Arquivo do mês: janeiro 2010

Departamento de Crônicas

O Banco da Poesia se aproxima de seu aniversário. Acenderemos a primeira velinha no próximo dia 12 de março, com muitos motivos para festejar. E, como em qualquer organização, de verdade ou metafórica, o tempo e a experiência nos levam a transformações e, sempre que possível, a apriomoramentos. Por isso, nosso Banco ganhou mais um departamento, dedicado à postagem de Crônicas, esse gênero literário que relaciona-se com a memória e o tempo, a memória de episódios gravados no tempo.

Abrimos o Departamento de Crônicas com um texto da poeta Vera Lúcia Kalahari, de Angola. Ou, de vez em quando, de Portugal. (Leia mais aqui)

Tom Jobim, parabéns pra você!

Ilustração de Bruni

Hoje, 25 de janeiro, Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim estaria completando 83 anos, se há 16 não tivesse deixado a sua vida de poesia e beleza musical. O patrimônio que nos legou, no entanto, justicam plenamente que todos nós, brasileiros e muita gente por este mundoa afora,  tenham saudade dele. Vamos ouvir uma de suas músicas mais conhecidas, exatamente a que fala da Saudade, com versos de Vinicius de Moraes. Com Banda Nova, em show gravado em Montreal em 1986. Chega de saudade? Que nada…

Vera Lúcia Kalahari em uma misteriosa rua

Rua 13


O beco é escuro…
Rua 13…Rua 13…
Bocas que sugam sangue
Olhos que choram sangue
Solidão e miséria.
É noite…
Sinto qu’é noite.
Não porque o sol s’escondesse
Não porque a sombra descesse
Mas porque no meu coração
O brado dessa miséria
Se fundiu, se faz sentir.
É a noite que nos arrasta.
Não é só a noite…
É noite. Uma noite espessa, sem paz.
Sem Deus, sem afagos,
Sem nacos de pão, sem nada.
Uma noite sem distâncias…
Apenas noite.
Mas por trás dos altos montes
A aurora vem surgindo.
Tudo o que à noite perdemos
O dia nos traz novamente.
Surgem  aves chilreantes
Badalar manso de sinos
Cantos suaves do mar.
No alto da Rua 13
Brilha tremendo uma luz.
É o sol…A esperança,
Que um dia aquela rua
De almas sem luz e sem sol
Também veja o alvorecer.

Vera Lúcia

Reencontros inesquecíveis

Depois de viver muito tempo fora de Curitiba – Londrina, Brasília, São Paulo, Londrina novamente, voltei à Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais para reorganizar a “melhor idade” (que tolice! melhor idade é aquela em que a gente vive bem, do zero aos cento e tantos), agregar a família, curtir os netos e rever uma boa quantidade de amigos que aqui havia deixado. Dizem que amigos-amigos podem ser contados nos dedos das mãos. Mas descobri que tenho mais amigos que dedos. Bastou uma voltinha pelo delicioso cenário do mercado municipal para encontrar, de cara, dois ou três deles. Alguns telefonemas e velhas amizades já estavam rejuntadas com cola mágica, melhor do que aquelas à base de éster de cianoacrilato. Reuniões promovidas por amigos mais chegados e eis diante de mim chusmas de e(ternos) companheiros e companheiras (no bom sentido da palavra), a relembrar os anos 60 e 70, quando aqui vivi intensamente. Amizades já velhas de 40 anos, mas nunca desgastadas, se renovaram como se o lapso tivesse sido apenas de poucos meses.

Evidentemente, alguns amigos já tinham tomado outros rumos desconhecidos, aqueles que muitos afirmam existir, mas nuca realmente comprovados. Outros encontrei de malas prontas e pude usufruir um pouquinho suas presenças físicas. Alguns, lamentavelmente, não alcancei abraçar antes da partida e lastimo não ter feito maior esforço para visitá-los antes que o trem partisse, como os bons amigos Érico da Silva e o Jamil Snege.

Perguntei por esse e aquele: já não vivem mais em Curitiba. Onde? Não sei, sei, mas não tenho o endereço. E descobri também que Curitiba já não é a cidade semiprovinciana dos anos 60, onde (quase) todo mundo se conhecia, existia número reduzido de locais para se frequentar e a Rua XV era o grande ponto de encontro. Hoje, ao passar por lá, de vez em quando reconheço algumas faces antigas, camufladas pela geada do tempo, mas há uma multidão de caras novas totalmente irreconhecíveis. É a Curitiba cosmopolita, metida a cidade grande, de centro renovado e, até certo ponto, degradado.

