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Novo depositante: Tonicato Miranda

Conheci Tonicato Miranda há pouco tempo. Já havia lido trabalhos seus no blog de João Bosco Vidal, Palavras, Todas Palavras e, recentemente, protagonizamos uma rápida polêmica com o poeta Roberto Prado, motivada por um desencontro de opiniões após a morte de Wilson Martins. Tudo resolvido, as palavras voltaram a seu equilibrado lugar e a energia das faíscas virou versos, como se pode constatar abaixo. Tonicato ainda não havia feito depósitos no Banco da Poesia e, após insistência nossa, mandou um poema, com dedicatória ao gerente desta instituição bancária, sem, evidentemente, qualquer merecimento. Pedi também fotos e currículo e ele enviou o que se segue.

“Sobre meu currículo, teria de perguntar do que. Isto porque não tento repetir Pessoa, mas tenho várias facetas. E quem não as tem?
O técnico transporteiro, envolvido com questões de transporte e da mobilidade urbana, e isto não cabe aqui numa biografia cultural.
Tem ainda o técnico de planejamento e projetos cicloviários, que também não vem ao caso. Tem o empresário, também fora desta questão. E outras coisas mais.
Acho que o importante seria dizer que fui colaborador do Estado do Paraná, no Almanaque na época do saudoso Aramis Millarch, na década de 80. Fui escritor de crônicas diárias no ano de 1992 no Jornal do Estado. Fui dono da Livraria Ipê Amarelo, situada ali no início da Comendador Araújo, de 1990 a 1992. Publiquei a coletânea de poesia com Jairo Pereira, Desiré da Costa, Gerson Maciel e Luiz Alceu intitulada Varandaes, no ano de 1984. Publiquei em 1986 meu primeiro e único livro solo. O meu Paganini chamava-se Cais do Mar de Cima, que recebeu capa e ilustrações da Denise Roman. Durante três anos, de 1988 a 1990 mantive intensa correspondência literária com a Helena Kolody. Depois de 1992 me afastei das lides literárias até retornar, em 2008, com o site dos palavreiros, publicando poemas, crônicas e alguns artigos. Acho que é somente isto. O mais está por ser feito.”

Depois do terremoto e da contra-ode à canalha

Tonicato Miranda,  Curitiba

para Roberto Prado

Ah minha juventude estacionada
retardando todos meus legumes em flor
O que pode a couve flor contra a buganvília?
A bilha movendo meu carrinho de rolimã já vai longe
A trilha, o cavalo e a cilha transportam hoje um monge
Mãos e rosto ainda não de todo crestados
viajam de lado desviando do capim navalha da palavra
este que a juventude lavra sem perdão
desbastando com rudeza a montanha da emoção
Jovens passarinhos atenção ao meu canto de ferro
Acreditem: ele não será um solitário berro
está vestido de acordes é voz que segue a partitura
mas sua voz é livre, sua juventude tem a carne dura
mas minha pele se cresta, meu cantar já se arrasta
mas não me raspa com a borracha sobre o papel
minha linguagem é menos o sal, muito mais o mel
Convido-o companheiro para eu lhe ouvir poemas
traga aos meus ouvidos suas tralhas
vou também lhe mostrar minhas produções canalhas
vá que alguma encontre em você um abrigo?
Vá que ela seja o ferrolho da porta se abrindo
você um amigo?

Prosa de boca e beijo

Tonicato Miranda,  Curitiba

para Cleto de Assis

Agora tudo já se apresenta acalmado
Agora tudo se deita, dorme acamado
Até o rio corre sussurrando ou calado
Já pode o homem de costas ser amado

Águas passam tranquilas sob a ponte
as matas refletem mil verdes ao olhar
pássaros e insetos revoluteiam no ar
e até o sol não mais queima a fronte

Depois da tempestade e da enxurrada
quando tudo foi tropeçando em montes
terras, carros, mobílias, gritos e gentes
uma loura flor nasceu, e não foi tragada

Agora tudo já se apresenta acalmado
vaidades sentam-se para conversar
com novas mobílias na sala de estar
falam sorrindo com seus perfis de lado

Agora tudo se deita, dorme acamado
velho pano de centro na mesa da vovó
apara o prato com doces e pães de ló
também esconde as cicatrizes calado

Até o rio corre sussurrando ou calado
quem nisto acreditar certo se engana
ele dormita acumulando a nova gana
tragédia futura para se deixar ao lado

Já pode o homem de costas ser amado
agora é hora de servir pães de queijo
misturados à prosa de boca e beijo
é tempo de deixar tudo desassanhado

Curitiba, 21/05/2010

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Ilustração: C. de A.

