Arquivo do mês: maio 2009

A noite dividida

Na última sexta-feira (15.05.09), Manoel de Andrade e eu fizemos uma balada cultural (não sei se existe, mas deveria) já nos primeiros tremores de Curitiba. O frio está vindo de mansinho, pedindo pousada na terra dos pinheiros que, por sua vez, começam a debulhar os gostosos pinhões.

Bendito AssaltoTínhamos que atender a dois convites, em horários semelhantes. O primeiro começou cedo, mas calculamos que, mais boêmio, poderia se prolongar ad infinitum. O segundo, marcado para as 19 horas, além de estar no roteiro geográfico, pressupunha longas filas: era o lançamento do livro de Domingos PellegriniBendito Assalto. Optamos, portanto, em comparecer inicialmente no simpático Quintana’s Bar, ali na avenida do Batel. Já encontramos uma pequena multidão de amigos e admiradores do escritor londrinense, que lá estava, sentado em ampla mesa, a distribuir autógrafos com auroras cordiais.

Para mim, foram várias festas. Reencontrei Domingos (não me me sinto à vontade ao chamá-lo pelo nome de cartório), reencontrei Dinho, após alguns anos. Sem a barba com que foi anunciado dias atrás, neste blog, parecia ter rejuvenescido. Entrei na fila para abraçá-lo e o reencontro foi mais que o ato social. Entramos em breves recordações de Londrina, com relatórios relâmpagos sobre o tema – o que você está fazendo? E conheci Dalva, a simpática esposa, sempre atenta aos convidados da noite.

Levei também, autografado para minha neta, a publicação infantil de Dinho, O Livro das Perguntinhas, que Mariah, com seus sete aninhos, leu, de uma sentada, no dia seguinte.
LançaLivDinho2
Como não poderíamos deixar os demais convidados à espera, alternamos vários momentos, até o final, no qual recordamos a grata aventura do Novo Jornal, um semanário que fez história na imprensa de Londrina e do qual Dinho foi o primeiro redator-chefe. Lembramos que fomos ele e eu os principais responsáveis pelo nascimento do jornal, após uma visita que ele fez à gráfica onde eu era sócio. Em pouco tempo o projeto gráfico estava pronto e Dinho, moço com ânimo aventureiro, se despedia da mesa que ocupava na Folha de Londrina para dirigir a pequena troupe de jornalistas iniciantes, alguns ainda alunos do curso de Comunicação Social da UEL. Mas essa história será contada brevemente, em uma edição rememorativa que planejamos editar, com o imediato apoio de Nilson Monteiro, um daqueles focas (hoje um excelente jornalista) que puseram fermento saudável na idéia do Novo Jornal, também reencontrado na noite de autógrafos.

Entre os muitos amigos, vi novamente Tereza e Claret de Rezende, com quem compartilhamos uma mesa e um papo dos bons. Ambos já  estão há muitos anos em Curitiba, mas Londrina foi tema recorrente, pois foi lá que nossa amizade nasceu, Claret na Folha e Tereza na universidade.
ManecoDinho1
Manoel de Andrade (outro amigo com diminutivo fraterno) e Domingos Pellegrini também renovaram a amizade recente, mas já solidificada pela literatura. Com oportunidade de trocar figurinhas, como mostra a foto: Maneco levou seu Poemas para a Liberdade para Dinho e recebeu o Bendito Assalto – seria uma espécie de divisão da partilha?…

Demoramos mais que o imaginado, mas foi muito bom compartilhar do sucesso da sessão de autógrafos e de lá sair munido de novos projetos, sobre os quais mais tarde falarei.

