Os Outonos de Emiliano Perneta
David Emiliano Perneta, considerado o Príncipe dos Poetas Paranaenses, teve vida relativamente curta: faleceu aos 54 anos, após ter construído uma biografia pendente entre o lirismo poético, a fervorosidade da política, a paixão profissional pelo Direito, pelo jornalismo e, finalmente, pela auditoria militar, função que cumpriu até sua morte. Mas foi à Poesia que entregou sua maior paixão, tornando-se célebre ainda em vida e aclamado entre os maiores de sua geração. Nasceu em Curitiba, a 3 de janeiro de 1866, em um sítio dos arredores da cidade, hoje pertencente ao município de Pinhais. Seu sobrenome era Antunes, do pai Francisco David, cujo apelido era Perneta, por seu jeito de andar. Adotou essa alcunha, dando origem a mais um ramo tradicional das famílias paranaenses. Desde cedo atraído pela poesia do francês Baudelaire, foi um dos condutos para a implantação do movimento simbolista no Brasil.
Segundo o crítico literário Wilson Martins, em texto publicado pelo jornal Gazeta do Povo, o movimento simbolista marca uma espécie de nascimento da literatura curitibana. “Foi um movimento organizado que produziu bastante e teve relevância nacional”. Os autores curitibanos produziram algumas das principais revistas literárias nacionais, entre elas a Cenáculo, Victrix, A República, Palium e Jerusalém. Para Martins, o principal autor do grupo é mesmo Emiliano Perneta. “É um grande poeta e o que teve, merecidamente, mais destaque nacional.”
No mesmo texto, a professora aposentada da Universidade Federal do Paraná, Cassiana Lacerda, uma das principais pesquisadoras do simbolismo brasileiro, diz que o culto a Perneta, no entanto, foi prejudicial ao poeta. “A província o idolatrou pelo que ele não merecia e não o idolatrou pelo que ele merecia”, explica. O melhor da produção do autor, segundo ela, foi feito quando ele estava longe de Curitiba, em contato com escritores de maior relevância. Mais do que pela obra em si, porém, Perneta era comemorado em Curitiba pelo seu reconhecimento nacional.
A influência dos simbolistas durou até a década de 30, quando o modernismo vindo de São Paulo e do Rio de Janeiro passou a ditar as regras na produção literária.
O simbolismo foi uma típica manifestação cultural da passagem do século. Teve como característica a sofisticação, o culto a valores aristocráticos, usados como uma reação ao pensamento racionalista, o misticismo e a influência de culturas orientais. (Gazeta do Povo, 09/08/2008)
O escritor e crítico José Cândido de Andrade Muricy, em um de seus estudos sobre o poeta, assinala que, de certa forma, Emiliano previu as circunstâncias de sua morte em um de seus últimos sonetos, Lá. E, em sua derradeira composição, datada de 1920, também se refere, como no outro, ao clima melancólico do Outono.Fazemos ao poeta a nossa homenagem, colocando-o entre os que saudaram a estação das folhas amarelecidas. (C. de A.)
Lá
Quando eu fugir, na ponta duma lança,
Deste albergue noturno, em que me vês.
Não sei que sonho vão, nem que esperança
Vaga de abrir os olhos outra vez..
Porque a esperança doce, de criança,
D’inda os poder abrir na placidez
Duma nuança mansa que não cansa,
Lá, para além dos astros, lá, talvez?
Há de ser ao cair do sol. Ereto,
Tal como sou, rudíssimo de aspecto,
Mas tão humilde, e teu, e se te apraz,
Eu te verei entrar, suave sono,
Nesse veludos pálidos de Outono,
Ó Beatitude! Angelitude! Paz!
Ao cair da tarde
Agora nada mais. Tudo silêncio. Tudo.
Esses claros jardins com flores de giesta,
Esse parque real, esse palácio em festa,
Dormindo à sombra de um silêncio surdo e mudo…
Nem rosas, nem luar, nem damas… Não me iludo,
A mocidade aí vem, que ruge e que protesta,
Invasora brutal. E a nós que mais nos resta,
Senão ceder-lhe a espada e o manto de veludo?
Sim, que nos resta mais? Já não fulge e não arde
O sol! E no covil negro desse abandono,
Eu sinto o coração tremer como um covarde!
Para que mais viver, folhas tristes de outono?
Cerra-me os olhos, pois, Senhor. É muito tarde.
São horas de dormir o derradeiro sono.