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E chegamos ao dia 12 de março de 2010

Há exatamente um ano, apertei o comando publicar na área de administração do novo blog, nascido da vontade de colaborar com a divulgação da Poesia. Apresentado sob a forma de um poema, o Banco da Poesia partia de um capital em branco para tentar acumular, ao longo do tempo, em suas projeções de lucros, o tesouro inestimável da comunicação e da sensibilidade humana.

Por isso, caros senhores,
vamos fundar nosso banco:
não obrará em vermelho
mas ainda está em branco.
Trabalhará vanguardeiro
sem pensar só em dinheiro
neste tempo de consumo.
E terá como seu prumo
a palavra desprezada
pelos praxistas do dia.

Hoje, ao fazermos o nosso primeiro balanço anual, notamos que passamos todo o tempo da crise financeira mundial sem contabilizar prejuízos. Ao contrário, os correnstistas foram crescendo e, juntamente com nomes já consagrados na história da literatura, novos poetas foram se juntando, pouco a pouco, em torno da idéia de comemorar permanentemente a boa poesia. Que, em resumo, assume a gratíssima missão de fazer fluir os melhores ideais de busca da beleza e do contínuo aperfeiçoamento espiritual.

Seja a Poesia lapidada por pensamentos sublimes, seja fortemente talhada por dores e desilusões, o certo é que ela abre a alma das pessoas e aponta para a harmonia do espírito. Assim é a Arte, assim todas as artes.

Por sorte minha, de forma espontânea, o querido amigo e poeta Manoel de Andrade amenizou as minhas preocupações de prestador de contas obrigado a um balanço anual, mandando-me um artigo minucioso que mostra o panorama que se desenhou ao longos destes doze meses. Ver abaixo.

De minha parte, olhando para o que passou, concluo que valeu a pena. Sem alarde, divulgando o blog primeiramente entre os amigos, depois recebendo adesões espontâneas de outras cidades, estados e de outros países, alargamos o nosso círculo de amizades. Nos primeiros seis meses, contabilizamos uma média de 40 visitações diárias. Nos últimos seis meses, a média subiu para 100 e continua aumentando a cada dia que passa. Ainda é pouco, diante dos gigantecos números da Internet, mas consideremos que o tema escolhido não é dos mais populares. E é exatamente para isso que estamos a trabalhar: para fazer da Poesia um hábito rotineiro na vida das pessoas. Um dia a gente chega lá.

Para comemorar o primeiro ano, procurei reunir um bom grupo de colaboradores em uma página especial. Fiz a eles um simples convite: para você, O que é a Poesia? (clique nos links anteriores ou no título do menu à direita)

Quase todos os convidados mandaram suas colaborações ainda em tempo para podermos soprar a velinha. Outros se excusaram e prometeram enviar suas palavras em seguida, Como estamos em uma ambiente virtual, não há portas inteiramente fechadas e, assim, todas as colaborações poderão ser publicadas a qualquer tempo.

Agradeço aos amigos, colaboradores e visitantes  a confiança e o permanente incentivo a este trabalho. (C. de A.)

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Minha Aldeia

Manoel de Andrade/Curitibaxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

Há um ano o Banco da Poesia abriu suas portas honrando-me com o crédito do primeiro depósito.  Quero pedir licença ao seu editor para chamar –  dramatizando meu enredo neste texto –, essa bela instituição pelo mágico nome de Aldeia da Poesia. Na verdade, é com essa imagem, poética e despojada, que eu sinto este site. E é pra esse recanto que  viajo todo dia.

É também minha Pasárgada, onde, literalmente, sou amigo do rei. Gosto de andar, pra cima e pra baixo, ao longo desse território virtual  de líricas alamedas,   galerias de arte,  parques e jardins construídos genialmente com formas e cores cletianas e densamente povoado de versos.

Ao longo deste ano quase uma centena de poetas ali chegaram para ficar. Pela leitura e pelos traços biográficos, já conheço a todos. Quero citar aqui os seus nomes e desde já peço perdão por minhas palavras não poderem  se referir a cada um, diante de tanta qualidade literária.