E chegamos ao dia 12 de março de 2010

Há exatamente um ano, apertei o comando publicar na área de administração do novo blog, nascido da vontade de colaborar com a divulgação da Poesia. Apresentado sob a forma de um poema, o Banco da Poesia partia de um capital em branco para tentar acumular, ao longo do tempo, em suas projeções de lucros, o tesouro inestimável da comunicação e da sensibilidade humana.

Por isso, caros senhores,
vamos fundar nosso banco:
não obrará em vermelho
mas ainda está em branco.
Trabalhará vanguardeiro
sem pensar só em dinheiro
neste tempo de consumo.
E terá como seu prumo
a palavra desprezada
pelos praxistas do dia.

Hoje, ao fazermos o nosso primeiro balanço anual, notamos que passamos todo o tempo da crise financeira mundial sem contabilizar prejuízos. Ao contrário, os correnstistas foram crescendo e, juntamente com nomes já consagrados na história da literatura, novos poetas foram se juntando, pouco a pouco, em torno da idéia de comemorar permanentemente a boa poesia. Que, em resumo, assume a gratíssima missão de fazer fluir os melhores ideais de busca da beleza e do contínuo aperfeiçoamento espiritual.

Seja a Poesia lapidada por pensamentos sublimes, seja fortemente talhada por dores e desilusões, o certo é que ela abre a alma das pessoas e aponta para a harmonia do espírito. Assim é a Arte, assim todas as artes.

Por sorte minha, de forma espontânea, o querido amigo e poeta Manoel de Andrade amenizou as minhas preocupações de prestador de contas obrigado a um balanço anual, mandando-me um artigo minucioso que mostra o panorama que se desenhou ao longos destes doze meses. Ver abaixo.

De minha parte, olhando para o que passou, concluo que valeu a pena. Sem alarde, divulgando o blog primeiramente entre os amigos, depois recebendo adesões espontâneas de outras cidades, estados e de outros países, alargamos o nosso círculo de amizades. Nos primeiros seis meses, contabilizamos uma média de 40 visitações diárias. Nos últimos seis meses, a média subiu para 100 e continua aumentando a cada dia que passa. Ainda é pouco, diante dos gigantecos números da Internet, mas consideremos que o tema escolhido não é dos mais populares. E é exatamente para isso que estamos a trabalhar: para fazer da Poesia um hábito rotineiro na vida das pessoas. Um dia a gente chega lá.

Para comemorar o primeiro ano, procurei reunir um bom grupo de colaboradores em uma página especial. Fiz a eles um simples convite: para você, O que é a Poesia? (clique nos links anteriores ou no título do menu à direita)

Quase todos os convidados mandaram suas colaborações ainda em tempo para podermos soprar a velinha. Outros se excusaram e prometeram enviar suas palavras em seguida, Como estamos em uma ambiente virtual, não há portas inteiramente fechadas e, assim, todas as colaborações poderão ser publicadas a qualquer tempo.

Agradeço aos amigos, colaboradores e visitantes  a confiança e o permanente incentivo a este trabalho. (C. de A.)

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Minha Aldeia

Manoel de Andrade/Curitibaxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

Há um ano o Banco da Poesia abriu suas portas honrando-me com o crédito do primeiro depósito.  Quero pedir licença ao seu editor para chamar –  dramatizando meu enredo neste texto –, essa bela instituição pelo mágico nome de Aldeia da Poesia. Na verdade, é com essa imagem, poética e despojada, que eu sinto este site. E é pra esse recanto que  viajo todo dia.

É também minha Pasárgada, onde, literalmente, sou amigo do rei. Gosto de andar, pra cima e pra baixo, ao longo desse território virtual  de líricas alamedas,   galerias de arte,  parques e jardins construídos genialmente com formas e cores cletianas e densamente povoado de versos.

