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Maurício Ferreira em dose dupla

Segunda-feira da ressaca de Saramago

Maurício Ferreira, Jaú, SP

Dever humano:
Perdoar o Judas
Eternamente.

Nenhuma culpa, nenhum rancor

Apenas gravidades de compaixão
Onde Jesus, Javé, e Alá
Batem bocha, pebolim e rock’n’roll.
Sem árbitro ou arbítrio,
Em alguma sauna da periferia do infinito.

Absolutamente inocentes
Da inesgotável estupidez
Tão nossa.

Pretensiosa pluma no nariz da metafísica.

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Uma pequena vitória do Mal

El gusto es la cualidad fundamental que resume
todas las otras. Es el nec plus ultra de la inteligencia.
Sólo por él residen en el genio la salud suprema y el
equilibrio de todas las facultades.
Isidore Ducassé – Conde de Lautreamónt – Maldoror


As lacerações do mundo distendidas em tripas noturnas
Unico livro lido por Jack the Ripper.
Becos de Londres
Pontes de Paris
Pampas do Uruguai.
Luar e lâmina.
Sempre.

Vai volta retorna
sangue profano,
sacristias blasfemas,
cuspo, gala, escarro
fio, linho, novena,
Sempre

Velas! A chama tremulando
rufadas de vento, doce pios de corujas, bicos sangrentos.
agonias de fome, estertores do devorado vivo.

Todas as belezas sanguíneas da natureza humana.

Rá-Rá Rá-Rá Rá-Rá Rá-Rá.
MaldororMaldororMaldororMaldororMaldororMaldororMaldororMaldoror!!!!!!!

Sua prisão de papel não te bastou.
ERGUE-TE.

Nas montanhas de vidro, concreto e açO
Destila seu veneno novamente,
Verás que tudo está mais difícil,
o homem evoluiu de crueldade em crueldade
E não com bom gosto.
mas prá TI, amante de tubaroas,
como quem finaliza a última casa do paletó,
basta apertar um botão.

Tantos átomos para queimar, não é verdade.
Doces delícias de desintegração em massa.
Bilhões de seres esperando, doce êxtase,
uma simples flexão de Teu dedO

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Ilustração: C. de A.

Lá de Portugal, Vera Lúcia comenta Saramago

O comentário de Vera Kúcia Kalahari está no post abaixo, que noticia a morte do escritor português. Merece destaque.

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Saramago — Caricatura de Sergei

Conheci José Saramago, ainda era ele um simples redator do Diário de Lisboa, e eu de O País, frequentadores das tascas do Bairro Alto, onde o Saramago se sentava, sem dar grande conversa, porque era extraordinàriamente introvertido. Nessa altura, comungando os dois das mesmas ideias políticas, tivemos oportunidade de algumas trocas de impressões, porque, com ele, falava ao sabor das minhas convicções com as quais estávamos sempre ou quase sempre de acordo, exceto quando se versava sobre a religião. Que outro mérito não houvesse, já que neste ponto discordávamos em absoluto, salvava-se a dose de originalidade, que eu não deixava de admirar e até me dava gozo, quanto mais não fosse por lhe proporcionar motivos de azedume que acabavam sempre em grandes risadas…

A vida levou-nos para rumos diferentes. Estive sempre atenta ao seu percurso literário e à sua subida em espiral rumo ao sucesso. Mas da sua imagem permanece a daquele colega zombeteiro, irônico, que se ria dos patriotas encartados, sem a ”honesta” hipocrisia social.

Hoje choro por esse Saramago, por essas horas passadas nas tasquinhas lisboetas, não o Prêmio Nobel, mas o camarada, falando das guerras, ditaduras, revoluções, monstruosas inocências e desenganos, mortos e até de vivos conhecidos que até hoje não sei a que plagas foram dar.

E acalento apenas a ambição de voltarmos um dia, onde quer que seja, a retomarmos essas discussões intermináveis.

Vera Lúcia, 18 de junho de 2010