Arquivo da tag: outono

Sensações outonais

Centenário do Caqui

caqui-full

 

        Nesta semana são comemorados muitos eventos. Ao Dia da Poesia já fiz homenagem especial. Mas há também o Dia Internacional da Síndrome de Down (21/03), ao qual também dedicamos especial atenção, há algum tempo, assim como ao Dia Mundial da Água (22/03). No dia 21 também se comemora o Dia Universal do Teatro, do qual poucos falaram.

Mas o início do Outono, tão lembrado no Banco da Poesia: em 2009, Mais Outonos franceses; em 2012, Saudação ao Outono e Nesses veludos pálidos de Outono; repeteco em 2014, com Bem vindo, Outono. E esta estação do ano, que carrega um pouco das outras três e se associa à vida humana como metáfora dos derradeiros anos, tem, para mim, além do sentido figurado da idade avançada, um imenso gosto de infância. Porque o Outono é também a estação das frutas, que amadurecem nas árvores enquanto as folhas secam. E uma das boas lembranças é o variado sabor dos caquis que aprendi a amar lá no começo de minha história.

Na pequena Mafra, em Santa Catarina, onde vivi os melhores anos (quem inventou a bobagem de que a velhice é a melhor idade?), saboreei as melhores peras, as melhores ameixas e os melhores caquis. Destes, havia várias espécies. O amargo, que só se podia comer quando bem maduro (quando pouco maduro, causa aquela sensação de “amarrar a boca”); o café ou chocolate, de doçura especial mesmo ainda verdolengo; o coração-de-boi, gigante que equivalia a uma refeição, já incluída a sobremesa. Nunca os tive no quintal de minha casa, mas era fácil encontrá-los nos pomares dos vizinhos e dos conhecidos de meus pais, sempre dispostos a dividir a colheita anual. Mais tarde, travei relações gastronômicas com outras espécies, já cultivadas pelos japoneses que se estabeleceram principalmente em São Paulo, na região de Mogi das cruzes. A produção em grande escala fixou espécies comerciais, como o Taubaté, Rama Forte e Fuyu e, de país receptor da fruta trazida pelos colonos japoneses, o Brasil já se torna exportador, ainda que em pequenos volumes.

O caqui maduro, quase gelatinoso, desmancha-se na boca de quem os consome quase voluptuosamente, devagarzinho, parcimoniosamente, diria até com certa avareza, que é para não degluti-lo rapidamente. Dá gosto permanecer com ele na boca, sentindo seus sabores, apesar de dispensar mastigação. Não é à toa que ele carrega em seu nome científico o gênero dióspyrus, que significa “alimento de Zeus”. Aliás, em Portugal ele conserva seu nome tradicional: lá não pergunte pelo caqui (do japonês kaki), mas pelo dióspiro.

Mas o que faz o caqui neste blog dedicado à Poesia? Em primeiro lugar, porque boa recordação da infância é poesia pura. Depois, porque amizade também é poesia e ganhei, na última semana, belos caquis produzidos na chácara de Neiva e Manoel de Andrade, diletos amigos. Também porque o bom alimento do corpo é também alimento prazeroso para a alma, o que também pode ser transmutado em poesia. E ainda guardo a imagem de uma grande plantação de caqui do interior de São Paulo, com os caquizeiros repletos de frutos alaranjados, sem vestígios de folhas, causando a impressão de um quadro vivo pintado por Van Gogh: também puríssima poesia. Finalmente, porque acabei de descobrir que o caqui veio para o Brasil em 1916, exatamente há cem anos. E caqui é fruta típica do outono brasileiro.

Notaram como o Outono é inspirador? Portanto, saudações ao Outono de 2016, com sabor de centenários caquis maduros.

Cleto de Assis – março de 2016

Bem-vindo, Outono!

Chegou o Outono, exatamente no Dia Mundial da Felicidade

Há dois anos a Organização das Nações Unidas aprovou a instituição do Dia Mundial da Felicidade,após campanha feita pelo Butão, que utiliza um índice nacional de Felicidade Bruta.  Dia a resolução da ONU que a “busca pela felicidade é um objetivo humano fundamental” e sugere que se comemore “o Dia Internacional da Felicidade de forma apropriada, incluindo por meio de atividades educativas e de conscientização pública”.