E fomos, Maneco e eu, para o Alto da Glória. Para quem não conhece Curitiba, esclareço que não se trata de nenhuma ambição  artística. Trata-se de um bairro da capital do Paraná, bastante tradicional e que já foi morada das famílias que dominaram a economia da erva mate, do final do Século XIX a meados do século XX. Lá se localiza, na reverente Travessa Luthero, o pouco reverente Bar do Mato, um ambiente simples e acolhedor. Encontramos os integrantes da reunião lítero-musical já em adiantada animação, com Marilda Confortin, Daniel Farias e seus inseparáveis violão e boa música, e novos amigos, como Narciso Pires e sua esposa Valquíria. Peço perdão por não guardar o nome de todos, mas destaco os que me premiaram com publicações suas: Raul Pough e Wilson Miran Lopes de Carvalho. Ambos também partícipes da tertúlia, o primeiro dizendo o poema Dote, já depositado no Banco, logo abaixo. O segundo, com sua alma de troubadour nordestino, também pegou na viola e mostrou suas habilidades poético-musicais. Daqui a pouco mostrarei seus trabalhos. E cada um de nós teve oportunidade de cantar poemas, seus ou emprestados.

Enfim, uma noite para guardar no lado agradável da memória. (C. de A.)

Raul Pough, novo correntista

raulpough2Segundo texto enviado pelo próprio, “Raul Pough é um poeta paranaense, de umbigo pontagrossense e alma gaudéria. Apaixonado pela literatura minimalista, sua praia são os poetrix, os haicais, os tercetos, os dísticos, os epigramas e as combinações de tudo isso. Poemínimo, textículo, poema-minuto, poema-miojo, não importa o nome que se dê a estes escritos onde o autor usa e abusa dos vícios e figuras de linguagem, especialmente da ironia, das metáforas, dos trocadilhos, beirando – quase via de regra – a marginalidade. Seus textos são breves, precisos e certeiros – a marca da concisão. Como diria Cláudio Feldman, para ler na escada rolante. Raul Pough já tem um livro lançado (2008), o Síndrome de Hipotenusa – Poemínimos e também publica seus textos na Internet e antologias. É superfã de Paulo Leminski“.

Bem vindo seja, Raul, ao Banco da Poesia. E continue enviando seus depósitos. Hoje publicamos o primeiro, que conheci n último sábado (15/maio), na reunião do Bar do Mato. Marilda Confortin viu nele um inventário. Eu imaginei um testamento. Mas, no final, você explica o destino de tantas memórias recolhidas no cenário vital, ofertando-as a um destino esperançoso. Eis aí seu Dote.

Dote

Dote
minhas fotos de criança, uns trocados na poupança
meus planos, meus cinquenta anos, meus enganos
livros importantes, cd’s interessantes, sonhos distantes

meus trancos e barrancos, quatrocentos e poucos francos
uma caneca amarela, três alfinetes de lapela
meus poemas, meus dilemas, aquela pesquisa de cinemas

uma fé qualquer, uma medalhinha du sacre couer
a aposentadoria precoce, umas pastilhas pra tosse
um velho videocassete, uns arquivos em disquete

uma garrafa de vinho branco, umas dívidas no banco
um bilhete da megasena, duas mamárias e uma safena
primeiros socorros num estojo, um pacote de miojo

minhas orações, minhas ereções, minhas opiniões
uma lupa, um lugar na minha garupa
um suvenir parisiense, uma camisa do fluminense

uma fivela de caubói, minha vocação pra super-herói
umas cicatrizes, alguns deslizes, decisões infelizes
filtro solar, um ferro-de-passar, baterias de celular

minhas fotos de paris, dois ternos risca-de-giz
defeitos reais, fantasias sexuais, alguns postais
minha coleção de calendários, meus dicionários

um computador, um ebulidor, um despertador
um pouco de incenso, outro tanto de bom senso
um aparelho de TV, um exame negativo de HIV

um certo espelho, um grampeador vermelho
meus medos, meus segredos… contados nos dedos
um modem banda-larga, duas canetas sem carga

uma cafeteira, uma lapiseira, uma cadeira
meu radinho portátil, minha esperança volátil
meus vídeos, um medo danado de aranha-marrom

umas revistas de turismo, um pouco de astigmatismo
recordações da infância, emoções em abundância
um dinheiro a receber, descobertas por fazer

uns poucos amigos, uns objetos antigos
as minhas andanças, as minhas lembranças
um bom balde-de-gelo, ainda bastante cabelo

uma gravata, marmelada em lata, software pirata
meu humor, meu sabor, meu calor, uma garrafa de licor
dois guarda-chuvas dobráveis, alguns hábitos saudáveis

meu sul, um ursinho azul, uma cisma com istambul
meu norte, meu passaporte, minha sorte
um chico bento sorridente, uma filmadora gradiente

um passado errante, uma estante, um endereço mutante
nem tudo tão bom assim, mas também nada tão ruim
meus beijos especiais, com gosto de quero mais

minhas novas idades, um montão de afinidades
meus talentos, meus momentos, meus pensamentos
aquele indiozinho, o meu cheirinho, o meu carinho

e o meu amor, enquanto eu viver…
quer ficar comigo?

