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Que tal ler poesia em leitor eletrônico?

Há alguns anos li uma matéria com Humberto Eco e Paulo Coelho, na qual os dois escritores declararam suas negações à leitura eletrônica, em favor do velho e bom livro de papel. Estávamos no início da história dos e-books ou livros eletrônicos e eles visualizavam apenas a leitura feita em computadores tradicionais, nem sempre confortável. Lembro que Eco dizia que gostava de ler na banheira e não conseguia imaginar ter que carregar um computador na hora do banho.

Sony Reader, Japão

Na realidade, a trajetória dos e-books ainda está no seu começo. Podemos dizer que a viagem ainda nem começou, está apenas no aquecimento e na arrumação da bagagem. O que muitos divulgam como e-book, por enquanto, são apenas livros tradicionais digitalizados. Não se percebeu ainda a totalidade da revolução, que está modificando a própria leitura e o modo de construir o pensamento “escrito”. Os verdadeiros livros eletrônicos poderão ter até textos (com essas figurinhas conhecidas como letras), mas as novas mídias estã0 a compor novos meios de expressão, dentro de diversos suportes do conhecimento, dentro daquilo que é chamada de hipermídia.

Bebook Reader, Holanda

É possível que nossa dificuldade em aceitar a nova realidade (sim, acredito que a mídia impressa vai desaparecer, para felicidade geral das florestas) ainda é produto do condicionamento ao pensamento linear, elaborado em séculos com os olhos postos nas linhas dos textos escritos. Lembram-se como era trabalhoso escrever um determinando trabalho e, a todo momento, levantar-se para buscar referências em muitos livros, fazer fichas, anotações, cópias? Quando escrevíamos com a saudosa máquina datilográfica (tem gente das atuais gerações que nunva viu uma), pensávamos que o trabalho era reduzido, rápido e mais bem feito. Mas quando descobríamos que era necessário incluir um parágrafo importante no texto já pronto, babaus: era preciso redigir tudo de novo, a partir da modificação.

Hoje o computador já nos salvou desses trabalhos paleolíticos. E a Internet traça o caminho hipermidiático, no qual já conseguimos conduzir o pensamento à maneira de mosaicos, sem a rigidez da construção linear. Difícil? Nem tanto, se imaginarmos que os chineses e japoneses e todos os que usam linguagem ideográfica já pensam assim.

Cybook, Grã-Bretanha

Agora chegou avez da popularização dos aparatos eletrônicos que permitem a Humberto Eco e Paulo Coelho ler seus livros confortavelmente instalados em suas mornas banheiras. São os readers ou leitores digitais, cada vez mais leves e baratos e que podem arquivar centenas de documentos (tranquilizem-se os mais assustados: podem até ser centenas de livros, destes com uma linha de texto em baixo da outra, até o final…) A Sony já tem seu reader, a Microsoft também. Mas o mais famosos é Kindle, lançado pela Amazon, que não era uma empresa de produtos eletrônicos, mas especializou-se em vender livros. Aliás, é a maior livraria virtual do mundo.

E um dia eles acharam que o livro de papel, que pesa muito e custa caro, além de ter ainda um complexo e demorado sistema logístico para sua entrega, talvez estivesse com seus dias contados. E decidiram investir no desenvolvimento de um aparelho que servisse para a leitura de todos os livros. Ainda mais: também o vendem, nos Estados Unidos, com assinaturas de jornais, como o New York Times, em sua edição eletrônica. Quer saber mais? Clique aqui.

Irez-Iliad, Holanda

Durante mais de dois anos as vendas se limitaram aos Estados Unidos. Mas há dois meses já estão vendendo o aparelhinho para os brasileiros, com ampla área de cobertura, já que ele funciona com ligação à Internet no modo wireless, sem fio. Mas o problema era o preço. Lá ele é vendido por US$ 259 e chegava até aqui pelo dobro, pois se cobrava o imposto de importação. Sem falar no frete, que não é barato.

Um advogado brasileiro, no entanto, recorreu à justiça e ganhou o direito de importá-lo sem impostos, uma vez que livros são isentos. E o aparelho é apenas um suporte para a leitura, isto é, cada aparelho pode ser comparado a uma biblioteca eletrônica.

