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Bom dia, Ano Novo!

Meu mantra

Nas várias religiões que cobrem o mundo há discussões infindas sobre o valor das orações repetidas. Fosse eu sacerdote (ou ainda melhor, um bispo) de uma delas, defenderia a repetição como a reiteração do desejo não alcançado, a insistência, a persistência, a reprodução e a multiplicação da vontade. “Ah, mas Mateus ensinou que não devemos multiplicar as palavras, como fazem os pagãos, que usam a força das palavras para serem ouvidos.” Segundo o apóstolo cristão, Deus sabe o que necessitamos, antes mesmo que peçamos a ele. Porém, prevenindo-se contra as dúvidas, ele ensinou a seus discípulos a rezar o Pai Nosso, tantas vezes repetido ao longo de todos os dias.

Mas entre nós, míseros mortais, a força da palavra deve ser usada à exaustão, já que os ouvidos dos poderosos são moucos, mesmo quando sabem, também à exaustão, o que necessitamos.

A oração, para mim, é um ato íntimo (como pregava Mateus), uma busca pelas forças recônditas de nosso próprio ser. Não é prova de abandono, mas de apego à vida, até em momentos em que a esperança é ínfima. Sobretudo, a oração utiliza a energia da palavra para também multiplicá-la em nosso interior. Desse modo, não é preciso ser religioso, no sentido de pertencer a uma determinada organização mística, para fazer uma oração. Noel Rosa fez uma canção em louvor a uma mulher amada e lhe deu um nome adequado: “Feitio de Oração”. E era (é) realmente uma oração, sem necessariamente ser dirigida a um ser supremo. Os pintores também rezam quando produzem seus quadros, porque retiram de dentro de si a energia da criação. Os poetas literalmente oram e predicam em seus poemas, construídos com a força da palavra.

Os budistas e outros religiosos orientais vão além das palavras para proferir suas orações, sempre em busca de um caminho energético. Fixam-se, em seus mantras, nos sons de palavras antigas, algumas incompreensíveis, cuja repetição e, possivelmente, a vibração ou onda sonora com que são produzidos criam vários efeitos sobre a pessoa que as emite ou, como creem os seus adeptos, entre o emissor e aquelas que são alcançadas por tais sons.

Repetir um mantra abre portais para o akasha, que seria, no nosso limitado entendimento ocidental, uma espécie de substrato espiritual, o cosmos, a quintessência universal.

Por isso, retomo um recado ao ano de 2010, publicado em dezembro de 2029 no Banco da Poesia, e dedico-o ao novo ano que abre agora suas portas. A releitura serviu para convencer-me que pouco mudou, nos limites da pátria amada, nem em 2010, nem em 2011. Os poucos avanços que conquistamos foram quase todos inerciais, produtos da energia social que não necessita de apoios oficiais para mover-se, ou de empurrões do mundo globalizado, que nos obriga a acompanhar ou copiar ações de outros países. Continuamos a ser meros exportadores de produtos primários (ou de commodities, como dizem os mais sofisticados) e de alguns semimanufaturados, sem agregar valor às nossas riquezas naturais. Temos pouco desenvolvimento tecnológico, porque nos faltam Educação e pesquisa científica. Recebemos afagos da vaidade quando anunciam que nos tornamos a oitava economia mundial e logo seremos a sétima, passando pelo Reino Unido e pela França, o que só nos distrai de outra verdade mais contundente: o Brasil ainda está na 84ª posição no índice de Desenvolvimento Humano, atrás de muitos países da América Latina, como Argentina, Chile, México, Uruguai, Cuba, Costa Rica, Panamá, Peru, Equador  e Venezuela. A cada novo governo, a cada novo ano, ecoam as promessas mântricas de prioridade para a Educação, combate à fome e à miséria (como se fossem coisas separadas), faxina para os malfeitos (mas nunca para todos os malfeitores). Continuam a ser mantras sem reverberações.

Eis-nos, pois, nascente ano de 2012, novamente embasbacados diante de ti, um novo ano aventuroso, cujas venturas podem se confundir apenas com leves ventos de esperanças. Arrepiados, por exemplo, quando se anuncia, já para janeiro, a troca do roto pelo esfarrapado na pasta da Educação, que deveria ser o ministério mais importante para qualquer governo. Temerosos, novamente, quando ainda perduram as estruturas políticas viciadas e os estratagemas indecentes para manter o poder de determinados partidos. Assombrados porque, diante de um novo ano eleitoral, quando iremos escolher novos prefeitos e vereadores, nada mais existe, em matéria política, que a mera vontade de se ganhar eleições, sob qualquer condição, com qualquer indivíduo, seja ele preparado para o trabalho público ou um virtual aproveitador do dinheiro público.

É hora, portanto, de repetir meu mantra, certo de que, em um ano qualquer mais radiante, conseguiremos fazer com que nossa sociedade nacional cresça e apareça –  mais séria, mais respeitosa e respeitada.