Até que ponto esses conceitos conseguem apagar, ou, pelo menos diminuir, entre nós, as diferenças ideológicas, políticas ou religiosas? Não poderíamos criar relações sociais baseadas no cultivo da felicidade, buscada por meio de estruturas comunitárias mais humanas? Em 1972, o rei do Butão, Jigme Singye Wangchuck, respondeu a críticas sobre o desenvolvimento econômico de seu país, instituindo o índice FIB – Felicidade Interna Bruta, afastando-se dos conceitos tradicionais que somente medem o crescimento econômico. Determinou sete pilares para a efetivação desse índice:

  • Promoção do desenvolvimento Educacional para a Inclusão Social
  • Preservação e promoção dos Valores Culturais
  • Resiliência Ecológica na base do Desenvolvimento Sustentável
  • Estabelecimento da Boa Governança
  • Preservação dos Valores capazes de garantirem a Vitalidade Comunitária
  • Saúde na Garantia da Vida
  • Desenvolvimento Sustentável para a Inclusão e potencialização do Padrão de Vida

Educação, cultura, saúde, meio ambiente e desenvolvimento sustentável, representação governamental confiável, desenvolvimento comunitário, de modo a desaguarem na ampliação dos padrões de vida. Precisa-se de mais alguma coisa, senhoras e senhores?

Saudemos o Outono com Fernando Pessoa.

Outono2

Saudação ao Outono

Ruínas

Se é sempre Outono o rir das primaveras,
Castelos, um a um, deixa-os cair…
Que a vida é um constante derruir
De palácios do Reino das Quimeras!

E deixa sobre as ruínas crescer heras.
Deixa-as beijar as pedras e florir!
Que a vida é um contínuo destruir
De palácios do Reino de Quimeras!

Deixa tombar meus rútilos castelos!
Tenho ainda mais sonhos para erguê-los
Mais altos do que as águias pelo ar!

Sonhos que tombam! Derrocada louca!
São como os beijos duma linda boca!
Sonhos!… Deixa-os tombar… deixa-os tombar…

Florbela Espanca

Crepúsculo de Outono

O crepúsculo cai, manso como uma benção.
Dir-se-á que o rio chora a prisão de seu leito…
As grandes mãos da sombra evangélicas pensam
As feridas que a vida abriu em cada peito.

O outono amarelece e despoja os lariços.
Um corvo passa e grasna, e deixa esparso no ar
O terror augural de encantos e feitiços.
As flores morrem. Toda a relva entra a murchar.

Os pinheiros porém viçam, e serão breve
Todo o verde que a vista espairecendo vejas,
Mais negros sobre a alvura unânime da neve,
Altos e espirituais como flechas de igrejas.

Um sino plange. A sua voz ritma o murmúrio
Do rio, e isso parece a voz da solidão.
E essa voz enche o vale…o horizonte purpúreo…
Consoladora como um divino perdão.

O sol fundiu a neve. A folhagem vermelha
Reponta. Apenas há, nos barrancos retortos,
Flocos, que a luz do poente extática semelha
A um rebanho infeliz de cordeirinhos mortos.

A sombra casa os sons numa grave harmonia.
E tamanha esperança e uma tão grande paz
Avultam do clarão que cinge a serrania,
Como se houvesse aurora e o mar cantando atrás.

Manoel Bandeira

Canção de Outono

Perdoa-me, folha seca,
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo,
e até do amor me perdi.

De que serviu tecer flores
pelas areias do chão,
se havia gente dormindo
sobre o próprio coração?

E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza
é que sou triste e infeliz.
Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão
velando e rogando àqueles
que não se levantarão…

Tu és a folha de outono
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
– a melhor parte de mim.
Certa de que tudo é vão.
Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão…

Cecília Meireles

No Ciclo Eterno

No ciclo eterno das mudáveis coisas
Novo inverno após novo outono volve
À diferente terra
Com a mesma maneira.
Porém a mim nem me acha diferente
Nem diferente deixa-me, fechado
Na clausura maligna
Da índole indecisa.
Presa da pálida fatalidade
De não mudar-me, me infiel renovo
Aos propósitos mudos
Morituros e infindos.