Embora este nosso blog não seja veículo para outra coisa que não a Poesia, de alguma forma a novidade está ligada intrinsecamente à leitura e, portanto, interessa ao futuro da arte, que poderá ganhar novos suportes e dimensões. Por isso, apresso-me em divulgar a notícia. Com o convite para que os caros amigos do Banco da Poesia depositem seus comentários. Pode ser uma bela discussão. Abaixo, a notícia divulgada pelo G1, da Globo.

Elonex Borders, Grã-Bretanha

E como no mundo eletrônico e globalizado as notícias são mais rápidas que raios, acabei de saber que a partir de amanhã, 17/12, já estará à venda uma biblioteca eletrônica com um aparelhinho europeu chamado COOL-ER, com caracteristicas semelhantes ao Kindle, e comercializado no Brasil pela Editora Gato Sabido. Clique no nome da editora para saber mais. Vai começar a concorrência e, com ela, a queda nos preços. Aguardemos.

Kindle, da Amazon

Concedida autorização judicial para importar leitor digital sem impostos

Advogado entrou com mandado de segurança e obteve a autorização. Nos EUA por US$ 259, Kindle tem US$ 266,62 de taxa de importação.

O advogado Marcel Leonardi obteve na Justiça uma autorização para a compra do leitor digital Kindle, da Amazon, sem pagar os impostos referentes à importação do produto. Vendido somente pela loja virtual nos EUA, o produto custa US$ 259, mas para os brasileiros chega a US$ 545,30 (cerca de R$ 956) – dessas taxas, US$ 21 referem-se à entrega, enquanto US$ 266,62 são de importação. Ainda cabe recurso da Receita Federal.

Leonardi entrou com um mandado de segurança no qual alegou que o Kindle possui a função exclusiva de leitor de textos. Por isso, o produto seria abrangido pela imunidade tributária da importação de livros, jornais, periódicos e papel destinado a sua impressão, da Constituição Federal (art. 150, inciso VI, alínea d).

“Essa lei existe para garantir o acesso à cultura, por isso não se pagam impostos na importação de livros. Ela também fala na isenção de papel para a impressão de textos, que já foi estendido para CD-ROMs e mídias eletrônicas em geral. O Kindle se encaixa nessa categoria, pois tem como única finalidade a leitura”, explicou o advogado ao G1 .

Em sua decisão, a juíza federal substituta Marcelle Ragazoni Carvalho, da 22ª Vara Federal de São Paulo, afirmou: “ainda que se trate o aparelho a ser importado de meio para leitura dos livros digitais vendidos na Internet, aquele que goza efetivamente da imunidade, assim como o papel para impressão também é imune”.

Segundo Leonardi, notebooks e aparelhos como o iPhone não poderiam ter os mesmos benefícios, porque além de permitir a leitura de documentos digitais têm outras funções. Dessa forma, eles são considerados eletrônicos e continuam pagando os impostos de importação.

Como a Amazon já cobra dos brasileiros os impostos no ato da compra, o advogado vai adquirir o produto e pedir que ele seja entregue a um contato dos Estados Unidos. O Kindle será então enviado legalmente por correio ao Brasil, com a descrição do produto, e a liminar impedirá a cobrança de impostos aduaneiros do advogado.

“Pelo valor do produto, não vale a pena contratar um advogado para fazer algo parecido. Mas a decisão mostra que a Justiça está a par das novidades tecnológicas. Fiquei surpreso com a qualidade da fundamentação da liminar e, muito provavelmente, a decisão final será igual”, diz o advogado, que pretende comprar seu Kindle logo depois do Natal, quando as lojas fazem promoções.

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Fonte: G1 – Globo.com / Autor: Juliana Carpanez, do G1, em São Paulo

Octavio Paz: de poetas e poesia

Octavio Paz, ensaísta e poeta mexicano, nasceu na Cidade do México em 1914. Em seu país, é o poeta mais considerado e controvertido da segunda metade do século XX.

Foi agraciado, entre outros, com os prêmios Cervantes, em 1979, Alexis de Tocqueville, em 1989, e com o Nobel de Literatura, em 1990.

Passou a infância nos Estados Unidos, em companhia da família. Ao retornar, estudou Direito na Universidade Nacional Autônoma do México. Fez também especialização em Literatura. Morou na Espanha, onde conviveu com diversos intelectuais. Viveu também em Paris, no Japão e na Índia.

