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Aroldo Murá Haygert indica a Passagem

No ano de 2009, na passagem da Páscoa, o Banco da Poesia publicou informações sobre as Pêssankas, os coloridos ovos ucranianos elaborados no Paraná pela colônia que aqui se estabeleceu a partir de 1895 e seus descendentes. E Manoel de Andrade nos ofereceu um belo poema sobre a Paixão de Cristo. Neste ano, pensei em outro amigo querido, que conhece e adota muito mais do que eu os mistérios da fé. Por sinal, foi um dos criadores do Instituto Ciência e Fé, que reúne excelentes cabeças de Curitiba para “discutir temas atuais à luz da razão e da fé, assim como desenvolver e apoiar pesquisas nas áreas da fenomenologia religiosa”.  Pedi a ele um texto ecumênico sobre a Páscoa, uma vez que não só os cristãos estão comemorando esta festa, mas também a comunidade judaica rememorou, na semana que passou, as tradições da Pessach, data milenar que originou a festa católica que hoje se comemora.

Arolodo Murá G. Haygert

Aroldo Murá Gomes Haygert é jornalista, a quem a imprensa paranaense muito deve, não só pela sua sempre honesta e dinâmica atuação em vários órgãos de comunicação, desde 1950, mas também por sua produtiva vida pedagógia como professor de Técnica de Jornal no curso de Jornalismo da Universidade Católica do Paraná. Por suas mãos passaram mutos e muitos dos atuais comunicadores conterrâneos, que até agora o tratam carinhosa e respeitosamente como Professor.

Ele nasceu em São Francisco de Assis, no Rio Grande do Sul e veio para Curitiba com oito anos de idade. Bacharel em Jornalismo pela PUC/PR, tem cursos de especialização feitos no Brasil e no exterior. Foi correspondente da agência North & South News Service, dos Estados Unidos e atualmente é comentarista da Rádio Banda B, além de presidir o Instituto Ciência e Fé. Mas seu trabalho de observador do trabalho alheio levou-o a publicar os dois volumes de Vozes do Paraná, 1 e 2, respectivamente em 2008 e 2009. São perfis de figuras parananeses, reportagens biográficas que ele denomina de “retratos”. Na sua tarefa de retratar amigos e personagens importantes do Paraná ressalta o cuidado do texto primoroso pelo qual Aroldo tornou-se conhecido e respeitado.

Sou grato a Aroldo e,  com sua mensagem, reitero os votos de feliz Páscoa a todos os nossos leitores, colaboradores e amigos.

Passagem

Estou cada vez mais convencido de que vivemos numa páscoa permanente, se tomarmos a Passagem como significado da celebração, que é cristã e judaica. Estamos todos de Passagem, de saída de muitos egitos e babilônias, rompendo, com múltiplos talentos e esforços, as pedras que cobrem nossas sepulturas/limitações diárias. Até por isso considero oportuníssima a simbologia do ovo de Páscoa, significando a vida que renasce.

Claro que com o simbólico da fuga e da libertação da morte – imagens judaicas e cristãs – os operadores do mercado conseguiram fazer mil e uma estripulias, a ponto de entronizarem nas crianças a idéia de que o coelho e o cacau são o centro da celebração. Não são o centro, mas hoje
identificam rapidamente o memorial que a data contém. Aliás, a vitalidade do coelho e sua capacidade de multiplicar-se colocam a Páscoa  como festa da vida por excelência.

Essas são figuras de uma imagem forte,  reafirmando  que todos estamos de Passagem, gerando filhos, idéias, obras, projetos, sonhos (e frustrações, claro), amores e desamores.

Páscoa contém essas realidades, profundamente envolvidas no grande mistério do transcendental: nascemos e estamos de Passagem, às vezes, parecendo que vivemos em fuga. Mas estamos, isto é o que importa. E estando, estaremos vivos, nós mesmos, nossos filhos, nossos sonhos, nossos projetos, nossos amores…

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Ilustração: C. de A.

Lições de Quevedo, 400 anos depois

Estamos acostumados, na comunicação cotidiana, a usar certos vocábulos sem saber exatamente a sua origem. Assim, muita gente utiliza a expressão “coisa barroca” ao referir-se a algo antiquado, rebuscado. Ao modo de  falar com muitos floreios dizemos “linguagem gongórica”. Quase sempre generalizamos tais expressões e esquecemos que há particularidades distintas entre barroco e gongorismo. Melhor dizermos que o gongorismo (ou estilo de Góngora) está contido no período barroco.

E por que estou a escrever sobre isto? Porque mergulhei numa pesquisa sobre Francisco de Quevedo, escritor e poeta espanhol do Séc. XVI, considerado um dos mais representativos literatos espanhóis daquela época. Quevedo e Góngora foram dois gênios que viveram em mesmos tempo e locais, porém não (con)viveram intelectualmente. Hoje a história da cultura os uniu, mas eram tórridos inimigos.

O vasculhar de minha curiosidade sobre a vida e obra de Quevedo, a quem conhecia por raros exemplos poéticos e vagas referências, resultou apenas em um arranhão epidérmico na vasta passagem do escritor por terras de Espanha. Mas foi o bastante para conhecer determinados episódios de sua vida e de seu relacionamento social que definiram seu caráter duro e acrimonioso, dentro da genialidade intelectual. Para mim, pelo menos, foi uma grande lição escolar.

O resultado foi a produção de um texto um pouco mais longo que os usualmente publicados no Banco da Poesia, que procuram se limitar a alguns comentários sobre os poetas e poemas selecionados. Mas, para usar a metáfora deste blog, qualifico este pequeno estudo como uma arca de tesouros encontrada (ou garimpada, como sempre diz Manoel de Andrade) e agora depositada neste estabelecimento de economia poética como preciosa relíquia.

Esta não é uma leitura obrigatória, pois foge ao conceito de que a Internet deve conter textos curtos e palatáveis. Mas sei que nossos leitores, amantes da Poesia, sempre estão dispostos a percorrer os meandros do trabalho criativo que envolve os autores. E a história de Quevedo, aqui resumida, é importantíssima para a história da literatura.

Cheguei a traduzir um dos mais notáveis poemas de Quevedo, no qual ele satiriza os costumes de sua época, em nada menos que 68 tercetos (ou 205 versos, já que a última estrofe é uma quadra). Se juntado ao texto principal, teríamos uma longo post a assustar os leitores. Fica para outra ocasião a Epístola Satírica y Censoria contra las Costumbres Presentes de los Castellanos, escrita a Don Gaspar de Guzmán, Conde de Olivares, en su Valimiento, cujo título já é quilométrico.

Sobre as traduções, um recado aos mais exigentes. Sempre é bom lembrar que os poemas de Quevedo e Gôngora foram escritos há mais de 400 anos. Portanto, o cuidado com a transposição dos textos para nosso idioma, embora criterioso, não pretendeu produzir uma versão acabada, pois faltaram tempo e maior conhecimento sobre a linguagem de época. Há termos que os dicionários atuais já nem registram. E, como sempre afirmo, muitas vezes o tradutor tem que mudar vocábulos, com a máxima obediência ao significado, para conservar a métrica, o ritmo e a rima, quando necessário. A semelhança entre o Português e o Espanhol nem sempre é boa auxiliar. Considerem, portanto, as traduções apenas como apêndices esclarecedores dos originais. Algumas vezes tive que desobedecer aos parâmetros da composição original.

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Francisco Gómez de Quevedo y Santibáñez Villegas (Madri, 14 de Setembro de 1580 – Villanueva de los Infantes, Cidade Real, 8 de Setembro de 1645) foi um escritor do período barroco espanhol, considerado, ao lado de Luiz de Góngora y Argote (1561-1627, religioso, poeta e dramaturgo), um dos maiores nomes da literatura de seu país naquele período, hoje lembrado como o Século de Ouro. Quevedo foi filho de uma família rica e fez seus primeiros estudos no Colégio Imperial dos Jesuítas, em Madri – atualmente Instituto de San Isidro – e, em seguida, estudou nas universidades de Alcalá de Henares e Valladolid (então capital da Espanha), onde cursou disciplinas de teologia e aprendeu diversas línguas. Com 23 anos já se destacava como poeta.

Recebeu de Miguel de Cervantes elogios por seu trabalho. Mas Quevedo tinha intenções de seguir carreira política. Tornou-se conselheiro do Duque de Osuna, em 1613, e serviu na Sicília e em Nápoles (Itália), na época províncias espanholas. Porém, foi acusado de envolver-se em uma conspiração, como agente de Osuna, e teve que retornar a seu país, em 1618. Foi desterrado em suas possessões na Torre de Juan Abad, depois aprisionado no monastério de Uclés (Cuenca) e, em seguida,

Retrato de Felipe IV, por Velasquez

limitado a prisão domiciliar em Madri. Indispôs-se mais ainda por questões religiosas, ao defender com virulência a proposta de eleição do Apóstolo Santiago como padroeiro da Espanha, em oposição aos carmelitas, que propunham Santa Teresa. Isso lhe valeu novo desterro na Torre de Juan Abad. Foi uma fase azarada de sua vida, que marcou bastante o seu caráter acre. Um tanto isolado socialmente, entrou em uma crise religiosa e espiritual, mas desenvolveu uma grande atividade literária. Com o advento do reinado de Felipe IV, sua sorte mudou. O rei levanta seu desterro, porém ele já estava dominado pelo pessimismo. Nessa fase produziu desde versos satíricos até tratados filosóficos.

Seus sonetos mais marcantes tratam da brevidade da vida. Faz paródias das obras de Góngora, autor de estilo complicado, seu contemporâneo e rival nas letras, inventando expressões que deixam o verso incompreensível. Publica um conjunto de textos satírico-morais sob o título Los Sueños (Os Sonhos, 1627).