Hoje tem Domingos Pellegrini em Curitiba

Domingos Pellegrini, escritor pé vermelho que honra o Paraná, lança hoje, em Curitiba, seu último livro – Bendito Assalto –, editado pela Leitura. Vão abaixo os detalhes do evento. Segundo quem já leu o último livro do Dinho (que era como o chamávamos, carinhosamente, nos bons tempos de Londrina da década de 70), “o romance do jornalista Domingos Pellegrini é um livro reportagem eletrizante. Depois de conhecer os personagens de um assalto a banco, ele reconstitui a história e narra com objetividade e muita descrição o dia que mudou a vida de um bancário, um jornalista, um ator, uma esotérica – os personagens da Quadrilha. O plano era um assalto sem violência, sem pistas e sem contar com os imprevistos”.

LançaLivDinho

Eu ainda não li. Vou pegar o meu hoje à noite. E ainda arranjarei um tempinho para atender o convite da Marilda, no Bar do Mato (leia anúncio anterior). Então, anotem:

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CONVITE


Lançamento do romance
Bendito Assalto
de Domingos Pellegrini
Nesta 6ª feira – 15 de maio  – 19 hs
Quintanas Bar
Av. Batel 1440 – Curitiba
Com coquetel

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Enquanto esperamos a hora do lançamento, façamos, com o autor (que também é poeta) uma

REVISÃO

folhinhaDinho

Vou tratar a noite
como se fosse manhã
vou ver em cada poste
a luz como maçã

Vou interpretar os dias
como estendida alvorada
onde nada acontece, nada
sem luminosa poesia

Depois vou olhar o sol
como a maior das frutas
a luz como diamante

enquanto as estrelas cantam
com sua mudez piscante
uma canção absoluta

13 de maio

Lei_Áurea

Documento da Lei Áurea, assinado pela Princesa Isabel, Regente do Brasil, em 1888

No dia em que completamos 111 anos da assinatura da Lei Áurea, que aboliu a escravatura no Brasil, é bom lembrar o ímpeto de Antonio Frederico de CASTRO ALVES, que morreu jovem, em 1871, sem ver um de seus belos sonhos realizados. Sua obra deixou muitas páginas de gritos fragorosos em favor da liberdade dos escravos. Um de seus livros foi inteiramente dedicado a eles, além de poemas esparsos que faziam a denúncia desta página infame de nossa história.

Ao romperD'alva

Ao lembrar o dia 13 de maio, neste início de século e de milênio, não quero partilhar o ferro da vingança, como ilustrou o poeta baiano em um de seus poemas. Cresci em um ambiente de liberdade social, convivendo, desde os primeiros anos de escola, com colegas brancos, negros, pobres e ricos. Aprendi, desde cedo, que o Brasil, por seu notável caldeamento étnico (não racial, pois só existe uma raça humana), era um país de oportunidades para todos. Mais tarde, também aprendi que as oportunidades não eram tão bem repartidas, mas estavam ao alcance de todos os que a procuravam, principalmente por meio da educação.

Lamentavelmente, estamos vivendo um regresso a sentimentos mesquinhos, que têm ranço de uma nova – e errada – mentalidade  racista e, o que é pior, uma “democracia” que tentam construir somente em favor das chamadas minorias. O que temos que construir, na verdade, é uma nação cada vez mais solidária, que se educa com os erros do passado fazendo acontecer um presente digno para todas as pessoas. Jamais evocá-los para cobrar faltas a quem não as cometeu ou aproveitá-las para justificar certas facilidades sociais que premiam apenas alguns poucos, em desfavor de um grande número de brasileiros que também merece crescer.

