Arquivo do mês: março 2014

Para não dizer que não falei de cores

Luzazul

Luzazul
Há luz de todas as cores:
vermelhas, amarelas, alaranjadas,
a colorir outras cores da natureza.
Há cores políticas, 
umas raivosas, outras ecológicas,
quase todas se dizendo miraculosas.
Seria bom se elas convergissem para a cor branca da paz,
que, aliás não é cor, mas o congresso de todas as cores.
Mas é uma pena que todas insistam em  afirmar
que a minha cor é mais bela que a sua.

Eu, por mim, prefiro a luz azul
que é azul mesmo ao contrário
e não fere os olhos, nem o coração.

Cleto de Assis • Curitiba/30.03.14

Novo depósito de Iriene Borges

14 de março próximo a Curitiba · Editado

A Antagonista

Iriene Borges

Antagonista

Vi-me em sua graça, musa cheia de virtude
e mais austera do que é fecundo suportar.
Súbito meu sol nascia entre os dentes
da fera de ciclo lunar
e quando nos sentia crescentes
ela me fazia minguar.
Em instintivo reparo abandonei seu altar
enquanto estragava seu vinho
e embolorava seu pão.

Antes que eu fruísse a liberdade
surgiu Nova
incrustrada em helênica figura.
Eis que me aprova e atribui verdade
em sibilos castelhanos.
Tem a estatura mental dos sábios gregos
e é animada pelo espirito dos livros.
Imita os bons samaritanos
ao amparar meus passos trôpegos
mas sem se deixar tocar.
É joia para ser vista pelos vidros.

Alarme disparado,
fui desfazendo-me
pelas veredas mais inóspitas
dessecando em esquecimento
e quase êxito
quando um hálito tépido
umedeceu minhas costas.
Ela
crescente arremedo
a encobrir-se em parcos tecidos
nata nos cantos da boca
e a erupção de outros pruridos
a vivificar-me em ritualísticas repulsas.
E anestesia com o sorriso
a brutalidade de arrastar-me
pelas alças do intestino.
Longo caminho percorremos
‒ Ela a titerear ‒
até que reclamei meu destino
e deixei-me eviscerar.

Em desprendimento flui contente
de ser enfim a pluma e o lenimento
até ir de arrasto num sopro de gratidão.
Ela
cheia de inocência e sensualidade
na precisão que algum Fídias moderno
talhara para o pasto das mídias
a salientar o meu anonimato
com o glamour dos ícones populares.
Disparei sob uma salva de soluços
num lampejo de recato.
Até o tempo revelar-me
com alguma articulação e molejo
entre os peripatéticos.

E sem demora pôs-se a questionar
minha filosofia uma face Minguante.
Diluída em niilismo antes de adquirir
a constituição que se restaura
reivindicou-me uma aura grotesca.
Carne em brasa que se deslumbra
com a fresca, sumi na umbra.

Destino negro, transpus onze círculos
sem apologia ao heroísmo
e após a instrução do abismo
dei-me à luz.
Certa de novo confronto vigiava
crente que ela irromperia
dentre as bestas do plenilúnio
mas veio sem os auspícios da lunação.
No seu credo o infortúnio
é um indício da iniciação
e reclina-se humildemente
enaltecendo meu despojo.
Intuí nos cicios da monja
uma artífice da lisonja
corrompendo estruturas nascentes.
O asco
manifesto espasmódico da revolta
tornou-me a ameaça belicosa
removida sob escolta
em engenhosa encenação.

Refiz-me
a compleição feroz ‒ escudo ‒
foi craquelando pelo riso.
Agora o frio entra pelas trincas
quando a diviso.
Às vezes através da madeira
um pressentimento encarna em arrepio
todavia ela não entra.
É a maneira descarnada da sombra
que penetra o cristal e puxa o fio
de uma multiplicidade virtual.

O tremor que fissura de dentro
e o comichão nas falanges miúdas
esmorecem nas gretas do silêncio.
Ela sabe que a ossatura range,
estala, rodopia e não desaba
como eu sei
que uma legião de vultos
não faz uma diaba.

