No próximo dia 12 de março o Banco da Poesia completará seu primeiro ano de vida. E, como toda organização bancária que se preza, deverá publicar seu primeiro balanço anual. Mas, à diferença das entidades financeiras, esquecerá os números e resultados
materiais. Queremos comemorar tão somente os dividendos culturais que possamos ter acumulado nestes doze primeiros meses de existência. Meses de permanente contato com um seleto grupo de pessoas que ama a poesia e sabe que a arte, bem além das ideologias, une as pessoas e as remete aos mundos imensuráveis dos sentidos e da fraternidade.
Lembrei-me agora de Gilberto Gil. Quando o mundo percebeu que homem poderia passear fisicamente na Lua, a eterna bola de queijo dos namorados, Gil tratou de passar um alerta musical, em sua Lunik 9:
Poetas, seresteiros, namorados, correi
É chegada a hora de escrever e cantar
Talvez as derradeiras noites de luar
Momento histórico, simples resultado do desenvolvimento da ciência viva…
E não é a Internet também um simples-grande resultado da ciência viva? A magia dos luares não morreu, como temia o compositor. Em vez da morte das noites enluadas, estemunhamos o nascimento de uma grande nuvem eletrônica a possibilitar um encontro cada vez mais próximo entre as pessoas, mesmo as geograficamente separadas por grandes distâncias.
É interessante notar que tudo foi resultado da corrida espacial da guerra fria entre os Estados Unidos e a então União Soviética, que se estendeu entre 1945 (fim da Segunda Guerra Mundial) e 1989 (queda do Muro de Berlim). A Internet, originada em um plano de segurança de informações criado pelo exército norte-americano, na década de 60, uniria mais que separaria, para a felicidade geral das nações.
Graças à magia da comunicação eletrônica, em um ano fizemos amigos em várias partes do mundo. Em 365 dias, estamos a revelar novos poetas, que passaram a partilhar o mesmo espaço com aedos já consagrados.
Teremos, portanto, muitas razões para fechar nosso balanço positivamente.
Berlim, 9 de novembro de 1989 – Aos brados de “Wie Sind ein Volk – Nós somos um só povo” – berlinenses do Leste e do Oeste derrubaram a vergonhosa barreira que, durante 28 anos, separou as famílias alemãs.
O Muro aparta e afasta
o irmão do próprio irmão.
O Muro, dura concretude,
vergonha suntuosa
da segregação.
O Muro divide cérebros
e cria fossas abismais onde vermificam as idéias unitárias,
malcheirosas, corrosivas, infectantes.
E os cérebros, necessariamente bilaterais,
dividem-se em hemisférios esquerdo e direito irreconciliáveis.
Oh, Muro sem qualquer estética,
Feito de pedras amontoadas às pressas pela ira e pelo medo,
de concreto armado pela tecnologia fratricida,
de arames coroados de espinhos lacerantes!
Oh, Muro estático, bélico, fanático,
ereto monumento da estupidez!
Oh, Muro que, uma vez construído, destróis e desconstróis…
Ah, muros nacionais do desentendimento,
muros internacionais a toda hora germinados,
Muro da Cisjordânia, Muro do México, Muro do Paralelo 38,
o projetado Muro das favelas cariocas,
filhos todos da parvoíce politicante,
não tendes direito a orações nem boas-vindas
porque, embora linhas inertes,
dividis, isolais, amedrontais e matais a vida e a liberdade.
Muro de Berlim, pai e mãe de todas as vergonhas,
ainda gerador de filhotes desavergonhados,
The Wall, Le Mur, Die Berliner Mauer,
poliglota e polinéscio, bendizemos a tua queda
e saudamos, com festas e más lembranças, a tua morte vintenária.
Pena que, uma vez no chão,
desfeito em cacos de memória,
transformado em preciosos souvenirs,
não calaste nos corações humanos
a energia do fraterno congresso.
Pena que o esforço gasto em tua construção
e na de teus bastardos filhos
não tenha sido usado para a ereção de templos do saber
e das idéias sem barreiras.
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Um dia, o martelo afastou-se da foice e desmantelou a rocha insensata.
Caiu o Muro. Mudou o Rumo?
Nota histórica – A queda do Muro de Berlim, como chegou à memória de nosso tempo, não foi um ato inesperado de demolição das paredes da vergonha. Já enfraquecida politicamente diante do governo soviético, à época governado pelo primeiro-ministro Mikhail Gorbachev, a República Democrática Alemã. Depois da passagem, por Berlim oriental, de Gorbachev, que deixou seu recado de abandono do protecionismo da Rússia à RDA, muitos alemães passaram a refugiar-se nas embaixadas da Alemanha ocidental em vários países do bloco soviético e a manifestar-se ostensivamente nas ruas de Berlim, exigindo livre passagem pelas rígidas barreiras construídas já havia mais de duas décadas. Mas a real queda do muro foi causada por um erro de comunicação de um membro do Politburo da RDA, Günter Schabowski, que, na tarde do dia 9 de Novembro de 1989, reuniu a imprensa para uma entrevista e anunciou a decisão do conselho de ministros de abolir de imediato as restrições de viagens ao Oeste. A entrevista, assistida pela televisão por milhares de habitantes de Berlim oriental, antes que a decisão fosse regulamentada, provocou uma corrida, naquela mesma noite, de milhares de berlinenses do Leste às fronteiras, principalmente ao posto da rua Bornholmer, a pedir a abertura dos portões onde nem as unidades militares, nem o pessoal de controle de passaportes haviam sido instruídos.
Formou-se o tumulto e muitos cidadãos rasgaram seus passaportes, em sinal de protesto. Outros pontos da fronteira também foram assediados e, diante das manifestações, os atônitos guardas tiveram que deixar passar as multidões.
Registra a história: “Os cidadãos da RDA foram recebidos com grande euforia em Berlim Ocidental. Muitas boates perto do Muro espontaneamente serviram cerveja gratuita, houve uma grande celebração na rua Kurfürstendamm, e pessoas que nunca se tinham visto antes cumprimentavam-se. Cidadãos de Berlim Ocidental subiram no muro e passaram para as Portas de Brandenburgo, que até então não eram acessíveis a eles. O Bundestag interrompeu as discussões sobre o orçamento e os deputados espontaneamente cantaram o hino nacional da Alemanha”.
O Muro havia caído. A sua demolição final, que prosseguiu, nos dias seguintes, em meio a festas de reencontro entre tantos alemães separados por força da estultícia política, foi um grande ato simbólico de um dos episódios mais marcantes do Séc. XX. Talvez o verdadeiro fim da segunda Guerra Mundial, pois a divisão de Berlim havia sido resultado da pilhagem dos vencedores do conflito mundial que, mais tarde, iriam separar-se em dois grandes blocos conflitantes e protagonistas da chamada Guerra Fria, também aniquilada com a derrubada do muro.