Fernando Pessoa / Ricardo Reis

Poema de Outono

Quero apenas cinco coisas..
Primeiro é o amor sem fim
A segunda é ver o outono
A terceira é o grave inverno
Em quarto lugar o verão
A quinta coisa são teus olhos
Não quero dormir sem teus olhos.
Não quero ser… sem que me olhes.
Abro mão da primavera para que continues me olhando.

Pablo Neruda

Feliz aniversário, com felizes silêncios de Eduardo Masullo

Eduardo Masullo, nosso correntista de Buenos Aires, está fazendo aninhos hoje.  Enviamos nosso abraço e comemoramos a data com seus canoros silêncios.

Las cosas de la vida

Eduardo Mazullo

Silencio, por Cleto de Assis

El silencio
A veces
Es un gato negro.
A veces,
Un tordo blanco.
A veces un sable con sueño.

Nunca es la misma cosa
Si una vez el silencio fue el invierno
Ya nunca el invierno será el silencio.
Hay tantas cosas en la vida
Que nunca el silencio quedará solo.
Ayer el silencio
Fue la pelota de fútbol perdida.
Hoy sabemos, que la pelota de fútbol
Ya nunca será el silencio.
Una cosa por la otra.
Dios es justo como mi tío Alberto,
Que me regaló todas las pelotas de la infancia.

Silencio fue mi papá.
Silencio mi mamá. Y los abuelos.
Ahora tengo muchísimo miedo
Porque uno de estos días
Silencio será mi corazón,
Y desde entonces
Seré silencio para siempre.

20/7/2010

As coisas da vida

O silêncio
Às vezes
É um gato negro.
Às vezes,
Um tordo branco.
Às vezes um sabre com sono.

Nunca é a mesma coisa
Se uma vez o silêncio foi o inverno
Já nunca o inverno será o silêncio.
Há tantas coisas na vida
Que nunca o silêncio ficará sozinho.
Ontem o silêncio
Foi a bola de futebol perdida.
Hoje sabemos que a bola de futebol
Já nunca será o silêncio.
Uma coisa pela outra.
Deus é justo como meu tio Alberto,
Que me deu todas as bolas da infância.

Silêncio foi meu pai.
Silêncio minha mãe. E os avós.
Agora tenho muitíssimo medo
Porque um destes dias
Silêncio será meu coração,
E desde então
Serei silêncio para sempre.

Tu mirada

Teu_Olhar_ilustração de Cleto de Assis

¿En qué cava oscura,
Húmeda y maravillosa,
Madura tu silencio?

Allí congrega
Otros silencios
Más antiguos,
Más nocturnos,
De los tiempos bárbaros
En que la lluvia
Era siempre
Un peligro.

Y el silencio
Sube por tu rostro
Como el vino
Dentro de ancha copa
Invertida de coñac
Hasta que tus ojos
Huelen a lo callado,
A lo húmedo, a lo maravilloso.

16/9/2010

Teu olhar

Em que cava escura,
Úmida e maravilhosa,
Matura teu silêncio?

Ali congrega
Outros silêncios
Mais antigos,
Mais noturnos,
Dos tempos bárbaros
Em que a chuva
Era sempre
Um perigo.

E o silêncio
Sobe por teu rosto
Como o vinho
Dentro de larga taça
Invertida de conhaque
Até que teus olhos
Cheirem a calado,
A úmido, a maravilhoso.

Sin título

Pés de outono, ilustração de Cleto de Assis

¿Qué es esa prisa
Que cruje veloz
Entre las hojas secas?

Cruje
El alma del otoño.

Hay un llanto
Que crece
Como hierba entre la piedra.

¿De quién es todo este silencio?

18/9/2010

Sem título

O que é essa pressa
Que estala veloz
Entre as folhas secas?

Estala
A alma do outono.

Há um pranto
Que cresce
Como erva entre a pedra.

De quem é todo este silêncio?