Em 1945, ingressou no serviço diplomático mexicano. Ao residir em Paris, testemunhou e viveu o movimento surrealista, sofrendo grande influência de André Breton, de quem foi amigo. Em sua criação, experimentou a escrita automática, sugerida por Breton, e que consiste em transmitir diretamente — sem refletir ou concentrar-se no que se quer dizer — as palavras que, sem tema preconcebido, vêm à mente de forma imediata. Essas frases procederiam diretamente do inconsciente e não teriam relação lógica entre si. Breton considerava a escrita automática como “texto puro”, ou poema surgido do inconsciente. Por isso, recusava o exercício da crítica sobre a que produzia com esse método.

Paz publicou mais de vinte livros de poesia e incontáveis ensaios de literatura, arte, cultura e política, desde Luna Silvestre, seu primeiro livro, de 1933. Muitos de seus livros foram traduzidos ao português. Aliás, ele era um grande admirador do idioma luso e chegou a traduzir, em uma Antologia, publicada em 1984, poemas de Fernando Pessoa, a quem chamava o “desconhecido de si mesmo”.

Em 1976 fundou a revista Plural e anos mais tarde a revista Vuelta. Publicou mais de vinte livros de poesia e inumeráveis ensaios de literatura, arte, cultura e política.

Foi um dos intelectuais mais importantes do México e um dos maiores poetas do mundo. Juntamente com Pablo Neruda e César Vallejo, Octavio Paz está no grupo dos grandes poetas latino-americanos cuja obra teve um forte impacto internacional. Suas antologias de poemas, em espanhol e em inglês, foram publicadas em 1988.

Em torno de sua obra encontram-se influências diversas como do marxismo, surrealismo, existencialismo, Budismo, Hinduísmo e do modernismo francês e anglo-americano. Muitos dos poemas de Paz são baseados em pinturas de Joan Miró, Marcel Duchamp, Antonio Tapies, Robert Rauschenberg e Roberto Matta. Em Salamandra, de 1962, Octavio Paz usa inovações advindas do cubismo francês. Sua escrita frequentemente lida com oposições, paixão e razão, sociedade e indivíduo, trabalho e sentido: “A imagem poética é o encontro de realidades opostas”, como ele mesmo escreveu em A Dupla Chama.

Epitafio para un poeta

Quiso cantar, cantar
para olvidar
su vida verdadera de mentiras
y recordar
su mentirosa vida de verdades.

Epitáfio para um poeta

Quis cantar, cantar
para esquecer
sua vida verdadeira de mentiras
e recordar
sua mentirosa vida de verdades.

Tradução de Cleto de Assis

La poesía

¿Por qué tocas mi pecho nuevamente?
Llegas, silenciosa, secreta, armada,
tal los guerreros a una ciudad dormida;
quemas mi lengua con tus labios, pulpo,
y despiertas los furores, los goces,
y esta angustia sin fin
que enciende lo que toca
y engendra en cada cosa
una avidez sombría.

El mundo cede y se desploma
como metal al fuego.
Entre mis ruinas me levanto,
solo, desnudo, despojado,
sobre la roca inmensa del silencio,
como un solitario combatiente
contra invisibles huestes.

Verdad abrasadora,
¿a qué me empujas?
No quiero tu verdad,
tu insensata pregunta.
¿A qué esta lucha estéril?
No es el hombre criatura capaz de contenerte,
avidez que sólo en la sed se sacia,
llama que todos los labios consume,
espíritu que no vive en ninguna forma
mas hace arder todas las formas
con un secreto fuego indestructible.

Pero insistes, lágrima escarnecida,
y alzas en mí tu imperio desolado.

Subes desde lo más hondo de mí,
desde el centro innombrable de mi ser,
ejército, marea.
Creces, tu sed me ahoga,
expulsando, tiránica,
aquello que no cede
a tu espada frenética.
Ya sólo tú me habitas,
tú, sin nombre, furiosa sustancia,
avidez subterránea, delirante.

Golpean mi pecho tus fantasmas,
despiertas a mi tacto,
hielas mi frente
y haces proféticos mis ojos.

Percibo el mundo y te toco,
sustancia intocable,
unidad de mi alma y de mi cuerpo,
y contemplo el combate que combato
y mis bodas de tierra.

Nublan mis ojos imágenes opuestas,
y a las mismas imágenes
otras, más profundas, las niegan,
ardiente balbuceo,
aguas que anega un agua más oculta y densa.
En su húmeda tiniebla vida y muerte,
quietud y movimiento, son lo mismo.

Insiste, vencedora,
porque tan sólo existo porque existes,
y mi boca y mi lengua se formaron
para decir tan sólo tu existencia
y tus secretas sílabas, palabra
impalpable y despótica,
sustancia de mi alma.