Mas volto às amizades, que é o que interessa. Na lista dos amigos debandados estava o arquiteto Sérgio Todeschini Alves, dedicado durante década e meia ao patrimônio histórico do Paraná. Frequentávamos, nos Anos de Ouro, as exposições, os recitais de música e as eventuais tertúlias intelectuais. No meu primeiro êxodo, em direção a Londrina, Sérgio foi muito importante para a realização de um projeto meu na Universidade de Londrina – onde eu dirigia o setor cultural, no reitorado de Oscar Alves – e que objetivava tombar a antiga estação rodoviária no patrimônio histórico, antes que algum desvairado alcaide utilizasse apenas a primeira acepção do verbo ambíguo. O edifício, projetado pelo arquiteto paranaense João Batista Vilanova Artigas, iniciado a construir em 1949 e inaugurado em 1952, havia cumprido sua missão e o local já não conseguia receber a catadupa de ônibus bem mais crescidinhos que as antigas jardineiras dos anos 40. José Richa, prefeito empossado em 72, havia encomendado a Oscar Niemeyer um projeto de uma nova e maior rodoviária.
Aliás, quando inaugurada, a antiga rodoviária londrinense já estava ungida como patrimônio histórico, pois foi o primeiro edifício público do Paraná projetado dentro dos cânones da arquitetura moderna do Século XX. E aproveito para fazer um reparo a alguns historiadores pouco informados: o tombamento não se deu graças a iniciativa da Secretaria de Cultura do Paraná e sim por proposição da UEL, como já registrei anteriormente. Mesmo porque, naquele ano de 1975, quando se deu o tombamento, nem havia a referida secretaria, criada apenas na última gestão de Ney Braga, em 1979. O Patrimôniuo Histórico do Estado estava ligado ao Departamento de Cultura da Secretaria de Educação. Para comprovar, transcrevo o texto publicado por Sérgio Todeschini Alves em seu blog Todesca, lá em Itu, após o milagre da reaproximação eletrônica  promovido pela Internet.

A internet continua a me surpreender! Numa navegação descobri o blog do Cleto de Assis – Banco da Poesia. Lembro em 1976, eu estava Diretor do Patrimônio Histórico e Artístico do Paraná, e fui convocado pelo Cleto, então Diretor da Área Cultural da
Universidade de Londrina, para fazer o tombamento da Estação Rodoviária de Londrina, projeto do arquiteto Vilanova Artigas. A estação representava o progresso da região e tinha valor histórico, porque a maioria das pessoas que habitavam aquela pujante cidade, haviam chegado por aquele porto. Não tive dúvidas, convocado pelo Cleto, fiz uma pequena consulta a alguns membros do Conselho, e iniciamos o processo de tombamento. No dia do tombamento estava presente o  arquiteto Vilanova Artigas, o prefeito de Londrina José Richa, o reitor da Universidade de Londrina Oscar Alves, e inúmeras personalidades. Vilanova Artigas, que havia perdido a sua cátedra por perseguições políticas, fez um violento discurso contra a ditadura, o que, convenhamos, na época era coragem extrema. Tudo isso eu conto, porque me veio de relance à memória, e por ter descoberto o blog do Cleto, que fala de poesia.” Avante Cleto, o mundo precisa de poesia!

Em foto da década de 70, Vilanova Artigas na rodoviária de Londrina, provavelmente na ocasião de seu tombamento

A rodoviária de Londrina na década de 50, foto enviada por Carlos Verçosa, da Bahia

E lá veio, do interior paulista, mais uma velha amizade recuperada. Que me dá ensejo de contar as historinhas adjacentes, como a da rodoviária de Vilanova Artigas.

Após seu tombamento, a rodoviária ainda continuou a ser utilizda como terminal de transporte, até 1988, quando foi desativada em razão da inauguração da nova estação. E então, é preciso dizer, quase teve o mesmo destino dos prédios cadastrados no patrimônio histórico e artístico. Ficou abandonada por algum tempo, até ser restaurada, em 1992, pela Associação dos Funcionários da Viação Garcia e ressurgir para um nobre destino, ao ser transformada no Museu de Arte de Londrina, em 1993, segundo projeto de adaptação elaborado pelo arquiteto Antonio Carlos Zani. Uma obra de arte com ventre recheado de outras.