Queremos um Brasil justo para todos os brasileiros, como sonhava o cantor da Cachoeira de Paulo Afonso. (C. de A.)

AO ROMPER D’ALVA

Castro Alvescastroalves
Página feia, que ao futuro narra
Dos homens de hoje, a lassidão, a história
Com o pranto escrita, com suor selada
Dos párias misérrimos do mundo!…
Página feia, que eu não possa altivo
Romper, pisar-te, recalcar, punir-te…
xxxxxxxxxxxxxxxxxPedro Calasans



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Sigo só caminhando serra acima,
E meu cavalo a galopar se anima
xxxAos bafos da manhã
A alvorada se eleva do levante,
E, ao mirar na lagoa seu semblante,
xxxJulga ver sua irmã.

As estrelas fugindo aos nenúfares,
Mandam rútilas pérolas dos ares
xxxDe um desfeito colar.
No horizonte desvendam-se as colinas,
Sacode o véu de sonhos de neblinas
xxxA terra ao despertar.

Tudo é luz, tudo aroma e murmúrio.
A barba branca da cascata o rio
xxxFaz orando tremer.
No descampado o cedro curva a frente,
Folhas e prece aos pés do Onipotente
xxxManda a lufada erguer.

Terra de Santa Cruz, sublime verso
Da epopéia gigante do universo,
xxxDa imensa criação.
Com tuas matas, ciclopes de verdura,
Onde o jaguar, que passa na espessura,
xxxRoja as folhas no chão;

Como és bela, soberba, livre, ousada!
Em tuas cordilheiras assentada
xxxA liberdade está.
A púrpura da bruma, a ventania
Rasga, espedaça o cetro que s’erguia
xxxDo rijo piquiá.

Livre o tropeiro toca o lote e canta
A lânguida cantiga com que espanta
xxxA saudade, a aflição.
Solto o ponche, o cigarro fumegando
Lembra a serrana bela, que chorando
xxxDeixou lá no sertão.

Livre, como o tufão, corre o vaqueiro
Pelos morros e várzea e tabuleiro
xxxDo intrincado cipó.
Que importa’os dedos da jurema aduncos?
A anta, ao vê-los, oculta-se nos juncos,
xxxVoa a nuvem de pó.

Dentre a flor amarela das encostas
Mostra a testa luzida, as largas costas
xxxNo rio o jacaré.
Catadupas sem freios, vastas, grandes,
Sois a palavra livre desses Andes
xxxQue além surgem de pé.

Mas o que vejo? É um sonho!… A barbaria
Erguer-se neste sécl’o, à luz do dia.
xxxSem pejo se ostentar.
E a escravidão – nojento crocodilo
Da onda turva expulso lá do Nilo –
xxxVir aqui se abrigar!…

Oh! Deus! não ouves dentre a imensa orquestra
Que a natureza virgem manda em festa
xxxSoberba, senhoril,
Um grito que soluça aflito, vivo,
O retinir dos ferros do cativo,
xxxUm som discorde e vil?

Senhor, não deixes que se manche a tela
Onde traçaste a criação mais bela
xxxDe tua inspiração.
O sol de tua glória foi toldado…
Teu poema da América manchado,
xxxManchou-o a escravidão.

Prantos de sangue – vagas escarlates –
Toldam teus rios – lúbricos Eufrates –
xxxDos servos de Sião.
E as palmeiras se torcem torturadas,
Quando escutam dos morros nas quebradas
xxxO grito de aflição.

Oh! ver não posso este labéu maldito!
Quando dos livres ouvirei o grito?
xxxSim… talvez amanhã.
Galopa, meu cavalo, serra acima!
Arranca-me a este solo. Eia! te anima
xxxAos bafos da manhã!