Eres tan sólo un sueño,
pero en ti sueña el mundo
y su mudez habla con tus palabras.
Rozo al tocar tu pecho
la eléctrica frontera de la vida,
la tiniebla de sangre
donde pacta la boca cruel y enamorada,
ávida aún de destruir lo que ama
y revivir lo que destruye,
con el mundo, impasible
y siempre idéntico a sí mismo,
porque no se detiene en ninguna forma
ni se demora sobre lo que engendra.

Llévame, solitaria,
llévame entre los sueños,
llévame, madre mía,
despiértame del todo,
hazme soñar tu sueño,
unta mis ojos con aceite,
para que al conocerte me conozca.

A poesia

Por que tocas meu peito novamente?
Chegas silenciosa, secreta, armada,
como os guerreiros a uma cidade adormecida;
queimas minha língua com teus lábios, polvo,
e despertas os furores, os gozos,
e esta angústia sem fim
que acende o que toca
e engendra em cada coisa
uma avidez sombria.

O mundo cede e se desmorona
como metal no fogo.
Entre minhas ruínas me levanto,
só, desnudo, despojado,
sobre a rocha imensa do silêncio,
como um solitário combatente
contra invisíveis hostes.

Verdade abrasadora,
para onde me impeles?
Não quero tua verdade,
tua insensata pergunta.
Aonde vai esta luta estéril?
Não é o homem criatura capaz de conter-te,
avidez que só na sede se sacia,
chama que todos os lábios consome,
espírito que não vive em forma alguma
mas faz arder todas as formas
com um secreto fogo indestrutível.

Mas insistes, lágrima escarnecida,
e alças em mim teu império desolado.

Sobes do mais profundo de mim,
desde o centro inominável de meu ser,
exército, maré.
Cresces, tua sede me afoga,
expulsando, tirânica,
aquilo que não cede
a tua espada frenética.
Já somente tu me habitas,
tu, sem nome, furiosa substância,
avidez subterrânea, delirante.

Golpeiam meu peito teus fantasmas,
despertas com meu tato,
gelas minha fronte
e fazes proféticos meus olhos.

Percebo o mundo e te toco,
substância intocável,
unidade de minha alma e de meu corpo,
e contemplo o combate que combato
e minhas bodas de terra.

Nuveiam meus olhos imagens opostas,
e às mesmas imagens
outras, mais profundas, as negam,
ardente balbucio,
águas que afogam uma água mais oculta e densa.
Em sua úmida treva vida e morte,
quietude e movimento, são o mesmo.

Insiste, vencedora,
porque tão somente existo porque existes,
e minha boca e minha língua se formaram
para dizer tão somente tua existência
e tuas secretas sílabas, palavra
impalpável e despótica,
substância de minha alma.

És tão somente um sonho,
mas em ti sonha o mundo
e sua mudez fala com tuas palavras.
Roço ao tocar teu peito
a elétrica fronteira da vida,
a treva de sangue
onde pactua a boca cruel e enamorada,
ávida ainda de destruir o que ama
e reviver o que destrói,
com o mundo, impassível
e sempre idêntico a si mesmo,
porque não se detém de forma alguma
nem se demora sobre o que engendra.

Leva-me, solitária,
leva-me entre os sonhos,
leva-me, mãe minha,
me desperta do todo,
faz-me sonhar teu sonho,
unta meus olhos com óleo,
para que, ao conhecer-te, eu possa conhecer-me.

Tradução de Cleto de Assis

Uma canção de Natal, por Alberto Caeiro

Nossa mensagem de Natal

Mais alguns dias e estaremos festejando, como todos os anos, o Natal cristão, hoje mais materialista do que nunca. Todo mundo disposto a torrar parte do décimo terceiro salário em comilanças e presentes e até de arriscar o acúmulo de dívidas para que nada falte durantes as comemorações natalinas. Claro que muitos continuarão olhando pelo lado de fora das vidraças, a esperar pelo Papai Noel dos Correios ou pelo gesto de solidariedade de qualquer pessoa.

Crentes ou não no espírito religioso do Natal, podemos todos concordar que a data, próxima ao final do ano, é por demais oportuna para comemorar o término de uma etapa de vida e carregar as pilhas da esperança no ano que se seguirá. Não deixa de ser apropriada para renovarmos a solidariedade com nossos próximos e até com os distantes ao nosso imediato convívio social. É o que chamamos de espírito natalino, que faz bem para a alma.