Mas a literatura e, sobretudo, a poesia, não lhe retiraram a vocação política, que o envolveu em importantes intrigas de seu tempo. Era douto em teologia e conhecedor do hebraico, grego, latim e outras línguas modernas. Sua grande cultura e a acrimônia crítica destacaram-no como  inimigo pessoal e literário do culterano Luis de Góngora.

Seu casamento com a viúva Esperanza de Mendoza (1634) não lhe proporcionou felicidade. Em poucos meses estava separado, juntando, assim, a misoginia entre os valores pessimistas que carregava.

Novamente é tentado pela política, em razão dos conflitos sociais em que a Espanha estava envolvida, e escreveu amargas diatribes contra o Conde-duque de Olivares, favorito do rei. Mais tarde, viu-se em meio a uma obscura denúncia de conspiração e foi acusado de desafeto ao governo. Em 1639 foi encarcerado no monastério de São Marcos (León),  hoje uma pousada turística de luxo, mas em sua época uma infecta prisão, fonte de declínio de sua saúde.

Em 1643, quando foi libertado, já era um homem acabado. Abriga-se, então, em suas possessões na Torre de Juan Abad, antes de instalar-se em Villanueva de los Infantes, onde morreu, em 1645.

Mas Francisco de Quevedo pertenceu também à nobreza do Século XVII, e ostentou os títulos de Cavaleiro da Ordem de Santiago e Senhor da Torre de Juan Abad.

Sua obra literária é imensa e contraditória. Muito culto, amargo, agudo, cortesão, escreveu as páginas burlescas e satíricas mais brilhantes e populares da literatura espanhola, mas também uma obra lírica de porte e textos morais e políticos de grande profundidade intelectual, que lhe fizeram merecer o título de principal representante do barroco espanhol. Criticou com atroz mordacidade os vícios e debilidades da humanidade e humilhou de modo cruel seus inimigos, como no conhecido soneto, paradigma conceitista: Érase un hombre a una nariz pegado*… .

A una nariz

Érase un hombre a una nariz pegado,
érase una nariz superlativa,
érase una nariz sayón y escriba,
érase un peje espada muy barbado.

Era un reloj de sol mal encarado,
érase una alquitara pensativa,
érase un elefante boca arriba,
era Ovidio Nasón más narizado.

Érase un espolón de una galera,
érase una pirámide de Egipto,
las doce Tribus de narices era.

Érase un naricísimo infinito,
muchísimo nariz, nariz tan fiera
que en la cara de Anás fuera delito.

A um nariz

Era um homem a um nariz colado,
um raro nariz superlativo,
era um nariz perverso e esquivo,
era um peixe espada bem barbado.

Era um relógio de sol bem tartamudo,
era um alambique pensativo,
era um elefante ambulativo
era Ovídio Naso mais narigudo.

Era um quebra-mar de uma galera,
era uma pirâmide do Egito,
as doze Tribos de narizes era.

Era um narizíssimo infinito,
muitíssimo nariz, nariz tão fera
que na cara de Anás fora delito.

Em sua poesia amorosa, fundada em Francesco Petrarca (1304 – 1374), na qual o que conta é a profundidade do sentimento, Quevedo viu a possibilidade de explorar o amor como o que dá sentido à vida e ao mundo. Exemplo disso é o soneto Cerrar podrá mis ojos la postrera… que é um dos mais belos das letras espanholas, no qual a morte não vence o amor que permanecerá no amante, como fica evidente no último terceto. É um poeta genial, cuja permanente atualidade, maravilhosa capacidade criadora do idioma castelhano, honradez moral e elevada lírica, lhe dão um lugar preeminente na poesia espanhola.

Amor constante más allá de la muerte

Cerrar podrá mis ojos la postrera
sombra que me llevare el blanco día,
y podrá desatar esta alma mía
hora a su afán ansioso lisonjera;

mas no, de esotra parte, en la ribera,
dejará la memoria, en donde ardía:
nadar sabe mi llama la agua fría,
y perder el respeto a ley severa.

Alma a quien todo un dios prisión ha sido,
venas que humor a tanto fuego han dado,
medulas que han gloriosamente ardido:

su cuerpo dejará no su cuidado;
serán ceniza, mas tendrá sentido;
polvo serán, mas polvo enamorado.

Amor constante além da morte

Cerrar irá meus olhos a derradeira
sombra que me levará o branco dia,
e desatará minh’alma na umbria
agora a seu afã ansioso lisonjeira;

mas não, dessoutra parte, na ribeira,
deixará a memória, aonde ardia:
nadar sabe minha chama a água fria,
e perder o respeito a lei severa.

Alma a quem todo um deus prisão há sido,
veias que humor a tanto fogo hão dado,
medulas que hão gloriosamente ardido:

seu corpo deixará, não seu cuidado;
serão só cinza, mas terá sentido;
pó se tornarão, mas pó enamorado.

De sua prolífica obra em verso, se conservam quase 900 poemas. Em sua prosa cabe assinalar La vida del Buscón llamado don Pablos; Política de Dios y gobierno de Cristo; Vida de Marco Bruto; Los sueños e Los nombres de Cristo.

Entre seus poemas há muitos sonetos hendecassílabos, mas também há grande quantidade de romances octossílabos e redondilhas**. O poema intitulado Epístola satírica y censoria… , a que me referi no início,  é uma composição magistral de tercetos hendecassílabos encadeados.

Luiz de Góngora

Durante muito tempo, os estilos de Luis de Góngora e Francisco de Quevedo foram apresentados como diametralmente opostos. A origem desta consideração deve-se a Marcelino Menéndez y Pelayo (1884: II, IX) que apresentou as escolas de Góngora e Quevedo como contrárias. E esse modo de apresentá-las tergiversou o verdadeiro enfrentamento poético da época: a polêmica que surgiu com a aparição das Soledades, do poeta andaluz. Os defensores da claridade nos poemas atacaram a nueva poesía e os cultos, seus seguidores. O vocábulo culteranismo lembra  luteranismo e traz a idéia de heresia literária que se deve combater. A raiz é culto, particípio do verbo cultivar, que já tinha o significado de douto ou erudito. A poesia construía-se conforme uma tendência latinizante no léxico e na sintaxe.

O conceitismo se caracteriza pela concisão da expressão e a intensidade semântica das palavras, carregadas de significados, adotando vários sentidos. Deste modo se cria frequentemente a linguagem polissêmica. O conceitismo opera com os significados das palavras e com as relações engenhosas entre elas. Por tudo isso, os recursos formais mais usuais são a elipse, a zeugma, a anfibologia e polissemia, antítese, equívoco, paradoxo ou a paronomásia. O estilo conceitista se faz lacônico e sentencioso.

Assim como o culteranismo ou gongorismo, o conceitismo, na linha de toda a estética maneirista e barroca, propõe como valor estético a dificuldade da linguagem literária, que busca singularizar-se e refinar-se cortesanamente, frente à lhaneza da língua do Renascimento, sentida como vulgarizante.

Para dificultar a mensagem, o conceitismo opta por concentrar o máximo pensamento no mínimo de forma e escolhe prioritariamente a prosa, ao contrario do Culteranismo, estética que segue o procedimento oposto de amplificar um mínimo de pensamento em um máximo de forma labiríntica que impressione e confunda os sentidos, e que se exerce principalmente sobre o verso. Daí o conceito ter se espraiado para as demais artes do período, criando a idéia de que o barroco (ou gongórico) era produzido com um excesso de ornamentos.

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* Como curiosidade, incluo aqui duas interessantes composições. A primeira, um pequeno poema satírico de Manuel Maria Barbosa du Bocage (Portugal, 1765-1805). A segunda,  a letra de uma música de Juca Chaves (Jurandyr Czaczkes, Rio de Janeiro, 22 de outubro de 1938), ambas citadas pela semelhança com o tema da sátira de Quevedo.

Nariz, Nariz e Nariz / Bocage

Nariz, nariz, e nariz,
Nariz, que nunca se acaba;
Nariz, que se ele desaba,
Fará o mundo infeliz;
Nariz, que Newton não quis
Descrever-lhe a diagonal;
Nariz de massa infernal,
Que, se o cálculo não erra,
Posto entre o Sol e a Terra,
Faria eclipse total!

Nasal Sensual / Juca Chaves

Nariz, ai, meu nariz,
Como falam mal deste nasal que é tão normal,
Ouço diariamente muita gente infeliz,
Dizer que ele é maior do que a miséria do país,
E que ele é maior ainda que o Pelé,
Dizem até que é maior que o busto da Lolô,
Maior ainda que o sorriso do Nonô.

Nariz, ai, meu nariz,
Vende-se este apêndice ou então se dá de graça,
Pedùnculo antiestético, grosseira massa,
Que nada tem de belo ou de poético,
E é uma desgraça o dito cujo narigão,
Ao qual só há uma solução, que é drástica,
Preciso urgentemente de uma plástica.

Perdão, Senhor, perdão,
Perdão pra tal narigão que é a sensação mais atual,
Porque se ele caísse um dia ao chão, que dramalhão,
Causaria a hecatombe universal.

Nariz, ai, meu nariz,
Ria o mundo imundo, não faz mal, eu sou feliz,
Não sabem o porquê desta felicidade,
A minha personalidade está neste nariz,
Que além de lindo, é um romântico sensual,
Pois toda vez que beija a namorada, idolatrada,
Quem chega na vanguarda é o meu nasal,
E ponto final.

**Antigamente, quadra de versos de sete sílabas, na qual rimava o primeiro com o quarto e o segundo com o terceiro, seguindo o esquema abba. Hoje, verso de cinco ou de sete sílabas, respectivamente redondilha menor e redondilha maior.