E não custa também repetir, apesar disto ser um velho clichê: Feliz Ano Novo para todos! (Cleto de Assis)

 Oração a 2012

2012,  que estás a chegar
tão cheio de esperanças, tal como teus irmãos passados,
venha até nós com certezas e realizações.
Faze-nos atingir o caminho da Justiça, em todas as suas direções
e realiza o milagre da multiplicação dos pães
sem o auxílio mesquinho de astuciosas dádivas politicóides,
mas alcançado por meio do Trabalho digno e recompensador.
Faze com que a Saúde seja também imperadora em todos os lares
e afasta principalmente as crianças das caliginosas névoas da tristeza
e da fome e da doença.
Acende a chama pentecostal do conhecimento
sobre todas as cabeças, por meio da nobreza da Educação e da alegria do Saber.
Livra-nos das promessas vazias dos homens e das mulheres que querem nos liderar
e encaminha-os ao cometimento de ações sérias e consequentes
com total respeito ao imposto nosso de cada dia.
Não os deixes cair nas tentações das propinas
e não lhes perdoes as suas ofensas, nem lhes dês a benção espúria da impunidade.
Unge-nos com o bálsamo da paciência
para que possamos suportar as falsidades, as descaradas mentiras,
os impropérios gramaticais dos horários eleitorais
e as ladainhas sem sentido dos salvadores da Pátria.

Amigo 2012, tu que vens com data certa para um novo exercício de Democracia,
faze com que ela permaneça entre nós,
senhora que é da Liberdade e da Justiça Social.
Ajuda-a a não ser usada para a prosperidade dos demagogos
ou para o gozo dos déspotas.
Mostra aos pretensos donos do poder que só ela salva
e pode nos garantir o direito de opinião e de expressão
sem termos que nos submeter à censura dos donos das verdades
ou ao estulto absolutismo de um único partido.
No período eleitoral, faze que, quando houver ódio,
possamos também falar de amor sem nos envergonharmos;
quando houver ofensa, que ela seja sucedida pela pacificação;
quando houver discórdia, que possamos remar a favor da união;
quando houver dúvida, que tenhamos de pronto o esclarecimento;
quando houver erro, que possamos chegar rápido à verdade;
quando houver desespero, ajuda-nos a manter a esperança;
quando houver tristeza, que se eleve a alegria;
quando houver trevas, que se faça a luz.

Sobretudo, aguardado 2012,
faze com que finalmente compreendamos o valor da Paz e do Trabalho
para que não precisemos mais suplicar por felizes novos anos .

Cleto de Assis – dezembro de 2009, renovado em dezembro de 2011.

Vem de Jaú um novo canto

Segundo o próprio Mauricio Ferreira, “nasci em Jaú, SP no ano de 1970, estudei Direito (incompleto), Jornalismo (incompleto), fui viver uma aventura em Floripa em 1990, onde me tornei caseiro e me interessei definitivamente por letras. De volta pra São Paulo, ingressei no curso de Cinema e foi um dos editores do fanzine Azougue. Finalmente, me formei em Cinema, em 1996, fui produtor de vídeo em Bauru, SP, virei saci (tive que amputar uma perna) e atualmente sou diretor da Secretaria Municipal dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Idosos de Jaú, completando assim um ciclo de minha vida”.

Maurício se esqueceu de dizer: é também poeta. E dos bons. Tem um livro — Que se vá —  ainda não publicado. Ele prometeu assiduidade de depósitos no Banco da Poesia. Maurício tem um parente ilustre em Curitiba: é sobrinho de nosso amigo e artista plástico Ennio Marques Ferreira, um dos maiores semeadores (ele também é agrônomo) de cultura que o Paraná teve durante toda a segunda metade do Séc. XX.

Bem vindo, Maurício,  agora e sempre!

A Cidade

I

Não há sentido nas manhãs desta cidade

Só é vivo quem não pode fugir do sol.
O resto, todo mundo dorme,
Enquanto receitas de saúde e longevidade
São transmitidas na cadeia nacional.

O meio dia se almoça com protetor solar.
Seja o que deus quiser.
Tenho que trabalhar.

A tarde é uma miragem
Vista pelo fundo de um copo americano.
Nada desliga o ópio dos dias.

Vantagens contadas diante da TV,
Sonhos improváveis antes de dormir e
Promessas de eletrodomésticos
num crediário fácil.

Dias melhores, delírio,
sinto muito.
Pingue logo seu colírio,
Ou a vida é juros pra quem dá mole.
Ou moleza pra quem tem juros.

Há-há! Escreveu Jack the Ripper.
Loucura, Loucura, Loucura
Riu de volta outro maníaco.

Não há sentido nas manhãs desta cidade

II

Sexta Feira
O crepúsculo me revela vazio.
Expõe o cansaço da cidade:

O resto.

Carvão de cana no outono
Anunciando o suor da vassoura pela casa
E a agonia terra-roxa

Por miligramas de alegria,
A Cidade zumbi trabailando até as 18:00
No remoinho de cinzas em que piso

Lá longe o centro acende as luzes:
O rugir excitado dos motores
É um mantra de impotência.

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Do livro Que se vá   – Ilustração: C. de A.