O Banco da Poesia, em seu primeiro Natal (nascemos em março deste ano) quer registrar os votos de um Bom Natal para seus colaboradores e leitores, bem como para todo o mundo, nesta época de globalização e de comunicação instantânea.

Mas não vamos utilizar as tradicionais mensagens, que se afastam da vida real e sonham só com coisas boas. Pois a realidade é feita de coisas boas e ruins. E há crianças que serão felizes, neste e nos próximos Natais, e há meninos e meninas que sofrerão frio, medo, sede e fome neste e em Natais vindouros. E se o Natal, simbolicamente, festeja o nascimento do Menino Jesus, um símbolo de pureza e felicidade para todas as crianças da Terra, por que não pensarmos em um menino Jesus mais humano, mais parecido com nossos filhos e com todas as crianças que brincam e se divertem a olhar a natureza e a vagar por ela sem sentir o peso de responsabilidades e censuras?

Historicamente, nada foi registrado sobre a infância de Jesus, desde que seus pais fugiram com ele de Belém, afastando-o das ordens sanguinárias de Herodes. Não sabemos se ele teve uma infância considerada, à época, normal; se frequentou escolas; se teve amigos e participou de jogos e brincadeiras de crianças. Sua vida pública só foi testemunhada, segundo os livros religiosos, a partir dos 30 anos de idade e, até aí, e principalmente em seus primeiros estágios de vida, só podemos contar com nossa imaginação para tentar recriar a história daquele menino.

Os três heterônimos, na imaginação de José de Almada-Negreiros. Caeiro está à esquerda.

Alberto Caeiro (Lisboa, 1889- 1915) imaginou o seu Menino Jesus. Bem diferente do que pintam os quadros religiosos clássicos. Admite que ele era filho de Deus, mas exprime sua discordância sobre os modos em que foi gerado. E imagina o seu menino como um amigo íntimo, com quem brinca, para quem conta histórias. Tão íntimo que se confunde com sua própria alma. Foi essa história, narrada no oitavo poema de O Guardador de Rebanhos, que escolhemos para comemorar o Natal do Banco da Poesia.

Alberto Caeiro nasceu em Lisboa, mas viveu quase toda a sua vida no campo. Não teve profissão, e educação quase nenhuma, só instrução primária, morreram-lhe cedo o pai e a mãe, e deixou-se ficar em casa, vivendo de uns pequenos rendimentos. Vivia com uma tia velha, tia-avó. Morreu tuberculoso.

Este é o resumo biográfico que Fernando Pessoa faz de uma de suas criaturas. Quase inculto, ele usa uma linguagem simples e o vocabulário limitado de um poeta camponês. pouco ilustrado. Por ser contra a metafísica ( “Há metafísica bastante em não pensar em nada”) é o poeta do realismo sensorial, o sensacionista por excelência, cuja atitude contraria as cogitações do Simbolismo.

Segundo Teresa Rita Lopes e Fabiana Santos, Caeiro “afirma que ‘pensar é estar doente dos olhos’, e quer apenas sentir a natureza. Em perfeita consonância com sua busca de simplicidade, escreve versos livres (sem métrica regular) e brancos (sem rimas). Agnóstico, escreve um poema ousado sobre o menino Jesus. Destituído de santidade, Cristo é representado como criança normal: espontânea, levada, brincalhona e alegre. Nisso está a religiosidade de Caeiro”.

Ainda: “Há dois Caeiro, o poeta e o pensador, sendo o primeiro que em teoria se desdobra no segundo. Segundo a imagem que dá dele próprio, vive de impressões, sobretudo visuais, e goza em cada impressão o seu conteúdo original. Não admite a realidade dos números e não quer saber de passado nem de futuro, pois recordar, é atraiçoar a Natureza”.

“No Poema dum Guardador de Rebanho se declara pastor por metáfora. O andar constante e sem destino, absorvido pelo espetáculo da inesgotável variedade das coisas. Os seus pensamentos não passam de sensações. Limita-se a existir, com um sorriso de existir e não de nos falar.”