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A guerra verbal entre Quevedo e Góngora

Baltazar Gracián

A inimizade literária entre os dois gênios espanhóis do período barroco levou-os a discutir conceitos de composição poética. Quevedo seguiu a linha criada por Baltasar Gracián y Morales (1601 – 1658), que definiu conceito como um “ato do entendimento que expressa a correspondência que se acha entre os objetos”.

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Mas a oposição entre as teorias literárias também produziu duelos em versos, que tornaram ainda mais conhecida a rivalidades entre os dois poetas. Abaixo vão dois exemplos de troca de farpas verbais. As batalhas foram muitas.

Quevedo

Yo te untaré mis obras con tocino
Porque no me las muerdas, Gongorilla,
Perro de los ingenios de Castilla,
Docto en pullas, cual mozo de camino.

Apenas hombre, sacerdote indino,
Que aprendiste sin christus la cartilla;
Chocarrero de Córdoba y Sevilla,
Y en la Corte, bufón a lo divino.

¿Por qué censuras tú la lengua griega
siendo sólo rabí de la judía,
cosa que tu nariz aun no lo niega?

No escribas versos más, por vida mía;
Aunque aquesto de escribas se te pega,
Por tener de sayón la rebeldía.

Góngora

Anacreonte español, no hay quien os tope.
Que no diga con mucha cortesía,
Que ya que vuestros pies son de elegía,
Que vuestras suavidades son de arrope.

¿No imitaréis al terenciano Lope,
Que al de Belerofonte cada día.
Sobre zuecos de cómica poesía
Se calza espuelas, y le da un galope?

Con cuidado especial vuestros antojos
Dicen que quieren traducir al griego,
No habiéndolo mirado vuestros ojos.

Prestádselos un rato a mi ojo ciego,
Porque a luz saque ciertos versos flojos,
Y entenderéis cualquier gregüesco luego.

Quevedo

Eu untarei minhas obras com toucinho 1
Para que não as mordas, Gongorela, 2
Cão dos engenhos de Castela, 3
Douto em pulhas, qual servente de caminho. 4

Apenas homem, sacerdote indigno,
Que aprendeste sem christus a cartilha;
Boca suja de Córdoba e Sevilha,
E em plena Corte, bufão ao divino.

Por que censuras tu a língua grega
se és somente um rabi mosaico,
coisa que teu nariz jamais o nega?

Não sejas mais poeta ou prosaico,
Ainda que isso de escriba já te pega
Mas tu só és rabiscador judaico. 5

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1 Referência à proibição de comer carne de porco aos judeus.
2 Diminutivo depreciativo.
3 Referência a insulto “cão judeu”.
4 Trabalho indigno.
5 Para manter a rima, expressões dos dois últimos tercetos foram alteradas pelo   tradutor, que procurou manter os conceitos e metáforas originais.

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Góngora

Anacreonte espanhol, não há quem vos tope, 1
Que não diga com muita cortesia,
Que já que vossos pés são de elegia,
Que vossas suavidades são de xarope. 2

Não imitareis ao terenciano Lope, 3
Que ao de Belerofonte cada dia. 4
Sobre chinelas de cômica poesia 5
Se calça esporas, e lhe dá um galope?

Com cuidado especial vossos antolhos
Dizem que querem traduzir ao grego,
Não lhe havendo mirado vossos olhos.

Cedei-os um tanto a meu olho cego,
Para que a luz produza versos trambolhos
E qualquer greguice entendereis, não nego.

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1 Ironia com referências ao poeta grego Anacreonte, muito imitado no Renascimento.
2 Comparação irônica: pés de elegia (versos clássicos) versus suavidades de xarope (áspero, abóbora doce de gosto áspero).
3 Alusão a Félix Lope de Veja (1562-1635), dramaturgo e poeta espanhol; terenciano por seguir literariamente a Terêncio, Publius Terentius Afer, (ca. 170 a.C. — 160 a.C. ou 185 a.C. — 159 a.C.), dramaturgo e poeta romano.
4 Personagem da mitologia grega, dono do cavalo Pégaso.
5 Imitador de poesia cômica.

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A la mar

La voluntad de Dios por grillos tienes,
Y escrita en la arena, ley te humilla;
Y por besarla llegas a la orilla,
Mar obediente, a fuerza de vaivenes.

En tu soberbia misma te detienes,
Que humilde eres bastante a resistilla;
A ti misma tu cárcel maravilla,
Rica, por nuestro mal, de nuestros bienes.

¿Quién dio al pino y la haya atrevimiento
De ocupar a los peces su morada,
Y al lino de estorbar el paso al viento?

Sin duda el verte presa, encarcelada,
La codicia del oro macilento,
Ira de Dios al hombre encaminada.

Ao mar

A vontade de Deus por grilhões tens,
E escrita na areia, a lei te humilha;
E por beijá-la chegas à orilha,
Mar obediente, a força de vaivens.

Em tua soberba mesma te deténs,
Que humilde és bastante a resisti-la;
A ti mesmo tua prisão maravilha,
Rica, por nosso mal, de nossos bens.

Quem deu ao pinho e à faia atrevimento
De ocupar aos peixes a morada,
E ao linho de estorvar o passo ao vento?

É certo que o ver-te preso, encarcerado,
A cobiça do ouro macilento,
Rancor de Deus ao homem encaminhado.

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Obra literária de Quevedo

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Política

  • Política de Dios, gobierno de Cristo y tiranía de Satanás, escrita em 1617 e impressa em 1635, onde tenta inferir uma doutrina política a partir dos Evangelhos.
  • Vida de Marco Bruto, 1644, onde desenvolve a biografia do famoso assassino de César, escrita por Plutarco, com um rigor quase matemático e onde o estilo conceitista atinge um nível praticamente inimitável.
  • Mundo caduco y desvaríos de la edad (escrita em 1621, editada em 1852)
  • Grandes anales de quince días (1621, ed. en 1788), análise da transição dos reinados de Filipe III e Filipe IV.
  • Lince de Italia y zahorí español (1628, ed. em 1852).
  • El chitón de Tarabillas (1630),onde critica as disposições econômicas do Conde-Duque de Olivares, insinuando a sua ascendência judaica.
  • Execración contra los judíos (1633), texto de cariz antissemita onde faz acusações, de forma velada, contra Dom Gaspar de Guzmán, Conde-Duque de Olivares, valido de Filipe IV.

Obras ascéticas

  • Providencia de Dios, 1641, tratado contra os ateus, onde tenta unificar o estoicismo com o cristianismo.
  • Vida de san Pablo, 1644.
  • Vida de Santo Tomás de Villanueva, 1620.

Filosofia

  • La cuna y la sepultura (1635).
  • Las cuatro pestes del mundo y las cuatro fantasmas de la vida (1651).

Crítica literária

  • La aguja de navegar cultos con con la receta para hacer Soledades en un día (1631), investida satírica contra os poetas que utilizam o estilo gongórico ou culterano.
  • La culta latiniparla (1624), manual burlesco onde se ridiculariza o estilo gongórico.
  • Cuento de cuentos (1626), onde demonstra o absurdo de alguns coloquialismos que carecem totalmente de significado.

Monumento a Quevedo em Madri (A. Querol, 1902)

Obras satírico-morais

  • Los Sueños, compostos entre 1606 e 1623, circularam manuscritos mas só foram impressos até 1627.
  • La hora de todos y la Fortuna con seso (1636),
  • O romance Historia de la vida del Buscón llamado Pablos, ejemplo de vagabundos y espejo de tacaños, impresso em Zaragoza em 1626.

Poesia

  • El Parnaso Español (1648)

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Fontes principais consultadas na Internet

http://www.los-poetas.com/f/bioquev.htm
http://www.filologia.org.br/viiicnlf/anais/caderno03-02.html
http://users.ipfw.edu/jehle/poesia/eraseunh.htm
http://www.realidadliteral.net/3paginaIII-5.htm
http://es.wikipedia.org/wiki/Conceitismo

Tradução dos poemas ao Espanhol: Cleto de Assis

22 de março, Dia da Água

Depois do Dia Mundial da Poesia, vem o Dia da Água, outra substância indispensável para a sobrevivência humana. Produto da união de dois gases – um altamente inflamável e outro acelerador da combustão – a água tem a paradoxal capacidade de apagar o fogo e, em estado sólido, reduz drasticamente as temperaturas. Como imaginamos que esta sagrada siubstância jamais acabará, não somos exatamente os melhores guardiões da água, por este mundo afora. Desperdiçamos água, contaminamos e secamos nascentes, poluimos os mares e as grandes reservas de água potável. Daqui a 15 anos, segundo a ONU, mais da metade da população mundial,  ou seja, perto de 3 bilhões de pessoas,  sofrerá escassez de água. A organização também informa que hoje, a cada ano, morrem cerca de 1 milhão e 600 mil pessoas por dificuldades de acesso a água e falta de saneamento básico.

Como afirmou o escritor João Guimarães Rosa:

A água de boa qualidade é como a saúde ou a liberdade:
só tem valor quando acaba.


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Água não é poesia, mas pode ser fonte inesgotável de inspiração poética. Por isso fomos pedir água a alguns poetas para comemorar o seu dia. E, no final do post, anexamos dois pequenos filmes que nos mostram o mundo maravilhoso da água, em sua origem e como fonte permanente de vida. Afinal, sempre é bom recordar que somos formados primordialmente de água: chegamos a conter até 80% do precioso líquido (até os dois anos de idade). Depois essa proporção decresce, com o passar dos anos. O que significa que, ao envelhecermos, simplesmente desidratamos. E, em um belo (ou feio) dia, vaporizamos literalmente.

Enquanto isso não ocorre, louvemos a água, nossa inseparável companheira. C. de A.