Ao longo deste ano quase uma centena de poetas ali chegaram para ficar. Pela leitura e pelos traços biográficos, já conheço a todos. Quero citar aqui os seus nomes e desde já peço perdão por minhas palavras não poderem  se referir a cada um, diante de tanta qualidade literária.

Minha renovada alegria é estar convivendo nessa aldeia com tantos amigos fraternos: Cleto, Vidal, Walmor, Marilda, Hélio, Simões, João Batista, Solivan, Débora O’Lins

Sob as luzes da memória, em seus caminhos   transitam  Neruda, Garcia Lorca, Fernando Pessoa e Benedetti e os  nossos  Castro Alves, Gregório de Matos, Vinícius, Drummond, Quintana, Augusto dos Anjos, Ferreira Gullar. Mais adiante  me  surpreendo com a presença de Otávio PazEmily DickinsonAntonio Machado e, mais ao longe, vejo com tristeza Alfonsina Storni caminhando solitária para o mar.

Retomo outros caminhos dessa Aldeia, atravesso seus jardins  e vejo sob um caramanchão quatro poetas que falam e gesticulam. São eles e elas:  Verlaine e Cora Colalina e, no  banco em frente,  Helena Kolody e Baudelaire. A poucos metros,  numa tenda com bom vinho português,  confraternizam  Miguel Torga, Antonio GedeãoAgostinho da Silva, José Dias Egipto, Eugênio de Andrade e Sophia Andressen.

Detenho-me, aqui e ali, “ouço” seus versos e sigo adiante  porque quero conhecer a todos. Chego a um pequeno bosque, frondoso e perfumado  onde se reúnem tantas nacionalidades da poesia e ali ganho meu dia.  São os  que vieram de além mar: Vera lúcia Kalahari, amiga querida que só conheço na saudade e na distância de Angola e Portugal; o grande Mia Couto, de Mocambique;  Sarah Carrère, do Senegal, que conheci recentemente;  Crisódio Araujo, Fernando Sylvan, José Barros Duarte, Jorge Lanten, Ruy Cinatti e Sophia Andressen, essa pleiade de ótimos poetas que enriquecem a literatura do Timor; e, bem assim,  Armênio Vieira e Corsino Fortes de Cabo Verde; e também Emmelie Prophète e Rodney Saint-Eloi, do Haiti.

Vem da poética Espanha os cantos  de Francisco Cenamor e Artur Alonso. Da pátria de Goethe, de Schiller e de Hölderlin chegam os versos de Herman Hesse e da lendária Bagdá, a poesia de Dunya Mikail.

Os hispano-americanos estão chegando e aqui já estão  Vicente Gerbasi, da Venezuela, e Guadalupe Amor, do México,  Álvaro Miranda, da Colômbia e Tejada Gomez, da Argentina, além da quase mitica mexicana Sóror Juana de La Cruz.

Há, nessa aldeia,  um nicho construído pela  saudade e pela esperança de um soldado russo que partiu para a guerra. Espera-me,   escreveu comovido  Konstantin Simonov à  sua amada. Creio ser um dos mais belos poemas,  nesse rastro de belezas que encontro nessa aldeia, e que Hélio do Soveral genialmente imortalizou na língua portuguesa.

No fundo de um vale há uma pequena pedreira disposta de forma circular, formando, naturalmente,  um teatro de arena. Chego até lá e encontro poetas brasileiros de todas as partes do país para um grande  festival de poesia. Sou um dos convidados para partilhar meus versos com   Maurício Ferreira, Isaias de Faria, Rafael Nolli, Saramar Mendes de Souza, Anair Weirich, Raul Pough, Erly Welton, José Marins, Luiz Adolfo Pinheiro, Murilo Mendes, Domingos Pellegrini, Oswald de Andrade, Juca Zokner, Oscar Alves, Iriene Borges, Mauricio Ferreira, Cássio Amaral, Rafael Nolli e possivelmente mais alguns que ainda não encontrei por aqui.

Esta a Minha Aldeia, já global pela magia tecnológica, mas ainda acolhedora e solidária pela graça da Poesia.

