras chuvas, outras solidões,
outras cidades,
o peso maior nos joelhos,
há que andar, há que andar,
preparando a grande viagem
sem sabê-lo, quando já não haja sequer
ninguém que volte a cabeça.

11/7/2010
Versão e ilustrações: C. de A.

Onde está Rui Moio? Em Terras do Fim do Mundo

Na Internet fazemos amigos a cada momento. Uns apenas de relacionamento fugaz, outros com laços seguros, como se os conhecêssemos fisicamente. Outros há que são apresentados por amigos virtuais e chegam com bagagem de parente, sem maiores formalidades. Assim veio Rui Moio, apresentado por Vera Lúcia Carmona. Natural de Angola, que ele define como “Terras do Fim do Mundo, onde a África é mais África”.

Diz também que, “aos 25 anos,  rumou numa ponte aérea  para a ex-metrópole portuguesa  e, desde então, vive refugiado em Lisboa. Identifica-se como lusófono. Com uns 12 a 13 anos, nas namoros de adolescente, ensaiou as primeiras quadras… ingénuas e de rima forçada… Voltou a poetar entre os 20 e 22 anos. Depois parou, para retornar a estas coisas há uns anos. Hoje tem uns 200 poemas e meia dúzia deles foram publicados no blog Sentires Sentidos – Poemas da minha preferência “. Ele também edita um blog de reflexões denominado Alma Viva, além de Antologias e Quadros Estatísticos.

O presente post demorou a sair. Primeiro, uma troca de correspondência para extrairmos um mínimo de dados biográficos do poeta angolano. Depois a demora no envio de tímidas fotos, que talvez acusassem o espírito de recolhimento do confesso refugiado. Mas agora, já na qualidade de correntista do Banco da Poesia, que ele pretigiou com citações em seu blog. já desde o ano passado, esperamos que sua presença seja contínua, para o prazer dos nossos leiotres.

No poema abaixo, um autodefinição. Sobre estes versos, falou Vera Lúcia:

Um poema que deixa transparecer o quanto o seu coração continua impregnado desse amor pátrio que não enfraquece nem com o passar dos tempos, nem com barreiras.
Admiro esse patriotismo, tão raro nos dias que correm. E, pelos vistos, ao raiar do dia, a inspiração chega-lhe mais forte do que nunca. E as recordações nostálgicas de Angola, contribuiram para que este poema lindo saísse como saíu.

Rui Moio


De braço ao alto, quebrado
Como num salve
Do Império antigo e longínquo
De que somos a argamassa.
Moio, Moio yobé
Foi emoção forte
Que ficou de Cangamba
E por nome,
O nome que o pai deu
Lá na Missão do fim do Mundo
Gigantesca de obra
No Império novo de que somos parte.
De uma união mista
De História, de grandeza, de heroicidade
De sacrifício nunca cobrado
De décadas e de séculos de comunhão
Foi parido no chão quente
Um escrevinhador que se alimenta de emoção.
Mentalmente elaborado na cama, na casa da Quinta Nova, na manhã de 31Ago2009.
Recolhido pelo Banco da Poesia em Sentires Sentidos

Vila Arriaga

Paredão a pique que quase toca o céu
Medonho, assustador
Os meninos e os adultos
vivem temerosos
Das zangas do paredão

A qualquer momento
Podem chover sobre a vila
Toneladas de pedras
Toda a montanha

Quando chove
A mulola ruge
Como um trovão em contínuo
Ela leva as águas envenenadas
Na guerra dos mucubais

Vila de duas ruas,
Estação do caminho de ferro
Com hotel sem hóspedes
E pensão para gente de passagem

Tem laranjeiras grandes a meio da avenida
Escola primária com nome de escritora
Que no puto dá prémio de literatura

Quinta do administrador
Com árvores grandes e antigas
E tanque para a criançada malandra se banhar

Tem colina com miradouro
Com barulhentos lagartos de duas cores
Onde só os meninos lá chegam
Por falta de caminho bom

No sopé da colina, em casa pequenina
Habita o velho primo
Colono antigo de Vila Arriaga

Aos fins de tarde
Lá vai ele, pé ante pé
Juntar-se à cavaqueira
Com o Rocha Pinto e o Duarte

O Lauro, comerciante antigo
É o mais querido de todos
Vende fuba, peixe seco, remédios…
E um pouco de tudo o resto

Tem hospital grande
Casa do médico e do enfermeiro
E até uma ambulância desconcertada
Uma vermelha Harley com side car

Vila de gente festeira
Com muita rapariga casadoira
Tem recinto para festas
Com tecto de buganvílias em flor
Lá dentro há churrasco, rifas,
pista de dança animada com a manivela
de um velho gromofone

Ao lado do pau-bandeira
E diante da administração
É ver uma molemba grande
Que atapeta de vermelho todo o chão

Passou por lá um administrador
Fausto Ramos de seu nome
É dele a traça do clube
do parque infantil com piscina
E é dele a obra da horta e do tanque para a regar

Rui Moio – 18 de outubro de 2004

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Ilustrações: C. de A.

