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Parabéns a Vera Lucia

Minha amiga luso-angolana Vera Lucia Carmona, que adotou o mítico deserto Kalahari em seu nome de poeta, cumpriu anos. Não sei por onde ela anda, mas deve, com certeza, estar a traçar caminhos, descobrir sendas, desdobrar solidariedade. Onde estiver, receba meu abraço, com o presente que é seu poema.

Livre

Vera_Lucia_Livre

Ser livre…
Deixar para trás os meus desejos
e todos estes loucos preconceitos
e partir,
partir e ter o ensejo
de ser aquilo que não sou
e que sempre ansiei ser.
Poder caminhar sem um destino
como errante, pobre peregrino
tendo apenas como amigas as estrelas,
contando os meus sonhos só a elas.
Misturar-me com os negros nas senzalas
Comendo sem rodeios do seu pão,
Ver dançar as chamas das fogueiras
e dormir na dureza duma esteira.
Poder saber por onde vou
e marcar a cada hora o meu dia
sem sentir a cada passo o grilhão
de se seguir apenas a razão.
Poder provar de cada fruto
que encontrasse nascendo nos pomares
e poder misturar-me com os miúdos
descalços, livres, vagabundos,
que vagueiam às portas dos casais
sem vãos temores e sem barreiras.
Por este vida simples, mas verdadeira,
eu daria a minha vida só de incertezas
e todos os meus sonhos de grandeza.

Vera Lucia Carmona

(Ilustração de Cleto de Assis)

Últimos dezembros

Vivemos um novo dezembro. Fim de ano, renascer de esperanças e renovação de promessas. Festas, comilanças, fome aqui e ali, bebedeiras, ressacas, fogos de artifício, ensaios de solidariedade. Declarações de amor e amizade que, muito provavelmente, serão esquecidas a partir de janeiro ou no tempo que correr após o próximo carnaval. Dizem os apocalípticos que será o último dezembro completo da humanidade, pois está marcada a data fatal do calendário Maia: 21 de dezembro de 2012.

O próximo ano será o ano do Armageddon, a batalha final prenunciada pela Bíblia.  Nostradamus também volta ser lembrado e tem gente que jura que ele (já usado para outras mortes do mundo, em épocas passadas) igualmente previu algo terrível para o próximo final de ano. Mas também há previsões científicas, que dizem ser 2012 o ano do fenômeno da Precessão, ou do alinhamento cósmico, no qual o eixo da Terra mudará seu ângulo em relação à galáxia. Prevê-se também a inversão dos polos da Terra, com cataclismos fantásticos, erupções vulcânicas, terremotos,  tsunamis e colossais tormentas solares, que causarão colapsos nas redes elétricas e eletrônicas.

O pior (ainda pode haver coisas piores do que os desastres anunciados?) será o deslizamento da crosta terrestre, desarranjando novamente a posição dos continentes. A vingança de Gea, por não sabermos dela cuidar. Ou de uma justiceira alienígena, Némesis, a deusa da vingança, uma estrela que poderá afetar terrivelmente a vida terrestre, devido a sua aproximação. Também com agenda marcada para 2012. E os asteróides, já vistos em produções holiudianas, que poderão (ou deverão?) chocar-se com nosso planetinha querido, igualmente no próximo ano?  Têm até identidade própria, alfanuméricas:  2003 QQ47 ou VD17 2004, monstros de pedra que podem por um ponto final na nossa vidinha nem sempre tão mansa como gostaríamos. Tudo isso sem falar no degelo total do polo norte, com suas consequencias imagináveis.

Os mais otimistas ( e ponha-se otimismo nisso) falam no início de uma nova fase para a humanidade, de conscientização universal e de abandono do egoísmo que, até agora, tem comandado nossa história.

Nós, que amamos a Poesia, mesmo quando ela se nos mostra triste e até trágica, preferimos acreditar que a humanidade, pouco a pouco, alcançará o caminho do equilíbrio social e da harmonia universal. Desastres sempre ocorreram e fazem parte da história natural do planeta. Enquanto eles não vem, preferimos acreditar que ainda haverá muitos dezembros felizes para muitos, infelizes para alguns. Dezembros luminosos, não necessariamente candentes devido a bombas ou asteróides vingadores.  Dezembros que continuarão a lembrar o simbolismo de um menino que renasce todos os anos para, depois de adulto, pregar paz e amor. Símbolo bom para religiosos e não religiosos.