Curitiba- março de 2010

Helena Kolody, a indizível alegria de criar

RetratHKHelena Kolody, a consagrada poeta do Paraná, inaugurou em 1941 a série de mulheres haicaístas do país. Dona de uma enorme coleção de adjetivos-virtudes, palavras-emblemas, atribuídos a ela pelo povo paranaense, Helena deixou uma obra que, na qualidade, lembra outra grande poeta: Cecília Meirelles. O amor que ela conquistou pelos poemas, pelos livros, juntou-se à lira de sua poesia feita de canções à vida, de solidariedade,  natureza e inquietude da condição humana. Pode-se brincar dizendo que as letras iniciais do nome da poeta, HK, são as mesmas de quando se grafa hai-kai, como ela o fazia.
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Carlos Drummond de Andrade enviou, em 1980, uma pequena carta à poeta, onde dizia: “Tão simples, tão pura – e tão funda – a poesia de Infinito Presente. Você domina a arte de exprimir o máximo no mínimo, e com que meditativa sensibilidade!”
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Drummond, segundo Kamita, fez um elogio dizendo ter ficado feliz com poemas como esse, “em que à expressão mais simples e discreta se alia uma fina intuição dos imponderáveis poéticos”. (José Marins*)

Helena Kolody (Cruz Machado, 12 de outubro de 1912 — Curitiba, 15 de fevereiro de 2004) foi morar na Mansão dos Poetas Eternos há cinco anos. Sua obra ficou por aqui, a inspirar novos poetas e, principalmente, a insistir que a linguagem poética vê mais longe, nos ensina a olhar as profundezas da vida e as alturas dos ideais humanos.Seus pais foram imigrantes ucranianos que se conheceram no Brasil. Helena passou parte da infância na cidade de Rio Negro, onde fez o curso primário. Estudou piano, pintura e, aos doze anos, fez seus primeiros versos.

Seu primeiro poema publicado foi A Lágrima, aos 16 anos de idade, e a divulgação de seus trabalhos, na época, era através da revista Marinha, de Paranaguá. Aos 20 anos, Helena iniciou a carreira de professora do Ensino Médio e inspetora de escola pública. Lecionou no Instituto de Educação de Curitiba por 23 anos. Helena, segundo o que consta em seu livro Viagem no Espelho, foi professora da Escola de Professores da cidade de Jacarezinho, onde lecionou por vários anos. Seu primeiro livro, publicado em 1941, foi Paisagem Interior, dedicado a seu pai, Miguel Kolody, que faleceu dois meses antes da publicação. (extrato de Wikipédia – http://pt.wikipedia.org/wiki/Helena_Kolody)

O Banco da Poesia fa justa homenagem à poeta paranaense, com três poemas ilustrados, em versão gráfica de C. de A.

FimDeJornada

IlhasPoema

Tempo

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*José Marins é de Curitiba, escritor, poeta. Mestre em Educação pela UFPR (Universidade Federal do Paraná), haicaísta membro do fórum Haikai-l (http://www.kakinet.com/lista), autor de POEZEN (haicai); Pinha-Pinhão, Pinhão-Pinheiro (renga, juntamente com o haicaísta Sérgio F. Pichorim), Karumi (haicai), e Bico do João-de-Barro (haicai), inéditos.

Feliz Páscoa, com Pêssankas

pessankas

Escolhi a Pêssanka como tema para esta Páscoa por dois motivos. O primeiro é sua integração à cultura do Paraná, por meio dos ucranianos que para cá vieram, a partir de 1895. O outro motivo é a sugestão que ofereço sobre esses aparentemente exóticos desenhos feitos com extrema delicadeza em ovos de galinha. Ou de codornas, gansas e até de avestruzes. Ao examinar variadas pêssankas e aprender sobre a rica simbologia que dá origem a suas formas e cores, penso em cada peça muito além de seu significado artesanal. Sugiro, sem exagero, que estamos diante de uma nova forma de poesia, ou seja, o POEMOVO. Ou, tomando a raiz grega, POEMÔON? Ou com a raiz latina – POEMOVUM? Pois se temos o poegrama, o poetrix, por que não o poemovo?

Pode parecer brincadeira, mas não é. Peguemos a etimologia do vocábulo pêssanka, originado no verbo pessaty, que significa escrever. E a arte da pêssanka consiste não só em pintar um ovo, mas, em primeiro lugar, escrever sobre o ovo uma mensagem promissora. Para isso, são utilizados grafismos variados, cada qual com seu significado, como pode ser visto no quadro abaixo. Cada forma, cada cor, está impregnada de um simbolismo que, por sua vez, quer gerar sentimentos positivos em quem os vê. Mas não são apenas símbolos plásticos. Há uma escrita simbólica usada para dizer algo: isto é poesia.

