O fogo destrói o Cine Teatro Ouro Verde
Se o destino do café é ser torrado, o mesmo não deveria ter ocorrido com o cinema histórico de Londrina que homenageou os bons tempos em que a coffea arabica enriqueceu o Norte do Paraná. O café era, sem dúvida alguma, o ouro verde e não foi por acaso que o moderno cinema projetado pelo arquiteto curitibano João Batista Vilanova Artigas, no final da década de 40 e inaugurado em 1952, recebeu o suntuoso nome: Cine Ouro Verde, que por mais de vinte anos orgulhou a cidade. Era um dos arrojados projetos de Vilanova Artigas, junto ao da Estação Rodoviária, do Fórum e do Edifício Autolon, para os quais ele contou com a parceira do arquiteto Carlos Castaldi. Já contei, aqui, a história do tombamento da Estação Rodoviária, hoje Museu de Arte de Londrina. Mas o incêndio que devorou o Cine Teatro Universitário Ouro Verde me chocou, pois também participei do episódio que o salvou, quando ele estava na fase final da venda para uma instituição bancária.
No final da década de 70 eu trabalhava com Ney Braga no Ministério da Educação. Em uma visita que fiz a Londrina, conversei com Walmor Macarini, então redator-chefe da Folha de Londrina, que me contou sobre a venda do Cine Ouro Verde, propriedade da família de Celso Garcia Cid, de José Garcia Molina, seu sócio na Viação Garcia, de Jordão Santoro e Ângelo Pezarini. O prédio, que não comportava mais a atividade cinematográfica – como ocorreu com a quase totalidade dos cinemas brasileiros, apagados pelas salas de exibição menores dos shopping centers – estava em negociação com um banco, o que significaria o fim do espaço cultural e, possivelmente, a sua derrubada em favor de um edifício mais adequado aos novos negócios. Tanto Walmor quanto eu, evidentemente, nos preocupávamos com o destino do Cine Ouro Verde, um marco da história londrinense e da arquitetura brasileira, inaugurado em 1952, com projeto de Vilanova Artigas, também autor de outros projetos na cidade, inclusive a estação rodoviária, igualmente inaugurada em 52 e que, já no final da década de 60, se mostrava pequena demais para a Londrina que se desenvolvera rapidamente.
Com a preocupação de um final triste para o Cine Ouro Verde, falei com o reitor Oscar Alves, da UEL, e ele telefonou ao ministro Ney Braga, externando também seu desalento com a possível venda do edifício a um grupo privado. Adiantou que eu voltaria a Brasília no dia seguinte e relataria ao ministro os detalhes da situação. No mesmo dia de meu retorno ao MEC, procurei o ministro e expus o problema. Ato contínuo, ele pediu à secretária para localizar um dos proprietários, Manoel Garcia Cid, que logo estava ao telefone. Solicitou ao Neco informações sobre os valores em negociação, além de um prazo para que o poder público pudesse apresentar uma proposta de aquisição do cinema e conservar seu objetivo cultural. Em seguida, fez ele mesmo uma ligação direta para o governador Jaime Canet Jr. e informou-lhe sobre a questão, já com a sugestão de que o MEC entraria com a metade do valor e o governo paranaense com a outra parte, a ser paga em prazo maior. O governador mostrou-se relutante, em princípio, pois já estávamos em 1978 e ele deixaria o governo em março do ano seguinte. Foi a deixa para que Ney Braga lhe dissesse que, então, estava tudo resolvido, pois ele, como ministro da Educação, daria a primeira metade e a segunda parte seria paga pelo governador Ney Braga, que viria a substituir Canet.
Tudo acertado em menos de uma hora, o processo foi encaminhado para sua resolução legal e, no dia 14 de abril de 78, uma cerimônia no próprio Cine Ouro Verde, com a presença do ministro e do governador, selou a sorte do Cine Ouro Verde, que viria a ser absorvido pela Universidade Estadual de Londrina. Para a adaptação do cinema às novas atividades culturais, consegui do ministro Ney Braga, mais tarde, a aprovação de um projeto de reforma. O Cine Teatro Universitário Ouro Verde foi inaugurado pelo reitor José Carlos Pinotti Filho, que sucedeu a Oscar Alves, e reformado pelo seguinte dirigente, reitor Marco Antonio Fiori. Em 1998, ele foi finalmente tombado pelo Patrimônio Histórico estadual.
E agora? O incêndio do último domingo, dia 12 de fevereiro, causou um grande impacto no Paraná. O governador Beto Richa já anunciou que promoverá a recosntrução daquele espaço cultural. A reitora da UEL, profa. Nádina Aparecida Moreno, também já enfatizou a necessidade da reconstrução, em suas primeiras manifestações à imprensa, logo após o sinistro. Mas a perda foi de todos nós. Um importante local para o desenvolvimento cultural e um poema arquitetônico de Vilanova Artigas, ele também um patrimônio da cultura paranaense e brasileira.
Eu creio que a tarefa de reerguer das cinzas esta Fênix cultural é obra para todos nós.
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Jão Batista Vilanova Artigas (1915-1985)
“Admiro os poetas. O que
eles dizem com duas palavras a gente
tem que exprimir com milhares de tijolos.”