Dia Internacional da Água

As águas sensuais de Neruda

Água, líquido incolor, inodoro e insípido – esta a definição que aprendemos na escola sobre o precioso elemento da natureza, um dos quatro fundamentais, segundo os antigos alquimistas – junto ao fogo, o ar e a terra. Se pensarmos bem, ela é o mais importante, pois sem ela não há vida. Dela nascemos, não do pó da terra, e sem ela morreremos. Ela oxigena o ar, alimenta a terra e ai do fogo que se intrometer, pois ela é capaz de extingui-lo.

Dizem que será mais preciosa que o petróleo, que o próprio ouro. E guerras já se fazem para disputá-la (atenção aos governadores Alckmin e Cabral, que ensaiam brigas pelas águas do rio Paraíba do Sul, face à seca que acomete a região Sudeste), principalmente em regiões onde ela escasseou e desertificou imensas áreas. Diz a UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) que a cada 15 segundos uma criança morre, no mundo, de doenças relacionadas à falta de água potável, de saneamento e de condições de higiene. Mesmo o Brasil, rico em água potável, convive com a morte infantil causada por sua falta.

No dia 22 de março comemorou-se o Dia Mundial da Água, que se seguiu aos dias da Poesia e das Árvores/Florestas. Mas água também tem poesia e é indispensável para as plantas. Apesar das 24 horas de atraso, vamos lembrá-la com um belo poema de Neruda.

agua sexual

Pablo Neruda

Rodando a goterones solos,
a gotas como dientes,
a espesos goterones de mermelada y sangre,
rodando a goterones,
cae el agua,
como una espada en gotas,
como un desgarrador río de vidrio,
cae mordiendo,
golpeando el eje de la simetría, pegando en las costuras del
alma,
rompiendo cosas abandonadas, empapando lo oscuro.

Solamente es un soplo, más húmedo que el llanto,
un líquido, un sudor, un aceite sin nombre,
un movimiento agudo,
haciéndose, espesándose,
cae el agua,
a goterones lentos,
hacia su mar, hacia su seco océano,
hacia su ola sin agua.

Veo el verano extenso, y un estertor saliendo de un granero,
bodegas, cigarras,
poblaciones, estímulos,
habitaciones, niñas
durmiendo con las manos en el corazón,
soñando con bandidos, con incendios,
veo barcos,
veo árboles de médula
erizados como gatos rabiosos,
veo sangre, puñales y medias de mujer,
y pelos de hombre,
veo camas, veo corredores donde grita una virgen,
veo frazadas y órganos y hoteles.

Veo los sueños sigilosos,
admito los postreros días,
y también los orígenes, y también los recuerdos,
como un párpado atrozmente levantado a la fuerza
estoy mirando.

Y entonces hay este sonido:
un ruido rojo de huesos,
un pegarse de carne,
y piernas amarillas como espigas juntándose.
Yo escucho entre el disparo de los besos,
escucho, sacudido entre respiraciones y sollozos.

Estoy mirando, oyendo,
con la mitad del alma en el mar y la mitad del alma
en la tierra,
y con las dos mitades del alma miro al mundo.

y aunque cierre los ojos y me cubra el corazón enteramente,
veo caer un agua sorda,
a goterones sordos.
Es como un huracán de gelatina,
como una catarata de espermas y medusas.
Veo correr un arco iris turbio.
Veo pasar sus aguas a través de los huesos.

Dia Mundial da Água

ÁGUA SEXUAL

Rodando em solitárias goteiras,
em gotas como dentes,
em espessas goteiras de geleia e sangue,
rodando em goteiras,
cai a água,
como uma espada em gotas,
como um desgarrador rio de vidro,
cai mordendo,
golpeando o eixo da simetria, grudando nas costuras da alma,
rompendo coisas abandonadas, empapando o escuro.

Somente é um sopro, mais úmido que o pranto,
um líquido, um suor, um óleo sem nome,
um movimento agudo,
fazendo-se, espessando-se,
cai a água,
em goteiras lentas,
rumo a seu mar, até se seco oceano,
até sua onda sem água.