O atual Museu de Arte de Londrina

Não bastasse esse prodígio, a nova e boa rede de comunicação me trouxe de volta também outro velho e bom amigo, Carlos Alberto Verçosa da Silva, poeta, jornalista e publicitário que conheci em Londrina, raptado, há muitos e muitos anos, pela Bahia, que o vestiu até com o sotaque daquele país nordestino. E novamente a rodoviária vem à baila, na coleção de fotos antigas de Londrina que Verçosa me envia lá de Salvador.

Em novembro de 2009 Sérgio veio a Curitiba, com sua Silvana,  para festejar mais um ano de sua turma de arquitetura da UFPR. Telefonou-me e pudemos nos encontrar por algumas horas, primeiro na inauguração do Museu Guido Viaro e, em seguida, na sempre boa mesa do Ile de France, do restaurateur Jean Paul Roland Deckoc.

Sérgio e Silvana, 11 de novembro, chuvosa noite do apagão, no Ile de France

Estas reminiscências são feitas para, principalmente, ressaltar o valor das boas amizades e foram ainda mais provocadas pela surpresa de um poema enviado ao Banco da Poesia por outro amigo, o médico Oscar Alves. Além de amigo, fratello del cuore, como dizem os italianos Apesar disso, eu desconhecia as suas aptidões poéticas. E ele escolheu exatamente o tema Amizade para registrar seus versos (ver abaixo).

Como eu mesmo escrevi, em um poema dedicado ao reencontro com Manoel de Andrade, ter amigos é a melhor coisa que existe. (C. de A.)

A amizade dissecada pelo médico Oscar Alves

Para contar quem é Oscar Alves eu precisaria de um blog inteiro. Seu dinamismo vital é enorme e sua história de realizações imensa. Conhecemo-nos durante o entusiasmo da política estudantil, na década de 60. Ele era presidente do Centro Acadêmico Jackson de Figueiredo, da Faculdade de Filosofia da Universidade Católica (antes de decidir estudar Medicina) e eu epresidente do Diretório Acadêmico da Escola de Música e Belas Artes. Na época, apoiávamos o presidente da União Paranaense de Estudantes, José Richa, que teria uma brilhante carreira política nos anos posteriores. Eram os últimos anos das atividades de política estudantil, antes do governo militar de 64.

Reencontrei Oscar, anos mais tarde, em Londrina, onde ele exercia a Medicina e, em seguida, foi eleito reitor da Universidade local. Eu tinha planos de retornar a Curitiba, mas ele me convenceu do contrário, convidando-me para exercer a função de cordenador de assuntos culturais da UEL, no começo de sua gestão. Ali pude realizar, com seu sempre efetivo apoio, muitas ações em benefício da instituição e da própria cidade. E praticamente não nos separamos mais, mesmo com idas e vindas de um e de outro para outras paragens. Trabalhamos juntos no segundo governo de Ney Braga, quando ele foi Secretário da Saúde. Em seguida, pude acompanhar seu mandato como Deputado Federal, em Brasília, para onde eu havia me transferido, após meu trabalho na UEL.

Oscar me levou novamente a Londrina, onde fiquei por dois anos, durante a sua gestão como reitor da Unopar. Hoje ele ocupa a função de membro do Conselho Estadual de Educação e continua suas atividades médicas,  em sua especialidade de Ginecologia.

Como seu amigo, sei muito de sua vida e me orgulha a sua amizade. Só não conhecia a sua veia poética, que estava lá, escondidinha e que o Banco da Poesia tem o prazer de revelar. Em sua homenagem, vai a foto de quatro amigos, reunidos na última exposição de Juarez Machado em Curitiba, em outuibro de 2009. Bem vindo ao clube, Oscar!

