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13 de maio

Lei_Áurea

Documento da Lei Áurea, assinado pela Princesa Isabel, Regente do Brasil, em 1888

No dia em que completamos 111 anos da assinatura da Lei Áurea, que aboliu a escravatura no Brasil, é bom lembrar o ímpeto de Antonio Frederico de CASTRO ALVES, que morreu jovem, em 1871, sem ver um de seus belos sonhos realizados. Sua obra deixou muitas páginas de gritos fragorosos em favor da liberdade dos escravos. Um de seus livros foi inteiramente dedicado a eles, além de poemas esparsos que faziam a denúncia desta página infame de nossa história.

Ao romperD'alva

Ao lembrar o dia 13 de maio, neste início de século e de milênio, não quero partilhar o ferro da vingança, como ilustrou o poeta baiano em um de seus poemas. Cresci em um ambiente de liberdade social, convivendo, desde os primeiros anos de escola, com colegas brancos, negros, pobres e ricos. Aprendi, desde cedo, que o Brasil, por seu notável caldeamento étnico (não racial, pois só existe uma raça humana), era um país de oportunidades para todos. Mais tarde, também aprendi que as oportunidades não eram tão bem repartidas, mas estavam ao alcance de todos os que a procuravam, principalmente por meio da educação.

Lamentavelmente, estamos vivendo um regresso a sentimentos mesquinhos, que têm ranço de uma nova – e errada – mentalidade  racista e, o que é pior, uma “democracia” que tentam construir somente em favor das chamadas minorias. O que temos que construir, na verdade, é uma nação cada vez mais solidária, que se educa com os erros do passado fazendo acontecer um presente digno para todas as pessoas. Jamais evocá-los para cobrar faltas a quem não as cometeu ou aproveitá-las para justificar certas facilidades sociais que premiam apenas alguns poucos, em desfavor de um grande número de brasileiros que também merece crescer.

Queremos um Brasil justo para todos os brasileiros, como sonhava o cantor da Cachoeira de Paulo Afonso. (C. de A.)

AO ROMPER D’ALVA

Castro Alvescastroalves
Página feia, que ao futuro narra
Dos homens de hoje, a lassidão, a história
Com o pranto escrita, com suor selada
Dos párias misérrimos do mundo!…
Página feia, que eu não possa altivo
Romper, pisar-te, recalcar, punir-te…
xxxxxxxxxxxxxxxxxPedro Calasans



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Sigo só caminhando serra acima,
E meu cavalo a galopar se anima
xxxAos bafos da manhã
A alvorada se eleva do levante,
E, ao mirar na lagoa seu semblante,
xxxJulga ver sua irmã.

As estrelas fugindo aos nenúfares,
Mandam rútilas pérolas dos ares
xxxDe um desfeito colar.
No horizonte desvendam-se as colinas,
Sacode o véu de sonhos de neblinas
xxxA terra ao despertar.

Tudo é luz, tudo aroma e murmúrio.
A barba branca da cascata o rio
xxxFaz orando tremer.
No descampado o cedro curva a frente,
Folhas e prece aos pés do Onipotente
xxxManda a lufada erguer.

Terra de Santa Cruz, sublime verso
Da epopéia gigante do universo,
xxxDa imensa criação.
Com tuas matas, ciclopes de verdura,
Onde o jaguar, que passa na espessura,
xxxRoja as folhas no chão;

Como és bela, soberba, livre, ousada!
Em tuas cordilheiras assentada
xxxA liberdade está.
A púrpura da bruma, a ventania
Rasga, espedaça o cetro que s’erguia
xxxDo rijo piquiá.

Livre o tropeiro toca o lote e canta
A lânguida cantiga com que espanta
xxxA saudade, a aflição.
Solto o ponche, o cigarro fumegando
Lembra a serrana bela, que chorando
xxxDeixou lá no sertão.

Livre, como o tufão, corre o vaqueiro
Pelos morros e várzea e tabuleiro
xxxDo intrincado cipó.
Que importa’os dedos da jurema aduncos?
A anta, ao vê-los, oculta-se nos juncos,
xxxVoa a nuvem de pó.

Dentre a flor amarela das encostas
Mostra a testa luzida, as largas costas
xxxNo rio o jacaré.
Catadupas sem freios, vastas, grandes,
Sois a palavra livre desses Andes
xxxQue além surgem de pé.

Mas o que vejo? É um sonho!… A barbaria
Erguer-se neste sécl’o, à luz do dia.
xxxSem pejo se ostentar.
E a escravidão – nojento crocodilo
Da onda turva expulso lá do Nilo –
xxxVir aqui se abrigar!…

Oh! Deus! não ouves dentre a imensa orquestra
Que a natureza virgem manda em festa
xxxSoberba, senhoril,
Um grito que soluça aflito, vivo,
O retinir dos ferros do cativo,
xxxUm som discorde e vil?

Senhor, não deixes que se manche a tela
Onde traçaste a criação mais bela
xxxDe tua inspiração.
O sol de tua glória foi toldado…
Teu poema da América manchado,
xxxManchou-o a escravidão.

Prantos de sangue – vagas escarlates –
Toldam teus rios – lúbricos Eufrates –
xxxDos servos de Sião.
E as palmeiras se torcem torturadas,
Quando escutam dos morros nas quebradas
xxxO grito de aflição.

Oh! ver não posso este labéu maldito!
Quando dos livres ouvirei o grito?
xxxSim… talvez amanhã.
Galopa, meu cavalo, serra acima!
Arranca-me a este solo. Eia! te anima
xxxAos bafos da manhã!

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxRecife, 18 de julho de 1865