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Jamil Snege faz muita falta (Wilson Bueno)

A frase é simples, quase rotineira. Sempre aparece quando perdemos uma pessoa querida. Mas Wilson Bueno, no ano passado, quando sequer imaginava que também se juntaria a Jamil Snege, em algum canto da nova vida (em duplo sentido), a escreveu com a saudade de um amigo cultivado por quarenta anos. Jamil Snege faz muita falta.

Hoje, domingo, oito dias após o aniversário de Jamil, encontrei entre meus livros o seu O jardim, a tempestade (que Bueno considerava a sua melhor obra) e também bafejou aquela brisa de saudade.  Também fomos amigos por muitos anos e convivemos em sonhos e realidades. Uma delas foi o Tempo Sujo, de 1969, seu primeiro livro, por mim ilustrado e editorado com os recursos da época. Na dedicatória grafada n’O Jardim, em 19 de junho de 1989, Jamil fez um P.S. rememorativo: “Nosso Tempo Sujo comleta 22 anos em dezembro próximo. Você acha que ‘limpou’ alguma coisa? Abração, J.S.”

É possível, Jamil, porque temos que acreditar que sempre virão tempos melhores. E sua poesia ajudou a construí-los. Pois, como disse o também poeta Roberto Piva, que igualmente passou para o outro lado há pouco, “a Poesia não impediu Auschwitz. O poeta não existe para impedir essas coisas. O poeta existe para impedir que as pessoas parem de sonhar”. E o melhor da história é que os poetas não morrem. Tiram férias permanentes e seus versos continuam a trabalhar por eles, a limpar os tempos.

Feliz aniversário, Jamil! Porque, sem tirar os já passados sete anos de perenes férias, foram 71 anos de vida bem vivida e que sempre continuará a viver em seus textos. Como faremos com dois poemas, um deles em homenagem a Wilson Bueno. E na página de Crônicas vai o texto de Wilson Bueno, publicado quando você completou 70 anos.

Aos opacos

Jamil Snege, Curitiba (1939, 2003)


……..Deixem-me arder
……..Deixem-me queimar as asas
nesse vela,
nesse sol, nesse leiser que envenena
as couves embrutedidas
pela treva.
…….Deixem-me arder.
…….Se ofendo sua lógica,
sua prosódias, seus anéis
de sempre elegante curvatura,
esmaguem minha musculatura
e os ossos que a sustêm.
…….Mas me deixem arder
…….Deixem-me arder de infinito
nesse iníquo delíquio
de existir.
…….E se os ofendo,
soprem minhas cinzas,
derramem minha lixívia,
mas me deixem auferir
as estrelas como o úmero roto
açoita o músculo que seu vôo
desencanta.
…….Deixem-me luzir
definhar meu luminoso espanto
onde só lhes é permitido
sobraçar espasmos
e guarda-chuvas.
…….E seu eu venha a ferir,
opacos, o lusco-fusco
de seus baços,
o hálito de hortaliças,
o bolor de queijo
que amadurece em seus
atrios
absteçam-me de mil insultos
…….Mas me deixem incender.

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Osso para Wilson


Penso em Wilson Bueno
como um osso ao relento,
nu e núbil como um osso
a esmo.

Osso que se bastasse
de sua óssea alvura,
nu e núbil de sua própria
lua.

Osso que se recusasse
à sina que o paparica
e se adornasse de sua
própria adrenalina.

Osso à deriva, a dedilhar
seus venenos como uma
visita.

Osso Wilson Bueno
Ouço sua cítara.

De O Jardim, a tempestade. Jamil Snege. Curitiba: edição do autor, 1989.

A homenagem a Walmor Marcellino

Familiares e amigos de Walmor Marcellino participam do lançamento de seu último livro

O jornalista e poeta Walmor Marcellino, falecido em setembro do ano passado, foi homenageado nesta quinta-feira (4/02/2010), na Biblioteca Pública do Paraná, em Curitiba. Familiares e amigos do jornalista se reuniram na data em que ele completaria 80 anos para o lançamento do seu último livro Ulciscor e abertura da exposição de fotos Walmor e Amigos.

