O comentário de Vera Kúcia Kalahari está no post abaixo, que noticia a morte do escritor português. Merece destaque.
_______________________________________
Conheci José Saramago, ainda era ele um simples redator do Diário de Lisboa, e eu de O País, frequentadores das tascas do Bairro Alto, onde o Saramago se sentava, sem dar grande conversa, porque era extraordinàriamente introvertido. Nessa altura, comungando os dois das mesmas ideias políticas, tivemos oportunidade de algumas trocas de impressões, porque, com ele, falava ao sabor das minhas convicções com as quais estávamos sempre ou quase sempre de acordo, exceto quando se versava sobre a religião. Que outro mérito não houvesse, já que neste ponto discordávamos em absoluto, salvava-se a dose de originalidade, que eu não deixava de admirar e até me dava gozo, quanto mais não fosse por lhe proporcionar motivos de azedume que acabavam sempre em grandes risadas…
A vida levou-nos para rumos diferentes. Estive sempre atenta ao seu percurso literário e à sua subida em espiral rumo ao sucesso. Mas da sua imagem permanece a daquele colega zombeteiro, irônico, que se ria dos patriotas encartados, sem a ”honesta” hipocrisia social.
Hoje choro por esse Saramago, por essas horas passadas nas tasquinhas lisboetas, não o Prêmio Nobel, mas o camarada, falando das guerras, ditaduras, revoluções, monstruosas inocências e desenganos, mortos e até de vivos conhecidos que até hoje não sei a que plagas foram dar.
E acalento apenas a ambição de voltarmos um dia, onde quer que seja, a retomarmos essas discussões intermináveis.
Vera Lúcia, 18 de junho de 2010