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Onde está Rui Moio? Em Terras do Fim do Mundo

Na Internet fazemos amigos a cada momento. Uns apenas de relacionamento fugaz, outros com laços seguros, como se os conhecêssemos fisicamente. Outros há que são apresentados por amigos virtuais e chegam com bagagem de parente, sem maiores formalidades. Assim veio Rui Moio, apresentado por Vera Lúcia Carmona. Natural de Angola, que ele define como “Terras do Fim do Mundo, onde a África é mais África”.

Diz também que, “aos 25 anos,  rumou numa ponte aérea  para a ex-metrópole portuguesa  e, desde então, vive refugiado em Lisboa. Identifica-se como lusófono. Com uns 12 a 13 anos, nas namoros de adolescente, ensaiou as primeiras quadras… ingénuas e de rima forçada… Voltou a poetar entre os 20 e 22 anos. Depois parou, para retornar a estas coisas há uns anos. Hoje tem uns 200 poemas e meia dúzia deles foram publicados no blog Sentires Sentidos – Poemas da minha preferência “. Ele também edita um blog de reflexões denominado Alma Viva, além de Antologias e Quadros Estatísticos.

O presente post demorou a sair. Primeiro, uma troca de correspondência para extrairmos um mínimo de dados biográficos do poeta angolano. Depois a demora no envio de tímidas fotos, que talvez acusassem o espírito de recolhimento do confesso refugiado. Mas agora, já na qualidade de correntista do Banco da Poesia, que ele pretigiou com citações em seu blog. já desde o ano passado, esperamos que sua presença seja contínua, para o prazer dos nossos leiotres.

No poema abaixo, um autodefinição. Sobre estes versos, falou Vera Lúcia:

Um poema que deixa transparecer o quanto o seu coração continua impregnado desse amor pátrio que não enfraquece nem com o passar dos tempos, nem com barreiras.
Admiro esse patriotismo, tão raro nos dias que correm. E, pelos vistos, ao raiar do dia, a inspiração chega-lhe mais forte do que nunca. E as recordações nostálgicas de Angola, contribuiram para que este poema lindo saísse como saíu.

Rui Moio


De braço ao alto, quebrado
Como num salve
Do Império antigo e longínquo
De que somos a argamassa.
Moio, Moio yobé
Foi emoção forte
Que ficou de Cangamba
E por nome,
O nome que o pai deu
Lá na Missão do fim do Mundo
Gigantesca de obra
No Império novo de que somos parte.
De uma união mista
De História, de grandeza, de heroicidade
De sacrifício nunca cobrado
De décadas e de séculos de comunhão
Foi parido no chão quente
Um escrevinhador que se alimenta de emoção.
Mentalmente elaborado na cama, na casa da Quinta Nova, na manhã de 31Ago2009.
Recolhido pelo Banco da Poesia em Sentires Sentidos

Vila Arriaga

Paredão a pique que quase toca o céu
Medonho, assustador
Os meninos e os adultos
vivem temerosos
Das zangas do paredão

A qualquer momento
Podem chover sobre a vila
Toneladas de pedras
Toda a montanha

Quando chove
A mulola ruge
Como um trovão em contínuo
Ela leva as águas envenenadas
Na guerra dos mucubais

Vila de duas ruas,
Estação do caminho de ferro
Com hotel sem hóspedes
E pensão para gente de passagem

Tem laranjeiras grandes a meio da avenida
Escola primária com nome de escritora
Que no puto dá prémio de literatura

Quinta do administrador
Com árvores grandes e antigas
E tanque para a criançada malandra se banhar

Tem colina com miradouro
Com barulhentos lagartos de duas cores
Onde só os meninos lá chegam
Por falta de caminho bom

No sopé da colina, em casa pequenina
Habita o velho primo
Colono antigo de Vila Arriaga

Aos fins de tarde
Lá vai ele, pé ante pé
Juntar-se à cavaqueira
Com o Rocha Pinto e o Duarte