Vejo o verão extenso, e um estertor saindo de um silo,
adegas, cigarras,
populações, estímulos,
habitações, meninas
dormindo com as manos no coração,
sonhando com bandidos, com incêndios,
vejo barcos,
vejo árvores de medula
eriçados como gatos raivosos,
vejo sangue, punhais e meias de mulher,
e cabelos de homem,
vejo camas, vejo corredores onde grita uma virgem,
vejo cobertores e órgãos e hotéis.

Vejo os sonhos sigilosos,
admito os pósteros dias,
e também as origens, e também as lembranças,
como uma pálpebra atrozmente levantada a força
estou olhando.

E então há este som:
um ruído escarlate de ossos,
um grudar-se de carne,
e pernas amarelas como espigas a se juntar.
Eu escuto entre o disparo dos beijos,
escuto, sacudido entre respirações e soluços.

Estou olhando, ouvindo,
com a metade da alma no mar e a metade da alma
na terra,
e com as duas metades da alma olho o mundo.

E ainda que feche os olhos e me cubra o coração inteiramente,
vejo cair uma água surda,
em goteiras surdas.
É como um furacão de gelatina,
como uma catarata de espermas e medusas.
Vejo correr um arco íris turvo.
Vejo passar suas águas através dos ossos.

Tradução e ilustração de Cleto de Assis

De Árvores e Poesia

Quando Poesia e Árvores se encontram

O Dia da Árvore, no Brasil, é comemorado no dia 21 de setembro, que coincide com o início da Primavera no hemisfério Sul. Mas há também um Dia Internacional da Árvore, comemorado hoje, 21 de março, dois dias após o início do nosso Outono. Esse dia também é conhecido como Dia das Florestas, a imensa reunião de árvores que,pouco a pouco, a humanidade tem devastado, sob a desculpa da conquista cultural.

Coincidentemente, também hoje se comemora o Dia Internacional da Poesia, criado na XXX Conferência Geral da UNESCO, em 16 de novembro de 1999. O objetivo era (e é) o incentivo à leitura, à escrita, publicação, divulgação e ensino da poesia através do mundo. escrita, publicação e ensino da poesia através do mundo. Acrescento o desenvolvimento, principalmente nas crianças, dos poderes da criatividade, capazes de levar a mente humana além da matéria e da vida real, sem perder o objetivo de melhor conhecer a realidade e compreender os mistérios da vida.

Para comemorar os dois eventos, reunidos em um só dia, escolhi um poema de Fernando Namora, poeta português, que fala em poesia e árvore.

Fernando_NamoraFernando Gonçalves Namora, médico e escritor português, foi autor de extensa obra, das mais divulgadas e traduzidas nos anos 70 e 80.  Nasceu em Condeixa-a-Nova, em 15 de Abril de 1919, e morreu em Lisboa, a 31 de Janeiro de 1989.

Estudou Medicina na Universidade de Coimbra, mas era ligado a um grupoo literário conhecido como Geração de 40, que reuniu personalidades como Carlos de OliveiraMário DionísioJoaquim Namorado e João José Cochofel. Exerceu a profissão de médio em várias cidades do interior de Portugal, até se instalar em Lisboa, como médico assistente do Instituto Português de Oncologia.

O seu volume de estreia foi Relevos (1937), livro de poesia, sob a influência de Afonso Duarte e do grupo da Presença. Mas já havia publicado, em conjunto com Carlos de Oliveira e Artur Varela, um singelo livro de contos denominado Cabeças de Barro. Em 1938 surge o seu primeiro romance As Sete Partidas do Mundo ,que viria a ser galardoado com o Prêmio Almeida Garrett, no mesmo ano em que recebeu o Prêmio Mestre Antônio Augusto Gonçalves, de artes plásticas – na categoria de pintura. Ainda estudante e com outros companheiros de geração funda a revista Altitude e envolve-se ativamente no projeto do Novo Cancioneiro (1941), coleção poética de 10 volumes que se inicia com o seu livro-poema Terra, assinalando o advento do neorrealismo. Na mesma linha estética, embora em ficção, é lançada a coleção dos Novos Prosadores (1943), pela Coimbra Editora, reunindo os romances Fogo na Noite Escura, do próprio Namora, Casa na Duna, de Carlos de Oliveira, Onde Tudo Foi Morrendo, de Vergílio Ferreira, Nevoeiro, de Mário Braga ou O Dia Cinzento, de Mário Dionísio, entre outros.