Elba Ravaglio

Elba Ravaglio

O livro foi organizado pela viúva de Marcellino, Elba Ravaglio. “Walmor era uma pessoa incorruptível. Ele estava sempre à margem esquerda, determinado a alcançar um mundo mais justo. Este livro que lançamos hoje é uma obra seqüente de todos escritos que ele já lançou. Ali ele aborda política, sociedade, meios de comunicação. Não há um tema único, mas um conjunto de assuntos que relatam suas experiências e observações sobre o mundo”, explicou o filho do escritor, Marcelo Marcellino.

Nelson Padrella

“Conheci o Walmor nos anos 50, no Diário do Paraná. Havia uma página de arte chamada Letras e Artes, onde os jovens poetas colocavam suas idéias. Ali eu comecei a colocar meus poemas. Walmor me ensinou que poesia não são apenas versos rimados, mas versos livres, como Drummond. Ele foi uma pessoa séria, muito correta. Encarava política como uma missão. Este livro é uma surpresa. Elba finalizou o trabalho, estamos curiosos para saber o seu conteúdo”, destacou o escritor e artista plástico Nelson Padrella.

O poeta Manuel de Andrade contou que voltou a escrever após 30 anos, graças ao incentivo de Walmor Marcellino. “O último escrito que publiquei foi em 1968, ano em que entrou em vigor o AI-5. Walmor foi preso e eu exilado. Eu o reencontrei apenas em 2002. Na época ele me convidou para participar da antologia poética que ele estava organizando, livro que se chamou Próximas Palavras. Voltei a escrever poesia graças a Walmor. Foi uma honra conhecer uma pessoa como ele”, contou Andrade.

“Walmor não era um autor fácil. O processo de consagração deste tipo de escritor é lento, porém inevitável. Ele será consagrado à medida que as pessoas lerem seus trabalhos. É um grande autor, que continuará fazendo história. Seu nome vai continuar vivo”, acentuou o filósofo José Veríssimo Teixeira da Mata, amigo de Walmor.

“Ele era um intelectual multifacetado da literatura, da crônica do cotidiano. Tinha uma palavra firme e desapegada, comprometida com a sua consciência e com a consciência coletiva dos trabalhadores. Um dos maiores intelectuais paranaenses que deve sempre ser relembrado. Fundamentalmente devemos seguir o seu exemplo de coragem”, afirmou o presidente da Ferroeste, Samuel Gomes.

Ulciscor, o último livro

Walmor Marcellino foi casado duas vezes e teve quatro filhos, um deles já falecido. Nascido em Araranguá (SC), em 1930, morou em Florianópolis, Porto Alegre e fixou residência em Curitiba. Escritor com forte atuação política, publicou mais de 30 livros, entre poesia, ficção e textos de opinião.

O jornalista se destacou como ativista de esquerda, participando das lutas pela volta da democracia brasileira nos anos de chumbo do regime militar. Na década de 70, participou do Centro Popular de Cultura em Curitiba e de grupos de teatro da UFPR, sempre em oposição à ditadura militar. Preso político, nunca se furtou da crítica ao governo militar e das suas posições políticas.

Marcellino trabalhou em diversos órgãos de comunicação, entre eles a Gazeta do Povo e o jornal Última Hora, e também na Assembleia Legislativa do Paraná e no Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE).

Além de jornalista, poeta, e dramaturgo, Walmor Marcelino também era compositor. Junto com o músico Gerson Biantinez, compôs O Encontro de Walmor Marcellino com o Capitão Lamarca. A música, inédita, fala do encontro do jornalista com o guerrilheiro. (Agência Estadual de Notícias, fotos Levy Ferreira)

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Ao amigo Walmor

Manoel de Andrade

Manoel de Andrade - foto Levy Ferreira

Estive quinta feira, dia 04, na merecida homenagem aos 80 anos de Walmor Marcelino e lançamento de seu livro Ulciscor.  O evento foi aberto com as palavras do nosso querido Cláudio Fajardo, diretor da Biblioteca Pública do Paraná, saudando, com sua invejável linguagem,  o amigo de muitas trincheiras e abordando a obra literária e o pensamento político do Walmor.

Muita gente, canais de TV filmando e um programa onde amigos leram alguns de seus poemas e escritos políticos intercalados com trechos de uma de suas entrevistas, exibida em data-show num telão ao fundo. Jornalistas, políticos, poetas, atores, muitos dos seus velhos camaradas do Partido Comunista, admiradores e leitores dos seus mais de 30 livros.  Li o seu poema As Mães da Praça de Maio e, em nome do João Bosco Vidal — que o conheceu depois da anistia —, o seu poema Culpa. No final da primeira parte foi interpretada a canção lembrando o encontro de Walmor com o guerrilheiro Carlos Lamarca, com letra do próprio poeta e música e interpretação de Genson Biantinez. O evento foi encerrado  com meu preito de gratidão ao Walmor que, em 2002, marcou meu reencontro com a poesia depois de 30 anos de abstinência literária ao incluir meus poemas na antologia Próximas Palavras, e me estimulando a voltar a escrever.