Oscar Alves, Manoel de Andrade, Juarez Machado e Cleto de Assis, em foto de Neiva de Andrade

Amizade

A sua amizade é como a brisa que acaricia
xxxxxxxxxxxas flores do meu jardim.
A sua amizade é como o vento que açoita
xxxxxxxxxxxas folhas da árvore da minha vida.
A sua amizade é como o sol que ilumina
xxxxxxxxxxxo meu caminho.
A sua amizade é como o mar que banha
xxxxxxxxxxxa minha alma.
A sua amizade é como o fogo que faz arder
xxxxxxxxxxxo meu entusiasmo por viver.
A sua amizade é como o bálsamo que alivia
xxxxxxxxxxxa minha angústia.
A sua amizade é como as estrelas que embelezam
xxxxxxxxxxxas minhas noites.

Oscar Alves -20/07/2005

Delírio de Iriene Borges

Delírio da tarde


Há sol lá fora e não quero ir
A saia me estrangula pela cintura
e a bota revelará o passo lerdo
pelo tornozelo esquerdo
Há um engasgo me esperando

Girassol, Náusea, Asfixia

Tenho sono e fastio dos modos humanos
e nenhum interesse na arte do improviso
Há serpentes e odaliscas ondulando sob o sol
Nunca soube distinguir os guizos
No sofá sob a colcha azul
sou a concha que verte o mar
nas almofadas

Não quero ir
Um palmo de luz pela janela já embriaga
e estou certa de que esfolarei a retina
nas asas finas de alguma fada amarela.

Iriene Borges
Ilustração: C. de A.

Comente sobre a situação no Haiti

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Foto Reuters - O Estado de São Paulo

Revista Hispanista divulga a obra de Manoel de Andrade

Suely Reis Pinheiro é professora, pesquisadora e escritora que vive em Niterói, de onde envia para o mundo a sua preciosa revista eletrônica Hispanista, já há dez anos. Doutora em Literatura Espanhola e Hispano-americana e especialista em Literaturas Hispânicas e Literatura Comparada, ela dá aulas na Universidade Federal Fluminense – UFF, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ e na UNIGRANRIO.

Sua experiência pedagógica e a visão sobre o dinamismo da Internet no processo de comunicação social, levaram-na a criar a revista eletrônica. Ela explica melhor: “A idéia de criar uma revista eletrônica, que pudesse aglutinar a força dos hispanistas, surgiu daí; apostando numa revista que disponibilizasse espaço, na grande rede e que pudesse ser consultada e utilizada, não só pelos hispanistas do Brasil, mas também de outros países“. E mais: “Neste começo de século, quando queremos, cada vez mais, intercambiar conhecimentos e experiências, a revista Hispanista aproveita o inegável valor comunicativo da Internet e se abre ao diálogo, permitindo pensar, neste terceiro milênio, questões do hispanismo e seu vasto campo multidisciplinar“.

E por que o título Hispanista?

Porque ser um hispanista ― e o termo pode ser tomado no sentido amplo ― é estar enlaçado pelos estudos hispânicos. Hispanistas somos todos, quando nos debruçamos sobre a Língua Espanhola e as Literaturas Espanhola e Hispano-Americana… uma revista aberta a várias tendências e linhas de pesquisa da área hispânica, abarca, por ser uma revista virtual, um horizonte bem mais largo do que o das revistas nãovirtuais. Reúne, em viagem intelectual, pessoas envolvidas no processo de intensificação e de divulgação das ‘cosas hispánicas’, e promove, no âmbito da reflexão e da análise, uma
instigante troca de experiências, idéias e enfoques
“.

Ela informa, ainda, que a “revista abre espaço para divulgar o trabalho científico de estudiosos da hispanidade, possibilitando, também, ao sabor da intertextualidade, que pesquisadores de outras áreas atualizem a interdisciplinariedade, nas relações entre língua, literatura, história, artes plásticas, folclore, cinema, cultura… Com isso, um grande acervo comum, facilmente acessado por todos, vai sendo formado“.

Os trabalhos publicados passam por avaliação prévia de um conselho editorial formado por professores e especialistas em literatura, brasileiros e de outros países, como Argentina, Cuba, Venezuela e Espanha. Mantém correspondentes em vários estados brasileiros e no exterior.

Mas nem só de estudos acadêmicos vive Hispanista. Há pouco tempo Suely conheceu o trabalho poético do nosso Manoel de Andrade e, de quando em quando, os publica na revista virtual, além de outros textos. Para quem quiser ler os trabalhos de Manoel de Andrade já publicados na revista Hispanista, basta clicar nos ítulos abaixo. Alguns deles também foram postados aqui no Banco da Poesia.

