Arquivo do mês: abril 2009

Poegramas e poemínimos de Tchello d’Barros

A sugestão é de Marilda Confortin, que nos enviou o endereço do vídeo Poemínimos quase eróticos. Mas como o Banco da Poesia gosta de fazer cadastro completo de seus clientes, fui buscar mais referências do poeta cataralagoano.

fototchello2Tchelo d’Barros é catarinense de Brunópolis. Mora em Maceió (AL), se diz nordestino por opção e também cidadão do mundo com vocação, após andar por 20 países, sempre ligado a atividades na literatura e nas artes visuais. Define-se como designer, produtor cultural e editor independente. Tem cinco livros de poesia experimental e já realizou mais de dez mostras de desenhos, fotografias, pintura, infogravuras, vídeos, performances, instalações e manifestos. O endereço de seu blog é http://www.tchellodbarros-poesiavisual.blogspot.com/. Lá se encontram outros endereços com mais ionformações sobre seu trabalho.

Emprestamos de seu blog dois poegramas. No final, dois video-poemas.

Poem

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Zíper Plexo

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Poemínimos Quase Eróticos

Poemínimos Quase Pensamentais

Erly Welton envia novo depósito

De Antonina, Erly Welton Ricci manda seu recado:

“Os dois poemas, que envio para depósito bancário, fazem parte do livro Motofobia (poemas para ler em voz grave), já pronto mas esperando publicação, e também de uma série de vídeos poemas apocalipticos. Já foram publicados na Internet por vários sites e blogs – inclusive nos meus (Literadurawww.erlywelton.blog.uol.com.br )  – e devem fazer parte de uma exposição paralela durante o 19º Festival de Inverno em Antonina, com mais 12 vídeos-poemas. Os vídeos nasceram originalmente de um projeto de 40 poemas animados  e interativos feitos para serem projetados no Museu da Palavra, em São Paulo.” 

O outro poema será publicado depois. Razões de economia bancária…

É tarde demais
 

apocalipse09
é tarde demais
o filho do homem
incendiou
a lira

é tarde demais
tânagras sangram
vexando
em vênus

é tarde demais
quatuórviro qual
pústula
na vida

é tarde demais
pouqüidade podre
modorra
nos resta

é tarde demais
a mofa ainda goga
o ícone
do tolo

é tarde demais
os deuses estiarão
voltando
pra casa

é tarde demais
o mar ignorado
dois ágios
encava

é tarde demais
labaredas de sal
derretem
a chama

é tarde demais
o cão ladra, late
o cãozinho
cainha

é tarde demais
o homem novo
semelhante
ao pai

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Ilustração: Apocalipse – montagem de C. de A.

Poema de João Batista do Lago

A Balança
 

liberdade
Do palácio das Liberdades
Nascem carnes podres
Podres de direitos
Podres de justiças…
 
E então os direitos
Acasalados com as Justiças
Geram frigoríficos
Onde suas carnes são depuradas
Para serem vendidas aos homens

João Batista do Lago
__________________
Ilustração: Montagem de C. de A.

J. B. Vidal, maiêutico, faz seu depósito

Posso dizer que o Banco da Poesia tem o dedo de J. B. Vidal, o poeta e editor de Palavras, Todas Palavras (http://palavrastodaspalavras.wordpress.com/). Foi a ele que, durante a Semana da Poesia do ano passado, organizada por Manoel de Andrade, revelei a primeira idéia: organizar uma cooperativa de poetas. Depois, mais uma influência do poeta auto-desterrado (que inveja!) na Ilha do Destêrro – a sua prolongada ausência na Internet, durante as chuvas de verão que quase arrasaram Santa Catarina e não permitiram que Vidal instalasse o seu QG eletrônico para prosseguir seu prolífico trabalho de blogueiro protetor da Poesia.

De idéia em idéia, surgiu o Banco da Poesia, mas como simples ponto de encontro de poetas e de amantes da poesia. E, para alegria nossa, Vidal manda seu primeiro depósito, um poema com arcabouço mitológico, no qual expressa reflexões existenciais, pedindo intervenção aos deuses do Olimpo. Bem vindo seja, não só como poeta e amigo, mas como padrinho do Banco. Para saudá-lo, reuni, na montagem ilustrativa, os deuses invocados.