Minha renovada alegria é estar convivendo nessa aldeia com tantos amigos fraternos: Cleto, Vidal, Walmor, Marilda, Hélio, Simões, João Batista, Solivan, Débora O’Lins

Sob as luzes da memória, em seus caminhos   transitam  Neruda, Garcia Lorca, Fernando Pessoa e Benedetti e os  nossos  Castro Alves, Gregório de Matos, Vinícius, Drummond, Quintana, Augusto dos Anjos, Ferreira Gullar. Mais adiante  me  surpreendo com a presença de Otávio PazEmily DickinsonAntonio Machado e, mais ao longe, vejo com tristeza Alfonsina Storni caminhando solitária para o mar.

Retomo outros caminhos dessa Aldeia, atravesso seus jardins  e vejo sob um caramanchão quatro poetas que falam e gesticulam. São eles e elas:  Verlaine e Cora Colalina e, no  banco em frente,  Helena Kolody e Baudelaire. A poucos metros,  numa tenda com bom vinho português,  confraternizam  Miguel Torga, Antonio GedeãoAgostinho da Silva, José Dias Egipto, Eugênio de Andrade e Sophia Andressen.

Detenho-me, aqui e ali, “ouço” seus versos e sigo adiante  porque quero conhecer a todos. Chego a um pequeno bosque, frondoso e perfumado  onde se reúnem tantas nacionalidades da poesia e ali ganho meu dia.  São os  que vieram de além mar: Vera lúcia Kalahari, amiga querida que só conheço na saudade e na distância de Angola e Portugal; o grande Mia Couto, de Mocambique;  Sarah Carrère, do Senegal, que conheci recentemente;  Crisódio Araujo, Fernando Sylvan, José Barros Duarte, Jorge Lanten, Ruy Cinatti e Sophia Andressen, essa pleiade de ótimos poetas que enriquecem a literatura do Timor; e, bem assim,  Armênio Vieira e Corsino Fortes de Cabo Verde; e também Emmelie Prophète e Rodney Saint-Eloi, do Haiti.

Vem da poética Espanha os cantos  de Francisco Cenamor e Artur Alonso. Da pátria de Goethe, de Schiller e de Hölderlin chegam os versos de Herman Hesse e da lendária Bagdá, a poesia de Dunya Mikail.

Os hispano-americanos estão chegando e aqui já estão  Vicente Gerbasi, da Venezuela, e Guadalupe Amor, do México,  Álvaro Miranda, da Colômbia e Tejada Gomez, da Argentina, além da quase mitica mexicana Sóror Juana de La Cruz.

Há, nessa aldeia,  um nicho construído pela  saudade e pela esperança de um soldado russo que partiu para a guerra. Espera-me,   escreveu comovido  Konstantin Simonov à  sua amada. Creio ser um dos mais belos poemas,  nesse rastro de belezas que encontro nessa aldeia, e que Hélio do Soveral genialmente imortalizou na língua portuguesa.

No fundo de um vale há uma pequena pedreira disposta de forma circular, formando, naturalmente,  um teatro de arena. Chego até lá e encontro poetas brasileiros de todas as partes do país para um grande  festival de poesia. Sou um dos convidados para partilhar meus versos com   Maurício Ferreira, Isaias de Faria, Rafael Nolli, Saramar Mendes de Souza, Anair Weirich, Raul Pough, Erly Welton, José Marins, Luiz Adolfo Pinheiro, Murilo Mendes, Domingos Pellegrini, Oswald de Andrade, Juca Zokner, Oscar Alves, Iriene Borges, Mauricio Ferreira, Cássio Amaral, Rafael Nolli e possivelmente mais alguns que ainda não encontrei por aqui.

Esta a Minha Aldeia, já global pela magia tecnológica, mas ainda acolhedora e solidária pela graça da Poesia.

Curitiba- março de 2010

Poema de amor e guerra

KSimonovKonstantin Simonov, poeta, escritor e dramaturgo russo, nasceu em novembro de 1915 na cidade de São Petersbugo (Petrogrado, de 1914 a 1924, e Leningrado, de 1924 a 1991). Em 1931 a sua família mudou-se para Moscou e  Konstantin começou a trabalhar como mecânico numa fábrica. Os primeiros poemas surgem nessa época, publicados em alguns jornais moscovitas. Entra para o Instituto Gorki de Literatura, interrompendo os estudos para cumprir serviço militar como correspondente de guerra. Escreve peças de teatro, romances, reportagens e livros de poemas inspirados na temática da guerra. Depois da guerra, ocupou alguns cargos importantes que abandonou para se dedicar por inteiro à sua obra. Morreu em Moscou no dia 28 de Agosto de 1979.