Menino despertado, neste dezembro, pela crônica poética de Vera Lúcia Kalahari, por ela enviada lá de Portugal. Menino que lembra todos os meninos que fomos, que somos e que seremos, como o menino de João Manuel Simões, exposto no seu mais recente livro de poemas, Memórias Breves do Menino Antigo, sobre o qual escreverei mais tarde. Atrevo-me a emprestar o texto da amiga Vera Lúcia para dele fazer minha mensagem de Natal, endereçada a todos os amigos do banco da Poesia. (Cleto de Assis)

Crônica do Menino-Deus

Vera Lúcia Kalahari

Nasceste.
Chegaste num dia frio de sol cadente.
Dormirás sobre estrelas e trazias no cabelo o ouro que tiraras delas.
Nas mãos, um tesouro: o peso assustador, esmagador, do mundo…
Nos olhos, a pureza duma açucena, o brilhar de prantos que jamais choraste.

Nasceste. Não vieste para reinar entre pratas, ouro e pedras, como
aqueles que se intitulam teus seguidores.  Chegaste só, com a chuva
que tombava num telhado em ruínas. Agora, dormes num monte de feno
quente, cheirando a campo. Perto, tua mãe vela docemente com o peso
dum filho que é seu, mas que o mundo roubará.

Nasceste, menino, Homem-Deus, mas não ficaste.
Encontraste, em cada esquina, um Judas
para te trair e uma coroa de espinhos para te ferir com o peso dos
pecados a curvar-te, a enterrar-se até ao fundo do teu coração. Estás
em tudo, Menino-Deus…

Pena teres partido. Não teres mantido o teu
reinado, Tua humildade imensa de cordeiro, entre os homens.
Porque então, Menino-Deus, esta não seria a terra de rios intumescidos
de prantos e de gemidos.
E nós, não seriamos estes vermes rastejantes, de olhos suplicantes
virados para Ti, numa ânsia agônica de Te tocar, sem termos forças
para Te alcançar.

 

Lá de Portugal, Vera Lúcia comenta Saramago

O comentário de Vera Kúcia Kalahari está no post abaixo, que noticia a morte do escritor português. Merece destaque.

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Saramago — Caricatura de Sergei

Conheci José Saramago, ainda era ele um simples redator do Diário de Lisboa, e eu de O País, frequentadores das tascas do Bairro Alto, onde o Saramago se sentava, sem dar grande conversa, porque era extraordinàriamente introvertido. Nessa altura, comungando os dois das mesmas ideias políticas, tivemos oportunidade de algumas trocas de impressões, porque, com ele, falava ao sabor das minhas convicções com as quais estávamos sempre ou quase sempre de acordo, exceto quando se versava sobre a religião. Que outro mérito não houvesse, já que neste ponto discordávamos em absoluto, salvava-se a dose de originalidade, que eu não deixava de admirar e até me dava gozo, quanto mais não fosse por lhe proporcionar motivos de azedume que acabavam sempre em grandes risadas…

A vida levou-nos para rumos diferentes. Estive sempre atenta ao seu percurso literário e à sua subida em espiral rumo ao sucesso. Mas da sua imagem permanece a daquele colega zombeteiro, irônico, que se ria dos patriotas encartados, sem a ”honesta” hipocrisia social.

Hoje choro por esse Saramago, por essas horas passadas nas tasquinhas lisboetas, não o Prêmio Nobel, mas o camarada, falando das guerras, ditaduras, revoluções, monstruosas inocências e desenganos, mortos e até de vivos conhecidos que até hoje não sei a que plagas foram dar.

E acalento apenas a ambição de voltarmos um dia, onde quer que seja, a retomarmos essas discussões intermináveis.

Vera Lúcia, 18 de junho de 2010

Eu quero, tu queres, Vera Lúcia queria…

Esse homem

Vera Lúcia Kalahari, Portugal

Queria esse homem escondido em ti mesmo,
Esse homem  de que tu és apenas uma sombra…
Queria os teus silêncios e os teus sonhos
E essa melancolia que t’envolve como um véu…
Queria o gesto vago que fizeste
Como quem afugenta uma lembrança amarga…
Queria o afago indiferente dos teus dedos
Desfolhando um livro ou escrevendo um poema…
E os pensamentos que às vezes passam um instante
Nos teus olhos, fazendo-te, medroso, cerrá-los um pouco
Para que não escape nada
Queria tudo de silencioso e íntimo, de impreciso e distante
Que ocultas, avaro, em tua grave solidão,
Essa solidão que mesmo nos instantes mais livres
E mais despreocupados, é a atmosfera que respiras,
A nuvem em que t’escondes,
Tua agreste e invisa solidão.
Queria as palavras que não dizes, que não vêm aos teus lábios,
Mais do que num leve e breve sorriso meio triste…
Queria um beijo da tua boca, em tua boca.
Um beijo em que estivesses fremente e palpitante,
Com os teus anseios e os teus mistérios revelados,
E teu corpo ardente estremecendo
De amor intenso, de entrega absoluta,
Na ânsia de revelar-se, de dar-se, de doar-se completamente…
Queria esse homem escondido em ti mesmo.