O Lauro, comerciante antigo
É o mais querido de todos
Vende fuba, peixe seco, remédios…
E um pouco de tudo o resto

Tem hospital grande
Casa do médico e do enfermeiro
E até uma ambulância desconcertada
Uma vermelha Harley com side car

Vila de gente festeira
Com muita rapariga casadoira
Tem recinto para festas
Com tecto de buganvílias em flor
Lá dentro há churrasco, rifas,
pista de dança animada com a manivela
de um velho gromofone

Ao lado do pau-bandeira
E diante da administração
É ver uma molemba grande
Que atapeta de vermelho todo o chão

Passou por lá um administrador
Fausto Ramos de seu nome
É dele a traça do clube
do parque infantil com piscina
E é dele a obra da horta e do tanque para a regar

Rui Moio – 18 de outubro de 2004

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Ilustrações: C. de A.

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Gente de Cangamba

A igreja de Cangamba foi inaugurada em 1964 ou 1965. Levantou-se rapidamente, ao lado da avenida antiga de eucaliptos. Veio a guerra russo-cubana e a destruição da airosa vila, mas… a semente da religião ficou com os sobreviventes. Eis aqui um hino ao Senhor à maneira tão bela dos coros gentílicos dos kalutchazes. E a procissão percorre a linda e histórica avenida de eucaliptos…
Rui Moio

Salut Navarro viaja à África

África

Salut Navarro Girbés, Valencia, Espanha

Hoy estuve en África, como tantas otras veces
Manos emprendedoras
se afanaban
en construir escuelas,
sembrar campos,
vivir miserias.

Hoy estuve en África, como en muchas ocasiones
Compartí sonrisas,
juegos,
algarabía pueril,
muñecas de trapo
y un sol que no tiene fin.

Hoy estuve en África, como infinidad de días
Corazones nobles,
vidas intensas
les aman.
Vacunas y mosquitos,
enfermedades se sacian.

Hoy estuve en África, como todas las noches
Los ojos de una niña
preguntaron
con curiosidad,
si era yo su madre,
no quiso el azar.

Hoy estuve en África
Y una mirada clara
me perseguía.
Observada por una sonrisa
que recorre el mundo.

Un profundo corazón.

Profundo como la misma África.

Hoy estuve en África, como siempre he estado.
Dormida,
entre abrazos
de niños, hombres, mujeres
de almas desnudas,
y cuerpos quemados.

Nunca he estado en África ni lo estaré jamás.
Niña mía,
dile a tu mirada
que no interrogue más.

ÁFRICA
Cuida de mí.
Lágrimas de amor
resbalan
en mi corazón infantil.

África

Hoje estive na África, como tantas outras vezes
Mãos empreendedoras
labutavam
a construir escolas,
semear os campos,
viver misérias.

Hoje estive na África, como em muitas ocasiões
Compartilhei sorrisos,
jogos,
algaravia pueril,
bonecas de pano
e um sol que não tem fim.

Hoje estive na África, como em uma infinidade de dias
Corações nobres,
vidas intensas
lhes amam.
Vacinas e mosquitos,
enfermidades se saciam.

Hoje estive na África, como todas as noites
Os olhos de uma menina
perguntaram
com curiosidade,
se era eu sua mãe,
não o quis a sorte.

Hoje estive na África
E um olhar claro
me perseguia.
Observada por um sorriso
que percorre o mundo.

Um profundo coração.

Profundo como a própria África.

Hoje estive na África, como sempre estive.
Adormecida,
entre abraços
de crianças, hommens, mulheres
de almas desnudas,
e corpos queimados.

Nunca estive na África, nem lá estarei jamais.
Minha menina,
Dize a teu olhar
que não interrogue mais.

ÁFRICA
Cuida de mim.
Lágrimas de amor
resvalam
em meu coração infantil.

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Versão: Cleto de Assis