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21 de abril

Hoje é quase domingo. Feriado nacional, quando se enforca o trabalho. Mas não foi para gerar um feriado que Tiradentes foi enforcado.

Conforme cantou Sérgio Porto, o Estanislau Ponte Preta, “Joaquim José / que também é / da Silva Xavier / queria ser dono do mundo/ e se elegeu Pedro II”.

Embora o Crioulo Doido estivesse fora da razão (daí a razão para o epíteto), o certo é que um feriado quase no meio da semana é que é doido. O dia de ontem já foi enforcado em muitos lugares. Municípios fizeram ponto facultativo (você sabe, é aquela data em que assina o ponto quem quer e, por princípio, ninguém quer), escolas fecharam, para aborrecimento de muitos pais que tiveram que emendar sábado, domingo, segunda e terça com a presença das crianças em casa.

Mas não deixemos de relembrar a história de Tiradentes, em cujo dia também se comemora o Dia da Latinidade (quem lembrou dele? Só o Chávez, quando presenteou o já rançoso livro do Eduardo Galeano ao Barack Obama); o aniversário de Brasília (inaugurada em 21 de abril exatamente porque Juscelino queria homenagear um mineiro ilustre); o aniversário de Roma (que não tem nada a ver com Tiradentes, mas em Brasília, na Praça dos Buritis, bem em frente ao palácio do governo distrital, existe uma réplica da Loba com Remo e Rômulo, presente da capital da Itália à capital brasileira –Brasília e Roma são cidades irmãs, devido à coincidência natalícia); Dia Mundial do Bombeiro, homenagem mais que justa (mas sempre apagada – perdão pelo trocadilho – diante da homenagem ao protomártir da Independência), e, ainda no Brasil, onde habita um povo que adora heróicos feriados retumbantes, o Dia da Polícia Civil, o Dia da Polícia Militar (que, possivelmente, serão os únicos a trabalhar neste feriado),  Dia do Metalúrgico (terá Lula lembrado de seus companheiros de antanho?) e, finalmente, o  Dia do Têxtil (que, de certa forma, colabora com a confecção das bandeiras hasteadas no dia de hoje).

Brincadeiras à parte, parabéns a todos os homenageados. Como Tiradentes é o grande nome do dia, vamos homenageá-lo com poesia de sua maior cantora, Cecília Benevides de Carvalho Meireles (1901-1964), em seu épico Romanceiro da Inconfidência, do qual reproduzimos um trecho (três fragmentos de falas). C. de A.

Do Romanceiro da Inconfidência

Cecília Meirelles
portinari-tiradentes-721

ã

Não posso mover meus passos
Por esse atroz labirinto
De esquecimento e cegueira
Em que amores e ódios vão:
– pois sinto bater os sinos,
percebo o roçar das rezas,
vejo o arrepio da morte,
à voz da condenação;
– avisto a negra masmorra
e a sombra do carcereiro
que transita sobre angústias,
com chaves no coração;
– descubro as altas madeiras
do excessivo cadafalso
e, por muros e janelas,
o pasmo da multidão.

Ó meio-dia confuso,
ó vinte-e-um de abril sinistro,
que intrigas de ouro e de sonho
houve em tua formação?
Quem condena, julga e pune?
Quem é culpado e inocente?
Na mesma cova do tempo
Cai o castigo e o perdão.
Morre a tinta das sentenças
e o sangue dos enforcados …
– liras, espadas e cruzes
pura cinza agora são.
Na mesma cova, as palavras,
e o secreto pensamento,
as coroas e os machados,
mentiras e verdade estão.

ceciliameirfelesNão choraremos o que houve,
nem os que chorar queremos:
contra rocas de ignorância
rebenta nossa aflição.
Choraremos esse mistério,
esse esquema sobre-humano,
a força, o jogo, o acidente
da indizível conjunção
que ordena vidas e mundos
em pólos inexoráveis
de ruína e de exaltação.
Ó silenciosas vertentes
por onde se precipitam
inexplicáveis torrentes,
por eterna escuridão!

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Ilustração: Detalhe do Painel Tiradentes, de Cândido Portinari – Memorial da América Latina, São Paulo