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Ilustração: C. de A.

Buma, um africano na Europa

Vera Lúcia Kalahari envia mais uma crônica. Desta vez conta a história de Buma, símbolo do africano de fala portuguesa que procura atingir o horizonte da felicidade em Lisboa, capital da pátria-mãe. Muito parecida com as sagas de tantos brasileiros que buscam o sonho da cidade grande ou de outros países e, muitas vezes, somente encontram pesadelos. Está na página de Crônicas, número 10.

Vera Lúcia reclama da Justiça

Vera Lúcia Kalahari envia uma crônica dura, na qual faz sua reclamação. E a reclamada é a própria Justiça, que não é aplicada de maneira justa para conter a fome e a sede dos ambiciosos de cada dia, distribuídos nos vários escalões da sociedade, principalmente nas esferas da administração pública, que deceriam ser as primeiras a dar exemplos de probidade.

Você sabe quem é o ladrão? O ladrão é… Melhor saber diretamente com Vera Lúcia, na página de Crônicas.  Clique aqui e boa leitura.

Desabafo d’além mar

Vera Lúcia Kalahari, nossa correntista de duas pátrias – Portugal e Angola – faz seu desabafo sobre a atual situação política e econômica de Portugal, em um texto a que chamou Crônica do nosso descontentamento. Quase no epicentro da crise econômica da União Europeia, a pátria lusa compõe, com mais quatro países, o grupo problemático curiosamente chamado de PIGS: Portugal, Itália, Grécia e Espanha (Spain em inglês). O acrônimo foi criado pela imprensa britânica e, por vezes, inclui também a Irlanda. A situação econômica agravou-se nas primeiras semanas de 2010 e criou  excessivos níveis de endividamento em alguns países da UE, com reflexos danosos para a saúde do euro, principalmente na Irlanda e da Grécia a Portugal, Espanha e Itália.

Mas há, em Portugal, intensa discussão sobre a situação política e social comandada pelo primeiro ministro e presidente do Partido Socialista, José Sócrates, com retumbância no parlamento português, já que Portugal é um país parlamentarista. Clique aqui e leia a crônica de Vera.

E chegamos ao dia 12 de março de 2010

Há exatamente um ano, apertei o comando publicar na área de administração do novo blog, nascido da vontade de colaborar com a divulgação da Poesia. Apresentado sob a forma de um poema, o Banco da Poesia partia de um capital em branco para tentar acumular, ao longo do tempo, em suas projeções de lucros, o tesouro inestimável da comunicação e da sensibilidade humana.

Por isso, caros senhores,
vamos fundar nosso banco:
não obrará em vermelho
mas ainda está em branco.
Trabalhará vanguardeiro
sem pensar só em dinheiro
neste tempo de consumo.
E terá como seu prumo
a palavra desprezada
pelos praxistas do dia.

Hoje, ao fazermos o nosso primeiro balanço anual, notamos que passamos todo o tempo da crise financeira mundial sem contabilizar prejuízos. Ao contrário, os correnstistas foram crescendo e, juntamente com nomes já consagrados na história da literatura, novos poetas foram se juntando, pouco a pouco, em torno da idéia de comemorar permanentemente a boa poesia. Que, em resumo, assume a gratíssima missão de fazer fluir os melhores ideais de busca da beleza e do contínuo aperfeiçoamento espiritual.

Seja a Poesia lapidada por pensamentos sublimes, seja fortemente talhada por dores e desilusões, o certo é que ela abre a alma das pessoas e aponta para a harmonia do espírito. Assim é a Arte, assim todas as artes.

Por sorte minha, de forma espontânea, o querido amigo e poeta Manoel de Andrade amenizou as minhas preocupações de prestador de contas obrigado a um balanço anual, mandando-me um artigo minucioso que mostra o panorama que se desenhou ao longos destes doze meses. Ver abaixo.

De minha parte, olhando para o que passou, concluo que valeu a pena. Sem alarde, divulgando o blog primeiramente entre os amigos, depois recebendo adesões espontâneas de outras cidades, estados e de outros países, alargamos o nosso círculo de amizades. Nos primeiros seis meses, contabilizamos uma média de 40 visitações diárias. Nos últimos seis meses, a média subiu para 100 e continua aumentando a cada dia que passa. Ainda é pouco, diante dos gigantecos números da Internet, mas consideremos que o tema escolhido não é dos mais populares. E é exatamente para isso que estamos a trabalhar: para fazer da Poesia um hábito rotineiro na vida das pessoas. Um dia a gente chega lá.

