Arquivo do mês: fevereiro 2012

Cine Teatro Ouro Verde vive a sua maior tragedia

O fogo destrói o Cine Teatro Ouro Verde

A tragédia em dois atos

Se o destino do café é ser torrado, o mesmo não deveria ter ocorrido com o cinema histórico de Londrina que homenageou os bons tempos em que a coffea arabica enriqueceu o Norte do Paraná. O café era, sem dúvida alguma, o ouro verde e não foi por acaso que o moderno cinema projetado pelo arquiteto curitibano João Batista Vilanova Artigas, no final da década de 40 e inaugurado em 1952, recebeu o suntuoso nome: Cine Ouro Verde, que por mais de vinte anos orgulhou a cidade. Era um dos arrojados projetos de Vilanova Artigas, junto ao da Estação Rodoviária, do Fórum e do Edifício Autolon, para os quais ele contou com a parceira do arquiteto Carlos Castaldi.  Já contei, aqui, a história do tombamento da Estação Rodoviária, hoje Museu de Arte de Londrina.  Mas o incêndio que devorou o Cine Teatro Universitário Ouro Verde me chocou, pois também participei do episódio que o salvou, quando ele estava na fase final da venda para uma instituição bancária.

Antiga foto de Londriuna, onde aparecem, à esquerda, o Cine Ouro Verde e, à direita, o Edifício Autolon, projetos de Vilanova Artigas

No final da década de 70 eu trabalhava com Ney Braga no Ministério da Educação. Em uma visita que fiz a Londrina, conversei com Walmor Macarini, então redator-chefe da Folha de Londrina, que me contou sobre a venda do Cine Ouro Verde, propriedade da família de Celso Garcia Cid, de José Garcia Molina, seu sócio na Viação Garcia, de Jordão Santoro e Ângelo Pezarini. O prédio, que não comportava mais a atividade cinematográfica – como ocorreu com a quase totalidade dos cinemas brasileiros, apagados pelas salas de exibição menores dos shopping centers – estava em negociação com um banco, o que significaria o fim do espaço cultural e, possivelmente, a sua derrubada em favor de um edifício mais adequado aos novos negócios. Tanto Walmor quanto eu, evidentemente, nos preocupávamos com o destino do Cine Ouro Verde, um marco da história londrinense e da arquitetura brasileira, inaugurado em 1952, com projeto de  Vilanova Artigas, também autor de outros projetos na cidade, inclusive a estação rodoviária, igualmente inaugurada em 52 e que, já no final da década de 60, se mostrava pequena demais para  a Londrina que se desenvolvera rapidamente.

A fachada do Ouro Verde, que conservou o desenho do projeto original

Outro aspecto da fachada do Ouro Verde (fotos odiraio.com)

Com a preocupação de um final triste para o Cine Ouro Verde, falei com o reitor Oscar Alves, da UEL, e ele telefonou ao ministro Ney Braga, externando também seu desalento com a possível venda do edifício a um grupo privado. Adiantou que eu voltaria a Brasília no dia seguinte e relataria ao ministro os detalhes da situação. No mesmo dia de meu retorno ao MEC, procurei o ministro e expus o problema. Ato contínuo, ele pediu à secretária para localizar um dos proprietários, Manoel Garcia Cid, que logo estava ao telefone. Solicitou ao Neco informações sobre os valores em negociação, além de um prazo para que o poder público pudesse apresentar uma proposta de aquisição do cinema e conservar seu objetivo cultural. Em seguida, fez ele mesmo uma ligação direta para o governador Jaime Canet Jr. e informou-lhe sobre a questão, já com a sugestão de que o MEC entraria com a metade do valor e o governo paranaense com a outra parte, a ser paga em prazo maior.  O governador mostrou-se relutante, em princípio, pois já estávamos em  1978 e ele deixaria o governo em março do ano seguinte. Foi a deixa para que Ney Braga lhe dissesse que, então, estava tudo resolvido, pois ele, como ministro da Educação, daria a primeira metade e a segunda parte seria paga pelo governador Ney Braga, que viria a substituir Canet.

