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Novo depositante: Tonicato Miranda

Conheci Tonicato Miranda há pouco tempo. Já havia lido trabalhos seus no blog de João Bosco Vidal, Palavras, Todas Palavras e, recentemente, protagonizamos uma rápida polêmica com o poeta Roberto Prado, motivada por um desencontro de opiniões após a morte de Wilson Martins. Tudo resolvido, as palavras voltaram a seu equilibrado lugar e a energia das faíscas virou versos, como se pode constatar abaixo. Tonicato ainda não havia feito depósitos no Banco da Poesia e, após insistência nossa, mandou um poema, com dedicatória ao gerente desta instituição bancária, sem, evidentemente, qualquer merecimento. Pedi também fotos e currículo e ele enviou o que se segue.

“Sobre meu currículo, teria de perguntar do que. Isto porque não tento repetir Pessoa, mas tenho várias facetas. E quem não as tem?
O técnico transporteiro, envolvido com questões de transporte e da mobilidade urbana, e isto não cabe aqui numa biografia cultural.
Tem ainda o técnico de planejamento e projetos cicloviários, que também não vem ao caso. Tem o empresário, também fora desta questão. E outras coisas mais.
Acho que o importante seria dizer que fui colaborador do Estado do Paraná, no Almanaque na época do saudoso Aramis Millarch, na década de 80. Fui escritor de crônicas diárias no ano de 1992 no Jornal do Estado. Fui dono da Livraria Ipê Amarelo, situada ali no início da Comendador Araújo, de 1990 a 1992. Publiquei a coletânea de poesia com Jairo Pereira, Desiré da Costa, Gerson Maciel e Luiz Alceu intitulada Varandaes, no ano de 1984. Publiquei em 1986 meu primeiro e único livro solo. O meu Paganini chamava-se Cais do Mar de Cima, que recebeu capa e ilustrações da Denise Roman. Durante três anos, de 1988 a 1990 mantive intensa correspondência literária com a Helena Kolody. Depois de 1992 me afastei das lides literárias até retornar, em 2008, com o site dos palavreiros, publicando poemas, crônicas e alguns artigos. Acho que é somente isto. O mais está por ser feito.”

Depois do terremoto e da contra-ode à canalha

Tonicato Miranda,  Curitiba

para Roberto Prado

Ah minha juventude estacionada
retardando todos meus legumes em flor
O que pode a couve flor contra a buganvília?
A bilha movendo meu carrinho de rolimã já vai longe
A trilha, o cavalo e a cilha transportam hoje um monge
Mãos e rosto ainda não de todo crestados
viajam de lado desviando do capim navalha da palavra
este que a juventude lavra sem perdão
desbastando com rudeza a montanha da emoção
Jovens passarinhos atenção ao meu canto de ferro
Acreditem: ele não será um solitário berro
está vestido de acordes é voz que segue a partitura
mas sua voz é livre, sua juventude tem a carne dura
mas minha pele se cresta, meu cantar já se arrasta
mas não me raspa com a borracha sobre o papel
minha linguagem é menos o sal, muito mais o mel
Convido-o companheiro para eu lhe ouvir poemas
traga aos meus ouvidos suas tralhas
vou também lhe mostrar minhas produções canalhas
vá que alguma encontre em você um abrigo?
Vá que ela seja o ferrolho da porta se abrindo
você um amigo?

Prosa de boca e beijo

Tonicato Miranda,  Curitiba

para Cleto de Assis

Agora tudo já se apresenta acalmado
Agora tudo se deita, dorme acamado
Até o rio corre sussurrando ou calado
Já pode o homem de costas ser amado

Águas passam tranquilas sob a ponte
as matas refletem mil verdes ao olhar
pássaros e insetos revoluteiam no ar
e até o sol não mais queima a fronte

Depois da tempestade e da enxurrada
quando tudo foi tropeçando em montes
terras, carros, mobílias, gritos e gentes
uma loura flor nasceu, e não foi tragada

