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Para animar a reconstrução

De tijolinho em tijolinho

Enquanto não fica pronta a nova sede do Banco da Poesia, vou usar alguns tijolinhos para deixar a obra mais animada.

Há alguns dias, um amigo me perguntou: — Você faz haicais? Prontamente respondi que não, pois sempre achei esse tipo de poema, criado pelos japoneses, mais coerente com o idioma oriental, constituído por ideogramas, em que há comunicação linguística diversa da ocidental, toda linear. Deve ser, além de receber a mensagem do poeta, muito prazeroso contemplá-la também plasticamente e entendê-la de forma mais aberta. 

Mas a pergunta serviu como um incentivo para experimentar.

Entretanto, o rigor da definição japonesa, mesmo transposta para nós, faz desse tipo de composição poética uma forma exclusivamente dedicada à observação da natureza e suas nuances, além de exigir a métrica 5-7-5, o que sempre se transforma em desafio técnico, em detrimento da liberdade de expressão criativa. A adaptação do haicai para a linguagem ocidental gerou variações, como o Poetrix, (de poesia + três), cultivado pela nossa poetamiga Marilda Confortin e por um grupo nacional que já virou movimento. Pena que acabamos esquecendo da nossa quadra ou trova, herança portuguesa, que, por sua singeleza, era veículo de difusão da poesia entre o povo e o público infantil. (A propósito, João Manoel Simões publicou, no início deste ano, “Trovas que minha mãe me inspirou & outras quadras”, sobre o qual me dedicarei, oportunamente. E lembremo-nos do mestre de todos nós, Fernando Pessoa, cujas quadras foram reunidas no volume “Quadras ao gosto popular”.)

Rompida a rigorosa tradição oriental ou, como diriam os cientistas, quebrado o paradigma, tomei coragem e invadi o reino dos poemetos sintéticos.

Desculpem-me pela digressão exagerada, que mais parece pedido de perdão antecipado pelos haicais que virão, em forma de tijolinhos de construção. Vamos ver para que servirão.

Haicai

Segundo tijolinho

Malpassada

Marilda conta um causo

Batom vermeio

Marilda Confortin, Curitiba

……….— Me dá um cigarro aí, dona.
……….Gelei. Merda… Merda não. Mijo. Senti um forte cheiro de mijo e a ponta de uma faca nas minhas costas. Maldita lei anti-fumo. Ter que fumar aqui fora à uma hora dessas…
……….Traguei profundamente a fumaça do cigarro recém acendido, me virei devagar e dei de cara com meu assaltante madrugueiro.
……….— Passa o cigarro e o dinheiro.
……….Dei mais uma tragada no cigarro e entreguei a ele.
……….— Esse?
……….— Só tenho esse. É o último. É pegá ou largá.
……….Pegou, olhou curioso, girou entre os dedos.
……….— Mas, tá sujo de batom.
……….— To falando que é o último. Se não quer, me devolva! To louca pra fumar e você ta me roubando o último cigarro que tenho.
……….Fiz menção de pegar de volta. Afastou-se na defensiva com a faca apontada.
……….—  Que muiezinha braba! Nunca uma dona dividiu o último cigarro comigo… Ainda mais sujo de batom vermeio.
……….Como se eu não existisse,  começou a  brincar com o cigarro passando de uma mão para outra, intercalando com a faca. Cheirava o filtro, levava à boca, lambia o batom, tragava delicadamente, admirava a fumaça e beijava o cigarro como se fosse um presente, um fetiche.
……….Andou alguns passos adiante, parou, virou-se, me olhou demoradamente e me apontou com a faca novamente.
……….—  Vai ficá prantada aí, dona?
……….—  Não…
……….—  Então entra, muié. É pirigoso ficá aqui fora sozinha.
……….E foi andando, dançando como Chaplin, cantando assim: Batom vermeio, vermeínho… ganhei um cigarrinho tudo  sujo de batom vermeio,  vermeínho…

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Conto contado no Youtube

Marilda Confortin abre a mão (e o coração) e faz novos depósitos

Olhar materno

Marilda Confortin, Curitiba
Olhar materno - Cleto de Assis

A menina dos seus olhos

envelheceu

sem ru(s)gas

Vá, idade

Vá-idade Cleto de Assis

dobra os joelhos

doma o orgulho

aceita os conselhos

do espelho

Às vezes acho que te amo, mas logo passa

acho_que_te_amo Cleto de Assis
É quando chove.