Posteriormente foi inaugurada, no saguão do auditório, a sua imagem em mosaico feita pelo artista equatoriano Javier Guerrero, num comovente tributo de Cláudio Fajardo ao amigo e ao velho companheiro de lutas nos “anos de chumbo” da ditadura militar.

Conheci o Walmor na década de 60. Éramos uma meia dúzia de “ratos” de livraria da Ghignone, naquele saudoso tempo em ela ainda abria suas portas na rua XV de Novembro.Ali, no final das tardes, chegava o livreiro Aristides Vinholes, o poeta e crítico literário Sérgio Rubens Sossella, o publicitário e romancista Jamil Snege, o poeta e contista Nelson Padrella, o grande polemista Walmor Marcelino e eu, que estreava naqueles anos na poesia. Mas toda aquela memorável agenda vespertina se fechou para sempre depois que a Ditadura lançou o AI-5, em 13 de dezembro de 68, e muitos de nós passamos a respirar numa atmosfera de medo e de pressentimentos. O marxista Vinholes sumiu, o Walmor foi preso e eu fugi para a América Latina. Eu só encontraria o Walmor no século seguinte.

Reencontros inesquecíveis

Depois de viver muito tempo fora de Curitiba – Londrina, Brasília, São Paulo, Londrina novamente, voltei à Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais para reorganizar a “melhor idade” (que tolice! melhor idade é aquela em que a gente vive bem, do zero aos cento e tantos), agregar a família, curtir os netos e rever uma boa quantidade de amigos que aqui havia deixado. Dizem que amigos-amigos podem ser contados nos dedos das mãos. Mas descobri que tenho mais amigos que dedos. Bastou uma voltinha pelo delicioso cenário do mercado municipal para encontrar, de cara, dois ou três deles. Alguns telefonemas e velhas amizades já estavam rejuntadas com cola mágica, melhor do que aquelas à base de éster de cianoacrilato. Reuniões promovidas por amigos mais chegados e eis diante de mim chusmas de e(ternos) companheiros e companheiras (no bom sentido da palavra), a relembrar os anos 60 e 70, quando aqui vivi intensamente. Amizades já velhas de 40 anos, mas nunca desgastadas, se renovaram como se o lapso tivesse sido apenas de poucos meses.

Evidentemente, alguns amigos já tinham tomado outros rumos desconhecidos, aqueles que muitos afirmam existir, mas nuca realmente comprovados. Outros encontrei de malas prontas e pude usufruir um pouquinho suas presenças físicas. Alguns, lamentavelmente, não alcancei abraçar antes da partida e lastimo não ter feito maior esforço para visitá-los antes que o trem partisse, como os bons amigos Érico da Silva e o Jamil Snege.

Perguntei por esse e aquele: já não vivem mais em Curitiba. Onde? Não sei, sei, mas não tenho o endereço. E descobri também que Curitiba já não é a cidade semiprovinciana dos anos 60, onde (quase) todo mundo se conhecia, existia número reduzido de locais para se frequentar e a Rua XV era o grande ponto de encontro. Hoje, ao passar por lá, de vez em quando reconheço algumas faces antigas, camufladas pela geada do tempo, mas há uma multidão de caras novas totalmente irreconhecíveis. É a Curitiba cosmopolita, metida a cidade grande, de centro renovado e, até certo ponto, degradado.