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Gente de Cangamba

A igreja de Cangamba foi inaugurada em 1964 ou 1965. Levantou-se rapidamente, ao lado da avenida antiga de eucaliptos. Veio a guerra russo-cubana e a destruição da airosa vila, mas… a semente da religião ficou com os sobreviventes. Eis aqui um hino ao Senhor à maneira tão bela dos coros gentílicos dos kalutchazes. E a procissão percorre a linda e histórica avenida de eucaliptos…
Rui Moio

Roberto Prado viaja sobre nuvens cósmicas

Conheci Roberto Prado de forma equivocada, durante e após a explosão de um debate internetiano em um site de literatura. Palavras trocadas, em todos os sentidos, geraram um súbito mal-estar entre pessoas que têm na poesia um elo inquebrantável de união. Talvez uma faísca gerada pelo encontro inesperado de duas gerações que se desconheciam mutuamente. Talvez nada disso, só a falha (ou defesa natural) humana da súbita raiva projetada pelo cérebro reptiliano que comanda as nossas mais primitivas reações de sobrevivência. Feitas as contas, após o retorno da razão, salvaram-se todos e surgiu a oportunidade para novas relações produtivas.Sem maiores detalhes, pois todos já saímos da UTI da quase irracionalidade, posso afirmar que restaram ricas lições a orientar os passos seguintes. Um deles, que assumi, foi procurar conhecer um dos protagonistas do debate, para verificar o seu roteiro de construtor da sensibilidade, notadamente como poeta. Descobri seu blog, Amplo Espectro, e encontrei farto material de reflexão sobre muitas coisas e poesia muita, esparramada entre textos de amigos e conhecidos.Por iniciativa de Roberto, que visitou o Banco da Poesia e aqui deixou um comentário positivo, foi inicado novo diálogo, que funda um marco de bom relacionamento com a publicação, hoje, de um poema de sua lavra, fartamente ilustrado por esta pessoa que vos escreve.

Retirei do site de Antonio Miranda o seu resumo biográfico.

Roberto Prado de Oliveira nasceu em Curltiba-PR em 31 de agosto de 1959. E publicitário e jornalista. Foi ator, autor e diretor teatral de 1975 a 1981. Para o cinema escreveu os roteiros de Barbabel, média-metragem, 1997, com Rodrigo Barros Homem Del Rei; Em Nome da Honra, longa- metragem sobre obra de Domingos Pellegrini Jr., 1999, com Aníbal Marques; Você é Bom, média metragem, 2000, com Antonio Augusto Freitas.

Publicou, pela Lagarto Editores, os livros com poemas escritos em parceria com Antonio Thadeu Wojciechowscki, Marcos Prado (seu irmão, já falecido), Sérgio Viralobos, Edilson Del Grossi: OSS – Poemas a 2, 4, 6 ou 8 mãos; Dois mais dois são três em um; Pérolas aos poukos; Erdeiros do azar; Eu, aliás, nós.

Traduziu, com Marcos Prado, Thadeu Wojciechowski, Sérgio Viralobos e Edilson Del Grossi: O Corvo, de Edgar Allan Põe (Curitiba, 1.° edição em póster, 1985 e 2.° edição trilingue, São Paulo, editora Expressão, 1987); Os Catalépticos (Lagarto Editores, 1991), com traduções de Dante Alighieri, Yeats, Rimbaud, Baudelaire, Camões, Edgar Allan Põe, Adam Mickiewicz e Shakespeare; em 2001, em colaboração com Alberto Centuriâo de Carvalho e António Thadeu Wojciechowski, publicou uma livre adaptação em forma de poemas de Tao – O Livro, de Lao Tse. Individualmente, publicou Sim Senhor às suas ordens isto é um Motim (Lagarto Editores, 1994).

Como compositor, teve várias canções gravadas pelo grupo Beip AA Força, nos discos Que me quer o Brasil que me persegue (1990); Música ligeira nos países baixos (1993); Sem suingue (1996) e Barbabel (1998); Lábia Pop (Carta ao ídolo, 1991); Missionários (Wo is WxO, 1992); com Talara (Jogo de espelhos, 1979) e na coletânea Cemitério de Elefantes (diversos, 1990), “1”, diversos (1994); Network, Vol. 1 (Sheffield, Inglaterra, 1993); Grupo Fato (Fogo Mordida, 1996), Sidail César (Chega de Choro, 1998), Adriano Sátiro (A caminho do céu, 1998).