Tremulo, umedeço,
emulo terra no cio.

Choro.

Quando estio, te evaporo

Às vezes acho que te amo.

É quando acordo e rebooto.
Reinstalo saberes, sabores,
deleito lembranças,

reluto deletar-te.
Salvo-temporariamen-te

Quando rio, diluo,
deságuo em teus braços afluente,

fluo,
esqueço que sou

somente um riacho.

Às vezes acho que te amo…

Sonho, extasio,
fixo o olhar no vazio

da saudade.

Mas tem sempre
um maldito mosquito
que voa de repente,
trazendo-me de volta
à realidade.

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Ilustrações: C. de A.

Um Prêmio para Marilda Confortin

Convite

A Secretaria-Geral da Presidência da República, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Movimento Nacional pela Cidadania e Solidariedade convidam para a solenidade de entrega do Prêmio ODM Brasil (3.ª Edição) e do Lançamento do 4.º Relatório de Acompanhamento dos Objetivos do Milênio.

A solenidade será realizada em Brasília, conforme segue:

Data: 24 de março de 2010 ( quarta-feira)
Horário: às 16 horas
Local: Centro de Convenções Ulysses Guimarães – Auditório Planalto
Endereço: SDC – Centro de Divulgação Cultural – Eixo Monumental.

Transmissão ao vivo: http://www.odmbrasil.org.br/noticias_detalhes/55/premiacao-sera-dia-24-de-marco-em-brasilia

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E nos conta Marilda:

Pois é… a boa notícia é que eu estarei lá, para receber esse prêmio juntamente com representantes da equipe da Secretaria Municipal de Educação que ajudou a implantar a Rede de Bibliotecas Escolares em Curitiba, o projeto premiado.

Iniciamos a Rede de Bibliotecas em 2005, quando tínhamos apenas os 45 Faróis do Saber. Hoje, são 170 bibliotecas municipais integradas por um sistema web que permite localizar qualquer título existente no acervo de mais de 700 MIL livros. O plano para o futuro é integrar também as bibliotecas da Fundação Cultural. Aí, serão mais de 1 milhão de livros catalogados para que ninguém nessa cidade tenha a desculpa de não ler. Todas as bibliotecas são abertas à população. É só procurar a mais próxima de sua casa.

Para consultar o endereço das bibliotecas ou pesquisar o catálogo de livros, clique no link: http://www.cidadedoconhecimento.org.br/cidadedoconhecimento/index.php?subcan=12

Dos 1470 projetos avaliados pelo IPEA, foram premiadas as seguintes prefeituras:

– Prefeitura de Belo Horizonte (MG) – Prática: Programa Abastecer
– Prefeitura de Boa Vista (RR) – Prática: Programa Municipal de Saúde Indígena
– Prefeitura de Boa Vista (RR) – Prática: Projeto Estufa
– Prefeitura de Caculé (BA) – Prática: Coleta seletiva de materiais recicláveis
– Prefeitura de Campinas (SP) – Prática: Nave Mãe
Prefeitura de Curitiba (PR) – Prática: Rede Municipal de bibliotecas escolares de Curitiba
– Prefeitura de Novo Repartimento (PA) – Prática: Sustentabilidade ambiental através do cultivo de cacau, pelo SAF
– Prefeitura de Orós (CE) – Prática: Cozinha Comunitária – Nutrição à Mesa
– Prefeitura de Osasco (SP) – Prática: Vigilância da Criança com risco de mortalidade
– Prefeitura de Osasco (SP) – Prática: Recuperação de Minas e Nascentes.
– Prefeitura de Penápolis (SP) – Prática: Agricultura Urbana.

