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Eu quero, tu queres, Vera Lúcia queria…

Esse homem

Vera Lúcia Kalahari, Portugal

Queria esse homem escondido em ti mesmo,
Esse homem  de que tu és apenas uma sombra…
Queria os teus silêncios e os teus sonhos
E essa melancolia que t’envolve como um véu…
Queria o gesto vago que fizeste
Como quem afugenta uma lembrança amarga…
Queria o afago indiferente dos teus dedos
Desfolhando um livro ou escrevendo um poema…
E os pensamentos que às vezes passam um instante
Nos teus olhos, fazendo-te, medroso, cerrá-los um pouco
Para que não escape nada
Queria tudo de silencioso e íntimo, de impreciso e distante
Que ocultas, avaro, em tua grave solidão,
Essa solidão que mesmo nos instantes mais livres
E mais despreocupados, é a atmosfera que respiras,
A nuvem em que t’escondes,
Tua agreste e invisa solidão.
Queria as palavras que não dizes, que não vêm aos teus lábios,
Mais do que num leve e breve sorriso meio triste…
Queria um beijo da tua boca, em tua boca.
Um beijo em que estivesses fremente e palpitante,
Com os teus anseios e os teus mistérios revelados,
E teu corpo ardente estremecendo
De amor intenso, de entrega absoluta,
Na ânsia de revelar-se, de dar-se, de doar-se completamente…
Queria esse homem escondido em ti mesmo.

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Ilustração: C. de A.

Vera Lúcia Kalahari em uma misteriosa rua

Rua 13


O beco é escuro…
Rua 13…Rua 13…
Bocas que sugam sangue
Olhos que choram sangue
Solidão e miséria.
É noite…
Sinto qu’é noite.
Não porque o sol s’escondesse
Não porque a sombra descesse
Mas porque no meu coração
O brado dessa miséria
Se fundiu, se faz sentir.
É a noite que nos arrasta.
Não é só a noite…
É noite. Uma noite espessa, sem paz.
Sem Deus, sem afagos,
Sem nacos de pão, sem nada.
Uma noite sem distâncias…
Apenas noite.
Mas por trás dos altos montes
A aurora vem surgindo.
Tudo o que à noite perdemos
O dia nos traz novamente.
Surgem  aves chilreantes
Badalar manso de sinos
Cantos suaves do mar.
No alto da Rua 13
Brilha tremendo uma luz.
É o sol…A esperança,
Que um dia aquela rua
De almas sem luz e sem sol
Também veja o alvorecer.

Vera Lúcia

Duas solidões de Francisco Cenamor

cenamor-cuerpo-entero-sentado-2No início deste blog, publiquei três poemas de Francisco Cenamor, poeta espanhol que mantém um site chamado Asamblea de Palabras, no qual o Banco da Poesia já foi citado. Volto ao poeta, escritor e dramaturgo de Leganés (perto de Madrí) com mais dois poemas, com o tema soledad/solidão. Para ver os primeros poemas de Cenamor depositados no Banco, clique aqui.

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primera soledad

al fin aceptar la soledad
la mía
no me pareció tan doloroso
me pareció más bien
de una soledad sonora
yo
frente al oscuro escenario
cuando cae pesadamente el telón
yo
paseando por las calles luminosas de
barcelona cuando aún me resistía a estar solo
yo
mirando desde el tren las imposibles
curvas de una joven imposible
yo
decidiendo cortinas y alfombras
que decoren con gusto mi soledad
yo
comprando ropa juvenil a la par que
elegante para gustarme a mí mismo
yo
riéndome de mis propias tonterías
sobre la manida soledad del artista
yo
escribiéndome versos

primeira solidão

enfim,  aceitar a solidão
a minha
não me pareceu tão doloroso
pareceu-me antes
uma solidão sonora
eu
frente ao escuro cenário
quando cai pesadamente a cortina
eu
passeando pelas ruas luminosas de
barcelona quando ainda resistia estar sozinho
eu
olhando do trem as impossíveis
curvas de uma jovem impossível
eu
decidindo cortinas e tapetes
que decorem com gosto minha solidão
eu
comprando roupa juvenil ao mesmo tempo
elegante para gostar de mim mesmo
eu
rindo-me de minhas próprias besteiras
sobre a batida solidão do artista
eu
escrevendo-me versos

Soledad2

segunda soledad

solo
soledad sorprendente
soledad sonora
soledad rayada de sol
sol bemol sostenido
banda sonora de tanta soledad
sórdida soledad a ratos
arma arrojadiza
contra los que me dejaron solo
soledad ausente y suave
soledad tan desolada
soledad estando solo
estando entre tanta gente
soledad conmigo
soledad contigo
soledad con trigo y avena
soledad con humo y cemento
soledad a ciegas
soledad a oscuras
soledad sin tacto
contacto con la soledad
acepto la soledad
vivo la soledad
ya soy soledad

segunda solidão


solidão surpreendente
solidão sonora
solidão raiada de sol
sol bemol sustenido
trilha sonora de tanta solidão
sórdida solidão às vezes
arma arremessada
contra os que me deixaram só
solidão ausente e suave
solidão tão desolada
solidão por estar só
só entre tanta gente
solidão comigo
solidão contigo
solidão com trigo e aveia
solidão com fumaça e cimento
solidão às cegas
solidão às escuras
solidão sem tato
contato com a solidão
aceito a solidão
vivo a solidão
já sou solidão

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Ilustração e versão ao Português: C. de A.