Coisas, Pequenas Coisas

colour_tree_by_ailailail-
Fazer das coisas fracas um poema.

Uma árvore está quieta,
murcha, desprezada.
Mas se o poeta a levanta pelos cabelos
e lhe sopra os dedos,
ela volta a empertigar-se, renovada.
E tu, que não sabias o segredo,
perdes a vaidade.
Fora de ti há o mundo
e nele há tudo
que em ti não cabe.

Homem, até o barro tem poesia!
Olha as coisas com humildade.

Fernando Namora, em “Mar de Sargaços”

Nos Rastros da Utopia

Lançamento do novo livro de Manoel de Andrade

Capa2Na Livrarias Curitiba do Shopping Estação, em Curitiba, como anunciamos há dias, ocorreu o lançamento do livro “Nos Rastros da Utopia” (Editora Escrituras, 910 págs.), produto de vários anos de aventurosa peregrinação por terras americanas. Como ele mesmo diz, com “este livro entrego o testemunho de um longo caminhar. Ao deixar o Brasil em março de 1969, meus passos cruzaram 16 países num prolongado auto-exílio pelo continente” … “Este livro é, sobretudo, o relato de um poeta itinerante, de um bardo errante, profundamente identificado com seu tempo e com sua condição de latino-americano. Um confidente solitário, comprometido com o resgate de uma América povoada de utopias e com a saga lendária daqueles que ousaram sonhar com um ‘admirável mundo novo’ “.

Ex-aluno de História, Manoel de Andrade relata, abundantemente, uma parte da história de sua vida, imbricada com as origens, as batalhas, as injustiças, os dramas e os sonhos de sua América – a nossa América – com jeito de livro de contos de fadas, onde os muitos personagens que conheceu surgem ali e acolá como protagonistas e coadjuvantes de uma história sem fim, acalantados por seus trabalhos de utopia poética.  Além do sabor literário, Maneco nos coloca nas mãos e em nossa reflexão um valioso documento de um tempo não tão longínquo, que ainda se reflete na vida dos países de nossa região continental.

Manoel de Andrade e Cleto de Assis na noite do lançamento de "Nos Rastros da Utopia"

Manoel de Andrade e Cleto de Assis na noite do lançamento de “Nos Rastros da Utopia”

Bem-vindo, Outono!

Chegou o Outono, exatamente no Dia Mundial da Felicidade

Há dois anos a Organização das Nações Unidas aprovou a instituição do Dia Mundial da Felicidade,após campanha feita pelo Butão, que utiliza um índice nacional de Felicidade Bruta.  Dia a resolução da ONU que a “busca pela felicidade é um objetivo humano fundamental” e sugere que se comemore “o Dia Internacional da Felicidade de forma apropriada, incluindo por meio de atividades educativas e de conscientização pública”.

Até que ponto esses conceitos conseguem apagar, ou, pelo menos diminuir, entre nós, as diferenças ideológicas, políticas ou religiosas? Não poderíamos criar relações sociais baseadas no cultivo da felicidade, buscada por meio de estruturas comunitárias mais humanas? Em 1972, o rei do Butão, Jigme Singye Wangchuck, respondeu a críticas sobre o desenvolvimento econômico de seu país, instituindo o índice FIB – Felicidade Interna Bruta, afastando-se dos conceitos tradicionais que somente medem o crescimento econômico. Determinou sete pilares para a efetivação desse índice:

  • Promoção do desenvolvimento Educacional para a Inclusão Social
  • Preservação e promoção dos Valores Culturais
  • Resiliência Ecológica na base do Desenvolvimento Sustentável
  • Estabelecimento da Boa Governança
  • Preservação dos Valores capazes de garantirem a Vitalidade Comunitária
  • Saúde na Garantia da Vida
  • Desenvolvimento Sustentável para a Inclusão e potencialização do Padrão de Vida

Educação, cultura, saúde, meio ambiente e desenvolvimento sustentável, representação governamental confiável, desenvolvimento comunitário, de modo a desaguarem na ampliação dos padrões de vida. Precisa-se de mais alguma coisa, senhoras e senhores?