No pouco relacionamento, já descobrimos que temos algo em comum, a admiração pelo poeta goiano Gilberto Mendonça Teles, que elogiou seus versos quando passou, há alguns anos, por Curitiba.

Em breve, notícias mais atualizadas, que poderão ser fornecidas depois pelo próprio poeta. A ele, nossas boas-vindas e a remessa, desde já, de seu certificado de correntista do Banco da Poesia.

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Ó, céus!

Roberto Prado, Curitiba

deliberações sintéticas da ordem dos geômetras nefelibatas

1. Um grande sólido geométrico.

mal de deserto com água se cura
nada por perto, chover é precipitação
cúmulo mesmo é formar uma figura
nuvem que deixa ver densa a solidão

2. Elementos obedientes.

de olhos fechados eu desvendo
pobre cego de tanta idiotia
mistérios? esse sol nascendo
só para comprovar minha teoria

3. Supremacia da fórmula.

com a ajuda do meu céu
de nuvens esparsas fiz uma você
agora que eu passei para o papel
não está mais aqui quem te vê

4. Compasso de esfera.

o sol é um sólido insolente
o belo horizonte, uma linha
eu traço e eis o nascente
no ninho, poente, a galinha

5. Linha férrea.

mesmo contando nos dedos
tudo o que eu calculo bate
desastre não tem segredos
agora sim, astros, ao debate

Vicente Ailexandre, um Nobel espanhol

Vicente Pío Marcelino Cirilo Aleixandre y Merlo, poeta espanhol, nasceu em Sevilha, em 1898, mas passou a sua infância em Málaga, onde foi colega de escola do futuro escritor Emilio Prados. Filho de uma família da burguesia espanhola, seu pai era engenheiro de estradas de ferro. Mudou-se para Madri, onde cursou Direito e Comércio. Em 1919 licenciou-se em Direito e obteve o título de intendente mercantil. Exerceu funções de professor de Direito Mercantil a partir de 1920 até 1922, na Escola de Comércio.

Em 1917 conheceu Dámaso Alonso, em Las Navas del Marqués, onde veraneava, e, através deste contato, descobre Rubén Darío, Antonio Machado e Juan Ramón Jiménez. Inicia, deste modo, uma profunda paixão pela poesia.

A sua saúde começa a deteriorar-se em 1922. Em 1925 diagnosticaram-lhe uma nefrite tuberculosa, que termina com a extirpação de um rim, operação realizada em 1932. Publicou os seus primeiros poemas na Revista de Occidente, em 1926. Conhece e relacionou-se com Cernuda, Altolaguirre, Alberti e García Lorca. Depois da Guerra Civil não se exilou, apesar das suas ideias políticas. Permaneceu na Espanha e foi galardoado com o “Prêmio Francisco Franco”, em 1949, e transformou-se num dos mestres e exemplos para os poetas jovens.

Sua primeira obra foi Ámbito (1928), dentro da linha de la poesia pura. Em 1927 publicou Espadas como labios, e em 1933 La destrucción o el amor, seguramente sua obra mais importante, segundo seus exegetas. Em 1935 apareceram as prosas poéticas de Pasión en la tierra. Depois da guerra, sua produção poética foi abundante. Destacam-s Sombra del paraíso (1944), Historia del corazón (1954), En un vasto dominio (1962), Poemas de la consumación (1968) e Diálogos del conocimiento (1974). Em 1949 tornou-se acadêmico da Língua Espanhola e, em 1977, recebeu o Prêmi0 Nobel de Literatura.

Morreu em Madri, em 1984.

