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Axé, Olorum!

Paulo Valente, do frio curitibano ao calor baiano

Paulo_ValenteConheci Paulo Valente ainda bem jovem, ao lado de seu homônimo pai, um senhor de excelente bom gosto que manteve, durante muitos anos, em Curitiba, uma galeria de arte e de objetos de decoração. Com minhas andanças brasilianas, perdi contato com ele e nos cruzamos recentemente em diálogos feicebuquianos, dentro do natural amontoado de amigos comuns. E o redescobri como criativo fotógrafo, que utiliza sua visão plástica para reinventar a poesia. No clique fotográfico nasce o clique poético, que tem que ser instantâneo, minimalista. Algumas de suas produções são tão concisas que dispensam palavras, a poesia verte nas pequenas imagens. Faz brincadeiras com tachinhas e luz que se tornam sérias cenas de palco, algumas a lembrar dançarinas de balé.

Ele nasceu em Curitiba, em 1947, e desde jovem se dedicou às artes plásticas. Adotou a fotografia como ferramenta para o desenvolvimento de suas atividades artísticas, sempre acompanhando as diversas fases do artista. Ainda em sua cidade, participou de diversos concursos e salões. Mudou-se para Salvador em 1977, onde, paralelamente ao ofício de designer de interiores, continuou a desenvolver sua arte e a participar de salões e coletivas. Entre os anos de 1990 e 1993 suas obras estiveram presentes no acervo da Belanthi Gallery, de Nova Iorque, em exposições individuais e coletivas.

Em seus trabalhos mais recentes a fotografia é utilizada como mídia plástica e poética. Segundo ele, adota “o pseudônimo Olorum Piancóski menos para resguardar-me do que para acentuar o hibridismo cultural que pretendo revelar nesses rápidos e despretensiosos fotopoemas”.

Rápidos, talvez. Despretensiosos, nunca.

Saudamos o nosso Piancóski curitibano e o Olorum soteropolitano: Powitanie! Axé!

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Continua em próximos capítulos.

Robert Doisneau, um poeta da fotografia

Em outubro de 2009 o Centro Cultural Fiesp, de São Paulo, exibiu uma exposição de de Robert Doisneau, famoso artista da câmera fotográfica nascido na França. O texto abaixo foi publicado no momento da mostra.
Duas décadas antes de fotografar o beijo mais famoso das ruas de Paris, Robert Doisneau (1912-1994) trabalhava na fábrica da Renault. Usava câmera sem obturador – uma boina fazia o serviço – para registrar a vida na linha de montagem e, de quebra, uns ensaios publicitários para a marca de carros.

Ficou provado mais tarde que O Beijo do Hotel de Ville, fotografia que fez em 1950, não foi um flagrante em frente à prefeitura, e sim uma cena posada com modelos. Do mesmo jeito que na fábrica da Renault arranjava e rearranjava os melhores operários em linha, mexia nas máquinas e fazia brilhar a carroceria dos carros para seus instantes, senão decisivos, calculados.

Toda a mise-en-scène em torno da indústria automobilística francesa aparece nas mais de cem fotografias reunidas agora no Centro Cultural Fiesp. Também surge nessas imagens traços formais da obra do fotógrafo que ganhariam expressão máxima só décadas depois.

“Ele tinha uma visão muito humanista, otimista”, afirma a curadora Ann Hindry. “Queria um mundo mais humano.”

Nesse ponto, seus retratos de gente comum se aproximam do estilo de Walker Evans. Mas enquanto o norte-americano esquadrinhava a miséria, Doisneau buscava certa leveza. “Suas imagens são mais cinematográficas”, diz Hindry. “Há uma agilidade, flexibilidade.”

É quando desengessa seus registros, então livres dos vícios formais que aprendeu com os modernistas, que Doisneau atinge essa espontaneidade. Retrata uma vitrine da Renault na Champs-Elysées com uma multidão se espremendo do lado de fora para observar os carros -contraponto entre o mundo real e o luxo lá dentro.