Saudemos o Outono com Fernando Pessoa.

Outono2

Novo livro de Manoel de Andrade

Depois de longa caminhada pelo chão da América Latina, Manoel de Andrade completa a não menos extensa jornada literária sobre a sua aventura em busca da utopia

Finalmente, a  editora Escrituras lança uma empreitada de mais de 900 páginas que condensam os vários anos do errante percurso do poeta Manoel de Andrade pelas veias abertas da América Latina — como metaforizou Eduardo Galeano — há mais de quatro décadas, quando todo o continente buscava portos seguros para suas contradições sociais e políticas. Mas Manoel de Andrade não fez de seu livro um mero relato autobiográfico e nem uma narrativa que desculpasse sua saída do Brasil para desfraldar sua poesia em defesa de ideais utópicos. Em verdade, Nos rastros da Utopia tenta redescobrir a América por meio dos personagens que o autor encontrou e conheceu, com quem dialogou e conviveu por tempos breves, mas absolutamente enriquecedores. 

Endosso o convite feito pela editora e por Livrarias Curitiba. E principalmente o convite do próprio escritor: “convido-o a viajar comigo por caminhos e por um tempo fascinante, em que o sonho e a esperança comandavam os rumos da História. Ventura e desventura, encanto e desencanto são os sabores com que estão temperados os fatos que passarei a relatar“.

Novo_convite_2

Um texto antigo sobre “Nos Rastros da Utopia”

Cleto de Assis

Já repeti, ali e acolá, que minha amizade com Manoel de Andrade ultrapassa as fronteiras do trivial e localiza-se no que há de melhor em uma relação fraterna. Para repetir um clichê, afirmo que, mais que irmão consanguíneo, Maneco é o mano escolhido, selecionado durante a jornada da vida.

Mas isso não nos torna irmãos corsos: temos as nossas diferenças de pensamento, adotamos crenças distintas em matéria política e religiosa. O que não nos transforma em inimigos ou adversários, como requer o saudável convívio democrático, que admite positivamente a multiplicidade de opiniões e a boa convivência entre os contrários. E não é bom assim? Chatice seria o consenso absoluto, que não nos permitiria sequer perseguir objetivos vitais e construir as mais variadas utopias.

Na narrativa de Manoel de Andrade, sempre com máximo respeito às ideias que o levaram a formular sua utopia, venero mais o entusiasmo do cavaleiro andante a percorrer as pátrias latino-americanas, em um tempo coberto por sombras e indefinições políticas, como tem sido, desde tempos imemoriais, a história deste continente. Sempre reunido a grupos que se acercavam à sua alma de artista sonhador, naquela idade vintaneira: estudantes idealistas e expressões culturais de cada local visitado. Muitas dessas expressões eram nascentes, ainda jovens como ele. Cresceram e firmaram conceitos de credibilidade intelectual e não deixaram de lembrar-se do brasileiro que os visitou e, quase sempre, recebia toque de retirada das cornetas governamentais dos países pelos quais passava. Na bolsa da memória do viajante foram acumulados, passo a passo, tesouros de bom relacionamento (com o povo que o recebia, não com os donos eventuais do poder) e de comunhão de utopias, que agora migram para o papel do escritor e poeta.

Passados tantos anos – mais de 40 – Manoel de Andrade fez um natural upgrade em suas utopias (para usar um termo atual, sem qualquer intenção irônica), mas continua em busca de sonhos, para poder continuar o caminho, como define Fernando Bini, citado em seu texto. Novas buscas na espiritualidade, novos sonhos no campo da justiça social. As velhas utopias – algumas desmanteladas por quedas de muros e pelo desânimo de descobrir que a ambição humana, o apego ao poder e o extremismo da corrupção e da deslealdade não têm cor política, mas estão sempre de tocaia no cérebro límbico do homem, prontas a aflorar à superfície, se as circunstâncias facilitarem – foram remodeladas, mas o escritor de agora permanece leal à alma condutora do jovem errante de ontem.