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É uma lei da natureza: os homens se congregam onde as águas convergem.

Jacques Yves Cousteau (1914-1997) naturalista francês

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Nossa sabedoria

Carlos Nejar


Nossa sabedoria é a dos rios.
Não temos outra.
Persistir. Ir com os rios,
onda a onda.
Os peixes cruzarão nossos rostos vazios.
Intactos passaremos sob a correnteza
feita por nós e o nosso desespero.
Passaremos límpidos.
E nos moveremos,
rio dentro do rio,
corpo dentro do corpo,
como antigos veleiros.

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Luís Carlos Verzoni Nejar,  (Porto Alegre, 11 de janeiro de 1939), é um poeta, ficcionista, tradutor e crítico brasileiro, membro da Academia Brasileira de Letras.

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Trucidaram o rio

Manuel Bandeira


Prendei o rio
Maltratai o rio
Trucidai o rio
A água não morre
A água que é feita
de gotas inermes
Que um dia serão
Maiores que o rio
Grandes como o oceano
Fortes como os gelos
Os gelos polares
Que tudo arrebentam.

De Estrela da Manhã

Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho, poeta brasileiro (Recife, 19 de abril de 1886 – Rio de Janeiro, 13 de outubro de 1968)

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Água

Francisco Joaquim Bingre


O líquido delgado e transparente
Com que o barro amassou o Autor sob’rano,
Da insigne construção do corpo humano,
Que temperas do home o fogo ardente!

Quando a chama se ateia em continente
Tu corres a sustar o nosso dano:
Tu desabafo és do mal tirano,
Que ataca o coração, soltando a enchente.

Quando tu pelos poros és filtrada,
Água que o fogo aquece, a calma fica
Da máquina acendida, refrescada.

Porém, quando o suor gela na bica,
Quando o frio te torna condensada,
Nossa queda final se verifica.

De Sonetos

Francisco Joaquim Bingre, poeta arcádico e pré-romântico português (9 de Julho de 1763 – 26 de Março de 1865).

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Lição sobre a Água

António Gedeão


Este líquido é água.
Quando pura
é inodora, insípida e incolor.
Reduzida a vapor,
sob tensão e a alta temperatura,
move os êmbolos das máquinas que, por isso,
se denominam máquinas de vapor.

É um bom dissolvente.
Embora com excepções mas de um modo geral,
dissolve tudo bem, ácidos, base e sais.
Congela a zero graus centesimais
e ferve a 100, quando à pressão normal.

Foi neste líquido que numa noite cálida de Verão,
sob um luar gomoso e branco de camélia,
apareceu a boiar o cadáver de Ofélia
com um nenúfar na mão.

De Poesiascompletas

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António Gedeão, pseudónimo de Rómulo Vasco da Gama de Carvalho (Lisboa, 24 de Novembro de 1906 – 19 de Fevereiro de 1997), foi um afamado poeta, professor e historiador da ciência portuguesa.

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Água

André Carneiro


Água, feita de volubilidade
mãe das nuvens e do barro.
posso senti-la discreta
transparente inevitável.

Prisioneira gelada
dos refrigeradores,
vago itinerário dos peixes,
húmido túmulo dos detritos
que os homens repudiaram.

Feita de angústia,
saíste dos olhos
para a estrada áspera
das rugas.

Ergues tua bandeira vermelha
no peito dos apunhalados.

Água,
hei-de beber-te comovido
na inodora volúpia
da tua acomodada transparência.
Embebes de esquecimento
os suicidas.

Tuas mãos rudes
agarram os continentes,
dissolvem os náufragos,
projectam no céu
os velames e as quilhas.
Bojo surdo e verde
cofre de algas e flibusteiros,
bactérias e diamantes.

Quero-te agora
inerte de presságios,
mera adolescente
nascida na terra,
filha perdida do azul.

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André Carneiro (Atibaia, 9 de maio de 1922) é um poeta, escritor, cineasta e artista plástico brasileiro.

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No alto mar

Sophia de Mello Breyner Andresen


No alto mar
A luz escorre
Lisa sobre a água.
Planície infinita
Que ninguém habita.

O Sol brilha enorme
Sem que ninguém forme
Gestos na sua luz.

Livre e verde a água ondula
Graça que não modula
O sonho de ninguém.

São claros e vastos os espaços
Onde baloiça o vento
E ninguém nunca de delícia ou de tormento
Abre neles os seus braços.

De Poesia (1944)

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Sophia de Mello Breyner Andresen (Porto, 6 de Novembro de 1919 — Lisboa, 2 de Julho de 2004) foi uma das mais importantes poetas portuguesas do século XX.

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O rio

Gilberto Mendes Teles

O que me agrada no rio,
o que melhor me convém
nas suas águas de cio
e de tristeza também

é a cantiga de quem
viaja por desfastio,
sem saber que o mar além
seja distante ou vazio.

O rio não perde o fio
de tempo que vai e vem
entre a nascente e o ciicio
da foz qeu sempre contém

o que se quer como um bem
que, sendo embora tardio,
é sombra de peixe e tem
seu melhor tempo no rio.

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Gilberto Mendonça Teles (Bela Vista de Goiás, 30 de junho de 1931) é escritor, professor e poeta brasileiro. Visite sua página no Banco da Poesia.

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A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta. Vai carregar água na peneira a vida toda.

Manoel Wenceslau Leite de Barros, poeta matogrossense, (Cuiabá, MT, 19 de dezembro de 1916). Atualmente mora em Campo Grande, MS.


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Vida, Paixão e Morte de César Vallejo

César Vallejo, por Pablo Picasso - 1938

A poesia de César Vallejo, até onde consegui conhecê-la,  me parece dividida entre o culpar a sociedade pelas injustiças sociais e o assumir culpas produzidas por excessiva educação religiosa. Conta sua biografia que, membro de uma família com doze filhos, dos quais ele era o menor, estaria destinado a ser padre, o que era ou é comum nas famílias católicas da América Latina, em especial nos países hispanos, onde a tradição religiosa sempre foi mais arraigada. Ele mesmo teria admitido essa vocação, em sua infância, e deve ter recebido profunda influência no conhecimento bíblico e de toda a liturgia de sua crença, tanto que seus textos poéticos seriam, mais tarde, impregnados por essa mística, além do tema obsessivo da Vida e da Morte.

Vallejo viveu as contradições da sociedade européia da primeira metade do Séc. XX, contaminada e desgastada por duas grandes guerras e por acaloradas discussões ideológicas, notadamente pelo marxismo que organizara a União Soviética. Participou, como correspondente, dos conflitos da Guerra Civil Espanhola (1936-1939), o que lhe serviu até mesmo como inspiração poética.

Sua vida e obra bem demonstram que seus principais conflitos foram existenciais, dividido entre uma santidade que seus pais haviam presumido para ele e a revolta ante a injustiça social, que o levou a extremos caminhos políticos. Entretanto, dentro dele viveu um homem íntegro e um poeta completo. Talvez não tenha visto a realização do que sua esperança desenhava como um mundo diverso daquele que testemunhava em vida, mas com certeza tornou o mundo melhor com sua poesia. C. de A.

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Dados biográficos

César Vallejo nasceu em 1892, em Santiago de Chuco, região andina localizada ao norte do Perú, no seio  de uma família com origens espanholas e indígenas. Desde pequeno conheceu a miséria, mas conheceu o benévolo o afeto familiar. Longe de sua família, nunca escondeu que sofria de um incurável sentimento de orfandade.

Estudou na Universidade de Trujillo, cidade onde descobriu a boemia, influenciado por jornalistas, escritores e políticos rebeldes. Em Trujillo, Vallejo publicou seus primeiros poemas antes de chegar a Lima no final de 1917. Nesta cidade lança seu primeiro livro: Los Heraldos Negros (impresso em 1918, lançado em 1919), um dos mais representativos exemplos de pós-modernismo.

Casa de Vallejo, em Santiago de Chuco, Perú

Em 1920 faz uma visita a sua cidade natal e acaba se envolvendo em confusões que o levaram a cadeia, onde permaneceu por cerca de três meses. Esta experiência teve uma profunda influência em sua vida e em sua obra, refletindo diretamente em vários poemas de seu segundo livro, Trilce (1922), considerada como uma obra fundamental da renovação da linguagem poética hispanoamericana. Em Trilce Vallejo se afasta dos modelos tradicionais que, até então, havia seguido, adotando uma linha mais modernista e realizando um angustiante e desconcertante mergulho nos abismos da condição humana, que nunca antes haviam sido explorados.

No ano seguinte parte para Paris, onde permanecerá (fazendo algumas viagens a União Soviética, Espanha e outros países europeus) até o fim de seus dias. Em París, viveu em extrema pobreza e grande sofrimento físico e moral. Participa com amigos como Huidobro, Gerardo Diego, Juan Larrea e Juan Gris de atividades de cunho vanguardista, renunciando a sua própria obra Trilce e, em 1927, aparece firmemente comprometido com o marxismo em sua atividade intelectual e política. Escreve artigos para jornais e revistas, peças teatrais, relatos e ensaios de intenção propagandistas, como Rússia, em 1931. Inscrito no Partido Comunista da Espanha (1931) e designado para ser correspondente, acompanha os acontecimentos da Guerra Civil e escreve o
seu poema mais político: España, aparta de mi este cáliz, que aparece em 1939, impresso por soldados do exército republicano.

Toda a obra poética escrita em Paris e que Vallejo publicou parcamente em diversas revistas, apareceria postumamente naquela cidade com o título: Poemas Humanos (1939). Nesta produção é visível seu esforço em superar o vazio e o niilismo de Trilce
e em incorporar elementos históricos e da realidade concreta (peruana, européia, universal) com os que pretendem manifestar uma apaixonada fé na luta dos homens pela justiça e solidariedade social.