Aliás, essa tese já foi defendida até em trabalho apresentado em um encontro de pesquisadores de artes plásticas (Analu Steffen, mestre em Arte e Cultura Contemporânea pela UERJ), no qual a autora chama as pêssankas de “ovos escritos ou poemas imagéticos”.

É claro que há ovos simplesmente decorados com figuras geométricas e cores escolhidas ao acaso, apenas para se conseguir uma composição agradável. Mas as legítimas pêssankas são cheias de simbolismo, tal como em um poema, no qual as metáforas abrem os poros da realidade e mostram – ou tentam mostrar – o dentro, o espírito, a essência. Isto é poesia.

O simbolismo começa no objeto utilizado para essa forma de expressão, o ovo. Ele é considerado um símbolo da perfeição, por sua forma geometricamente perfeita, cuja curvatura se estrutura para proteger a cria de fora para dentro e oferecer pouca resistência de dentrro para fora, poupando as forças do nascituro. E mais: a forma do ovo também se encaixa no conceito da Proporção Áurea, ou seja, a relação entre sua altura e sua largura se aproxima do número φ (phi), 1,618 (leia, abaixo, o interessante texto de Rubem Alves sobre o produto avícola). Mesmo que olhemos um ovo com olhos de glutão, imaginando as várias possibilidades gastronômicas que esse saboroso alimento oferece, é preciso, sobretudo, reconhecê-lo como portador de vida nova. Um ovo, portanto, simboliza o princípio de todas as coisas, a criação da vida. Ele está em todas as tradições religiosas, das mais antigas às contemporâneas.

Ao lembrarmos as pêssankas, fazemos uma homenagem à colônia ucraniana que trouxe para o Paraná estas e tantas outras tradições bonitas. Aliás, um belo programa de Páscoa é visitar o Memorial da Ucrânia, erguido no Parque Tinguí, em Curitiba. Lá podem ser vistas peças do artesanato ucraniano e quadros com poemas da paranaense Helena Kolody (1912-2004), filha de imigrantes ucranianos que se conheceram no Brasil.

Conheça mais sobre as pêssankas e seu simbolismo em http://www.girafamania.com.br/europeu/materia_ucrania.htm .

Sigificados dos símbolos das Pêssankas

Pesquisa de Jeroslau Volochtchuk e Waldomiro Romero,Curitiba, 1984

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Feliz Páscoa para todos!

E releiam o belo poema de Manoel de Andrade  (clique aqui), publicado neste blog, sobre o momento doloroso que, segundo a tradição cristã, antecedeu o domingo da páscoa, naquele início de nossa era.

C. de A.


Reflexões sobre o Ovo

Rubem Alves

Em longo texto escrito para sua netas, o escritor e filósofo Rubem Alves fez as  observações seguintes.

“O corpo da galinha sabe muito de geometria. Foi o ovo que me contou. Porque o ovo é um objeto geométrico construído segundo rigorosas relações matemáticas. A galinha nada sabe sobre geometria, na cabeça. Mas o corpo dela sabe. Prova disso é que ela bota esses assombros geométricos.

rubem_alves5Sabe muito também sobre anatomia. O ovo não é uma esfera. Ele tem uma parte mais grossa e uma parte mais fina. Há uma razão físico-anatômica para isso. É a mesma razão por que os pregos têm uma ponta fina: para entrar melhor no buraco. Você já enfiou uma linha no buraco de uma agulha? Primeiro é preciso afinar a ponta da linha com saliva e dedo. É a ponta afinada da linha que entra no buraco da agulha. Depois que a ponta fina passa pelo buraco, é fácil puxar a linha, fazendo passar a parte grossa. Pois o ovo tem de ter uma ponta fina para facilitar a sua passagem pelo fiofó da galinha. Se não tivesse a ponta fina ia ser mais difícil, ia doer mais…