MAIÊUTICO

maieutico1
avejão helênico devasso a Hélade anosa,
perscruto Héstia, atenso para copular cioso,

tempestades de parêmias assolam a fleuma,
desértico, acuo na abóbada célica

incidências de ardis no Templo,
inerme ausência de Eros,

zeugmas pairam sobre pélagos,
imanes ofídios balétam virtuosos,

deuteragonista no drama litúrgico,
postergado por Zeus, exsolvido no Olimpo,

Zeus! Ares! Eros! onde estais? por que a indiferença?
novos Titãs fazem guerras de outra essência,
átomos divisos, gases letais descem dos céus!
Hélade existe, também morrem os seus!
amada Héstia, socorra-me com tuas virgens,
permita, por um instante, ser um deus!

retorno exaurido desta viagem reminiscente,
deixei-me levar como se de fato fosse,
ilusão de não estar onde estou e não me sinto,
morre em mim tudo que sonho, nada fica pra depois,
sentidos, pensamentos, escorrem pelas carnes,
resta o tédio, a vontade  de não-ser e abandonar-me

J. B. Vidal
inverno de 2000

Mais uma lembrancinha do nascimento do Brasil

descoboscarpereiradasilva

E assim seguimos nosso caminho, por este mar de longo, até que terça-feira das Oitavas de Páscoa, que foram 21 dias de abril, topamos alguns sinais de terra, estando da dita Ilha – segundo os pilotos diziam, obra de 660 ou 670 léguas – os quais eram muita quantidade de ervas compridas, a que os mareantes chamam botelho, e assim mesmo outras a que dão o nome de rabo-de-asno. E quarta-feira seguinte, pela manhã, topamos aves a que chamam furabuchos.

Neste mesmo dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! A saber, primeiramente de um grande monte, muito alto e redondo; e de outras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos; ao qual monte alto o capitão pôs o nome de O Monte Pascoal e à terra A Terra de Vera Cruz!

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Da Carta de Achamento de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal, D. Manuel, na qual anuncia a descoberta da nova terra. Voltaremos ao assunto no dia 1º de maio, data em que a carta foi assinada.
Ilustração: Desembarque da esquadra de Cabral, no dia 22 de abril de 1500 – Pintura de Oscar Pereira da Silva – acervo do Museu Paulista (Museu do Ipiranga), São Paulo, SP

Augusto dos Anjos, ecologista e futurólogo

O último dia 20 de abril marcou o 115º aniversário de nascimento de Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos (Cruz do Espírito Santo, 1884 — Leopoldina, 12 de novembro de 1914). Um dos mais críticos poetas de seu tempo, é  conhecido como simbolista ou parnasiano, embora alguns críticos o considerem pré-modernista.

Em homenagem a seu aniversário, publicamos dois sonetos. O primeiro, mostra a preocupação romântica do poeta com a proteção das árvores, numa época em que as matas orientais brasileiras ainda eram avantajadas. É apropriado, também, para o Dia da Terra, hoje comemorado.

O segundo soneto é um curioso elogio ao aeroplano. Note-se que Augusto dos Anjos, falecido em 1914, testemunhou apenas os primeiros passos da aviação. Na época de sua morte, preparava-se o uso do avião para a I Grande Guerra, que, segundo a história, tanto desgosto teria causado em Santos Dumont. Ambos nem sequer imaginavam que as aeronaves, já na metade do Séc. XX, se elevassem bem mais alto, “em busca do infinito”.

A Árvorte da Serra

arvore

– As árvores, meu filho, não têm alma!
E esta árvore me serve de empecilho…
É preciso cortá-la, pois, meu filho,
Para que eu tenha uma velhice calma!

– Meu pai, por que sua ira não se acalma?!
Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?!
Deus pôs almas nos cedros… no junquilho…
Esta árvore, meu pai, possui minha alma!…

– Disse – e ajoelhou-se, numa rogativa:
“Não mate a árvore, pai, para que eu viva!”
E quando a árvore, olhando a pátria serra,

Caiu aos golpes do machado bronco,
O moço triste se abraçou com o tronco
E nunca mais se levantou da terra!

A Aeronave

foguete1

Cindindo a vastidão do Azul profundo,
Sulcando o espaço, devassando a terra,
A Aeronave que um mistério encerra
Vai pelo espaço acompanhando o mundo.

E na esteira sem fim da azúlea esfera
Ei-la embalada na amplidão dos ares,
Fitando o abismo sepulcral dos mares
Vencendo o azul que ante si erguera.

Voa, se eleva em busca do Infinito,
É como um despertar de estranho mito,
Auroreando a humana consciência.

