Arquivo da tag: Lina Faria

Mais um clique de Lina Faria

Prometi, há algum tempo, a reprodução, no Banco da Poesia, de algumas das admiráveis fotos de Lina Faria, acrescentando uma pitada de poesia nas imagens que dela já são feitas. Hoje publico mais uma, retirada de seu blog Não Lugar.

Janela quebrada

Lina Faria + Cleto de Assis

Quem matou essa janela?
Foi o tempo, foi o tempo
e a pontaria de pedras
a criar buracos negros.
Quem reviveu a janela?
Foi a Lina, foi a Lina,
sua lente curiosa
e visão miraculosa
feito creme de mulher
que promete juventude
a pele já ressequida
e também à própria vida.
E o que mostra a janela?
A ruína, a ruína
a gastura da cidade
e mais três vidros intatos
tornados mágico espelho
a refletir bem no meio
a artesã de retratos.

Flores silvestres de Lina

Minha amiga Lina Faria é, sem dúvida alguma, uma artista da imagem fotográfica. Já escrevi sobre ela no Banco da Poesia, já “poetei” sobre suas fotos sempre inspiradoras. Ela tem a capacidade de gravar o simples, aquilo que as pessoas em geral não percebem a seu redor. Os bons fotógrafos, eternizadores do instante, do momento quase invisível aos olhos das pessoas comuns, têm a capacidade de fazer, na vida que corre, o corte do tempo infinitamente pequeno, porém enorme na beleza.

Do seu blog Não Lugar, retirei uma foto de flores rasteiras. Quase grudadas no chão. Expostas ao espezinho imediato. Mas, como parte do encanto telúrico, sempre vivas, sempiternas.

Foto Lina Faria

É o chão, mas poderia ser o universo,
chão inverso, onde nascem estrelaflores.
É o chão, cantochão, canto da terra, florescência permanente.
Veja, elas estão a brincar, embora aparentemente imóveis.
Trocam piscadelas, suspiros, ilusões, alusões, confidências.
Violetam-se sem violentar-se, cada qual com sua áurea íntima.
Não importa se, de repente, uma passada errante as pisotear,
aplastando-as e transformando-as em massa orgânica
para adubar a cama onde nasceram.
Um dia elas foram o cosmo, com estrelas brancas
em suas carinhas risonhas,
como almas vigilantes
e de perene beleza.

Cleto de Assis/março 20010

Mais um achado arqueológico de Lina Faria

Em seu blog Não lugar,  Lina Faria postou uma foto incomum, quase sem perspectiva. Ela informa que se trata de um trabalho “da série de cicatrizes de casas que já se foram, mas mantiveram sua silhueta impregnada na parede do lado. Prova de que a forma supera a utilidade das coisas”.

Roubei a foto de lá (deixando a original, é claro) e pago com um comentário poematizado. Como prometi que faria (sem trocadilho) sobre fotos de Lina.

Fatia do Passado

Cleto de Assis, sobre foto de Lina Faria

ParedeFatia

A velha casa se foi
transformada em cacos,
talvez em restos de depósito de demolição,
talvez em entulho de construção
talvez em saudade de alguém que lá viveu.

A velha casa partiu
e logo, logo nem restará
a fatia impressa na parede lateral que virou muro
e alguém recolherá as esmolas nela encostadas,
a ex-porta, a ex-janela, a ex-parede de madeira
a centena de tijolos desgastados
e quem sabe os ladrilhos brancos do ex-banheiro.

A ordem e o progresso urbanos retirarão de cena
o quadro mondriânico amarelo-branco-preto
dividido em áurea proporção
onde alguém grafitou um homem deitado
e um (talvez) rabo de galo.

Ainda bem que Lina passou por ali
e seu olho mágico tornou imortais os restos mortais da velha casa.

Marilda, multicolorida, reclama do frio e clama pela Primavera

Primavera

Ipês do Alto São Francisco -Curitiba (foto de Lina Faria, 2009)

Ipê do Alto São Francisco – Curitiba (foto de Lina Faria, 2009)

(Não aguento mais esse tempo frio e chuvoso de Curitiba.
Cadê a primavera???? Marilda Confortin

Que me venha esse setembro
pleno de troncos e membros
e prima viril me devore
com sua boca de leão
e se demore onze-horas
cobrindo-me de amoras
amores e heras.

Que deveras venha
e que ainda tenha no olhar
um ar de cão sem dono
e uma fome de outono
a saciar.

E que traga tatuado
no peito
um amor-perfeito
para me dar.

Que me dê flores,
me deflore, dê lírios,
antúrios, beijos,
e me deguste agosto
da copa ao piso,
do riso ao choro
e sem decoro me decore
com cores de madressilva
e matize os meus seios
com entremeios de renda preta
e sobre o espartilho vermelho
derrame um copo-de-leite violeta.

Lina Faria: ver a cidade, com veracidade

LinaFotoConheço Lina Faria – paranaense de Nova Esperança, com passagem por Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e São Paulo – desde quase o início de sua carreira de fotógrafa. Confiei em seu trabalho e acertei. Hoje ela é uma das mais brilhantes profissionais da área e especializou-se na arquitetura da cidade e sua gente, notadamente na arqueologia urbana, com suas paredes despencadas e corroídas. Lina sabe ver Curitiba como ninguém. Ela mesma diz, em seu blog Não Lugar :

Sou fotógrafa e curiosa. Vivo na cidade de Curitiba e gosto de olhar e documentar a relação das pessoas com os espaços em geral. Levo isso ao pé da letra, quando fotografo as ruas e sua ocupação desordenada.
Também nos interiores das submoradias, longe de qualquer padrão de ordem mas com um sentido de segurança, mesmo que penduradas e vulneráveis à primeira chuva. Mas tudo isso tendo como compromisso a beleza, a harmonia. Mesmo na realidade de uma favela, resgatar a dignidade através do belo é o que me interessa. Gosto também, e muito, de design e arquitetura. Da social à contemporânea, o gosto pelo ocupar me interessa
“.

Fiz um convite a Lina para publicar suas fotos no Banco, pois seu olhar capta poesia até mesmo em coisas semidestruídas. Mas enquanto ela não as manda, recolhi duas fotos recentes em seu blog e a homenageio com um poemeto intercalado entre as imagens.

Ipês no chão

Canto o chão

xxxxxxxxxxxxxxxPara Lina Faria

Chão que ninguém olha, chão que ninguém vê,
chão que todos usam,
chão que todos reclamam
e só os olhos de Lina nele recolhem beleza.
Chão de petit pavé que distribui tropeções pela cidade,
recompensados, no final do inverno,
com a neve amarela das flores.
Chão de qualquer lugar:
ponto de ônibus, estádios, praças e calçadas
a misturar moda de pobres e ricos calçados.

Ipês no chão e pés no chão.

Pés no chão