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxRecife, 18 de julho de 1865

Maio, mês de Paul Garfunkel

AutoRetratoPG_oleo_1945_45x31cmMaio é o mês de Paul Garfunkel, querido amigo com quem convivi, na década de 60, nos bons tempos da Escola de Belas Artes e da Galeria Cocaco. O mestre Garfunkel descia quase diariamente a rua XV, nos fins de tarde, desde seu ateliê, nas imediações da Universidade Federal, e se reunia com os jovens artistas da época, numa convivência pacífica e produtiva, em que as faixas etárias eram ignoradas e todos respiravam o pouco de arte da Curitiba de então. Discreto sempre, nunca deixou de comparecer a exposições e eventos culturais, sempre acompanhado da criativa e palpitante Madame Garfunkel.

Nascido em Fontainebleau, a 60 km de Paris, França, em 9 de maio de 1900, ele veio para o Brasil em 1927, um ano após ter casado com Helène Fanny Ginvert, mais conhecida, em sua vida paranaense, como Madame Garfunkel, responsável pela dinamização da Aliança Francesa, uma referência cultural em Curitiba por várias décadas.  Em suas primeiras andanças por São Paulo (onde nasceria, em 1929, sua filha Françoise-Marie, a Franchette, omo era carinhosamente chamada por todos) , colocou à disposição sua formação de engenheiro industrial, mas acabou vindo para o Paraná, estado que o captou definitivamente como artista visual. Em meados dos anos 60, editamos, Philomena Gebran e eu, um singelo álbum de reproduções de aquarelas de animais feiotas por Paul Garfunkel, por ocasião de uma daquelas famosas feiras agropecuárias do Parque Canguiri.

Depois, já por conta de minhas caminhadas fora de Curitiba, tive nova aproxcimação com sua obra ao proteger, em Brasília, no ano de 1984, uma coleção de 30 aquarelas em poder de um esperto metido a experto em artes, que ameaçava destruir as obras do artista, só porque suas ofertas de venda do acervo a órgãos públicos e empresários não obtiveram êxito. Coincidentemente, eu ocupava interinamente a presidência do Conselho Nacional de Direito Autoral e, ao notar que a ameaça do vândalo se constituía em crime previsto em lei, decidi tomar providências para evitar a morte anunciada das aquarelas. Mas houve demora na ação preventiva, pois o CNDA teve que requerer uma medida cautelar à Justiça, cuja liminar foi concedida somente duas horas após a realização do happening destrutivo, em um hotel de Brasília. Ainda tentei, por telefone, comunicar-me com o tresloucado “colecionador”, mas ele tinha chamado a atenção da imprensa e não desistiu de seu intento. Sempre espertalhão, ele não destruiu completamente as aquarelas, mas retalhou-as cuidadosamente com uma tesoura, em quatro partes cada uma, por certo prevendo uma possível restauração. Isso facilitou nossa próxima ação, já por meio do Ministério Público Federal, para requerer à Justiça a apreensão e guarda das aquarelas mutiladas, todas encontradas, no dia seguinte, na casa do iconoclasta tupiniquim, para onde me dirigi, em companhia do oficial de justiça, para recolher os despojos.

Como, na época, eu trabalhava no Ministério da Justiça, que tinha instalado recentemente um bem aparelhado laboratório de restauração de livros e documentos, consegui o apoio do estão ministro Ibrahim Abi Ackel para que as obras fossem ali restauradas. O fim da história? Ainda não chegou. Segundo soube recentemente, a ação sobre a apreensão das obras ainda corre na Justiça de Brasília, apesar dos 15 anos decorridos. Coisas do meu Brasil brasileiro.
largo-da-ordem-paul-garfunkel-1957
Mas voltemos a Garfunkel, cuja obra já pertence à história da arte parananese e brasileira. Aliás, sua longa permanência na vida artística do Paraná, desde o pós-impressionismo (onde muitos o situam), à reação ao abstracionismo e a renovação das artes plásticas, depois de 60, o tornou partícipe de vários eventos importantes de nossa cultura.