O corpo das galinhas é também um grande conhecedor de arquitetura. A forma do ovo dá resistência máxima aos seus frágeis materiais. Se o ovo fosse chato ele se quebraria quando a galinha se deitasse sobre ele, para chocar os pintinhos. Quando eu era pequeno eu e os meus amigos brincávamos de pegar um ovo, ponta fina na palma da mão, ponta grossa contra os dedos pai-de-todos e o seu-vizinho (espero que você tenha aprendido o nome dos dedos, minguinho, seu-vizinho, pai-de-todos, fura-bolo, mata-piolho) e apertar. Pois o ovo não quebrava. Mas não vá fazer essa experiência com esses ovos brancos, de granja. São ovos degenerados. Esses ovos se quebram, só de olhar. A forma do ovo faz com que as forças que sobre ele se exercem não o quebrem. É o mesmo princípio que os arquitetos usam para fazer arcos de janela, de portas e abóbadas gigantescas das catedrais em estilo românico, antes do concreto e do ferro. Se você não sabe o que é o estilo românico, pergunte ao seu professor de história. Aquilo que os arquitetos aprenderam depois de muito pensar, o corpo das galinhas sabe por nascimento, sem precisar pensar.

Mas há ainda um outro assombro: a casca do ovo não pode ser muito mole porque, se fosse, o ovo se quebraria quando a galinha pisasse nele. A casca tem de ser dura o suficiente para suportar o peso da galinha, sem quebrar. Mas a casca também não pode ser muito dura. Como vocês sabem, as galinhas “chocam“ os ovos. Deitam-se sobre eles por 21 dias para, com o seu calor, realizar a transformação da gema em pintinho. Quem foi que ensinou isso para a galinha? Ninguém. O corpo dela nasceu sabendo. A idéia já está lá. Ao cabo de 21 dias os pintinhos estão prontos para sair. Para isso eles têm de quebrar a casca do ovo com o bico. Ora, se a casca do ovo fosse muito dura o pintinho não conseguiria furar a casca e morreria. Como é que a galinha faz esse complicado cálculo físico de resistência de materiais, casca nem muito mole e nem muito dura? Não sei. Só sei que ela sabe. Há um saber no seu corpo que faz cálculos engenhariais exatos.”

Publicado no Correio Popular, Caderno C, 03/02/2002.Ler mais: http://www.rubemalves.com.br/oovo.htm

Nova conta: Marilda Confortin

Recolhi no site www.palavreiros.org uma definição do poeta baiano Goulart Gomes sobre a sua proposta literária Poetrix, hoje um movimento ao qual aderiram muitos poetas. O poetrix deriva do hai-kai, (também grafado haiku ou haiko), composição poética japonesa, popularizada no Brasil,de certa forma, por Millôr Fernandes, que a utiliza de quando em quando, sempre com seu humor inteligente. No Paraná, pelo três poetas expressivos marcaram suas obras com hai-kais: Helena Kolody, Paulo Leminski e Alice Ruiz .

Explica Goulart Gomes: “Foi Aníbal Beça, um dos maiores pesquisadores brasileiros de Hai-Kai, quem gentilmente me falou: ‘Goulart, pode chamar seus inventivos tercetos do que quiser, menos de Hai-Kais’. E ele estava absolutamente certo. Não podemos dizer que suco de uva
é vinho sem álcool. O Hai-Kai (ou Haiko) é uma milenar arte oriental, que vem aprimorando-se com o passar dos séculos. Mexer na essência das coisas significa criar uma coisa nova, diferente da anterior”.

“Assim, necessariamente, o Hai-Kai deve possuir 17 sílabas, divididas em 3 versos de 5, 7 e 5 sílabas; conter alguma referência à Natureza; referir-se a um evento particular e ater-se ao Presente.”

“O que apresento … – e que também é feito por muitos outros poetas – é o que agora proponho se chame POETRIX (poe, de poesia, poema; trix, de três, terceto), ou seja, a poesia em três versos, o terzetto, originalmente chamado na Itália.”