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Los Heraldos Negros / César Vallejo

Hay golpes en la vida, tan fuertes … ¡Yo no sé!
Golpes como del odio de Dios; como si ante ellos,
la resaca de todo lo sufrido
se empozara en el alma… Yo no sé!

Son pocos; pero son… Abren zanjas obscuras
en el rostro más fiero y en el lomo más fuerte.
Serán talvez los potros de bárbaros atilas;
o los heraldos negros que nos manda la Muerte.

Son las caídas hondas de los Cristos del alma,
de alguna fe adorable que el Destino blasfema.
Esos golpes sangrientos son las crepitaciones
de algún pan que en la puerta del horno se nos quema.

Y el hombre… Pobre… pobre! Vuelve los ojos, como
cuando por sobre el hombro nos llama una palmada;
vuelve los ojos locos, y todo lo vivido
se empoza, como charco de culpa, en la mirada.

Hay golpes en la vida, tan fuertes… Yo no sé!

Grafismo sobre gravura de Albrecht Dürer

Os Arautos Negros

Há golpes na vida, tão fortes … Eu não sei!
Golpes como do ódio de Deus; como se ante eles,
a ressaca de todo o sofrido
se empossara na alma… Eu não sei!

São poucos; mas são… Abrem valas obscuras
no rosto mais feroz e no dorso mais forte.
Serão, talvez, os potros de bárbaros átilas;
ou os arautos negros que nos manda a Morte.

São profundas quedas dos Cristos da alma,
de alguma fé adorável que o Destino blasfema.
Esses golpes sangrentos são as crepitações
de algum pão que na porta do forno se queima.

E o homem… Pobre… pobre! Volta os olhos, como
quando por sobre o ombro nos chama uma palmada;
volta os olhos loucos, e todo o vivido
se empoça, como charco de culpa, na mirada.

Há golpes na vida, tão fortes… Eu não sei!

Epístola a los Transeuntes / César Vallejo

Reanudo mi día de conejo
mi noche de elefante en descanso.

Y, entre mi, digo:
ésta es mi inmensidad en bruto, a cántaros
éste es mi grato peso,
que me buscará abajo para pájaro
éste es mi brazo
que por su cuenta rehusó ser ala,
éstas son mis sagradas escrituras,
éstos mis alarmados compañones.

Lúgubre isla me alumbrará continental,
mientras el capitolio se apoye en mi íntimo derrumbe
y la asamblea en lanzas clausure mi desfile.

Pero cuando yo muera
de vida y no de tiempo,
cuando lleguen a dos mis dos maletas,
éste ha de ser mi estómago en que cupo mi lámpara en pedazos,
ésta aquella cabeza que expió los tormentos del círculo en mis pasos,
éstos esos gusanos que el corazón contó por unidades,
éste ha de ser mi cuerpo solidario
por el que vela el alma individual; éste ha de ser
mi hombligo en que maté mis piojos natos,
ésta mi cosa cosa, mi cosa tremebunda.

En tanto, convulsiva, ásperamente
convalece mi freno,
sufriendo como sufro del lenguaje directo del león;
y, puesto que he existido entre dos potestades de ladrillo,
convalesco yo mismo, sonriendo de mis labios.

Epístola aos Transeuntes

Reinicio meu dia de coelho
minha noite de elefante em descanso.

E, entre mim, digo:
esta é minha imensidade em bruto, a cântaros
este é meu grato peso,
que me buscará abaixo para pássaro
este é meu braço
que por sua conta recusou ser asa,
estas são minhas sagradas escrituras,
estes meus alarmados testículos.

Lúgubre ilha me alumbrará continental,
enquanto o capitólio se apoie em meu íntimo desmoronamento
e a assembleia em lanças enclausure meu desfile.

Porém quando eu morra
de vida e não de tempo,
quando cheguem a duas minhas duas maletas,
este há de ser meu estômago em que coube minha lâmpada em pedaços,
esta aquela cabeça que expiou os tormentos do círculo em meus passos,
estes esses vermes que o coração contou por unidades,
este há de ser meu corpo solidário
pelo qual vela a alma individual; este há de ser
meu umbigo onde matei meus piolhos natos,
esta minha coisa coisa, minha coisa horripilante.

No entanto, convulsiva, asperamente e
convalesce meu freio,
sofrendo como sofro da linguagem direta do leão;
e, posto que existi entre duas potestades de obstinação*,
convalesço eu mesmo, sorrindo de meus lábios.

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NT – Percebi que, em algumas versões ao Português deste poema, o termo ladrillo foi traduzido literalmente por tijolo. Entretanto, o vocábulo tem outras acepções, em Espanhol, como coisa pessada ou aborrecida (quase equivalente a chatice em Português) ou, então, em termo regional peruano, qualidade de pessoa muito trabalhadora e estudiosa. Como não podemos saber, hoje, a exata intenção do poeta ao usar o termo, preferi, quase intuitivamente, utilizar uma idéia mais ligada a sentimentos, pois é disto que trata o poeta em seus versos.

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El entierro del poeta / Luis Rogelio Nogueras*

A Víctor Casaus

Dijo de los enterradores cosas francamente
impublicables.
Blasfemaba como un condenado
y a sus pies un par de águilas lloraban pensando
en las derrotas.
En el entierro estaba Lautréamont,
yo lo vi desde mi puesto en la cola:
dejaba el sombrero al borde de la tumba
y cantaba algo triste y oscuro
(lloraba honradamente, ya lo creo, y los
caballos devoraban higos en silencio).
Hubo discursos,
sonrisitas de Rimbaud junto a la cruz,
paraguas abiertos a la lluvia como
a él le hubiera gustado.
Hubo más:
hubo viernes y
canciones funerarias,
palomas que volaban sin sentido, como niños,
versos oscuros,
la hermosa voz de Aragón,
suicidios deportivos de Georgette y nunca más
y hasta siempre.
A la hora más triste del asunto
no quería bajar porque decía que allí estaba
oscuro.
Pero estaba muerto y hubo que bajarlo.
Los sombreros abandonaron las cabezas,
se alzaron copas, adioses, letreros de nunca te
olvidamos.
(Un joven poeta a mi derecha le mesaba las
rodillas a la muerte).
Lo bajaron.
Se aplaudió en forma delirante;
la gente corría como loca asumiendo lo grave
del momento.
Lo bajaban.
Las mujeres lloraban en silencio
porque bajaban las águilas, los sueños, países
enteros a la tierra.
Se intentó una última sentencia:
Nerval se acercó con una tiza y escribió con
letra temblorosa:
Su cadáver estaba lleno de mundo.
Desde el fondo, Vallejo sonreía sin descanso
pensando en el futuro,
mientras una piedra inmensa le tapaba el
corazón y los papeles.

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* Poeta cubano (14.11.1944 – 06.07.1985)


O enterro do poeta

A Víctor Casaus

Disse dos coveiros coisas francamente
impublicáveis.
Blasfemava como um condenado
e a seus pés um par de águias choravam pensando nas derrotas.
No enterro estava Lautréamont,
eu o vi desde meu possto na fila:
deixava o chapéu na borda da tumba
e cantava algo triste e obscuro
(chorava honradamente, isso eu creio,
e os cavalos devoravam figos em silêncio).
Houve discursos,
risadinhas de Rimbaud junto à cruz,
guarda-chuvas abertos à chuva como ele teria gostado.
Houve mais:
houve indulgências e canções funerárias,
pombas que voavam sem sentido, como crianças,
versos obscuros,
a formosa voz de Aragón,
suicídios desportivos de Georgette
e nunca mais e até sempre.
Na hora mais triste do assunto
ele não queria baixar porque dizia que ali estava escuro.
Mas estava morto e houve que baixá-lo.
Os chapéus abandonaram as cabeças,
levantaram-se taças, adeuses, faixas de nunca te esquecemos.
(Um jovem poeta à minha direita arrancava os
joelhos da morte.)
O baixaram.
Aplaudiu-se em forma delirante;
as pessoas corriam como loucas, assumindo o grave
do momento.
O baixavam.
As mulheres choravam em silêncio
porque baixavam as águias, os sonhos, países
inteiros à terra.
Tentou-se uma última sentença:
Nerval se proximou com um giz r escreveu com
letra tremida:
Seu cadáver estava pleno de mundo.
Lá no fundo, Vallejo sorria sem descanso
pensando no futuro,
enquanto uma pedra imensa lhe tapava o
coração e os papéis.

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Masa / César Vallejo

Al fin de la batalla,
y muerto ya el combatiente, vino hacia él un hombre
y le dijo: “No mueras, te amo tanto!”
Pero el cadáver ¡ay! siguió muriendo.

Se le acercaron dos y repitiéronle:
“No nos dejes! ¡Valor! ¡Vuelve a la vida!”
Pero el cadáver ¡ay! siguió muriendo.

Acudieron a él veinte, cien, mil, quinientos mil,
clamando: “¡Tanto amor y no poder nada contra la muerte!”
Pero el cadáver ¡ay! siguió muriendo.

Le rodearon millones de individuos,
con un ruego común: “¡Quédate, hermano!”
Pero el cadáver ¡ay! siguió muriendo.

Entonces, todos los hombres de la tierra
le rodearon; les vió el cadáver triste, emocionado;
incorporóse lentamente,
abrazó al primer hombre; echóse a andar…

Massa

Ao fim da batalha,
e morto já o combatente, veio até ele um homem
e lhe disso: “Não morras, amo-te tanto!”
Mas o cadáver, ai, seguiu morrendo.

Acercaram-se-lhe dois e repetiram:
“Não nos deixeis! Ânimo! Volta à vida!”
Mas o cadáver, ai, seguiu morrendo.