Começamos pelo último número (Vol X I nº 40, correspondente ao trimestre de janeiro,  fevereiro e marçoo de 2010).

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Manoel de Andrade, o poeta que escreveu para toda a América Latina

Artigo do jornalista Julio Daio Borges, publicado na revista eletrônica Digestivo Cultural

Recado à mulher amada

Poema

Canção de amor à América

Poema

Por que cantamos

Poema

Véspera

Poema

Canção para os homens sem face

Poema

Poesía y Oralidad

Ensaio

Otto René Castillo: O sonho e o martírio de um poeta

Artigo

Manoel de Andrade e Ferreira Gullar: poetas da resistência

Entrevista concedida ao jornal A Tarde, de Salvador, Bahia

Parabéns à professora Suely, por seu importante trabalho e ao poeta Manoel de Andrade, pelo reconhecimento que sua obra vem obtendo em todas as partes.


Vem de Jaú um novo canto

Segundo o próprio Mauricio Ferreira, “nasci em Jaú, SP no ano de 1970, estudei Direito (incompleto), Jornalismo (incompleto), fui viver uma aventura em Floripa em 1990, onde me tornei caseiro e me interessei definitivamente por letras. De volta pra São Paulo, ingressei no curso de Cinema e foi um dos editores do fanzine Azougue. Finalmente, me formei em Cinema, em 1996, fui produtor de vídeo em Bauru, SP, virei saci (tive que amputar uma perna) e atualmente sou diretor da Secretaria Municipal dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Idosos de Jaú, completando assim um ciclo de minha vida”.

Maurício se esqueceu de dizer: é também poeta. E dos bons. Tem um livro — Que se vá —  ainda não publicado. Ele prometeu assiduidade de depósitos no Banco da Poesia. Maurício tem um parente ilustre em Curitiba: é sobrinho de nosso amigo e artista plástico Ennio Marques Ferreira, um dos maiores semeadores (ele também é agrônomo) de cultura que o Paraná teve durante toda a segunda metade do Séc. XX.

Bem vindo, Maurício,  agora e sempre!

A Cidade

I

Não há sentido nas manhãs desta cidade

Só é vivo quem não pode fugir do sol.
O resto, todo mundo dorme,
Enquanto receitas de saúde e longevidade
São transmitidas na cadeia nacional.

O meio dia se almoça com protetor solar.
Seja o que deus quiser.
Tenho que trabalhar.

A tarde é uma miragem
Vista pelo fundo de um copo americano.
Nada desliga o ópio dos dias.

Vantagens contadas diante da TV,
Sonhos improváveis antes de dormir e
Promessas de eletrodomésticos
num crediário fácil.

Dias melhores, delírio,
sinto muito.
Pingue logo seu colírio,
Ou a vida é juros pra quem dá mole.
Ou moleza pra quem tem juros.

Há-há! Escreveu Jack the Ripper.
Loucura, Loucura, Loucura
Riu de volta outro maníaco.

Não há sentido nas manhãs desta cidade

II

Sexta Feira
O crepúsculo me revela vazio.
Expõe o cansaço da cidade:

O resto.

Carvão de cana no outono
Anunciando o suor da vassoura pela casa
E a agonia terra-roxa

Por miligramas de alegria,
A Cidade zumbi trabailando até as 18:00
No remoinho de cinzas em que piso

Lá longe o centro acende as luzes:
O rugir excitado dos motores
É um mantra de impotência.

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Do livro Que se vá   – Ilustração: C. de A.

Em Portugal, José Dias Egipto pensa no Haiti

Atualidades


O meu irmão Haitiano
gasta tudo o que ganha
na alimentação.
Quando tem o que gastar…

O meu irmão europeu
nem pensa no que gasta
para o pão.
Quando a vida não lhe é madrasta…

Os sonhos de uns fazem-se de amores
e de coisas mesquinhas;
os de outros medem-se em gramas
de arroz e farinhas…

Eu hoje fui ao cinema
e deitei arroz às galinhas…
Ele acordou com um rato
no estômago em chamas…
Eu só quero coisas minhas!…
Ele de arroz, por dia,
só tem vinte e cinco gramas!

José Dias Egipto