Chegou o Outono, exatamente no Dia Mundial da Felicidade
Há dois anos a Organização das Nações Unidas aprovou a instituição do Dia Mundial da Felicidade,após campanha feita pelo Butão, que utiliza um índice nacional de Felicidade Bruta. Dia a resolução da ONU que a “busca pela felicidade é um objetivo humano fundamental” e sugere que se comemore “o Dia Internacional da Felicidade de forma apropriada, incluindo por meio de atividades educativas e de conscientização pública”.
Até que ponto esses conceitos conseguem apagar, ou, pelo menos diminuir, entre nós, as diferenças ideológicas, políticas ou religiosas? Não poderíamos criar relações sociais baseadas no cultivo da felicidade, buscada por meio de estruturas comunitárias mais humanas? Em 1972, o rei do Butão, Jigme Singye Wangchuck, respondeu a críticas sobre o desenvolvimento econômico de seu país, instituindo o índice FIB – Felicidade Interna Bruta, afastando-se dos conceitos tradicionais que somente medem o crescimento econômico. Determinou sete pilares para a efetivação desse índice:
Promoção do desenvolvimento Educacional para a Inclusão Social
Preservação e promoção dos Valores Culturais
Resiliência Ecológica na base do Desenvolvimento Sustentável
Estabelecimento da Boa Governança
Preservação dos Valores capazes de garantirem a Vitalidade Comunitária
Saúde na Garantia da Vida
Desenvolvimento Sustentável para a Inclusão e potencialização do Padrão de Vida
Educação, cultura, saúde, meio ambiente e desenvolvimento sustentável, representação governamental confiável, desenvolvimento comunitário, de modo a desaguarem na ampliação dos padrões de vida. Precisa-se de mais alguma coisa, senhoras e senhores?
Walter Bezerra, correntista de Maceió que abriu conta recentemente no Banco da Poesia (ver aqui), nos envia mais depósitos. O poema abaixo, inspirado no Imagine, de John Lennon, e uma crônica sobre a chegada de Ayrton Senna no céu e a conversa com seus anfitriões. Leia na página de Crônicas, número 9.
Imagine( outra versão)
Walter Bezerra, Maceió
Imagine não existir Justiça, ONU, Constituição, Código Penal, presídios,
e mesmo assim fossem os homens pacíficos, justos e honestos.
Imagine que não haja muçulmanos, judeus, brancos, negros, amarelos e índios, apenas pessoas.
Imagine não existir Tratados, Concílios e Conferências, apenas consciência e voluntariedade.
Imagine que não exista São Paulo, Flamengo, Barcelona, Liverpool e Boca, apenas a beleza e a emoção do gol.
Nenhum preconceito ou discriminação, somente respeito.
Imagine não existir ignorância, devoção, lavagem cerebral, nenhuma idolatria.
Imagine nenhum soldado ou general, nenhum míssil ou bomba nuclear.
Imagine que não exista Natal, nem papai Noel, e mesmo assim sejam os homens fraternos e solidários.
Imagine que não haja futuro, simplesmente esse instante.
Imagine, Lennon, se existissem no mundo milhões e milhões de pessoas como você.
Imagine se todos tivessem a doçura e a lucidez de Carlitos.
Depois do Dia Mundial da Poesia, vem o Dia da Água, outra substância indispensável para a sobrevivência humana. Produto da união de dois gases – um altamente inflamável e outro acelerador da combustão – a água tem a paradoxal capacidade de apagar o fogo e, em estado sólido, reduz drasticamente as temperaturas. Como imaginamos que esta sagrada siubstância jamais acabará, não somos exatamente os melhores guardiões da água, por este mundo afora. Desperdiçamos água, contaminamos e secamos nascentes, poluimos os mares e as grandes reservas de água potável. Daqui a 15 anos, segundo a ONU, mais da metade da população mundial, ou seja, perto de 3 bilhões de pessoas, sofrerá escassez de água. A organização também informa que hoje, a cada ano, morrem cerca de 1 milhão e 600 mil pessoas por dificuldades de acesso a água e falta de saneamento básico.