Como registrei no início, maio é seu mês. Nasceu num 9 de maio (outra coincidência: eu também) e morreu no dia 11 de maio de 1981, exatamente há 18 anos. No livro Paul Garfunkel: um Francês no Brasil, seu genro Karlos Rischbieter conta: “Ele registrava tudo em cadernos, blocos, folhas soltas. Tudo: pessoas, animais, casas, paisagens, tudo o que lhe aparecia à frente. E era um registro de ‘repórter’, no bom e original sentido da palavra. Com traços poucos e leves, uma espécie de sumi-ê ocidental, ele captava o seu assunto como se tivesse o poder de uma máquina fotográfica que, por uma capacidade extraordinária, sé enxergava e reproduzia o essencial.”

A crítica de arte Adalice Araújo escreveu, em 1974: “O que mais nos emociona em sua vasta produção são os croquis e manchas rápidas, em que nos transmite a impressão primeira das coisas. Como os impressionistas, é sobretudo um artista de instantâneos, em cujos toques nervosos de grande vibração mágica, capta a crônica da vida cotidiana…”

Mas é dele a palavra final: “Não entendo por que se criam tantos tabus em relação à arte. Ela é em essencial tão simples! Está nas ruas, na gente que passa; é apenas uma questão de sensibilidade, de transmissão de sentimentos, de diálogo de amor“.

A Paul Garfunkel, nosso abraço saudoso. E nossa homenagem, com o vídeo seguinte, que mostra o seu assíduo comparecimento aos recitais de música, sempre anotando tudo.

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Ilustrações (de Paul Garfunkel)
Auto-retrato (1945)
Óleo s/ tela 45x31cm 

Largo da Ordem (1957)
Óleo s/ tela
demais informações não localizadas

Marilda Confortin convida

Nesta sexta-feira, 15 de maio de 2009 depois das 19 horas,esqueça a casa e o trabalho e venha dar o seu grito de liberdade no Bar Do Mato.      http://www.domato.com.br/
Entre músicos, poetas, contadores de histórias e causos, estaremos celebrando (bebericando) nossa Lei Áurea Inconfidente: Prazer, Poesia e Liberdade.
Em anexo, estamos enviando  o convite, endereço e a bandeira de nossa causa mui justa.
Sua presença será comemorada com um Grito.
Pre-requisito: Cantar nosso samba- manifesto, etnicamente correto: o Samba do Afrodescendente Doido.
CONVITE DO MATO jpg
Samba do Afrodescendente doido

(Samba do Crioulo Doido)

Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto)

Imperatriz Leopoldina - 01Foi em Diamantina
Onde nasceu JK
Que a Princesa Leopoldina
Arresolveu se casá
Mas Chica da Silva
Tinha outros pretendentes
E obrigou a princesa
A se casar com Tiradentes

Lá iá lá iá lá ia
O bode que deu vou te contar
Lá iá lá iá lá iá
O bode que deu vou te contar

Joaquim José
Que também é
Da Silva Xavier
Queria ser dono do mundo
E se elegeu Pedro II
Das estradas de Minas
Seguiu pra São Paulo
E falou com Anchieta
O vigário dos índios
Aliou-se a Dom Pedro
E acabou com a falseta

Da união deles dois
Ficou resolvida a questão
E foi proclamada a escravidão
E foi proclamada a escravidão
Assim se conta essa história
Que é dos dois a maior glória
Da. Leopoldina virou trem
E D. Pedro é uma estação também

O, ô , ô, ô, ô, ô
O trem tá atrasado ou já passou

Marilda Confortin

http://iscapoetica.blogspot.com/

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Ilustração: Imperatriz Leopoldina Teresa Francisca Carolina Miguela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bragança e Bourbon. Aquela que virou trem
(C. de A.)

Deus para crentes e descrentes

Li no blog espanhol de Francisco Cenamor, Asamblea de Palabras, um poema da mexicana Guadalupe Amor Schmidtlein, mais conhecida como Guadalupe Amor ou Pita Amor (Pita deve ser o diminutivo do diminutivo Guadalupita). Ele faleceu em 2000, no dia 9 de maio, há, portanto, nove anos. Mas sua vida literária foi prolífica, assim como sua participação social em direção à emancipação feminina, na sociedade das primeiras décadas do Séc. XX, que se escandalizava por qualquer coisa.