Agora tudo já se apresenta acalmado
vaidades sentam-se para conversar
com novas mobílias na sala de estar
falam sorrindo com seus perfis de lado

Agora tudo se deita, dorme acamado
velho pano de centro na mesa da vovó
apara o prato com doces e pães de ló
também esconde as cicatrizes calado

Até o rio corre sussurrando ou calado
quem nisto acreditar certo se engana
ele dormita acumulando a nova gana
tragédia futura para se deixar ao lado

Já pode o homem de costas ser amado
agora é hora de servir pães de queijo
misturados à prosa de boca e beijo
é tempo de deixar tudo desassanhado

Curitiba, 21/05/2010

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Ilustração: C. de A.

Para Wilson Martins, que iluminou meu solitário canto*

O poeta Manoel de Andrade

O poeta Manoel de Andrade

Pois é…, eu havia citado o Wilson Martins no comentário que fiz domingo, no blog de J.B. Vidal, Palavras, Todas Palavras, sobre o Walmor Marcelino, mas ainda não sabia que o nosso grande crítico literário já viajara, sábado, para um Mundo Maior. Tal como ao Walmor, devo também a ele o grande estímulo que deu nas duas vezes que se referiu à minha poesia.

Em 02 de agosto 1980, em sua coluna no Caderno B, do Jornal do Brasil, comentando minha Canção de amor à América publicado aquele ano pela revista Encontros com a Civilização Brasileira, refere-se ao poema dizendo que “é, com certeza, um dos belos poemas do nosso tempo, integrado nos seus conflitos e perplexidades, e no qual lirismo e epopéia se combinam (no sentido químico da palavra) para formar uma terceira entelequia (a entelequia poética, alimentada pelo mundo exterior)…” .

Já em 30 de outubro de 2002, na sua coluna semanal no Caderno G, da Gazeta do Povo, comentando antologias poéticas lançadas no Paraná e o livro Próximas Palavras, editado pelo Walmor, exagera em sua generosidade ao afirmar que a “grande poesia, nesta coletânea e na literatura brasileira dos nossos dias, foi escrita por Manoel de Andrade…” . Cita, em seguida, trechos de meu poema Um homem no Cais e comenta que é “um longo poema de fulgurações whitmanianas e profunda consciência da condição humana, poesia de um homem no mundo dos homens, e também o testemunho de suas ansiedades. Basta ler esses versos simultaneamente com a maior parte dos que compõem estas antologias para perceber a diferença de natureza entre o poeta, de um lado, e, de outro, as pesadas legiões dos menores”.

Nunca tive contato com esse Mestre admirável da nossa crítica literária e, assim, não pude agradecer-lhe pessoalmente. Sempre esperei que essa oportunidade acontecesse naturalmente, mas há anos que ele, por problemas de saúde, já não aparecia em eventos culturais. Agora me sinto um pouco frustrado por não tê-lo visitado em sua casa. É que o sentimento de gratidão é uma das maiores dimensões que trago na alma e, assim, mesmo postumamente, quero registrar aqui meu agradecimento pelo aval que deu a minha poesia e rogar a Senhor da Vida que o assista e ampare seu espírito nessa misteriosa transição para a imortalidade.

Manoel de Andrade – 01/02/2010

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* Dedicatória que fiz a ele em meu livro Cantares (Escrituras, 2007)