Como afirmou o escritor João Guimarães Rosa:
A água de boa qualidade é como a saúde ou a liberdade:
só tem valor quando acaba.
xxxxxxxxxxxxxxxxxx
xxxxxxxxxxxxxxx
Água não é poesia, mas pode ser fonte inesgotável de inspiração poética. Por isso fomos pedir água a alguns poetas para comemorar o seu dia. E, no final do post, anexamos dois pequenos filmes que nos mostram o mundo maravilhoso da água, em sua origem e como fonte permanente de vida. Afinal, sempre é bom recordar que somos formados primordialmente de água: chegamos a conter até 80% do precioso líquido (até os dois anos de idade). Depois essa proporção decresce, com o passar dos anos. O que significa que, ao envelhecermos, simplesmente desidratamos. E, em um belo (ou feio) dia, vaporizamos literalmente.
Enquanto isso não ocorre, louvemos a água, nossa inseparável companheira. C. de A.
Nossa sabedoria é a dos rios.
Não temos outra.
Persistir. Ir com os rios,
onda a onda.
Os peixes cruzarão nossos rostos vazios.
Intactos passaremos sob a correnteza
feita por nós e o nosso desespero.
Passaremos límpidos.
E nos moveremos,
rio dentro do rio,
corpo dentro do corpo,
como antigos veleiros.
Luís Carlos Verzoni Nejar, (Porto Alegre, 11 de janeiro de 1939), é um poeta, ficcionista, tradutor e crítico brasileiro, membro da Academia Brasileira de Letras.
Prendei o rio
Maltratai o rio
Trucidai o rio
A água não morre
A água que é feita
de gotas inermes
Que um dia serão
Maiores que o rio
Grandes como o oceano
Fortes como os gelos
Os gelos polares
Que tudo arrebentam.
De Estrela da Manhã
Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho, poeta brasileiro (Recife, 19 de abril de 1886 – Rio de Janeiro, 13 de outubro de 1968)
Este líquido é água.
Quando pura
é inodora, insípida e incolor.
Reduzida a vapor,
sob tensão e a alta temperatura,
move os êmbolos das máquinas que, por isso,
se denominam máquinas de vapor.
É um bom dissolvente.
Embora com excepções mas de um modo geral,
dissolve tudo bem, ácidos, base e sais.
Congela a zero graus centesimais
e ferve a 100, quando à pressão normal.
Foi neste líquido que numa noite cálida de Verão,
sob um luar gomoso e branco de camélia,
apareceu a boiar o cadáver de Ofélia
com um nenúfar na mão.
De Poesiascompletas
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
António Gedeão, pseudónimo de Rómulo Vasco da Gama de Carvalho (Lisboa, 24 de Novembro de 1906 – 19 de Fevereiro de 1997), foi um afamado poeta, professor e historiador da ciência portuguesa.
Água, feita de volubilidade
mãe das nuvens e do barro.
posso senti-la discreta
transparente inevitável.
Prisioneira gelada
dos refrigeradores,
vago itinerário dos peixes,
húmido túmulo dos detritos
que os homens repudiaram.
Feita de angústia,
saíste dos olhos
para a estrada áspera
das rugas.
Ergues tua bandeira vermelha
no peito dos apunhalados.
Água,
hei-de beber-te comovido
na inodora volúpia
da tua acomodada transparência.
Embebes de esquecimento
os suicidas.
Tuas mãos rudes
agarram os continentes,
dissolvem os náufragos,
projectam no céu
os velames e as quilhas.
Bojo surdo e verde
cofre de algas e flibusteiros,
bactérias e diamantes.
Quero-te agora
inerte de presságios,
mera adolescente
nascida na terra,
filha perdida do azul.
No alto mar
A luz escorre
Lisa sobre a água.
Planície infinita
Que ninguém habita.
O Sol brilha enorme
Sem que ninguém forme
Gestos na sua luz.
Livre e verde a água ondula
Graça que não modula
O sonho de ninguém.
São claros e vastos os espaços
Onde baloiça o vento
E ninguém nunca de delícia ou de tormento
Abre neles os seus braços.
De Poesia (1944)
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
Sophia de Mello Breyner Andresen (Porto, 6 de Novembro de 1919 — Lisboa, 2 de Julho de 2004) foi uma das mais importantes poetas portuguesas do século XX.