“Caeiro surge, pois, como lírico espontâneo, instintivo, inculto (não foi além da instrução primária), impessoal e forte, mas muitas vezes, a simplicidade quase infantil do estilo, pobre de vocabulário, consegue exprimir a infinita diversidade, as incontáveis metamorfoses do mundo.”
Mas não se pense que Fernando Pessoa assumiu tudo o que Caeiro escreveu. Ele mesmo diz ter escrito “com sobressalto e repugnância o poema oitavo do ‘Guardador de Rebanhos’, com sua blasfêmia infantil e o seu antiespiritualismo absoluto. Na minha pessoa própria, e aparentemente real, como que vivo social e objetivamente, nem uso de blasfêmia, nem sou antiespiritualista. Alberto Caeiro, porém, como eu o concebi, é assim: assim tem pois ele que escrever, quer eu queira, quer não, quer eu pense como ele ou não. Negar-me o direito de fazer isto seria o mesmo que negar a Shakespeare o direito de dar expressão à alma de Lady Macbeth, com o fundamento de que ele, poeta, nem era mulher, nem, que se saiba, histero-epilético, ou de lhe atribuir uma tendência alucinatória e uma ambição que não recua perante o crime. Se assim é das personagens fictícias de um drama, é igualmente lícito das personagens fictícias sem drama, pois que é lícito porque elas são fictícias e não porque estão num drama.”

“Parece escusado explicar uma coisa de si tão simples e intuitivamente compreensível. Sucede, porém, que a estupidez humana é grande, e a bondade humana não é notável.”

Como se nota. FP já fazia, na abertura de Ficções do Interlúdio (que abrigaO Guardador de Rebanhos) um defesa prévia aos possíveis ataques e desentendimentos que seu poema sobre o menino Jesus humano poderia provocar, após sua publicação.

E também traz, como advogado, seu outro heterônimo Ricardo Reis, este mais acostumado à linguagem clássica, que procura justificar a poesia de Caeiro dentro de uma “coerência intelectual (mais ainda que sentimental, ou emotiva)” e até “desconcertante”. Prossegue Reis: “Tudo isto, porém, é verdadeiramente o espírito pagão. Aquela ordem e disciplina que o paganismo tinha, e o cristismo nos fez perder, aquela inteligência raciocinada das coisas, que era seu apanágio e não é nosso, está ali. Porque, se falta na forma aqui está na essência. E não é forma exterior do paganismo — repito — que Caeiro veio reconstruir; é a essência que chamou de Averno, como Orfeu a Eurídice, pela magia harmônica (melódica) da sua emoção”. Ricardo Reis revela que alguns dos poemas/canções de O Guardador de Rebanhos foram escritos com Caeiro enfermo; daí as diferenças entre alguns dos poemas incluídos no livro.

E volta Pessoa a dizer que, em tais poemas, como em outros de seus heterônimos, “não há que buscar … ideias ou sentimentos meus, pois muitos deles exprimem ideias que não aceito, sentimentos que nunca tive. Há simplesmente que os ler como estão, que é aliás como se deve ler”.

É como se ele estivesse a dizer: eu os criei, mas não fui eu quem falou…

De qualquer modo, o poema oitavo de O Guardador de Rebanhos é um dos belos escritos de Fernando Pessoa, a interpretar o menino que fugiu do céu por puro aborrecimento e veio à Terra buscar o carinho que lá lhe faltava, como filho só de mãe, com pai postiço e espiritualmente gerado por seres metafísicos e distantes dos sentimentos humanos.

Mal sabia FP que, pouco depois de sua passagem por este planeta, existiriam milhares, talvez milhões de meninos e meninas sem pai, a depender só das mães e das andanças nas ruas, onde aprendem a roubar mais do que frutas em pomares e talvez nunca cheguem a perceber aquela “verdade / que uma flor tem ao florescer / e que anda com a luz do sol / a variar os montes e os vales”.

Mas, blasfemo ou não, o poema de Fernando Pessoa/Alberto Caeiro é enorme em beleza e ternura, sentimentos que combinam com o espírito de Natal.

Poema Oitavo de O Guardador de Rebanhos

Fernando Pessoa com poucos meses, no colo de sua mãe

Num meio-dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Tríndade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas…
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.

Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu,
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!

Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou~se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.

Fernando Pessoa, um ano de idade

Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estraadas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.

A primeira cadeira de Fernando Pessoa

A primeira cadeira de Fernando Pessoa

Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar no chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternídade a fazer meIa.
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada das coisas que criou —
“Se é que ele as criou, do que duvido” —
Ele diz, por exemplo, que “os seres cantam a sua glória,
Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres.”
E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.

…………………………………………………………………………………………..

Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre,
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.

Fernando Pessoa aos dois anos e meio

A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.

A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direção do meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.

Damo-nos tão bem um com o outro.
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo um universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.

Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens
E ele sorri, porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos-mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do sol
A variar os montes e os vales
E a fazer doer aos olhos os muros caiados.

Fernando Pessoa com cinco anos

Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.

Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.

…………………………………………………………………………………………..

Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.

…………………………………………………………………………………………..

Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há-de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?

____________

Ilustrações: de Fernando Pessoa – Uma Fotobiografia. Organizada por Maria José de Lencastre. Lisboa:Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 1981

A Criança é Pai do Homem?

 

“A infância deixa rastros em nossa memória, como sulcos num rosto ou num campo lavrado”.

A frase é do poeta inglês William Wordsworth (1770-1850), que gerou outro belo achado: “A criança é pai do homem”, registrado por muitos como de autoria de Sigmund Freud, mas que teria apenas sido por ele citado em seus trapalhos de psicologia.

Na verdade, somos o que fomos. Nada existe em nossa vida adulta – nossos sentimentos, nosso caráter, nossas aptidões, nossos medos, nosso relacionamento social – que não tenha sido estruturado nos primeiros anos de vida. É por isso que é preciso dar importância primordial à Educação, tanto na fase familiar como no prosseguimento escolar e social.

Mas quando pensamos profundamente nas crianças que fomos, para poder entender os adultos que somos?

Fernando Pessoa pensou nisso com lamentação, em uma composição de dois sonetos e uma quadra. Vale a pena ler seus versos, em homenagem ao Dia Universal da Criança, ontem comemorado.

I

A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.

Ah, como hei-de encontrá-lo? Quem errou
A vinda tem a regressão errada.
Já não sei de onde vim nem onde estou.
De o não saber, minha alma está parada.

Se ao menos atingir neste lugar
Um alto monte, de onde possa enfim
O que esqueci, olhando-o, relembrar,

Na ausência, ao menos, saberei de mim,
E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar
Em mim um pouco de quando era assim.

II

Dia a dia mudamos para quem
Amanhã não veremos. Hora a hora
Nosso diverso e sucessivo alguém
Desce uma vasta escadaria agora.

E uma multidão que desce, sem
Que um saiba de outros. Vejo-os meus e fora.
Ah, que horrorosa semelhança têm!
São um múltiplo mesmo que se ignora.

Olho-os. Nenhum sou eu, a todos sendo.
E a multidão engrossa, alheia a ver-me,
Sem que eu perceba de onde vai crescendo.

Sinto-os a todos dentro em mim mover-me,
E, inúmero, prolixo, vou descendo
Até passar por todos e perder-me.

III

Meu Deus! Meu Deus! Quem sou, que desconheço
O que sinto que sou? Quem quero ser
Mora, distante, onde meu ser esqueço,
Parte, remoto, para me não ter.

22-setembro-1933

Idos de 1989: e o Muro foi ao chão

O Muro

Cleto de Assis

Berlim, 9 de novembro de 1989 – Aos brados de “Wie Sind ein Volk – Nós somos um só povo” – berlinenses do Leste e do Oeste derrubaram a vergonhosa barreira que, durante 28 anos, separou as famílias alemãs.

Queda do Muro

O Muro aparta e afasta
o irmão do próprio irmão.
O Muro, dura concretude,
vergonha suntuosa
da segregação.

O Muro divide cérebros
e cria fossas abismais onde vermificam as idéias unitárias,
malcheirosas, corrosivas, infectantes.
E os cérebros, necessariamente bilaterais,
dividem-se em hemisférios esquerdo e direito irreconciliáveis.

Oh, Muro sem qualquer estética,
Feito de pedras amontoadas às pressas pela ira e pelo medo,
de concreto armado pela tecnologia fratricida,
de arames coroados de espinhos lacerantes!

Oh, Muro estático, bélico, fanático,
ereto monumento da estupidez!
Oh, Muro que, uma vez construído, destróis e desconstróis…

Ah, muros nacionais do desentendimento,
muros internacionais a toda hora germinados,
Muro da Cisjordânia, Muro do México, Muro do Paralelo 38,
o projetado Muro das favelas cariocas,
filhos todos da parvoíce politicante,
não tendes direito a orações nem boas-vindas
porque, embora linhas inertes,
dividis, isolais, amedrontais e matais a vida e a liberdade.