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La Ventana

Vicente Aleixandre, Espanha
Cuánta tristeza en una hoja del otoño,
dudosa siempre en último extremo si presentarse como cuchillo.
Cuánta vacilación en el color de los ojos
antes de quedar frío como una gota amarilla.
Tu tristeza, minutos antes de morirte,
sólo comparable con la lentitud de una rosa cuando acaba,
esa sed con espinas que suplica a lo que no puede,
gesto de un cuello, dulce carne que tiembla.
Eras hermosa como la dificultad de respirar en un cuarto cerrado.
Transparente como la repugnancia a un sol ubérrimo,
tibia como ese suelo donde nadie ha pisado,
lenta como el cansancio que rinde al aire quieto.
Tu mano, bajo la cual se veían las cosas,
cristal finísimo que no acarició nunca otra mano,
flor o vidrio que, nunca deshojado,
era verde al reflejo de una luna de hierro.
Tu carne, en que la sangre detenida apenas consentía
una triste burbuja rompiendo entre los dientes,
como la débil palabra que casi ya es redonda
detenida en la lengua dulcemente de noche.
Tu sangre, en que ese limo donde no entra la luz
es como el beso falso de unos polvos o un talco,
un rostro en que destella tenuemente la muerte,
beso dulce que da una cera enfriada.
Oh tú, amoroso poniente que te despides como dos brazos largos
cuando por una ventana ahora abierta a ese frío
una fresca mariposa penetra,
alas, nombre o dolor, pena contra la vida
que se marcha volando con el último rayo.
Oh tú, calor, rubí o ardiente pluma,
pájaros encendidos que son nuncio de la noche,
plumaje con forma de corazón colorado
que en lo negro se extiende como dos alas grandes.
Barcos lejanos, silbo amoroso, velas que no suenan,
silencio como mano que acaricia lo quieto,
beso inmenso del mundo como una boca sola,
como dos bocas fijas que nunca se separan.
¡Oh verdad, oh morir una noche de otoño,
cuerpo largo que viaja hacia la luz del fondo,
agua dulce que sostienes un cuerpo concedido,
verde o frío palor que vistes un desnudo!

A Janela

Quanta tristeza em uma folha do outono,
duvidosa sempre no último extremo se se apresenta como navalha.
Quanta vacilação na cor dos olhos
antes de ficar frio como una gota amarela.
Tua tristeza, minutos antes de morrer,
somente comparável com a lentidão de uma rosa quando acaba,
essa sede com espinhos que suplica ao que não pode,
gesto de um pescoço, doce carne que treme.
Eras formosa como a dificuldade de respirar em um quarto fechado.
Transparente como a repugnância a um sol ubérrimo,
tíbia como esse solo onde ninguém jamais pisou,
lenta como o cansaço que rende o ar quieto.
Tua mão, sob a qual se viam as coisas,
cristal finíssimo que nunca acariciou outra mão,
flor ou vidro que, nunca desfolhado,
era verde ao reflexo de uma lua de ferro.
Tua carne, em que o sangue detido apenas consentia
uma triste borbulha rompendo entre os dentes,
como a débil palavra que quase já é redonda
detida na língua docemente de noite.
Teu sangue, em que esse limo onde não entra a luz
é como o beijo falso de pós ou um talco,
um rosto em que cintila tenuamente a morte,
beijo doce que dá uma cera esfriada.
Ó tu, amoroso poente que te despedes como dois braços amplos
quando por uma janela agora aberta a esse frio
uma fresca borboleta penetra,
asas, nome ou dor, pena contra a vida
que segue voando com o último raio.
Ó tu, calor, rubi ou ardente pluma,
pássaros acesos que são núncio da noite,
plumagem com forma de coração colorado
que no negro se estende como duas asas grandes.
Barcos distantes, silvo amoroso, velas que não soam,
silêncio como mão que acaricia o quieto,
beijo imenso do mundo como uma só boca,
como duas bocas fixas que nunca se separam.
Ó verdade, ó morrer uma noite de outono,
corpo imenso que viaja rumo à luz do fundo,
água doce que sustentas um corpo concedido,
verde ou fria palidez que vestes um desnudo!

A Don Luis de Góngora

Vicente Ailexandre

¿Qué firme arquitectura se levanta
del paisaje, si urgente de belleza,
ordenada, y penetra en la certeza
del aire, sin furor y la suplanta?

Las líneas graves van. Mas de su planta
brota la curva, comba su justeza
en la cima, y respeta la corteza
intacta, cárcel para pompa tanta.

El alto cielo luces meditadas
reparte en ritmos de ponientes cultos,
que sumos logran su mandato recto.

Sus matices sin iris las moradas
del aire rinden al vibrar, ocultos,
y el acorde total clama perfecto.

A Dom Luís de Gôngora

Que firme arquitetura se levanta
da paisagem, se urgente de beleza,
ordenada, e penetra na certeza
do ar, sem furor e a suplanta?

As linhas graves vão. Mas dessa planta
brota a curva, torce sua justiça
na cúpula, e respeita a cortiça
intacta, cárcere para pompa tanta.

O alto céu luzes meditadas
reparte em ritmos de poentes cultos,
que sumos logram seu mandato estreito.

Seus matizes sem Iris as moradas
do ar rendem ao vibrar, ocultos,
e o acorde total clama perfeito.

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Versão ao Espanhol e ilustrações: C. de A.