A doação do Cine Ouro Verde à UEL, em 1978: da esquerda para a direita: Francisco Borsari Neto, secretário da Educação e Cultura, Jaime Canet Jr., governador do Paraná, Ney Braga, Oscar Alves, reitor da UEL e Cleto de Assis, diretor de Assuntos Estudantis do MEC – Foto Folha de Londrina

Tudo acertado em menos de uma hora, o processo foi encaminhado para sua resolução legal e, no dia 14 de abril de 78, uma cerimônia no próprio Cine Ouro Verde, com a presença do ministro e do governador, selou a sorte do Cine Ouro Verde, que viria a ser absorvido pela Universidade Estadual de Londrina. Para a adaptação do cinema às novas atividades culturais, consegui do ministro Ney Braga, mais tarde, a aprovação de um projeto de reforma. O Cine Teatro Universitário Ouro Verde foi inaugurado pelo reitor José Carlos Pinotti Filho, que sucedeu a Oscar Alves, e reformado pelo seguinte dirigente, reitor Marco Antonio Fiori. Em 1998, ele foi finalmente tombado pelo Patrimônio Histórico estadual.

Platéia do Cine Teatro Universitário Ouro Verde: tudo transformado em cinzas

Platéia do Cine Teatro Universitário Ouro Verde: tudo transformado em cinzas

E agora? O incêndio do último domingo, dia 12 de fevereiro, causou um grande impacto no Paraná. O governador Beto Richa já anunciou que promoverá a recosntrução daquele espaço cultural. A reitora da UEL, profa. Nádina Aparecida Moreno, também já enfatizou a necessidade da reconstrução, em suas primeiras manifestações à imprensa, logo após o sinistro. Mas a perda foi de todos nós. Um importante local para o desenvolvimento cultural e um poema arquitetônico de Vilanova Artigas, ele  também um patrimônio da cultura paranaense e brasileira.

Eu creio que a tarefa de reerguer das cinzas esta Fênix cultural é obra para todos nós.

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Jão Batista Vilanova Artigas  (1915-1985)

“Admiro os poetas. O que
eles dizem com duas palavras a gente
tem que exprimir com milhares de tijolos.”

Walter Bezerra, de Maceió, reflete sobre o Fim do Mundo

Crônica sobre o fim do mundo

Sabemos que o mundo não se acabou no ano 2000, frustrando a interpretação de uma das centúrias do astrólogo, astrônomo, alquimista, erudito e mago francês Michel Nostradamus.

Agora, os donos da bola de cristal estão afirmando que o dia 21 de dezembro de 2012 será o fim do mundo (ou o início de um novo ciclo, como dizem os mais românticos), segundo previsão apocalíptica baseada na cultura maia.

O pressentimento é que o Sol nascerá, no tal dia, aliado ao planeta e ao centro da Via Láctea, um fato astronômico que só acontece a cada 26 mil anos e que provocará o cataclismo, causando o fim da vida na Terra.

Em alguns países, como na Espanha, as pessoas de alto poder econômico estão construindo, em sistema de cooperativas, os famosos bunkers, refúgios subterrâneos emergenciais, para se protegerem da possível explosão do planeta.

Os bunkers permitem que as pessoas permaneçam no interior deles até 3 anos, respirando ar puro e sobrevivendo à base de medicamentos e alimentos estocados. Eles estão protegidos por uma capa de 60 centímetros de concreto e contam com filtros de partículas radioativas para evitar a infiltração de resíduos tóxicos ou a passagem de radiação ou bactérias.

A história dos bunkers é uma realidade inconteste. Mas, digamos que as pessoas realmente acreditem que o mundo vai se acabar em 21 de dezembro, eu fico a imaginar, cá da minha porção vidente hilária, o que poderia acontecer diante dos efeitos colaterais causados pela síndrome do pânico generalizada:

Milhares e milhares de mulheres grávidas desesperadas por não poderem sequer conhecer a cara dos frutos de seus ventres;

Mulheres casadas – reprimidas, sofridas e traídas por seus maridos – pulando, por simples vingança, a cerca pela primeira e última vez;

Outras revelando, para seus maridos mulherengos, que tais filhos não são deles, mas dos vizinhos, patrões e pés de lã;

Outras ainda, agora decididas e encorajadas, revelando suas fantasias sexuais a seus maridos, namorados e parceiros de cama conservadores e recatados sexualmente;

Caretas e falsos moralistas experimentando maconha, cocaína, LSD e outras drogas alucinógenas e “reveladoras”;

Pais repressores, arrependidos, pedindo perdão a seus filhos;

Boa percentagem dos católicos, evangélicos, mulçumanos, espíritas e outros crédulos rogando a Deus para que lhes salve as almas, posto que só eles – por serem religiosos confessos e praticantes – merecem mais do que ninguém sobreviver à tragédia;