serova_1Espera por mim, de sua autoria, é um dos mais conhecidos poemas russos. Foi escrito em 1941, logo após a invasão de Hitler na Rússia. No verão daquele ano, Simonov tinha 25 anos e, apesar das suas origens aristocráticas, já era um bem sucedido poeta e dramaturgo soviético. Ele era apaixonado pela jovem atriz Valentina Serova. Quando Hitler atacou, Simonov recebeu ordens imediatas para avançar para a frente como correspondente de guerra. Valentina esteve com ele na estação.

O comboio da tropa levou-o para oeste, em direção à fronteira, como ele imaginava. Mas as tropas alemãs já haviam penetrado na Rússia e o trem nunca chegou a seu destino. Durante horas, Simonov foi exposto à brutal e caótica realidade da guerra. Simonv pensou que não iria sobreviver.

Simonov casou-se com Valentina em 1943. Mas não foram felizes, como poemas posteriores registraram. A personalidade volúvel de Valentina decepcionou Simonov e eles se separaram em 1957. Seus poemas subsequentes continuaram a história de um jovem homem exposto simultaneamente a todos os perigos da guerra, a uma paixão e, finalmente, a um infeliz caso de amor – e à súbita e dramática elevação como celebridade nacional.

O poema de Konstantin Simonov (em outras versões também intitulado Espera por mim) é aqui publicado por sugestão de nosso amigo e colaborador Manoel de Andrade.

Espera-me

xxxxxxxxxxxxxA Valentina Serova

EsperaPorMim
Espera-me. Até quando, não sei.
Um dia, voltarei.
Espera-me pelas manhãs vazias,
nas tardes longas e nas noites frias,
e, outra vez, quando o calor voltar.
Ai, nunca deixes de me esperar!
Espera-me, ainda que, aos portais,
as minhas cartas já não cheguem mais.
Ainda que o Ontem seja esquecido
e o Amanhã já não tiver sentido.
Espera-me depois que, no meu lar,
todos se cansem de me esperar.
Até que o meu cachorro e o meu jardim
não mais estejam a esperar por mim!

Espera-me. Até quando, não sei.
Um dia, voltarei.
Não dês ouvidos nunca, por favor,
àqueles que te dizem que o amor
não poderá os mortos reviver
e que é chegado o tempo de esquecer.
Espera-me, ainda que os meus pais
acreditem que eu não existo mais.
Deixa que o meu irmão e o meu amigo
lembrem que, um dia, brincaram comigo
e, sentados em frente da lareira,
suponham que acabou a brincadeira…

Deixa-os beberem seus vinhos amargos
e, magoados, sombrios, em gestos largos,
falarem de Heroísmo ou de Glória,
erguendo vivas à minha memória.
Espera-me tranquila, sem sofrer.
Não te sentes, também, para beber!

Espera-me. Até quando, não sei.
Um dia, voltarei.
Esperando-me, tu serás mais forte;
sendo esperado, eu vencerei a morte.
Sei que aqueles que não me esperaram
–  que gastaram o amor e não amaram –
suspirando, talvez digam de mim:
“Pobre soldado! Foi melhor assim!”
esses, que nada sabem esperar,
não poderão jamais imaginar
que das chamas eternas me salvaste
simplesmente porque me esperaste!

Só nós dois sabemos o sentido
de alguém poder morrer sem ter morrido!
Foi porque tu, puríssima criança,
tu me esperaste além da esperança,
para aquilo que eu fui e ainda sou,
como nunca, ninguém, me esperou!

xxxxxxxxxxxxxTradução de Hélio do Soveral

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helio do soveralHélio do Soveral Rodrigues de Oliveira Trigo, mais conhecido como Hélio do Soveral , nasceu em Setúbal, Portugal, em 1918, e faleceu a 21 de março de 2001, em Brasília.Foi radialista e escritor infanto-juvenil brasileiro. Hoje não é lembrado nem reconhecido, mas publicou dezenas de livros que se tornaram muito populares nas décadas de 1970 e 1980. É dele a tradução do poema Espera-me para o Português. Sua versão é provavelmente a melhor publicada em nossa língua.