Já declarei, também, que seu livro “Nos Rastros da Utopia” será, quando publicado (e o está sendo agora), um marco para a história dos anos 60 em nosso continente. Depois de quatro décadas, diante de confessa perplexidade com este início de século, Manoel de Andrade pode dizer-se dono de uma certeza: somente os bons carregam à sua frente, continuadamente, as incertezas das utopias. Os maus têm projetos ambiciosos, preferencialmente para o presente ou futuro bem próximo, sem se importar com o que acontecerá para a sociedade que nos é comum. E é nos rumos dessas incertezas que se vão colhendo resultados positivos e se estabelecem as conexões corretas para ampliar a justiça e a harmonia sociais. Como seu leitor, vejo claramente que sua melhor utopia se chama Fraternidade.

8 de maio de 2012

Parabéns para nós

Cinco anos do Banco da Poesia

animated-birthday-cake

O Banco da Poesia nasceu no dia 12 de março de 2009. Teve uma gestação de apenas seis meses, fecundada com o poema inaugural, conservado até hoje no topo da página de abertura. Mostrou para o que vinha, ao seu final, como uma promessa:

O que quer? É quase nada.
Só reunir na estrada
os escribas já sem rumo
que semeiam bons valores
com muito amor ou com dores
no parto amargo da letra
sem ajuda de obstetra.
Vamos fundar, sim senhores,
novo banco – quem diria! –
um banco imune a assaltos
com dividendos mais altos:
é o Banco da Poesia!

Hoje, 12 de março de 2014, completamos cinco anos. Vamos comemorá-los com mais poesia — do grego ποίησις ‘criação’ < ποιέω ‘criar’ — essa quintessenciada linguagem humana que transcende a palavra, embora dela se utilize como chave de comunicação. Linguagem que faz do poeta um verdadeiro alquimista da palavra, com a união de sentimentos refinados, buscas psicológicas, construções estéticas, harmonias e ritmos, transformações metafóricas das coisas reais, interpretações estéticas da vida que levamos neste grãozinho de poeira cósmica conhecido como Terra. Mas a poesia transcende a própria literatura e se integra a outras visões artísticas, a todas as artes. E vai além delas, pois nossas percepções podem enxergar poesia num simples raio de luz, nos reflexos da água, no cantar dos pássaros, no perfume de uma flor.

Somos pequeninos, no mundo eletrônico. Talvez pela própria escolha de nosso caminho, pouco trilhado em nossa sociedade. Mas podemos festejar nossa satisfação com o resultado das estatísticas de visualização de nosso blog, sempre ampliadas a cada ano que passa. Até o dia de hoje, fomos visitados 296.420 vezes, com uma constância de visualizações que conserva uma média de mais de 160 visitantes diários. Se o leitor observar o mapa à direita da página, verá que, em qualquer momento, há pontos amarelos no Brasil e fora dele, o que significa visualizações recentes. Aumentamos também nosso número de seguidores espontâneos, sem recorrer a qualquer ferramenta de conquista de novos engajamentos.

E por aí vamos. Um banco nada fácil de administrar, mas agradabilíssimo de conservar. Embora tenha apenas um funcionário, que se traveste de presidente, gerente, caixa, operadores, seguranças, office-boys etc. O que compensa é que temos selecionados correntistas para manter a riqueza de nosso cofre.

Parabéns para nós e, principalmente, para nossos correntistas, que ajudam a manter viva esta ideia.

Reflexão de uma segunda-feira de carnaval

A PA_LAVRA

a_pa_lavra

A pá lavra o campo
para afofar a cama às sementes.
A pá cava a sete palmos
para garantir o repouso na campa.

Porque palavra, alimento e morte
são necessários para o seguir da vida.

Cleto de Assis – 03/03/2013