Centenas de milhares de agnósticos saindo de cima do muro e fazendo opção definitiva por Deus;

Empresários e milionários gastando tudo com viagens, extravagâncias e orgias;

Maus políticos, insaciáveis, promovendo a farra do Dinheiro Público dos Últimos Dias;

Homens e mulheres de bem revelando seus quinhões corruptos camuflados;

Multidões incautas, pobres, honestas e sem grandes ambições jogadas ao deus-dará;

Empregados e bajuladores mandando seus gerentes, diretores e patrões tomarem no devido lugar;

Formação acirrada e célere de cartéis, empresários majorando os preços, inflação a todo pique;

Devedores rindo da cara de seus credores;

Aproveitadores e caloteiros adquirindo tudo a crédito: carros de luxo, lanchas, vinhos, uísques, jóias, casacos de couro e perfumes caríssimos, visando desfrutar os (últimos) prazeres da vida;

Todo mundo, pessoas jurídicas e físicas, sonegando impostos, provocando a falência múltipla de países, estados e municípios e quebrando, por osmose, seus funcionários e fornecedores;

Tchau, tchau serviços essenciais públicos (saúde, segurança, educação etc.)!;

Estupradores de plantão violentando ídolos, divas e paixões adormecidas e dissimuladas;

Homossexuais enrustidos assumindo suas opções e preferências sexuais,

Vegetarianos devorando carnes, inclusive vermelhas, e naturalistas comendo produtos de origem animal, incluindo enlatados;

Naturistas e exibicionistas desfilando nus pelas ruas, sem nenhum pudor ou constrangimento;

Comercialização massificada de confessionários eletrônicos aplicados em iPhones, (concessão já aprovada pela Igreja Católica), e a efervescência da prática do Sacramento da Confissão nas paróquias de todo o mundo;

O Vaticano revelando, ainda que tarde, seus segredos históricos e eclesiásticos guardados secularmente a sete chaves;

Líderes de todas as facções religiosas revelando – em confissão e por desencargo de consciência – que Dostoiévski, Nietzsche, Saramago, Chaplin, Galilei, Reich, Freud, Einstein, Huxley, Epicuro, Fernando Pessoa, Thomas Edison, Charles Darwin e Lennon, entre inúmeros gênios, eram figuras sapientes, confiáveis, generosas e amáveis, dignos de serem ouvidos e seguidos;

A NASA tirando do baú e divulgando, embora sem mais nenhuma serventia, suas descobertas científicas e pesquisas espaciais sigilosas;

Terroristas e homens-bombas explodindo de raiva, revoltados com o efeito bumerangue;

Todo mundo, incluindo aidéticos, praticando sexo sem camisinha;

Pedófilos dissimulados praticando suas taras imorais e esdrúxulas;

Psicanalistas, psicólogos e terapeutas irresponsáveis seduzindo seus pacientes;

Homofóbos, racistas, chauvinistas, xenófobos e preconceituosos em geral praticando calorosamente suas aversões nefastas;

Depravação, obscenidade, parentes copulando com parentes, Sodoma e Gomorra se reeditando, tudo como Satã quer e gosta;

Pessoas revoltadas fazendo justiça com as próprias mãos, visando, por exemplo, vingar a morte do irmão assassinado ou a da mãe acidentada no trânsito;

Pessoas injustiçadas dando, numa atitude revanchista, o troco a seus déspotas e opressores;

Oportunistas e caras de pau vendendo terrenos na Lua e em Marte, à vista e em espécie, com desconto de 90%;

Internautas inescrupulosos espalhando boatos e defecando nas redes sociais contra seus desafetos;

Desesperados querendo ser tornar, a todo custo, cobaias de extraterrestres, só para fugir da catástrofe;

Propaganda de lançamento de um novo produto: Fique invisível e se livre da explosão mundial!

Grandes laboratórios farmacêuticos futurando zilhões e zilhões de euros com a pandemia de doenças como a antlofobia, astrofobia, brontofobia, termofobia, calipsefobia, demonofobia, somnifobia, meteorofobia e necrofobia, entre outros transtornos de ansiedade de nomes morfológica e semanticamente psicodélicos;

Superpotências pedindo perdão à Humanidade pela ganância capitalista e ocupações imperialistas, que causaram guerras e mortes de milhões de pessoas inocentes em diversos continentes do Planeta.