Cheia da luz do cintilar de um astro,
Deixa ver na fulgência do seu rastro
A trajetória augusta da Ciência.

Brasil, parabéns pra você!

Ontem foi comemorado o Dia Mundial dos Bombeiros e hoje (22/04) teremos que convocá-los para apagar as 509 velinhas do bolo de aniversário do Brasil. Apesar de tantas, elas representam apenas cinco séculos de desenvolvimento cultural, com alguns apagões no meio. Já começamos atrasados: foi só em 1530 que a coroa portuguesa passou a se interessar por estas terras descobertas por Cabral. Há muito que falar sobre a Terra de Santa Cruz, a Pindorama que os primeiros brasileiros estão redescobrindo e loteando. Mas hoje é só dia de festa. Para comemorar, postamos um vídeo produzido pelo Sebrae, há dois anos, que mostra a nossa diversidade cultural, por meio do Hino Nacional. Parabéns, Brasilsão!

Dia de Gaia

Hoje (22/04) festejamos o Dia da Terra. E, pelo menos uma vez por ano, refletimos sobre nossas responsabilidades como inquilinos deste Planeta. A tradição cultural da humanidade parece, nos ter dado, tal qual James Bond, licença para matar. Se sociologicamente definimos cultura como tudo o que é aprendido e partilhado por membros de um determinado grupo, o que cria identidade ao grupo a que pertençam, filosoficamente a concebemos como o conjunto de ações humanas que contrastam com a natureza ou com o comportamento natural, isto é, tudo o que o ser humano faz para alterar a natureza e adaptá-la – material ou espiritualmente – às suas necessidades de sobrevivência. Esses conceitos podem ser interpretados de maneira a proteger somente a vida humana e menosprrezar noosa indispensável interação com a terra. Se entendêssemos, desde o princípio, que somos parte da natureza e não seus senhores, teríamos uma convivência mais harmônica com o meio ambiente e, por extensão, com nossos semelhantes.

Dois momentos de reflexão: um poema de Fernando Pessoa/Ricardo Reis e um trecho do livro de Robert Russel sobre nossa relação com o Planeta. C. de A.

folhasevento3

A

Antes de nós nos mesmos arvoredos
Passou o vento, quando havia vento,
E as folhas não falavam
De outro modo do que hoje.

Passamos e agitamo-nos debalde,
Não fazemos mais ruído no que existe
Do que as folhas das árvores
Ou os passos do vento.

Tentemos, pois, com abandono assíduo
Entregar nosso esforço à Natureza
E não querer mais vida
Que a das árvores verdes.

Inutilmente parecemos grandes,
Salvo nós nada pelo mundo fora
Nos saúda a grandeza
Nem sem querer nos serve.

Se aqui, à beira-mar, o meu indício
Na areia o mar com ondas três o apaga,
Que fará na alta praia
Em que o mar é o Tempo?

A HUMANIDADE EM GAlA

Se a biosfera inteira evoluiu como um único sistema vivo, no qual todos os inúmeros subsistemas desempenham papéis diversificados, mas mutuamente dependentes, então a humanidade, sendo um subsistema desse sistema planetário maior, não pode ser dele apartada nem tratada isoladamente. Qual é, consequentemente, a função da humanidade em relação a Gaia?

gaia

Há comumente duas respostas contrárias a esta pergunta. A primeira afirma que a humanidade é como um vasto sistema nervoso – um cérebro global, em que cada um de nós seria uma célula nervosa individual. A segunda possibilidade, mais pessimista, é a de que nós, seres humanos, somos semelhantes a algum tipo de câncer planetário.

No que tange à primeira resposta, a sociedade humana, da mesma forma como o nosso cérebro, pode ser vista como um enorme sistema de coleta de dados, comunicação e memória. Nós, seres humanos, nos juntamos em aglomerados de cidades e metrópoles de maneira semelhante à aglomeração de células nervosas em gânglios num vasto sistema nervoso. Para unir os “gânglios” e cada uma das “células nervosas” existem vastas redes de informação.

Na sociedade, os sistemas mais lentos de transporte – como os serviços postais, em que itens específicos são enviados a diferentes partes do sistema – assemelham-se às redes relativamente lentas de comunicação química do corpo, e.g., o sistema hormonal. Por sua vez, as redes muito mais rápidas de telecomunicação eletrônica (telefones, rádios, computadores etc.) são como os bilhões de minúsculas fibras que unem as células nervosas no cérebro.