Pita Amor nasceu no dia 30 de maio de 1918 na Cidade do México. Poeta experta em décimas, sua obra também se caracteriza por cuidadosos textos, influenciados, sem dúvida, por Quevedo, Sóror Joana e Gôngora.

PitaAmorPita cantou Deus, a morte, a solidão, a angústia, o nada. Desde muito jovem, Pita conviveu com artistas e intelectuais do México, graças a sua irmã Carita, colaboradora de Carlos Chávez e fundadora da Galería de Arte Mexicana, que foi instalada no porão da casa de seu pai, por onde desfilaram Rivera, Orozco, Tamayo, Siqueiros, O’Gorman entre muitos outros. Desta época surge a amizade de Pita con Juan Soriano, Cordelia Urueta, Roberto Montenegro, Antonio Peláez. Para todos eles pousou, inclusive para Rivera, que a pintou desnuda, o que produziu grande escândalo na família Amor.

Bonita, apaixonada e polêmica, foi apadrinhada poéticamente por Alfonso Reyes, que sobre ela assim se referiu: “…e nada de comparações odiosas, aqui se trata de um caso mitológico”. Pita, porém, seguiu de escândalo em escândalo, se envolveu em romances com toureiros, pintores, artistas e escritores, mas igualmente foi precursora do que depois se chamaria liberação feminina. “Não sou como muitas mulheres mexicanas”, dizia Pita.

Entre as obras que publicou, se destacam os poemários: Yo soy mi casa (1946), dedicado a sua amiga Gabriela Mistral; Puerta obstinada (1947), Círculo de angustia (1948), Polvo (1949), Décimas a Dios (1953), Sirviéndole a Dios, de hoguera (1958), Todos los siglos del mundo (1959), Soy dueña del universo (1984). Dentro do gênero narrativo: Yo soy mi casa (1957) – seu primeiro texto em prosa, e Galería de títeres (1959).

Sua personalidade a levou a dizer que sua poesia somente podia ser equiparada à de Sóror Joana Inés de la Cruz e Octavio Paz. E em alguma ocasião também afirmou: “Oxalá que algum destes versos possa dar a quem o leia um reflexo modesto de sua angústia, de sua esperança”.

Assim se descreveu:

Sozinha estou e plena de inquietudes;
cada dia me interno mais adentro;
meus defeitos atraem as virtudes;
de um misterioso círculo sou o centro.
O cansaço que tenho é infinito;
toda a dor do mundo tenho provado;
um labirinto de ansiedade habito
e tenteando me revolvo no intricado.

Décimas

Dios, invención admirable,
hecha de ansiedad humana
y de esencia tan arcana,
que se vuelve impenetrable.
¿Por qué no eres tú palpable
para el soberbio que vio?
¿Por qué me dices que no
cuando te pido que vengas?
Dios mío, no te detengas,
o ¿quieres que vaya yo?

***

Yo siempre vivo pensando
cómo serás si es que existes;
de qué esencia te revistes
cuando te vas entregando.
¡Debo a ti llegar callando
para encontrarte en lo oscuro!
O ¿es el camino seguro
el de la fe luminosa?
¿Es la exaltación grandiosa,
o es el silencio maduro?

***

Te quiero hallar en las cosas;
te obligo a que exista el cielo,
intento violar el velo
en que invisible reposas.
Sí, con tu ausencia me acosas
y el no verte me subleva;
pero de pronto se eleva
algo extraño que hay en mí,
y me hace llegar a ti
una fe callada y nueva.

***

Hablo de Dios como el ciego
que hablase de los colores
e incurro en graves errores
cuando a definirlo llego.
De mi soberbia reniego,
porque tengo que aceptar
que no sabiendo mirar
es imposible entender.
¡Soy ciega y no puedo ver,
y quiero a Dios abarcar!…

***

Oculto, ausente, baldío,
hermético, inalterable,
asfixiante, invulnerable,
absorbente, extraño y frío;
así te siento, Dios mío,
cuando sola y angustiada
me consumo alucinada
por lograr mi plenitud,
rompiendo esta esclavitud
a la que estoy condenada.

Dios_Cocijo
Museu Nacional de Antropologia don Mexico
O deus zapoteca Cocijo (deus da chuva) de Monte Albán
(200-500 d.C.)