Marilda termina seu recado dizendo: ” Legal, né?”

E nós lhe dizemos: Mais que legal: maravilhoso. Já publicamos em outra ocasião, mas seu trabalho merece ser louvado com os belos versos de Castro Alves:

Oh! Bendito o que semeia
livros… livros à mão cheia
e manda o povo pensar!
O livro cainda n’alma
é germe – que faz a palma,
é chuva – que faz o mar.

Parabéns, Marilda!

Marilda Confortin convida

Perdi ontem. Mas hoje e amanhã tem mais.

Marilda, multicolorida, reclama do frio e clama pela Primavera

Primavera

Ipês do Alto São Francisco -Curitiba (foto de Lina Faria, 2009)

Ipê do Alto São Francisco – Curitiba (foto de Lina Faria, 2009)

(Não aguento mais esse tempo frio e chuvoso de Curitiba.
Cadê a primavera???? Marilda Confortin

Que me venha esse setembro
pleno de troncos e membros
e prima viril me devore
com sua boca de leão
e se demore onze-horas
cobrindo-me de amoras
amores e heras.

Que deveras venha
e que ainda tenha no olhar
um ar de cão sem dono
e uma fome de outono
a saciar.

E que traga tatuado
no peito
um amor-perfeito
para me dar.

Que me dê flores,
me deflore, dê lírios,
antúrios, beijos,
e me deguste agosto
da copa ao piso,
do riso ao choro
e sem decoro me decore
com cores de madressilva
e matize os meus seios
com entremeios de renda preta
e sobre o espartilho vermelho
derrame um copo-de-leite violeta.

Como ressurgir das cinzas, por Marilda

Fênix

Fênix
Engana-se quem pensa que não amo.
É que quando amo, não componho.
Ponho-me em estado de estupor,
como num sonho.
Sou um mata-borrão
que absorve a emoção do universo.
Nenhum verso escapa.
Inflo. Flutuo.
Vago prenha de extrato de poesia abstrata.
Mas, cuidado!
A embalagem é frágil.
Basta um só arranhão
para que eu rompa e me desmanche
em palavras duras e concretas.
Antes de cair, choro.
Vazo pelos poros.
Chovo.
Encho jarros de poemas desconexos.
Depois, espremo o coração até que rache
e da brecha, verta o veneno da raiva.
Ferida, torno-me nociva, peçonhenta.
Assumo: ninguém me aguenta.
Sumo.
Trato-me do meu jeito.
Rejeito antídotos e corpos estranhos.
Entranho-me pela fenda
e dreno meu próprio pecado.
Desbasto-me até que o cerne fique exposto.
Hiberno para que meu inferno queime o rosto.
Daí espero a primavera e renasço
inteira para um novo amor.

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Veja mais poemas de Marilda Confortin neste blog. Clique em seu nome, no quadro de tags, ao lado. Ou vá até Iscapoética.

Ilustração: C. de A.

Anair Weirich: livros, livros à mão cheia*

Escritora AnairSegundo a própria Anair Weirich, ela nasceu ” em 02/11/51, na cidade de Chapecó, SC, onde sempre residiu. Escreve desde 1987, mas (sobre)vive de seus livros desde 1996″. Ela é casada com um livreiro e colocou nos livros seus grandes objetivos vitais.

Escreve, faz poesia, vende livros de porta em porta, recita em escolas e em qualquer lugar onde os livros sejam bem recebidos. É uma espécie de cavaleira andante da palavra escrita, cruzada da literatura, troubatrice não errante das feiras de poesia, escudeira dos guerreiros de papel. Nosso breve encontro ocorreu há pouco tempo, em Curitiba, quando Marilda Confortin (sua prima) reuniu em Curitiba um grupo de poetas organizado virtualmente e que, de vez em quando, resolvem se reunir em carne e osso para comprovar suas existências reais.