Num dado instante qualquer, há milhões de mensagens zunindo pela rede global, assim como no cérebro humano incontáveis mensagens estão continuamente indo e vindo em altíssima velocidade. Nossas bibliotecas e diversos outros arquivos de informação, poderiam ser vistos como parte da memória coletiva de Gaia. Através da linguagem e da ciência, nós conseguimos entender muito do que ocorre ao nosso redor, monitorando o comportamento do planeta como o cérebro monitora o do corpo. Poderíamos ver as culturas do Oriente e do Ocidente como os dois hemisférios do cérebro de Gaia – o esquerdo mais racional/intelectual e o direito mais intuitivo. E a nossa busca de conhecimento poderia ser o modo de Gaia saber mais sobre si mesma e sobre o universo em que vive.

Muitos dos paralelos acima tratam das funções mentais superiores – pensamento, conhecimento, percepção, consciência. Estas funções estão associadas ao córtex do cérebro humano, uma fina camada de células nervosas que envolvem o cérebro por fora, de modo que talvez fosse mais exato assemelhar a humanidade ao córtex do planeta.

Em termos evolucionários, o córtex é um acréscimo relativamente tardio, tendo se desenvolvido principalmente nos mamíferos. Ele não é necessário para manter a vida; o córtex de um animal pode ser extirpado e seu coração, pulmão, sistema digestivo e metabolismo prosseguirão intactos. De maneira semelhante, o planeta Terra sobreviveu perfeitamente bem sem a humanidade por mais de quatro bilhões de anos, e poderia continuar muito bem sem ela.

Isso nos traz à segunda possibilidade, a de que a humanidade talvez seja alguma forma de tumor maligno de erupção recente e que o planeta estaria melhor sem ela. Esta possibilidade ocorreu a Edgar Mitchell* ainda na lua. Imediatamente após o sentimento de identidade com o planeta como um todo, veio-lhe o sentimento oposto, “de que debaixo daquela atmosfera azul e branca havia o crescente caos que os habitantes da Terra vinham gerando entre si. A população e a tecnologia estavam rapidamente fugindo do controle dos homens. A tripulação da ‘espaçonave Terra’ parecia ter virtualmente se amotinado contra a ordem do Universo”.

A analogia com o câncer não pode ser ignorada. A civilização moderna parece estar carcomendo indiscriminadamente a superfície do planeta, consumindo em décadas recursos minerais que a própria Gaia herdou bilhões de anos atrás. Ao mesmo tempo, a humanidade ameaça destruir a estrutura biológica que levou milhares de anos para ser criada. Grandes florestas, essenciais para o ecossistema, parecem devoradas por traças; espécies animais estão sendo caçadas até a extinção; rios e lagos tornam-se amargosos, e grandes áreas do planeta vão sendo transformadas em deserto pela mineração e pelo concreto das cidades. De fato, uma fotografia aérea de qualquer grande metrópole com seus subúrbios espraiados lembra muito o modo como certos cânceres crescem no corpo humano. A civilização tecnológica realmente assemelha-se a um virulento tumor maligno que devora cegamente a sua própria hospedeira ancestral num ato egoísta de consumpção.

Essa é uma visão que parece opor-se à idéia de que a humanidade constitui algum tipo de cérebro global. Todavia, é inteiramente possível que ambas as concepções do papel da humanidade em Gaia sejam válidas. Talvez nós sejamos parte de algum sistema nervoso global que atualmente atra¬vessa uma fase extremamente rápida de desenvolvimento; talvez sejamos para o planeta tudo o que nossos cérebros são para nós. Entretanto, num estágio extremamente crítico, este sistema nervoso parece ter se descontrolado, ameaçando destruir o próprio corpo que sustenta a sua existência.

Se, portanto, pretendemos desempenhar nosso papel como uma parte do cérebro planetário, teremos de sustar o nosso comportamento deletério e reverter nossas tendências negativas. Para tal, é imperativo que modifiquemos, da maneira mais radical concebível, as nossas atitudes perante nós mesmos, perante os outros e o planeta como um todo.