Versão em português

Deus, invenção admirável,
feita de ansiedade humana
e de essência tão arcana,
que se torna impenetrável.
Por que não és mais palpável
para o soberbo de cá?
Por que me dizes que não
quando te peço que venhas?
Deus meu, não te detenhas,
ou queres que eu me vá?

***

Eu sempre vivo pensando
como serás, se é que existes;
de que essência te revestes
quando te vais entregando.
Devo a ti chegar calando
para encontrar-te no escuro!
Ou é caminho seguro
este da fé luminosa?
É a exaltação grandiosa,
ou o silêncio maduro?

***

Quero encontrar-te nas coisas;
obrigo a que exista o céu,
procuro violar o véu
em que, invisível,  repousas.
Se em tua ausência me acossas
e o não ver-te me subleva;
Mas de repente se eleva
algo estranho que há em mim,
e a ti entrego, enfim,
uma fé calada e nova.

***

Falo de Deus como o cego
que imaginasse o oceano
e incorro em desengano
quando a defini-lo chego.
Minha soberba renego,
porque tenho que aceitar
que não sabendo olhar
é impossível entender.
Sou cega e não posso ver,
e quero a Deus abarcar!…

***

Oculto, baldio,ausente,
hermético, inalterável,
asfixiante, invulnerável,
frio, estranho e absorvente;
assim te sinto, a Deus crente,
se sozinha  e angustiada
me consumo alucinada
para alcançar tua mão,
rompendo esta escravidão
a que estou condenada.

(C. de A.)

Sob as ondas

A natureza é toda poesia. O fotógrafo que tem a capacidade (ou a sorte) do clique correto, também é poeta. E se ele surfa e tem o necessário equilíbrio para clicar, no momento exato, dentro da onda, em meio ao turbilhão, faz do atletismo um momento de poesia. No instante paralisado, conserva o movimento da natureza, o agitar-se da vida. E a vida – como disse Vinicius de Moraes, em O Dia da Criação –, a vida bem em ondas, como o mar.

As fotos que publicamos, verdadeiros poemas fotográficos, foram extraídas de mensagem da arquiteta, escritora e ilustradora portuguesa Margarida Botelho. Infelizmente, não cosneguimos localizar os autores. Se alguém conseguir identificá-los, por favor, nos comunique para fazermos o registro.

Onda1

Onda2

Onda3

Onda4

Onda5

Onda6

Onda7

Dicas de Fernando Pessoa – 03

trifp1Toda a arte é uma forma de literatura, porque toda a arte é dizer alguma coisa. Há duas formas de dizer – falar e estar calado. As artes que não são a literatura são as projeções de um silêncio expressivo. Há que procurar em toda a arte que não é a literatura a frase silenciosa que ela contém, ou o poema, ou o romance, ou o drama. Quando se diz “poema sinfônico” fala-se exatamente, e não de um modo translato e fácil. O caso parece menos simples para as artes visuais, mas se nos prepararmos com a consideração de que linhas, planos, volumes, cores, justaposições e contraposições são fenômenos verbais dados sem palavras ou antes por hieoglifos espirituais, compreenderemos como compreender as artes visuais, e ainda que as não cheguemos a compreender ainda, teremos, ao menos, já em nosso poder o livro que contém a cifra e a alma que pode conter a decifração. Tanto basta até chegar o resto.

(De Textos de Crítica e de Intervenção.  Edições Ática, Lisboa:1980)

Erly Welton Ricci

É Hora de Acordar

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é hora de acordar
inverno terá sido
um lugar de amanhecer
é hora de acordar
nós que estamos vivos
de outra morte, não a nossa
é hora de acordar
pasto
e repasto desta proverbial
aurora
é hora de acordar
dactilóide
as torres que ruíram
um belo dia
é hora de acordar
enquanto o ar ainda mal
se respira
é hora de acordar
ninguém assegura
a segunda quadratura

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Ilustração: A Noite Estrelada, de Vincent van Gogh
Óleo sobre tela
73,7 × 92,1 cm
Museu de Arte Moderna de Nova Iorque