Para comemorar o primeiro ano, procurei reunir um bom grupo de colaboradores em uma página especial. Fiz a eles um simples convite: para você, O que é a Poesia? (clique nos links anteriores ou no título do menu à direita)

Quase todos os convidados mandaram suas colaborações ainda em tempo para podermos soprar a velinha. Outros se excusaram e prometeram enviar suas palavras em seguida, Como estamos em uma ambiente virtual, não há portas inteiramente fechadas e, assim, todas as colaborações poderão ser publicadas a qualquer tempo.

Agradeço aos amigos, colaboradores e visitantes  a confiança e o permanente incentivo a este trabalho. (C. de A.)

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Minha Aldeia

Manoel de Andrade/Curitibaxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

Há um ano o Banco da Poesia abriu suas portas honrando-me com o crédito do primeiro depósito.  Quero pedir licença ao seu editor para chamar –  dramatizando meu enredo neste texto –, essa bela instituição pelo mágico nome de Aldeia da Poesia. Na verdade, é com essa imagem, poética e despojada, que eu sinto este site. E é pra esse recanto que  viajo todo dia.

É também minha Pasárgada, onde, literalmente, sou amigo do rei. Gosto de andar, pra cima e pra baixo, ao longo desse território virtual  de líricas alamedas,   galerias de arte,  parques e jardins construídos genialmente com formas e cores cletianas e densamente povoado de versos.

Ao longo deste ano quase uma centena de poetas ali chegaram para ficar. Pela leitura e pelos traços biográficos, já conheço a todos. Quero citar aqui os seus nomes e desde já peço perdão por minhas palavras não poderem  se referir a cada um, diante de tanta qualidade literária.

Minha renovada alegria é estar convivendo nessa aldeia com tantos amigos fraternos: Cleto, Vidal, Walmor, Marilda, Hélio, Simões, João Batista, Solivan, Débora O’Lins

Sob as luzes da memória, em seus caminhos   transitam  Neruda, Garcia Lorca, Fernando Pessoa e Benedetti e os  nossos  Castro Alves, Gregório de Matos, Vinícius, Drummond, Quintana, Augusto dos Anjos, Ferreira Gullar. Mais adiante  me  surpreendo com a presença de Otávio PazEmily DickinsonAntonio Machado e, mais ao longe, vejo com tristeza Alfonsina Storni caminhando solitária para o mar.

Retomo outros caminhos dessa Aldeia, atravesso seus jardins  e vejo sob um caramanchão quatro poetas que falam e gesticulam. São eles e elas:  Verlaine e Cora Colalina e, no  banco em frente,  Helena Kolody e Baudelaire. A poucos metros,  numa tenda com bom vinho português,  confraternizam  Miguel Torga, Antonio GedeãoAgostinho da Silva, José Dias Egipto, Eugênio de Andrade e Sophia Andressen.

Detenho-me, aqui e ali, “ouço” seus versos e sigo adiante  porque quero conhecer a todos. Chego a um pequeno bosque, frondoso e perfumado  onde se reúnem tantas nacionalidades da poesia e ali ganho meu dia.  São os  que vieram de além mar: Vera lúcia Kalahari, amiga querida que só conheço na saudade e na distância de Angola e Portugal; o grande Mia Couto, de Mocambique;  Sarah Carrère, do Senegal, que conheci recentemente;  Crisódio Araujo, Fernando Sylvan, José Barros Duarte, Jorge Lanten, Ruy Cinatti e Sophia Andressen, essa pleiade de ótimos poetas que enriquecem a literatura do Timor; e, bem assim,  Armênio Vieira e Corsino Fortes de Cabo Verde; e também Emmelie Prophète e Rodney Saint-Eloi, do Haiti.

Vem da poética Espanha os cantos  de Francisco Cenamor e Artur Alonso. Da pátria de Goethe, de Schiller e de Hölderlin chegam os versos de Herman Hesse e da lendária Bagdá, a poesia de Dunya Mikail.

Os hispano-americanos estão chegando e aqui já estão  Vicente Gerbasi, da Venezuela, e Guadalupe Amor, do México,  Álvaro Miranda, da Colômbia e Tejada Gomez, da Argentina, além da quase mitica mexicana Sóror Juana de La Cruz.