Peter Russel**: O Despertar da Terra – o cérebro global. São Paulo: Cultrix, 2005
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Notas

* Edgar Mitchell – astronauta norte-americano, piloto do módulo lunar Antares, na missão Apollo 14 (1971), foi o sexto ser humano a pisar na Lua.
** Peter Russell (1946) é um autor britânico e produtor de filmes sobre estudos da consciência, espiritualidade e o futuro da humanidade. Na Universidade de Cambridge, estudou Matemática e Física Teórica. Mas, em seguida, tornou-se fascinado pelos mistérios da mente humana e mudou seu interesse científico para a Psicologia Experimental. Perseguindo esse objetivo, viajou à Índia para estudar meditação e filosofia oriental, e, no seu retorno, iniciou uma extensa pesquisa sobre Psicologia e Meditação. Seus principais livros: The TM Technique, The Upanishads, The Brain Book, The Global Brain Awakens: Our Next Evolutionary Leap, The Creative Manager: Finding Inner Vision and Wisdom in Uncertain Times, The Consciousness Revolution, Waking Up in Time: Finding Inner Peace In Times of Accelerating Change, e From Science to God: A Physicist’s Journey into the Mystery of Consciousness.

21 de abril

Hoje é quase domingo. Feriado nacional, quando se enforca o trabalho. Mas não foi para gerar um feriado que Tiradentes foi enforcado.

Conforme cantou Sérgio Porto, o Estanislau Ponte Preta, “Joaquim José / que também é / da Silva Xavier / queria ser dono do mundo/ e se elegeu Pedro II”.

Embora o Crioulo Doido estivesse fora da razão (daí a razão para o epíteto), o certo é que um feriado quase no meio da semana é que é doido. O dia de ontem já foi enforcado em muitos lugares. Municípios fizeram ponto facultativo (você sabe, é aquela data em que assina o ponto quem quer e, por princípio, ninguém quer), escolas fecharam, para aborrecimento de muitos pais que tiveram que emendar sábado, domingo, segunda e terça com a presença das crianças em casa.

Mas não deixemos de relembrar a história de Tiradentes, em cujo dia também se comemora o Dia da Latinidade (quem lembrou dele? Só o Chávez, quando presenteou o já rançoso livro do Eduardo Galeano ao Barack Obama); o aniversário de Brasília (inaugurada em 21 de abril exatamente porque Juscelino queria homenagear um mineiro ilustre); o aniversário de Roma (que não tem nada a ver com Tiradentes, mas em Brasília, na Praça dos Buritis, bem em frente ao palácio do governo distrital, existe uma réplica da Loba com Remo e Rômulo, presente da capital da Itália à capital brasileira –Brasília e Roma são cidades irmãs, devido à coincidência natalícia); Dia Mundial do Bombeiro, homenagem mais que justa (mas sempre apagada – perdão pelo trocadilho – diante da homenagem ao protomártir da Independência), e, ainda no Brasil, onde habita um povo que adora heróicos feriados retumbantes, o Dia da Polícia Civil, o Dia da Polícia Militar (que, possivelmente, serão os únicos a trabalhar neste feriado),  Dia do Metalúrgico (terá Lula lembrado de seus companheiros de antanho?) e, finalmente, o  Dia do Têxtil (que, de certa forma, colabora com a confecção das bandeiras hasteadas no dia de hoje).

Brincadeiras à parte, parabéns a todos os homenageados. Como Tiradentes é o grande nome do dia, vamos homenageá-lo com poesia de sua maior cantora, Cecília Benevides de Carvalho Meireles (1901-1964), em seu épico Romanceiro da Inconfidência, do qual reproduzimos um trecho (três fragmentos de falas). C. de A.

Do Romanceiro da Inconfidência

Cecília Meirelles
portinari-tiradentes-721

ã

Não posso mover meus passos
Por esse atroz labirinto
De esquecimento e cegueira
Em que amores e ódios vão:
– pois sinto bater os sinos,
percebo o roçar das rezas,
vejo o arrepio da morte,
à voz da condenação;
– avisto a negra masmorra
e a sombra do carcereiro
que transita sobre angústias,
com chaves no coração;
– descubro as altas madeiras
do excessivo cadafalso
e, por muros e janelas,
o pasmo da multidão.

Ó meio-dia confuso,
ó vinte-e-um de abril sinistro,
que intrigas de ouro e de sonho
houve em tua formação?
Quem condena, julga e pune?
Quem é culpado e inocente?
Na mesma cova do tempo
Cai o castigo e o perdão.
Morre a tinta das sentenças
e o sangue dos enforcados …
– liras, espadas e cruzes
pura cinza agora são.
Na mesma cova, as palavras,
e o secreto pensamento,
as coroas e os machados,
mentiras e verdade estão.

ceciliameirfelesNão choraremos o que houve,
nem os que chorar queremos:
contra rocas de ignorância
rebenta nossa aflição.
Choraremos esse mistério,
esse esquema sobre-humano,
a força, o jogo, o acidente
da indizível conjunção
que ordena vidas e mundos
em pólos inexoráveis
de ruína e de exaltação.
Ó silenciosas vertentes
por onde se precipitam
inexplicáveis torrentes,
por eterna escuridão!