Mas volto às amizades, que é o que interessa. Na lista dos amigos debandados estava o arquiteto Sérgio Todeschini Alves, dedicado durante década e meia ao patrimônio histórico do Paraná. Frequentávamos, nos Anos de Ouro, as exposições, os recitais de música e as eventuais tertúlias intelectuais. No meu primeiro êxodo, em direção a Londrina, Sérgio foi muito importante para a realização de um projeto meu na Universidade de Londrina – onde eu dirigia o setor cultural, no reitorado de Oscar Alves – e que objetivava tombar a antiga estação rodoviária no patrimônio histórico, antes que algum desvairado alcaide utilizasse apenas a primeira acepção do verbo ambíguo. O edifício, projetado pelo arquiteto paranaense João Batista Vilanova Artigas, iniciado a construir em 1949 e inaugurado em 1952, havia cumprido sua missão e o local já não conseguia receber a catadupa de ônibus bem mais crescidinhos que as antigas jardineiras dos anos 40. José Richa, prefeito empossado em 72, havia encomendado a Oscar Niemeyer um projeto de uma nova e maior rodoviária.
Aliás, quando inaugurada, a antiga rodoviária londrinense já estava ungida como patrimônio histórico, pois foi o primeiro edifício público do Paraná projetado dentro dos cânones da arquitetura moderna do Século XX. E aproveito para fazer um reparo a alguns historiadores pouco informados: o tombamento não se deu graças a iniciativa da Secretaria de Cultura do Paraná e sim por proposição da UEL, como já registrei anteriormente. Mesmo porque, naquele ano de 1975, quando se deu o tombamento, nem havia a referida secretaria, criada apenas na última gestão de Ney Braga, em 1979. O Patrimôniuo Histórico do Estado estava ligado ao Departamento de Cultura da Secretaria de Educação. Para comprovar, transcrevo o texto publicado por Sérgio Todeschini Alves em seu blog Todesca, lá em Itu, após o milagre da reaproximação eletrônica  promovido pela Internet.

A internet continua a me surpreender! Numa navegação descobri o blog do Cleto de Assis – Banco da Poesia. Lembro em 1976, eu estava Diretor do Patrimônio Histórico e Artístico do Paraná, e fui convocado pelo Cleto, então Diretor da Área Cultural da
Universidade de Londrina, para fazer o tombamento da Estação Rodoviária de Londrina, projeto do arquiteto Vilanova Artigas. A estação representava o progresso da região e tinha valor histórico, porque a maioria das pessoas que habitavam aquela pujante cidade, haviam chegado por aquele porto. Não tive dúvidas, convocado pelo Cleto, fiz uma pequena consulta a alguns membros do Conselho, e iniciamos o processo de tombamento. No dia do tombamento estava presente o  arquiteto Vilanova Artigas, o prefeito de Londrina José Richa, o reitor da Universidade de Londrina Oscar Alves, e inúmeras personalidades. Vilanova Artigas, que havia perdido a sua cátedra por perseguições políticas, fez um violento discurso contra a ditadura, o que, convenhamos, na época era coragem extrema. Tudo isso eu conto, porque me veio de relance à memória, e por ter descoberto o blog do Cleto, que fala de poesia.” Avante Cleto, o mundo precisa de poesia!

Em foto da década de 70, Vilanova Artigas na rodoviária de Londrina, provavelmente na ocasião de seu tombamento

A rodoviária de Londrina na década de 50, foto enviada por Carlos Verçosa, da Bahia

E lá veio, do interior paulista, mais uma velha amizade recuperada. Que me dá ensejo de contar as historinhas adjacentes, como a da rodoviária de Vilanova Artigas.

Após seu tombamento, a rodoviária ainda continuou a ser utilizda como terminal de transporte, até 1988, quando foi desativada em razão da inauguração da nova estação. E então, é preciso dizer, quase teve o mesmo destino dos prédios cadastrados no patrimônio histórico e artístico. Ficou abandonada por algum tempo, até ser restaurada, em 1992, pela Associação dos Funcionários da Viação Garcia e ressurgir para um nobre destino, ao ser transformada no Museu de Arte de Londrina, em 1993, segundo projeto de adaptação elaborado pelo arquiteto Antonio Carlos Zani. Uma obra de arte com ventre recheado de outras.

O atual Museu de Arte de Londrina

Não bastasse esse prodígio, a nova e boa rede de comunicação me trouxe de volta também outro velho e bom amigo, Carlos Alberto Verçosa da Silva, poeta, jornalista e publicitário que conheci em Londrina, raptado, há muitos e muitos anos, pela Bahia, que o vestiu até com o sotaque daquele país nordestino. E novamente a rodoviária vem à baila, na coleção de fotos antigas de Londrina que Verçosa me envia lá de Salvador.