Acorreram a ele vinte, cem, mil, quinhentos mil,
clamando: “Tanto amor e não poder nada contra a morte!”
Mas o cadáver, ai, seguiu morrendo.

Rodearam-lhe milhões de indivíduos,
com um rogo comum: “Fica, irmão!”
Mas o cadáver, ai, seguiu morrendo.

Então, todos os homens da terra
o rodearam; viram o cadáver triste, emocionado;
incorporou-se lentamente,
abraçou o primeiro homem; pôs-se a andar…

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Versão em Português: Cleto de Assis

Flores silvestres de Lina

Minha amiga Lina Faria é, sem dúvida alguma, uma artista da imagem fotográfica. Já escrevi sobre ela no Banco da Poesia, já “poetei” sobre suas fotos sempre inspiradoras. Ela tem a capacidade de gravar o simples, aquilo que as pessoas em geral não percebem a seu redor. Os bons fotógrafos, eternizadores do instante, do momento quase invisível aos olhos das pessoas comuns, têm a capacidade de fazer, na vida que corre, o corte do tempo infinitamente pequeno, porém enorme na beleza.

Do seu blog Não Lugar, retirei uma foto de flores rasteiras. Quase grudadas no chão. Expostas ao espezinho imediato. Mas, como parte do encanto telúrico, sempre vivas, sempiternas.

Foto Lina Faria

É o chão, mas poderia ser o universo,
chão inverso, onde nascem estrelaflores.
É o chão, cantochão, canto da terra, florescência permanente.
Veja, elas estão a brincar, embora aparentemente imóveis.
Trocam piscadelas, suspiros, ilusões, alusões, confidências.
Violetam-se sem violentar-se, cada qual com sua áurea íntima.
Não importa se, de repente, uma passada errante as pisotear,
aplastando-as e transformando-as em massa orgânica
para adubar a cama onde nasceram.
Um dia elas foram o cosmo, com estrelas brancas
em suas carinhas risonhas,
como almas vigilantes
e de perene beleza.

Cleto de Assis/março 20010

E chegamos ao dia 12 de março de 2010

Há exatamente um ano, apertei o comando publicar na área de administração do novo blog, nascido da vontade de colaborar com a divulgação da Poesia. Apresentado sob a forma de um poema, o Banco da Poesia partia de um capital em branco para tentar acumular, ao longo do tempo, em suas projeções de lucros, o tesouro inestimável da comunicação e da sensibilidade humana.

Por isso, caros senhores,
vamos fundar nosso banco:
não obrará em vermelho
mas ainda está em branco.
Trabalhará vanguardeiro
sem pensar só em dinheiro
neste tempo de consumo.
E terá como seu prumo
a palavra desprezada
pelos praxistas do dia.

Hoje, ao fazermos o nosso primeiro balanço anual, notamos que passamos todo o tempo da crise financeira mundial sem contabilizar prejuízos. Ao contrário, os correnstistas foram crescendo e, juntamente com nomes já consagrados na história da literatura, novos poetas foram se juntando, pouco a pouco, em torno da idéia de comemorar permanentemente a boa poesia. Que, em resumo, assume a gratíssima missão de fazer fluir os melhores ideais de busca da beleza e do contínuo aperfeiçoamento espiritual.

Seja a Poesia lapidada por pensamentos sublimes, seja fortemente talhada por dores e desilusões, o certo é que ela abre a alma das pessoas e aponta para a harmonia do espírito. Assim é a Arte, assim todas as artes.

Por sorte minha, de forma espontânea, o querido amigo e poeta Manoel de Andrade amenizou as minhas preocupações de prestador de contas obrigado a um balanço anual, mandando-me um artigo minucioso que mostra o panorama que se desenhou ao longos destes doze meses. Ver abaixo.

De minha parte, olhando para o que passou, concluo que valeu a pena. Sem alarde, divulgando o blog primeiramente entre os amigos, depois recebendo adesões espontâneas de outras cidades, estados e de outros países, alargamos o nosso círculo de amizades. Nos primeiros seis meses, contabilizamos uma média de 40 visitações diárias. Nos últimos seis meses, a média subiu para 100 e continua aumentando a cada dia que passa. Ainda é pouco, diante dos gigantecos números da Internet, mas consideremos que o tema escolhido não é dos mais populares. E é exatamente para isso que estamos a trabalhar: para fazer da Poesia um hábito rotineiro na vida das pessoas. Um dia a gente chega lá.

Para comemorar o primeiro ano, procurei reunir um bom grupo de colaboradores em uma página especial. Fiz a eles um simples convite: para você, O que é a Poesia? (clique nos links anteriores ou no título do menu à direita)

Quase todos os convidados mandaram suas colaborações ainda em tempo para podermos soprar a velinha. Outros se excusaram e prometeram enviar suas palavras em seguida, Como estamos em uma ambiente virtual, não há portas inteiramente fechadas e, assim, todas as colaborações poderão ser publicadas a qualquer tempo.

Agradeço aos amigos, colaboradores e visitantes  a confiança e o permanente incentivo a este trabalho. (C. de A.)

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Minha Aldeia

Manoel de Andrade/Curitibaxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

Há um ano o Banco da Poesia abriu suas portas honrando-me com o crédito do primeiro depósito.  Quero pedir licença ao seu editor para chamar –  dramatizando meu enredo neste texto –, essa bela instituição pelo mágico nome de Aldeia da Poesia. Na verdade, é com essa imagem, poética e despojada, que eu sinto este site. E é pra esse recanto que  viajo todo dia.

É também minha Pasárgada, onde, literalmente, sou amigo do rei. Gosto de andar, pra cima e pra baixo, ao longo desse território virtual  de líricas alamedas,   galerias de arte,  parques e jardins construídos genialmente com formas e cores cletianas e densamente povoado de versos.

Ao longo deste ano quase uma centena de poetas ali chegaram para ficar. Pela leitura e pelos traços biográficos, já conheço a todos. Quero citar aqui os seus nomes e desde já peço perdão por minhas palavras não poderem  se referir a cada um, diante de tanta qualidade literária.

Minha renovada alegria é estar convivendo nessa aldeia com tantos amigos fraternos: Cleto, Vidal, Walmor, Marilda, Hélio, Simões, João Batista, Solivan, Débora O’Lins

Sob as luzes da memória, em seus caminhos   transitam  Neruda, Garcia Lorca, Fernando Pessoa e Benedetti e os  nossos  Castro Alves, Gregório de Matos, Vinícius, Drummond, Quintana, Augusto dos Anjos, Ferreira Gullar. Mais adiante  me  surpreendo com a presença de Otávio PazEmily DickinsonAntonio Machado e, mais ao longe, vejo com tristeza Alfonsina Storni caminhando solitária para o mar.

Retomo outros caminhos dessa Aldeia, atravesso seus jardins  e vejo sob um caramanchão quatro poetas que falam e gesticulam. São eles e elas:  Verlaine e Cora Colalina e, no  banco em frente,  Helena Kolody e Baudelaire. A poucos metros,  numa tenda com bom vinho português,  confraternizam  Miguel Torga, Antonio GedeãoAgostinho da Silva, José Dias Egipto, Eugênio de Andrade e Sophia Andressen.

Detenho-me, aqui e ali, “ouço” seus versos e sigo adiante  porque quero conhecer a todos. Chego a um pequeno bosque, frondoso e perfumado  onde se reúnem tantas nacionalidades da poesia e ali ganho meu dia.  São os  que vieram de além mar: Vera lúcia Kalahari, amiga querida que só conheço na saudade e na distância de Angola e Portugal; o grande Mia Couto, de Mocambique;  Sarah Carrère, do Senegal, que conheci recentemente;  Crisódio Araujo, Fernando Sylvan, José Barros Duarte, Jorge Lanten, Ruy Cinatti e Sophia Andressen, essa pleiade de ótimos poetas que enriquecem a literatura do Timor; e, bem assim,  Armênio Vieira e Corsino Fortes de Cabo Verde; e também Emmelie Prophète e Rodney Saint-Eloi, do Haiti.

Vem da poética Espanha os cantos  de Francisco Cenamor e Artur Alonso. Da pátria de Goethe, de Schiller e de Hölderlin chegam os versos de Herman Hesse e da lendária Bagdá, a poesia de Dunya Mikail.

Os hispano-americanos estão chegando e aqui já estão  Vicente Gerbasi, da Venezuela, e Guadalupe Amor, do México,  Álvaro Miranda, da Colômbia e Tejada Gomez, da Argentina, além da quase mitica mexicana Sóror Juana de La Cruz.

Há, nessa aldeia,  um nicho construído pela  saudade e pela esperança de um soldado russo que partiu para a guerra. Espera-me,   escreveu comovido  Konstantin Simonov à  sua amada. Creio ser um dos mais belos poemas,  nesse rastro de belezas que encontro nessa aldeia, e que Hélio do Soveral genialmente imortalizou na língua portuguesa.

No fundo de um vale há uma pequena pedreira disposta de forma circular, formando, naturalmente,  um teatro de arena. Chego até lá e encontro poetas brasileiros de todas as partes do país para um grande  festival de poesia. Sou um dos convidados para partilhar meus versos com   Maurício Ferreira, Isaias de Faria, Rafael Nolli, Saramar Mendes de Souza, Anair Weirich, Raul Pough, Erly Welton, José Marins, Luiz Adolfo Pinheiro, Murilo Mendes, Domingos Pellegrini, Oswald de Andrade, Juca Zokner, Oscar Alves, Iriene Borges, Mauricio Ferreira, Cássio Amaral, Rafael Nolli e possivelmente mais alguns que ainda não encontrei por aqui.