De Chapecó, lá no oeste catarinense, ela envia seus depósitos ao Banco da Poesia.

Amigos

PANCETTI, José - 1902 - 1958 Ciranda óleo s/ papel, 1942 - 23,4 x 32,5 cm

PANCETTI, José - 1902 - 1958 - Ciranda - óleo s/ papel, 1942 - 23,4 x 32,5 cm

Amigos vêm e vão.
Amigos são uma nação
de corações leais.
Amigos são demais!
Amigos são trigos ao sol.
São cama e lençol
para deitar-se tranqüilo.
Amigos são aquilo
de tudo o que contas.
Amigos são contas
de um colar de diamantes.
São vogais e consoantes
do alfabeto do amor.
Amigos são abrigos
da maldade e da dor.
São a segurança das pontes,
e a água das fontes!
Amigos são artigos de luxo.
Amigos são bruxos
da distância e do tempo.
Amigos são o elemento
que conta na hora H…
Amigos são maná!
São faróis no nevoeiro.
São arco e arqueiro
na precisão do alvo.
Amigos estão a salvo
das tempestades da vida.
Amigos são guarida
nas horas incautas.
Amigos são flautas
que anunciam companheirismo.
Amigos são o muro seguro
que nos protegem do abismo!

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PostScriptum

Peço licença a Anair para colar aqui um recado. Ontem, ao postar seu poema Amigos, eu não me lembrei que hoje, 20 de julho, se comemora o Dia do Amigo. Sei que a autora não se aborrecerá se utilizarmos seu trabalho para homenagear todos os amigos, os meus e os amigos de todos os que são amigos e cultivam amigos como se cultiva flores: com carinho e dedicação. Amigos que, como diz Anair, “são vogais e consoantes do alfabeto do amor.

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Fruto do prazer

Ilustração: C. de A.

Ilustração: C. de A.

Minha meia maçã
deixa-me inteira
massa sã,
que se deita e se deleita
no suculento lento suco
do prazer que escorre.
Trono escarlate,
volátil enleio,
esvai-se ao seio
dos lençóis e morre!

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*  Oh! Bendito o que semeia
 Livros... livros à mão cheia...
 E manda o povo pensar!
 O livro caindo n'alma
 É germe — que faz a palma,
 É chuva — que faz o mar. 

xxxxxxxxxxxxxxxxAntônio Frederico de Castro Alves
xxxxxxxxxxxxxxxxde O Livro e a América (Espumas Flutuantes, 1870)

Depósito em ouro de Marilda Confortin

Marilda mandou um poetrix. Tratei de engastá-lo no Fundo Dourado do Banco da Poesia.

Ourivesaria

Marilda (re)toma os copos

[…] “depois do terceiro copo, você vê as coisas como elas realmente são: terríveis” Oscar Wilde

Ab-sinto

Ab-sinto-me
como se tivesse bebido um litro inteiro de absinto.
Estou sob os defeitos da terceira idade.
Uma calamidade.
Eu devia ter parado na primeira dose,  aos doze,
quando o mundo era como eu queria que fosse.
Ou lá na curva da juventude,
onde, segundo Wilde, no segundo copo
a gente vê as coisas como elas não são.
Meu erro foi acreditar nele.
Oscar parou de beber com pouca idade
vendo como as coisas são no terceiro copo: Só um porre.
Se ele fosse mulher, passasse do quarto copo,
saberia que, na verdade, as coisas são bem piores.
Não vou me matar não, amigo.
Não sou suicida.
Sou curiosa, teimosa, compulsiva
e vou beber dessa vida até a última gota
porque acredito que ela tenha uma relação íntima
com o efeito do absinto.
Pressinto que, no quinto copo,
as coisas estarão como me sinto
num corpo de mais de cinco décadas: decadente, indecente.
Mas, no fim do litro,
findo o líquido,
estarei em equilíbrio, livre e leve como pluma.
E o copo
e o corpo,
xxxxxxxxxnão terão importância alguma.