Em novembro de 2009 Sérgio veio a Curitiba, com sua Silvana,  para festejar mais um ano de sua turma de arquitetura da UFPR. Telefonou-me e pudemos nos encontrar por algumas horas, primeiro na inauguração do Museu Guido Viaro e, em seguida, na sempre boa mesa do Ile de France, do restaurateur Jean Paul Roland Deckoc.

Sérgio e Silvana, 11 de novembro, chuvosa noite do apagão, no Ile de France

Estas reminiscências são feitas para, principalmente, ressaltar o valor das boas amizades e foram ainda mais provocadas pela surpresa de um poema enviado ao Banco da Poesia por outro amigo, o médico Oscar Alves. Além de amigo, fratello del cuore, como dizem os italianos Apesar disso, eu desconhecia as suas aptidões poéticas. E ele escolheu exatamente o tema Amizade para registrar seus versos (ver abaixo).

Como eu mesmo escrevi, em um poema dedicado ao reencontro com Manoel de Andrade, ter amigos é a melhor coisa que existe. (C. de A.)

A Revista Forma

Manoel de Andrade
formaneco

Não me esquecera da Revista Forma e do impacto cultural que causou na época, acenando-nos, naquele janeiro de 1966, com um espaço onde pudéssemos semear nossas ideias e nossos sonhos.

Forma chegava no momento certo. Os tempos sinalizavam para a nossa emancipação intelectual e, na década de 60, apesar do quartelaço de 64, o Paraná passava por um estado de graça em termos de cultura, e Curitiba, como centro polarizador dessa conjuntura, demandava uma publicação que expressasse ao país aquela realidade e partilhasse suas inquietudes com a inteligência nacional.. Vivia-se numa agradável atmosfera do espírito, marcada pela relevância das artes plásticas na presença do Juarez Machado, cartunista, na imprensa nacional; pelos prêmios do João Osório Brzezinski; pelas gravuras do Fernando Calderari e pelo destaque do Salão Paranaense de Belas-Artes. A literatura ainda buscava seu espaço marcado com a presença de novos poetas e contistas, pelo destaque de prosadores como o Dalton Trevisan e Jamil Snege e pela emocionante Noite da Poesia Paranaense, em 65, no Teatro Guaira. A dramaturgia mostrava sua presença com o talento de Cláudio Correia e Castro na direção do Teatro de Comédia do Paraná e, pelo apoio oficial, foi criado no Teatro Guaíra a Escola de Arte Dramática,  promovendo-se um intercâmbio com grandes companhias nacionais que colocaram Curitiba no roteiro dos grandes espetáculos. A música também ensaiava, por aqui, os seus melhores passos e instituições como a Pró-Música e a Scabi estiveram à frente de cursos e festivais de música realizados na Capital. Tudo isso partilhado com a regência do grande trabalho do maestro Roberto Schnorremberg no comando do Curso Internacional de Música do Paraná. Muitos de nós líamos o Cahiers du Cinéma e acompanhávamos também o pionerismo de Sylvio Back que já anunciava seu grande talento em vários curta-metragens, lançando em 1968, o filme Lance Maior.A crítica cinematográfica surge com o talento prematuro e de vanguarda de Lélio Sotomaior e Sérgio Rubens Sossélla, –que em setembro de 1963 me presenteou seu primeiro livro, 9 Artigos de Crítica  –marcou sua  indelével passagem por aqueles anos, como poeta, como crítico  – um dos maiores entendidos na obra de Fialho de Almeida, no Brasil  – e como colaborador e membro do Conselho de Redação da revista Forma. Naquela mesma época, publicava o ensaio sobre Milton Carneiro e sua Procissão de Eus. Na imprensa, a cultura era veiculada através da incansável atividade de Aramis Millarch e, sobretudo, pelo respeitável trabalho de Aroldo Murá Haigert, cuja coluna Vernissage, no Diário do Paraná, era a caixa de ressonância da melhor expressão da arte e da cultura paranaense. Quiséramos falar de outras sementes, de flores que desabrochavam e de frutos que começavam a amadurecer. Quiséramos falar  das tantas luzes que iluminaram aquela aurora cultural – marcada também pela arquitetura e a importância superlativa do nosso urbanismo –, mas tudo isso ou quase tudo, mal conseguiu chegar intacto até o fim de 68. E toda esta  primavera curitibana  –  abortada pela repressão e o trágico silêncio cultural que se seguiu ao AI-5 –  a Forma se propunha abarcar em seu espaço, mas fechou suas páginas prematuramente e não conseguiu retratar a integralidade daquele fenômeno.