________________

Ilustração: Detalhe do Painel Tiradentes, de Cândido Portinari – Memorial da América Latina, São Paulo

Um poema de Dunya Mikhail

dunyamikhailNascida em Bagdá em 19 de Março, Dunya Mikhail tem quatro coleções de poesia publicadas em árabe e uma em Inglês. Elas incluem Os Salmos da Ausência, Quase Música, e A Guerra trabalha duro. O seu livro Diário de uma Onda Fora do Mar está programado para sair na Primavera de 2009, pela editora New Directions. Em 2001, ela foi premiada com o Prêmio de Direitos Humanos das Nações Unidas para a Liberdade de Escrita. A Guerra trabalha duro, New Directions, 2005, (Carcanet,Londres, 2006) ganhou o Prêmio PEN de Tradução , foi seleccionado para o Prêmio Griffen de Poesia e pela Biblioteca Pública de Nova Iorque como um dos 25 melhores livros de 2005. Dunya tem Mestrado em Estudos do Oriente Médio pela Wayne State University, de Michigan, e  é Bacharel em Inglês e Letras da Universidade de Bagdá. Trabalha atualmente como coordenadora de recursos árabes em escolas públicas e na Dearborn Michigan State University. http://www.dunyamikhail.com/

The War Works Hard

How magnificent the war is!
How eager
and efficient!
Early in the morning,
it wakes up the sirens
and dispatches ambulances
to various places,
swings corpses through the air,
rolls stretchers to the wounded,
summons rain
from the eyes of mothers,
digs into the earth
dislodging many things
from under the ruins…
Some are lifeless and glistening,
others are pale and still throbbing…
It produces the most questions
in the minds of children,
entertains the gods
by shooting fireworks and missiles
into the sky,
sows mines in the fields
and reaps punctures and blisters,
urges families to emigrate,
stands beside the clergymen
as they curse the devil
(poor devil, he remains
with one hand in the searing fire)…
The war continues working, day and night.
It inspires tyrants
to deliver long speeches,
awards medals to generals
and themes to poets.
It contributes to the industry
of artificial limbs,
provides food for flies,
adds pages to the history books,
achieves equality
between killer and killed,
teaches lovers to write letters,
accustoms young women to waiting,
fills the newspapers
with articles and pictures,
builds new houses
for the orphans,
invigorates the coffin makers,
gives grave diggers
a pat on the back
and paints a smile on the leader’s face.
The war works with unparalleled diligence!
Yet no one gives it
a word of praise.

guerra

A guerra trabalha duro

Quão magnificente é a guerra!
Quão ávida
e eficiente!
Cedo, pela manhã
ela desperta as sirenes
e despacha ambulâncias
a vários lugares,
estende macas aos feridos,
reune chuva
nos olhos das mães,
e desentoca coisas
de baixo das ruinas…
Algumas são exangues e cintililantes,
outras são pálidas e ainda palpitantes…
Isso produz muitas perguntas
nas cabeças das crianças,
entretém os deuses
com tiros de fogos de artifício e mísseis
em direção ao céu,
semeia minas nos campos
e colhe buracos e pústulas,
estimula famílias a emigrar,
poisiciona-se ao lado dos sacerdotes
enquanto eles amaldiçoam o diabo
(pobre diabo, ele permanece
com a mão no ferro em brasa)…
A guerra continua seu trabalho, dia e noite.
Ela inspira tiranos
a oferecer longos discursos
premia com medalhas os generais
e com temas os poetas.
Ela contribui com a indústria
de membros artificiais,
provê comida às moscas,
acrescenta páginas aos livros de história,
permite igualdade
entre assassinos e assassinados,
ensina amantes a escrever missivas,
acostuma jovens mulheres a esperar,
enche os jornais
com artigos e fotografias,
constrói casas novas
para os órfãos,
estimula os fabricantes de ataúdes,
dá aos coveiros
um tapinha nas costas
e desenha um sorriso no rosto do líder.
A guerra trabalha com incomparável diligência!
E, no entanto, ninguém lhe destina
uma só palavra de louvor.

(versão: C. de A.)