Hélio Puglieli, finalmente, abre sua conta

Hélio Fileno de Freitas Puglielli, Professor da UFPR (1971/96), da PUCPR (1967/78) e ex-editorialista dos jornais curitibanos O Estado do Paraná, Indústria & Comércio e Gazeta do Povo. Como poeta, oferece uma contribuição destinada a merecer os mais profundos estudos pela dimensão da proposta, no que contém de síntese-filosofia em palavras das mais trabalhadas em O Ser de Parmênides chama-se Brahma, livro de apenas 18 páginas. Hélio faz uma espécie de projeto literário, coincidentemente, em outro livro (Para Compreender o Paraná, 86 páginas, Secretaria da Cultura do Paraná), onde dá sua contribuição de crítico, com a visão de jornalista que nunca abandonou a profissão. Ao deixar o compromisso diário com o jornal, não deixou, porém, de escrever. Selecionou 93 textos curtos em sua forma, mas profundos em seu conteúdo – nos quais analisa desde o linguajar paranaense, como faz perfis de personalidades como Bento Munhoz, David Carneiro, Erasmo Pilotto, Ernani Reichman, Sérgio Sossella, Emiliano Perneta, Wilson Martins, Paulo Leminski, Plácido e Silva, Colombo de Souza, Samuel Guimarães da Costa, entre outros. Despretenciosamente, Para Compreender o Paraná, é um dos mais importantes volumes já editados, pois, numa forma rápida, simples e jornalística, mostra “Bichos do Paraná” que merecem – e devem – ser melhor estudados e, logicamente, admirados.

As informações acima, condensadas (e atualizadas) de um texto maior escrito há tempos por Aramis Millarch, são apenas breves pinceladas da figura do respeitado jornalista e poeta, que manda seu primeiro depósito ao Banco da Poesia. Um poema de certa forma provinciano, por se referir a personagens de um estrito cenário cultural curitibano –  que nossa geração conheceu muito bem – mas universal por tratar carinhosamente da lembrança de amigos queridos e da eterna perplexidade humana diante da ineludível viagem.

Bem vindo, Hélio! A casa é sua.

Pelos amigos mortos

ou

Guinsky, nós nos lembramos

Os anjos do poeta Colombo de Souza
estão lavando as nuvens no céu,
enquanto pelos caminhos da infância
foge a raposa azul de Armando Ribeiro Pinto.
Wilson Rodrigues Cordeiro sorri de soslaio
e só o Guinsky se lembra dele,
embora não consiga desenhar
a camisa azul e o terno cinza
ectoplasmáticos.
E muito menos será possível fixar
a cor do sorriso, flor do enfisema mortal.
Guinsky, Guinsky, onde se perdeu a chave
que abria fechaduras na testa de seus fantasmas?
Aqueles pontos de interrogaçâo que você semeava
atravessaram a ponte das lembranças.
(Sobre a superfície das águas
nem mais flutua o espírito de Deus.)
Por que era tão encabulado o poeta
Cristóvão Colombo de Souza?
Por que Armando amou o cinema tanto
e não arrancou das telas para a vida
sequer um hollywoodiano happy end?
Por que Wilson Cordeiro fumava tanto,
rivalizando com o juiz Sérgio Rubens Sossela?
Deste, milhares de poesias curtas vagam pelo espaço.
São petardos, ainda quentes das horas de insônia e desespero.
O famigerado juiz-rabo-de-cavalo,
agora sem Corregedor pra aporrinhar,
acelera a moto na mais sensata corrida de sua morte.
Jamil Snege, na esquina, dá aquela risada safada,
ele que fumou até a hora de morrer,
fino artesão de palavras,
olhar brilhante apagado,
cinzas de cigarro.
O caboclo Cardoso
há muito tempo se foi.
Está em Morretes, incógnito,
na gerência de bar invisível.
Por que, Guinsky, não há como desenhar
as inaudíveis rabecas?
Também se foi César Bond,
aquele dos “homens tão chapéus”,
mas Curitiba não sabe.
Curitiba global.
Valêncio calou a voz de falsete,
descalçou os sapatos de lona,
pé ante pé, procurando
infinitas vanguardas.
Walmor Marcelino acaba de partir,
com muxoxos de desdém,
intransigente sempre,
coerente sempre,
exceção à regra.
Quem vai gravar o sotaque catarina,
a figura quixotesca
com lances de prosápia e de rancor?
(Preferível tê-lo pouco amigo e debochado
a ter dez amigos desfibrados.)
Toda essa gente está nas estrelas, Guinsky.
mas, é claro, não dá pra ver
neste porra céu fosco de Curitiba.

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Ilustração: C. de A.