Em julho de 2003 enviei uma carta a Fabio Campana parabenizando-o pelo primoroso lançamento da Revista Et Cetera e dizendo-lhe que, apesar de não ter notícia de que no Paraná se tenha publicado uma revista de cultura com um requinte visual e uma escolha tão criteriosa dos textos quanto a sua, houve, contudo, em Curitiba, uma honrosa exceção, tentada no bem intencionado projeto da revista Forma, lançada pela originalidade e a sensibilidade gráfica de Cleto de Assis e com carismática intelectualidade de Philomena Gebran.

Hoje, 43 anos depois, compulsando com saudade suas páginas, abro o meu nº 01  – autografado pela Philomena, pelo Cleto e pelo João Osório – e releio o primeiro artigo: Cultura no Paraná, uma bela matéria sobre a primeira metade da década de 60. Escrito com  elegância  e inteligência por Ennio Marques Ferreira (a quem o Paraná também muito deve por sua passagem, naquela época, pelo Departamento de Cultura da Secretaria da Educação e Cultura e, mais recentemente, na Casa Andrade Muricy), o texto delineia toda a paisagem cultural do Estado, na primeira década de 60, enfatizando o papel da arquitetura e das artes plásticas. Seguem outras tantas expressões da cultura paranaense e pontificam neste número os desenhos litografados de Poty, a pintura de João Osório, um estudo sobre uma partitura de Bach feita pelo regente José de Almeida Penalva (o famoso Padre Penalva, da época), um belíssimo poema do poeta e estadista senegalês Léopold Sedar Senghor e textos de Sylvio Back, Elias Farah e Nelson Padrella.

A nota de abertura do segundo número comenta da receptividade e do alcance nacional da Revista. Enfatiza seus propósitos como instrumento de diálogo com a intelectualidade brasileira e como instrumento de divulgação de uma cultura democrática. Não vou declinar, nos limites desta nota, toda a seleta galeria dos nomes que integraram os dois números da revista Forma. Contudo, quero ressaltar, no segundo número, a saudosa presença de Guido Pellegrino Viaro contando, num texto autobiográfico, as passagens marcantes de sua vida, desde sua origem simples e provinciana na cidadezinha italiana de Badia Polesina, onde nasceu em 1897. Destaca as dificuldades dos primeiros estudos, seus sonhos com terras distantes, seu alistamento, aos 16 anos, sua participação na 1ª Guerra Mundial, depois a tristeza e os horrores. Mais tarde, os estudos em Veneza e a busca de um caminho para a sua arte…, “a linha – sempre a linha  – os espaços, a cor.”  Da Europa para a América. Do Rio para São Paulo. A chegada fortuita a Curitiba. “Procurei me manter em pé sem fazer concessões. (…). Tratei com carinho a composição, após ter estudado a paisagem e a criatura. Só assim consegui não soçobrar, permanecendo assim mesmo, o pintor figurativo de ontem.”  O  segundo número tem sequência com um estudo arquitetônico de Cleon Ricardo dos Santos; um recheado BAÚ de notícias culturais, o poema Cântico de Guerra, de João Manuel Simões e um interessantíssimo artigo sobre Literatura: Regional & Universal, de Hélio de Freitas Puglielli. Este número fala ainda de teatro e promove  um DEBATE sobre Orson  Welles,  através de textos de Sergio Rubens Sossella, Sylvio Back e Luiz Geraldo Mazza. Entre outras matérias, este segundo e último número da Revista se encerra com dois contos: Lamentações de Curitiba, de Dalton Trevisan e Noite/Nove,  de Jamil Snege.

Forma teve um nascimento deslumbrante, mas, infelizmente, morreu ainda infante. Tinha tudo para ser nossa aldeia, nosso mágico território. Gestada pelas idéias de um tempo melhor, teve um parto cultural luminoso. Filha de tantos anseios e dos legítimos sonhos de cultura do Cleto e da Philomena, todos acompanhamos seus primeiros passos, e por isso  ela foi o nosso mimo, nosso relicário e agonizou em nossas lágrimas. Nestes dias, em que a memória da década de 60 abre as portas para tantos visitantes, registramos aqui nosso saudoso sentimento e uma esperançosa alegria por sabermos que o Cleto de Assis, que navega com destreza nas águas da informática, pretende publicar na Internet todo o rico conteúdo das duas únicas edições.