Esta a Minha Aldeia, já global pela magia tecnológica, mas ainda acolhedora e solidária pela graça da Poesia.

Curitiba- março de 2010

Comente sobre a situação no Haiti

Novos comentários no post A ti, Haiti . Faça também o seu.

Foto Reuters - O Estado de São Paulo

A ti, Haiti

Soa o rumor fatídico dos ventos,
Anunciando desmoronamentos
De mil lajedos sobre mil lajedos…
E ao longe soam trágicos fracassos
De heróis, partindo e fraturando os braços
Nas pontas escarpadas dos rochedos!

Augusto do Anjos,

em A Ilha de Cipango, do livro Eu, 1912



Nós, brasileiros, já estamos acostumados com as águas de dezembro e janeiro. Casas e gente soterradas pela lama dos barrancos, inundações a afogar cidades. Perto delas, as águas de março são mera poesia, como aproveitou Jobim (o compositor). As notícias dão conta que os poderes administrativos não fiscalizam e as pessoas, em busca de um lugar para viver, constroem onde não se pode construir e jogam lixo onde não devem.

Neste ano tivemos algo diferente. Já não foram apenas os pobres da favelas que sofreram com os desbarrancamentos, mas a classe média também foi atingida, em Angra dos Reis. Já não foram só os anônimos da desgraça, mas gente com nome, profissão e planos concretos para o presente e o futuro desapareceu durante os cataclismos. Desgraça pior? Não, foi gente que se foi sem precisar ter ido, vítimas da incúria administrativa de um país que quer traçar políticas de meio ambiente e direitos humanos, mas não sabe como escrever simples posturas municipais e fazê-las cumprir. Seja em Brasília, no Rio de Janeiro, São Paulo ou em Quixeramobim.

Quando morei em Brasília, em um belo apartamento recém-construído na Asa Norte, vi uma favela nascer e se desenvolver ao lado de um lixão, este formado em terras semiabandonadas da Universidade de Brasília. Foram poucos meses entre o primeiro barraco levantado ao lado do monte de lixo e as dezenas, talvez centenas de casas de compensado, papelão e lona plástica. Contaram-me que muitas das famílias que para ali se transferiram vinham de outra favela formada em um vale coberto de vegetação e que escondia dos olhos da classe média burocrata a sua pobreza.

E a favela da superquadra, ao começar a incomodar o cartão postal da Capital Federal, foi desmontada em um só dia, por ação da polícia militar, a mando das autoridades que não viram nem preveniram a sua construção. E, no Congresso Nacional, boa parte dos representantes nordestinos, conterrâneos de grande parte dos então favelados de Brasília, continuava a exibir seus relógios de ouro e, como dizia Stanislaw Ponte Preta, seus ternos mais brilhantes que a própria inteligência.

Mas janeiro de 2010, que encerra a primeira década do Século XXI, foi ainda mais trágico que os janeiros anteriores, literalmente derrubando o Haiti e tornando-o ainda mais pobre. Perdemos gente brasileira por lá. Militares e civis. Entre eles, a nossa Zilda Arns, que queria levar a sua Pastoral da Criança para proteger a infância daquela ilha desafortunada. Aí volta o outro Jobim, este descompositor da esperança, a dizer que não era hora de cuidar de eufemismos e já devíamos contar como mortos os militares ainda dados como desaparecidos. Palavras que parecem ser retiradas do tal PNDH III, contra o qual o ministro da nossa defesa se manifestou.

Enfim, coisas de mais um janeiro convulsivo, no qual Gaia mostra que ninguém manda nela e, apesar de nossa presunção em poder controlá-la, é ela que nos comanda e nos envia avisos, de quando em quando.

Na volta das pequenas férias, de onde fui enxotado pelas águas de janeiro, fui em busca de informações. Pesquisei sobre a poesia haitiana e descobri que, como sua história, ela é melancólica e terrivelmente profética. Abaixo vão dois exemplos.

Também descobri que Augusto dos Anjos, o poeta brasileiro que contradizia seu nome, também lembrou, há quase cem anos, a ilha caribenha apegada à dor. Igualmente o transcrevo. Mas não pude deixar de reunir letras para testemunhar a minha compaixão por aquela ilha que tem tudo para ser um paraíso, mas que se tornou hospedaria da desgraça, desde que Cristóvão Colombo a descobriu, em 1492. (C. de A.)

À ti, haiti, meu ai

Cleto de Assis

Quisqueya, mãe de todas as terras,
foste amaldiçoada por Colombo,
que te acreditava Cipango,
quando engoliste a nau Santa Maria
e mataste os 39 marinheiros
dados a ti de presente no dia de Natal.
Tu, que fizeste ruir o sonho
da primeira construção americana.
Tu, Hispaniola, Española, Espanhola,
Tu, à esquerda de Santo Domingo repartida,
Terra Montanhosa,
Ahti, guiada por Guacanagarí,
que também renegaste por ter sido o primeiro amigo.

E serias hostil por tempo quase eterno.
Teu Porto Príncipe depois se afrancesaria,
povoado por gente arrancada da Guiné
sem as mesuras gaulesas
e com sangue caribe transvasado de tuas praias e montanhas,
a vingar o povo de África e a bramir contra o branco.
“Ê! Ê! Bomba! Heu! Heu! Canga, bafio te! Canga, mauné delé!
Canga, do ki lá! Canga, Li!”

Preferias a morte
se não houveras tomado a vida do branco e tudo o que ele possuía.
E a morte encontraste muitas vezes
pela mão do branco,
pelas mãos de teus adotados filhos
e pela mão de Gaia
sem proteção dos L’whas.

Haiti, tens o grito de dor no teu ventre
e na pobreza de tua gente.
Conseguiste fazer a enorme revolução negra
mas ainda não encontraste a liberdade
no imenso quilombo em que te transformaste
e precisaste mostrar a face da aflição
para receberes gestos de fraternidade.

Haiti, usina de restavecs violadas,
tu, que tens fome de paz,
mas não consegues a paz porque tens fome.
Tu, abandonada nas águas turmalinas do Caribe
trocaste o bafejo da sorte pelo hálito feroz do tufões
e não encontras o socorro nem de tua padroeira.

Haiti, terra amontoada pelo Senhor dos Infernos,
Terra Escombrosa, Poeirenta,
com cheiro da morte, com sede de água e de ternura,
és o retrato do abandono do homem pelo homem.

Chegarão a ti, Haiti, os Senhores da Fortuna,
a retirar das algibeiras abarrotadas alguns trocados,
sem exigir em troca crianças abandonadas
e o açúcar que tiras da terra, já pouco para teus próprios filhos.

Mas cuida-te, Haiti, e recusa ofertas por tua alma combalida.
Retira o pó da gente descolorida pela desgraça
e recria a Nova Fênix Caribe que deverá surgir das cinzas.

Sê novamente Quisqueya com tua própria vontade
e com tuas própria mãos,
sem a opressão de teu passado de dor.

Emmelie Prophète

Emmelie Prophète nasceu em Porto Príncipe, no Haiti, a 15 de junho de 1971, onde estudou Direito e Literatura Moderna. Fez cursos de Comunicação na Jackson State University, no Mississippi, E.U.A.. Ela apresentou, por oito anos, uim programa de difusão de Jazz na Rádio Haiti. Trabalhado em Educação e na diplomacia, como adida cultural do Haiti em Genebra. Colabora em várias revistas, Chemins Critiques, Boutures, Casa de las Americas, Cultura, La Nouvelle Revue Française.

É autora de duas coletâneas de poemas, Des marges à remplir (2000) e Sur parure d’ombre (2004). Em 2007, ele lançou sua primeira narrativa, Le Testament des solitudes, em Montreal.

Emmelie Prophète escreve para salvar sua pele. Sua literatura é simples, fluída e argentina. Ela nos conduz de acaso a acaso e nos segura em torno de palavras generosas, muitas vezes íntimas, que dizem que há beleza mesmo com mau tempo.

Seu trabalho é como um espelho que reflete as ligações exploradas e acessíveis das estações conhecidas. Solidão, melancolia, fraturas, o canto da terra natal perdida e reencontrada, o desejo a céu aberto, as chagas saindo de todas as suas páginas como segredos cochichados. Emmelie Prophète é uma voz que nos conta coisas em palavras simples. É uma voz que se revela e nos revela.

Desde 2006 ela é responsável pela Divisão Nacional do Livro, ligada ao Ministério da Cultura no Haiti.

Fonte: http://www.lehman.cuny.edu/ile.en.ile/paroles/prophete_emmelie.html

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Un jour

Un jour rappelle-toi
cette ville dépécée
entre le bruit la bêtise et la douleur.
On a créé l’infidélité,
le bleu des trottoirs d’un autre continent.
La folie est devenue utile.
Nous nous appliquons à dessiner
des portes de sortie

Depuis tes yeux
le vide est à réinventer.

Écoute la prière de nos sexes
étouffée par le poids des mots
le trou de votre blue jean
est la seule fenêtre
qui donne sur l’espoir

On rêve tous de trottoirs.
Les cris de notre nudité
sont sans issue
comme vos silences.

Em fotografia de 4 de setembro de 2008, menino resgata carrinho de casa inundada depois da tempestade tropical Hannah, que atingiu Gonaives, no Haiti. A imagem é do fotógrafo Patrick Farrell, do Miami Herald. (Foto: Patrick Farrell/ Miami Herald/ AP)

Um dia

Um dia, lembra-te
desta cidade despedaçada
entre o ruído a estupidez e a dor.
Criamos a infidelidade,
o azul das calçadas de um outro continente.
A loucura tornou-se útil.
Nos esforçamos para desenhar
as portas de saída

Desde teus olhos
o vazio se reinventará.