Mas faz isso sem qualquer panfletarismo. Ele enxerga o próprio colarinho branco e se recusa a fotografar as greves que abalaram a periferia parisiense. Depois registra belas donzelas com os automóveis: curvas de carne para vender curvas metálicas sobre rodas. (Silas Martí, da Folha de São Paulo)

Meu amigo Carlos Verçosa, poeta e novo baiano, me enviou, lá de Salvador, a apresentação abaixo. São notáveis poemas fotográficos. Clique no título abaixo para ver as fotos. (Necessário ter o programa Windows PowerPoint instalado em seu computador)

Robert Doisneau

Cássio Amaral: mais brilhos de Araxá

Foto e poema: Cássio Amaral – montagem: C. de A.

Mais um achado arqueológico de Lina Faria

Em seu blog Não lugar,  Lina Faria postou uma foto incomum, quase sem perspectiva. Ela informa que se trata de um trabalho “da série de cicatrizes de casas que já se foram, mas mantiveram sua silhueta impregnada na parede do lado. Prova de que a forma supera a utilidade das coisas”.

Roubei a foto de lá (deixando a original, é claro) e pago com um comentário poematizado. Como prometi que faria (sem trocadilho) sobre fotos de Lina.

Fatia do Passado

Cleto de Assis, sobre foto de Lina Faria

ParedeFatia

A velha casa se foi
transformada em cacos,
talvez em restos de depósito de demolição,
talvez em entulho de construção
talvez em saudade de alguém que lá viveu.

A velha casa partiu
e logo, logo nem restará
a fatia impressa na parede lateral que virou muro
e alguém recolherá as esmolas nela encostadas,
a ex-porta, a ex-janela, a ex-parede de madeira
a centena de tijolos desgastados
e quem sabe os ladrilhos brancos do ex-banheiro.

A ordem e o progresso urbanos retirarão de cena
o quadro mondriânico amarelo-branco-preto
dividido em áurea proporção
onde alguém grafitou um homem deitado
e um (talvez) rabo de galo.

Ainda bem que Lina passou por ali
e seu olho mágico tornou imortais os restos mortais da velha casa.

Lina Faria: ver a cidade, com veracidade

LinaFotoConheço Lina Faria – paranaense de Nova Esperança, com passagem por Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e São Paulo – desde quase o início de sua carreira de fotógrafa. Confiei em seu trabalho e acertei. Hoje ela é uma das mais brilhantes profissionais da área e especializou-se na arquitetura da cidade e sua gente, notadamente na arqueologia urbana, com suas paredes despencadas e corroídas. Lina sabe ver Curitiba como ninguém. Ela mesma diz, em seu blog Não Lugar :

Sou fotógrafa e curiosa. Vivo na cidade de Curitiba e gosto de olhar e documentar a relação das pessoas com os espaços em geral. Levo isso ao pé da letra, quando fotografo as ruas e sua ocupação desordenada.
Também nos interiores das submoradias, longe de qualquer padrão de ordem mas com um sentido de segurança, mesmo que penduradas e vulneráveis à primeira chuva. Mas tudo isso tendo como compromisso a beleza, a harmonia. Mesmo na realidade de uma favela, resgatar a dignidade através do belo é o que me interessa. Gosto também, e muito, de design e arquitetura. Da social à contemporânea, o gosto pelo ocupar me interessa
“.

Fiz um convite a Lina para publicar suas fotos no Banco, pois seu olhar capta poesia até mesmo em coisas semidestruídas. Mas enquanto ela não as manda, recolhi duas fotos recentes em seu blog e a homenageio com um poemeto intercalado entre as imagens.

Ipês no chão

Canto o chão

xxxxxxxxxxxxxxxPara Lina Faria

Chão que ninguém olha, chão que ninguém vê,
chão que todos usam,
chão que todos reclamam
e só os olhos de Lina nele recolhem beleza.
Chão de petit pavé que distribui tropeções pela cidade,
recompensados, no final do inverno,
com a neve amarela das flores.
Chão de qualquer lugar:
ponto de ônibus, estádios, praças e calçadas
a misturar moda de pobres e ricos calçados.

Ipês no chão e pés no chão.

Pés no chão