Enfim, se as pessoas acreditassem plenamente na previsão apocalíptica, o fim do mundo seria um verdadeiro deus nos acuda, uma bagaceira sem igual.

Mas, se eu fosse Deus, não destruiria o mundo não. Faria algumas reformas essenciais, justas e necessárias

Primeiro ato: em vez de Terra, o planeta passaria a se chamar Paz!

Em seguida, ignoraria essa conversa de herdeiros  do pecado original. Nada de pagar o justo pelo pecador! Nem aqui, nem na China!

Chega de tragédias: não haverá terremotos, tsunamis, tornados, vulcões, dilúvios ou qualquer outro fenômeno natural destrutivo em nenhum lugar do mundo!

Eu, o Todo-Poderoso, acabaria com a indústria bélica. Não haverá bombas nucleares, mísseis e nenhum tipo de arma de fogo sobre o planeta!

Eu, o Criador Onipresente, faria a reforma racial: não haverá brancos, negros, amarelos, índios.Todos serão coloridos!

Eu, o Soberano Onipotente, implantaria a reforma geográfica: não haverá país maior que outro! Todos terão os mesmos metros quadrados e a mesma quantidade de recursos e belezas naturais! Todos falaram uma só língua e suas moedas correntes terão o mesmo valor cambial! Não haverá mais superpotências e nem impérios!

Eu, o Supremo Magistrado, faria a reforma moral: fora todos os corruptos, crápulas, usurpadores e ditadores de qualquer tendência político-ideológica!

Eu, o Senhor da Democracia, promoveria também a reforma social: todos serão realmente iguais perante a lei e gozarão dos mesmos privilégios materiais e culturais!

Eu, o Sumo Sacerdote da Alma, faria, com urgência e sem pestanejar, a reforma religiosa e espiritual: a partir de hoje, a religião do planeta será o Amor!

E, por fim, eu, o Onisciente, decretaria: não tentarás contra a natureza. A partir de agora, a consciência ecológica passará a ser matéria disciplinar obrigatória em todas as escolas do planeta Paz!

Walter Bezerra

(ilustração de Cleto de Assis)

 

Haikais de Carlos Verçosa

Homenagem a um bom amigo

Ele se identifica no Facebook como relações públicas, publicitário, jornalista, roteirista, poeta. Inverto a apresentação e coloco o poeta em primeiro lugar, pois as outras profissões são circunstanciais.  Carlos Alberto Verçosa Silva, um pé vermelho de Londrina que foi para a Bahia há muitos anos e lá mudou o sotaque, mas não o talento e o caráter. Fomos vizinhos e bons amigos, embora a vida, que nos faz ciganear por aí, tenha me punido por longo tempo sem notícias do novo baiano. Até que a fama o alcançou, com a publicação de Oku: viajando com Bashô*, um verdadeiro tratado com mais de 500 páginas sobre o Haikai, a finíssima contribuição da poesia oriental que busca a concisão e a objetividade de momentos mágicos. Inspirado em Matsuô Bashô (1644-1694), Verçosa compôs uma obra antológica,  nacionalmente reconhecida.  E foi por aí que o reencontrei.

Faço a ele uma pequena homenagem, com a publicação de trêss de seus próprios haikais, já transformados em aves soltas nas nuvens internetianas. Sem a devida licença do autor, mas para imenso prazer meu, dei aos dois últimos vestimenta plástica.

Verçosa, o Banco da Poesia é seu. Aqui você tem crédito ilimitado. (Cleto de Assis)

I

 

 

 

 

II

 

III

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* O “Oku” do titulo refere-se a “Oku no Hosomichi”, diário de viagem escrito pelo poeta japonês Basho no século 17. O trabalho de Carlos Verçosa, um alentado volume de 568 paginas, pode ser dividido em tres partes: a primeira contem traduções de dois ensaios de Octavio Paz sobre haicai: “A Poesia de Matsuo Basho” e “A Tradição do Haikai”. A segunda consiste na tradução do diário de viagem “Oku no Hosomichi”, ou “Sendas de Oku”, como é mais conhecido no Brasil, a partir da tradução mexicana de Octavio Paz e Eikichi Hayashiya. Por ultimo, o ensaio “Presença do Haikai na Poesia Brasileira”, do próprio Verçosa. (Edson Kenji Iura, em “A Obra de Carlos Verçosa” )