Há, nessa aldeia,  um nicho construído pela  saudade e pela esperança de um soldado russo que partiu para a guerra. Espera-me,   escreveu comovido  Konstantin Simonov à  sua amada. Creio ser um dos mais belos poemas,  nesse rastro de belezas que encontro nessa aldeia, e que Hélio do Soveral genialmente imortalizou na língua portuguesa.

No fundo de um vale há uma pequena pedreira disposta de forma circular, formando, naturalmente,  um teatro de arena. Chego até lá e encontro poetas brasileiros de todas as partes do país para um grande  festival de poesia. Sou um dos convidados para partilhar meus versos com   Maurício Ferreira, Isaias de Faria, Rafael Nolli, Saramar Mendes de Souza, Anair Weirich, Raul Pough, Erly Welton, José Marins, Luiz Adolfo Pinheiro, Murilo Mendes, Domingos Pellegrini, Oswald de Andrade, Juca Zokner, Oscar Alves, Iriene Borges, Mauricio Ferreira, Cássio Amaral, Rafael Nolli e possivelmente mais alguns que ainda não encontrei por aqui.

Esta a Minha Aldeia, já global pela magia tecnológica, mas ainda acolhedora e solidária pela graça da Poesia.

Curitiba- março de 2010

Parabéns, Vera Lúcia!

Parabéns pelo seu aniversário!

Já transmiti meu abraço eletrônico a Vera Lúcia Kalahari, nossa correntista de Angola/Portugal, que de quando em quando enriquece nosso patrimônio poético. Hoje ela completa mais um ciclo em redor do Sol e da beleza de sua arte e de seu idealismo social. Disse-me que não haveria festa, em razão de uma viagem de trabalho a outro país. Mas que pensaria em seus amigos brasileiros, assim como estamos pensando nela e a enviar-lhe rosas, com desejos de muita luz, paz e amor em sua vida. Em sua homenagem, a nossa melhor forma de abraçá-la, com a publicação de mais um poema seu.

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O pássaro branco

Um pássaro de asas brancas, desdobradas,
anda a dançar na praia…
Há o rumor de ondas desgrenhadas,
há espuma fervente e fria
e silêncio de ventos que não existem.
O barco da minha vida
caravela d’esperança
naufragou naquela praia,
sem mar, só com o cantar doce, amargurado,
do meu pranto.

Esse pássaro que nasceu comigo
não mora numa gaiola,
não nasceu nos verdes bosques,
não é um pássaro de penas.
É um pássaro que canta
nas longas noites sem luz,
um canto de risos e prantos,
um pássaro que agarrei
com mãos trémulas de criança
e d’esperança.
Larguei para que voasse
e cantasse
em todas as almas,
fizesse nelas brotar flores,
estrelas e amores.
O meu pássaro branco…
Bbranco como nuvens esvoaçantes,
como um pássaro tecido de fios de luar…
Fugiu das minhas mãos trémulas de criança
que se fechavam
e procuravam encurralá-lo
em qualquer ninho de amor.
É agora um pássaro triste e desolado…
Um pássaro vagabundo
açoitado por um vento furioso
que o assusta e o arrasta p’ra solidão.
Um pássaro de asas murchas,
roxas como lírios macerados,
como um céu esfarrapado
sem estrelas, sem luar.
Não houve ninhos que o abrigassem
nem mãos trémulas d’esperança que o agarrassem.
De nada serviram meus prantos e minhas dores…
O meu pássaro branco, alvo como nuvens esvoaçantes,
dança na praia que não existe,
a praia da solidão,
ferido de dor e de morte,
curvando as asas brancas
que não são brancas,
largando às ondas e aos ventos, as suas penas.

Vera Lúcia Kalahari

Vera Lúcia Kalahari em uma misteriosa rua

Rua 13


O beco é escuro…
Rua 13…Rua 13…
Bocas que sugam sangue
Olhos que choram sangue
Solidão e miséria.
É noite…
Sinto qu’é noite.
Não porque o sol s’escondesse
Não porque a sombra descesse
Mas porque no meu coração
O brado dessa miséria
Se fundiu, se faz sentir.
É a noite que nos arrasta.
Não é só a noite…
É noite. Uma noite espessa, sem paz.
Sem Deus, sem afagos,
Sem nacos de pão, sem nada.
Uma noite sem distâncias…
Apenas noite.
Mas por trás dos altos montes
A aurora vem surgindo.
Tudo o que à noite perdemos
O dia nos traz novamente.
Surgem  aves chilreantes
Badalar manso de sinos
Cantos suaves do mar.
No alto da Rua 13
Brilha tremendo uma luz.
É o sol…A esperança,
Que um dia aquela rua
De almas sem luz e sem sol
Também veja o alvorecer.

Vera Lúcia