Com,o exemplo, um poetrix de Goulart:

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Em Curitiba, também temos uma poetrixta. Marilda Confortin adeiru com toda força (e muita sensibilidade) ao movimento e foi signatária do segundo manifesto Poetrix, abaixo reproduzido. Segundo a própria poeta, “esse tipo de terceto me caiu do céu. Despencou de uma nuvem de informação chamada internet, empurrado por um diabinho baiano chamado Goulart Gomes, no momento em que eu não escrevia nem lia mais poesia, exatamente por acreditar que era algo inútil”.

marilda11Estivemos juntos na última sexta-feira, na véspera do lançamentro do livro de Dante Mendonça (ver abaixo), com alguns amigos, numa plantação de abobrinhas  com lambaris fritos e  filé mignon no palito. Brincamos de poetas, falamos do humor rápido de Manuel Maria Barbosa du Bocage e Emilio de Menezes. Ela, sempre preocupada com seu trabalho na Prefeitura Municpal, com o qual colabora signficativamente na divulgação da cultura, princpalmente junto à população escolar, prometeu abrir sua conta no Banco da Poesia. Hoje, no final de domingo, quando cheguei em minha casa, após rever Rio Negro e Mafra (minha terra natal) e comer deliciosos pirogues elaborados por D. Leonarda França (que, além de excelente gourmetrice, é professora de literatura), encontrei um comentário de Marilda Confortin no relato de Manoel de Andrade sobre a revista FORMA. Em razão do carinho com o qual foi composto, reproduzo aqui o recado de Marilda e o seu primeiro depósito em forma de poetrix, com minha intromissão gráfica.

Queridos Manoel e Cleto,
sinto uma baita inveja por não ter participado dessa história. Mas, sinto-me privilegiada por ter a oportunidade de conhecê-los, lê-los, ouvi-los e dividir uma mesa de um bar, um lançamento de livro, um cofre nesse banco de poesias ou uma página virtual.
Permitam-me traduzir essa convivência pacífica entre passado, presente e futuro com um Poetrix de minha autoria (o poetrix é o mais recente estilo/jeito/fenômeno/movimento poético internacional, com milhares de adeptos, com coordenação e oficinas virtuais e encontros presenciais)
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poetrixaldente1

Grande abraço

Marilda

SEGUNDO MANIFESTO POETRIX

Dos males, o menor!

Toda vanguarda será retaguarda: se não podemos ser eternos, sejamos pós-modernos; se não somos pós-doutores, sejamos pós-autores. Todas as ideologias estão mortas, todos os sujeitos fora de lugar.

Viva o Minimalismo e vamos flanar! O poetrixta desfolha a bandeira: descerrar é melhor que dissertar.

Nada se cria, tudo se copia, concluíram Bakhtin e Chacrinha. Então, vamos hiper, intra e intertextualizar, sejamos dialéticos, digitais e dialógicos. Queremos a inter/ação, queremos o simulacro, a paródia, o pastiche, o duplix, o triplix, o multiplix, o grafitrix, o clonix, o concretrix! Viva a ciberpoesia!

Fazer poetrix não é fatiar uma frase em três partes. Viva a insubordinação gramatical, a desobediência civil! Abaixo as orações coordenadas e subordinadas!

Fora do título não há salvação.

Não mais que trinta sílabas para dizer o máximo.

E viva o canibal! Viva o caeté que comeu sardinha e viva o Cabral!

Vamos privilegiar a inteligência do leitor! Que ele morda, mastigue, engula e faça a digestão. Que se vire! Abaixo os derramamentos da poesia fast-food! Dizer muito, falando pouco. Concisão e coerência. Exploremos os significados polissêmicos das frases, a riqueza semântica
das palavras, valorizemos as metáforas.

Queremos o salto
o susto
a semântica

a leveza
a rapidez
a exatidão
a visibilidade
a multiplicidade
a consistência

Queremos o Século XXI! Vamos acordar o Novo Milênio!

O poetrix é um projétil que se aloja na alma. O poetrix é um vírus em nossa memória discursiva. É a suprasíntese.

Viva Bakhtin, Kristeva, Calvino, Oswald e Drummond!

E viva a Poesia! E viva o Poetrix!

Viva a alegria e viva um planeta chamado Bahia!

Viva eu, viva tu e viva o rabo do tatu!

Maior é Deus.

Bahia, Brasil, 28/07/2002.

Goulart Gomes
Sonia Godoy
Edison Veiga Júnior
Oswaldo Francisco Martins
Marcos Gimenes Salun
Isar Maria Silveira
Angela Bretas
Antonio Carlos Menezes
Marilda Confortin
José Nêumanne Pinto
Aila Magalhães
Jussara Midlej