Ouvi as orações do nosso sexo
sufocada pelo peso das palavras
o buraco no vosso jeans azul
é a única janela
que leva à esperança.

Nós sonhamos todos com as calçadas.
Os gritos de nossa nudez
são inúteis
Como vossos silêncios.

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Rodney Saint-Eloi

Rodney Saint-Eloi nasceu em 27 de agosto de 1963, em Cavaillon, no sul do Haiti. Ele é escritor, editor e acadêmico. Em 1991, fundou, em Porto Príncipe, a Éditions Mémoire, editora que publica escritores haitianos que vivem dentro e fora do país. A editora privilegia o trabalho de jovens escritores ainda não conhecidos devidamente.

O poeta Georges Castera se juntou à editora Mémoire, em 1999, e se tornou seu editor literário. Com Castera, Saint-Eloi fundou uma revista semestral de arte e da literatura, denominada Boutures (Estacas).

Saint-Eloi começou a escrever com a idade de 13 anos. Ele publicou uma dúzia de coleções de poemas, ensaios sobre literatura e pintura. Algumas de suas obras foram traduzidas para o Inglês, o Espanhol e o Japonês. Sua obra é uma lenta travessia de cidades, rios e rostos.

Saint-Eloi mora em Montreal desde 2001. Em março de 2003, ele fundou e dirige a versão canadense da editora Mémoire, que publica obras de autores de diferentes comunidades culturais – África, Caribe e Oceano Índico.

Considerado um dos pontos fortes das comunidades culturais no Canadá, a editora Mémoire retoma obras do patrimônio haitiano com a coleção Anthologie secrète (Carl Brouard, Davertige, Frankétienne) e a série Poèsie (Roussan Camille, Roger Dorsinville, Yanick Jean, Leon Laleau, Anthony Lespes …).

Em Rodney Saint-Eloi é tudo compromisso: redação e edição. Compromisso com o social, compromisso com a literatura, compromisso, finalmente, com tudo que liberação. “O que alimenta os meus escritos” – argumenta ele – “é a cólera contra a estupidez, contra qualquer coisa que nos impede de crescer e de reunir o humano em nós. Contra tudo que se assemelhe a segregação e racismo. Enfim, contra qualquer coisa que impeça o homem de desfrutar plenamente o seu estatuto de homem Minha paixão é o humano e o livro, este objeto sereno que testemunha a presença lúcida das mulheres e dos homens sobre a terra”.

Fonte: http://www.lehman.cuny.edu/ile.en.ile/paroles/saint-eloi.html

Ma Ville

Ma ville est morte, c’est peut-être hier, elle l’étrangère que je connais à peine m’a téléphoné de sa prison et m’a dit trois mots comme l’annonce d’une tragédie: ville mort soudaine. Je me rappelle pas du tout sinon le claquement de cette voix à l1autre bout étouffé, j’en suis gêné de ne pouvoir vous dire la date exacte, c’était, autant que je me rappelle, un matin des années cinquante; et ma ville amnésique est morte comme hier, sans histoire, sans échouage, au pied d’une mer mourante dans la grisaille du vent.

Ma ville est morte hier comme l’ammnandier brun qui me fut ami, sans géographe ni postulant, morte sans sacrement, sans sentiments, dans le labyrinthe des couleurs, avec una tache de sang sur sa paupière gauche, et je me rappellel pas trop le nom des assassins, c’est peut-être trop et c’est peut-être moi, car les murs de nos silences construisent une cathédrale de souvenirs, et chacun pleure en la mort de cette ville sa mort de poche dans un miroir ovale.

Minha Cidade

Minha cidade está morta, talvez ontem, ela a estrangeira que eu conheci na prisão me ligou e disse três palavras, como o anúncio de uma tragédia: Cidade morte súbita. Eu não me lembro a todos que a quebra de sua voz embargada de final l1autre, não tenho vergonha de dizer a data exata era, tanto quanto me lembro, uma de manhã dos anos cinqüenta, e minha cidade amnésica está morta como ontem, sem história, sem encalhar, ao pé de um mar moribundo na pátina cinza do vento.

Minha cidade morreu ontem como a amendoeira parda que me foi amiga, sem geógrafo nem postulante, morte sem sacramentos, num labirinto de cores, com uma mancha de sangue em sua pálpebra esquerda, e eu não lembro mais o nome dos assassinos, isto pode ser demais e pode ser eu, porque o muro de nossos silêncios construiu uma catedral de memórias, e todo mundo chora na morte desta cidade sua morte imediata em um espelho oval.
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A ilha de Cipango

Augusto dos Anjos

Estou sozinho! A estrada se desdobra
Como uma imensa e rutilante cobra
De epiderme finíssima de areia…
E por essa finíssima epiderme
Eis-me passeando como um grande verme
Que, ao sol, em plena podridão, passeia!

A agonia do sol vai ter começo!
Caio de joelhos, trêmulo… Ofereço
Preces a Deus de amor e de respeito
E o Ocaso que nas águas se retrata
Nitidamente reproduz, exata,
A saudade interior que há no meu peito…

Tenho alucinações de toda a sorte…
Impressionado sem cessar com a Morte
E sentindo o que um lázaro não sente,
Em negras nuanças lúgubres e aziagas
Vejo terribilíssimas adagas,
Atravessando os ares bruscamente.

Os olhos volvo para o céu divino
E observo-me pigmeu e pequenino
Através de minúsculos espelhos.
Assim, quem diante duma cordilheira,
Para, entre assombros, pela vez primeira,
Sente vontade de cair de joelhos!

Soa o rumor fatídico dos ventos,
Anunciando desmoronamentos
De mil lajedos sobre mil lajedos…
E ao longe soam trágicos fracassos
De heróis, partindo e fraturando os braços
Nas pontas escarpadas dos rochedos!

Mas de repente, num enleio doce,
Qual se num sonho arrebatado fosse,
Na ilha encantada de Cipango tombo,
Da qual, no meio, em luz perpétua, brilha
A árvore da perpétua maravilha,
A cuja sombra descansou Colombo!

Foi nessa ilha encantada de Cipango,
Verde, afetando a forma de um losango,
Rica, ostentando amplo floral risonho,
Que Toscanelli viu seu sonho extinto
E como sucedeu a Afonso Quinto
Foi sobre essa ilha que extingui meu sonho!

Lembro-me bem. Nesse maldito dia
O gênio singular da Fantasia
Convidou-me a sorrir para um passeio…
Iríamos a um país de eternas pazes
Onde em cada deserto há mil oásis
E em cada rocha um cristalino veio.

Gozei numa hora séculos de afagos,
Banhei-me na água de risonhos lagos
E finalmente me cobri de flores…
Mas veio o vento que a desgraça espalha
E cobriu-me com o pano da mortalha,
Que estou cosendo para os meus amores!

Desde então para cá fiquei sombrio!
Um penetrante e corrosivo frio
Anestesiou-me a sensibilidade.
E a grandes golpes arrancou as raízes
Que prendiam meus dias infelizes
A um sonho antigo de felicidade!

Invoco os Deuses salvadores do erro.
A tarde morre. Passa o seu enterro!…
A luz descreve ziguezagues tortos
Enviando à terra os derradeiros beijos.
Pela estrada feral dous realejos
Estão chorando meus amores mortos!

E a treva ocupa toda a estrada longa…
O Firmamento é uma caverna oblonga
Em cujo fundo a Via – Láctea existe.
E como agora a lua cheia brilha!
Ilha maldita vinte vezes a ilha
Que para todo o sempre me fez triste!

Do livro Eu, 1912

Pequeno recesso

Como nem só de poesia vivem os seres humanos, vou buscar o mar de Santa Catarina e seus deliciosos frutos para um rápido descanso de fim de ano. Pouco mais de uma semana. Deverei estar de volta no dia 10 de janeiro e retomarei imediatamente a gerência deste Banco da Poesia. No entanto, estarei atento a eventuais colaborações de nossos leitores e, sempre que for possível, procurarei inseri-las.

Deixo aqui meus votos de Paz, já transmitidos também no post anterior. Paz que também é resultado do trabalho realizado até agora e que quero dividir com o já grande número de colaboradores.

Obrigado a todos e que no próximo ano nos seja permtido divulgar ainda mais a Poesia, que é o verdadeiro pão da alma. Cleto de Assis

A ecológica Árvore de Cristal

Desde o último dia 9 uma árvore de natal com 12 metros de altura e feita de garrafas plásticas adorna o Paço da Liberdade (antiga Prefeitura Municipal) em Curitiba e ilumina suas noites. É a Árvore de Cristal, projeto da Fundação de Ação Social (FAS), presidida pela primeira dama Fernanda Richa, em parceria com a Coca-Cola, já em seu segundo ano.

Elaborada com 4 mil garrafas plásticas, com líquidos coloridos e seis mil lâmpadas, a árvore é espetáculo de luz e espírito natalino. Os demais componentes da árvore, como laços e guirlandas, também foram confeccionados com material das garrafas por grupos da terceira idade e por participantes do ProJovem.

O design é do arquiteto Fernando Canalli e todas as garrafas que integram o projeto foram coletadas pelo município e pelas comunidades que vivem perto das  margens dos rios, como iniciativa que contribui com o meio ambiente e ajuda a manter a cidade limpa.

A foto da praça foi recolhida no portal da Prefeitura e o belíssimo detalhe é de nossa amiga fotógrafa Lina Faria. Com sua sensibilidade, ela conseguiu até captar sutis raios luminosos vindos lá de cima.

Po falar em Paço da LIberdade, hoje eu quero visitá-lo para ver a exposição de Arnaldo Antunes, que materializa em quadros as suas teorias sobre Poesia Visual. Ainda falaremos muito sobre isto, aqui no Banco da Poesia.

Foto Lina Faria