Muro de Berlim, pai e mãe de todas as vergonhas,
ainda gerador de filhotes desavergonhados,
The Wall, Le Mur, Die Berliner Mauer,
poliglota e polinéscio, bendizemos a tua queda
e saudamos, com festas e más lembranças, a tua morte vintenária.
Pena que, uma vez no chão,
desfeito em cacos de memória,
transformado em preciosos souvenirs,
não calaste nos corações humanos
a energia do fraterno congresso.
Pena que o esforço gasto em tua construção
e na de teus bastardos filhos
não tenha sido usado para a ereção de templos do saber
e das idéias sem barreiras.
…………………………………………………………………….
Um dia, o martelo afastou-se da foice e desmantelou a rocha insensata.
Caiu o Muro. Mudou o Rumo?

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Nota histórica A queda do Muro de Berlim, como chegou à memória de nosso tempo, não foi um ato inesperado de demolição das paredes da vergonha. Já enfraquecida politicamente diante do governo soviético, à época governado pelo primeiro-ministro Mikhail Gorbachev, a República Democrática Alemã. Depois da passagem, por Berlim oriental, de Gorbachev, que deixou seu recado de abandono do protecionismo da Rússia à RDA, muitos alemães passaram a refugiar-se nas embaixadas da Alemanha ocidental em vários países do bloco soviético e a manifestar-se ostensivamente nas ruas de Berlim, exigindo livre passagem pelas rígidas barreiras construídas já havia mais de duas décadas. Mas a real queda do muro foi causada por um erro de comunicação de um membro do Politburo da RDA, Günter Schabowski, que, na tarde do dia 9 de Novembro de 1989, reuniu a imprensa para uma entrevista e anunciou a decisão do conselho de ministros de abolir de imediato as restrições de viagens ao Oeste. A entrevista, assistida pela televisão por milhares de habitantes de Berlim oriental, antes que a decisão fosse regulamentada, provocou uma corrida, naquela mesma noite, de milhares de berlinenses do Leste às fronteiras, principalmente ao posto da rua Bornholmer, a pedir a abertura dos portões onde nem as unidades militares, nem o pessoal de controle de passaportes haviam sido instruídos.

Formou-se o tumulto e muitos cidadãos rasgaram seus passaportes, em sinal de protesto. Outros pontos da fronteira também foram assediados e, diante das manifestações, os atônitos guardas tiveram que deixar passar as multidões.

Registra a história: “Os cidadãos da RDA foram recebidos com grande euforia em Berlim Ocidental. Muitas boates perto do Muro espontaneamente serviram cerveja gratuita, houve uma grande celebração na rua Kurfürstendamm, e pessoas que nunca se tinham visto antes cumprimentavam-se. Cidadãos de Berlim Ocidental subiram no muro e passaram para as Portas de Brandenburgo, que até então não eram acessíveis a eles. O Bundestag interrompeu as discussões sobre o orçamento e os deputados espontaneamente cantaram o hino nacional da Alemanha”.

O Muro havia caído. A sua demolição final, que prosseguiu, nos dias seguintes, em meio a festas de reencontro entre tantos alemães separados por força da estultícia política, foi um grande ato simbólico de um dos episódios mais marcantes do Séc. XX. Talvez o verdadeiro fim da segunda Guerra Mundial, pois a divisão de Berlim havia sido resultado da pilhagem dos vencedores do conflito mundial que, mais tarde, iriam separar-se em dois grandes blocos conflitantes e protagonistas da chamada Guerra Fria, também aniquilada com a derrubada do muro.

Momentos da História

A Queda do Muro de Berlim

Mais um achado arqueológico de Lina Faria

Em seu blog Não lugar,  Lina Faria postou uma foto incomum, quase sem perspectiva. Ela informa que se trata de um trabalho “da série de cicatrizes de casas que já se foram, mas mantiveram sua silhueta impregnada na parede do lado. Prova de que a forma supera a utilidade das coisas”.

Roubei a foto de lá (deixando a original, é claro) e pago com um comentário poematizado. Como prometi que faria (sem trocadilho) sobre fotos de Lina.

Fatia do Passado

Cleto de Assis, sobre foto de Lina Faria

ParedeFatia

A velha casa se foi
transformada em cacos,
talvez em restos de depósito de demolição,
talvez em entulho de construção
talvez em saudade de alguém que lá viveu.

A velha casa partiu
e logo, logo nem restará
a fatia impressa na parede lateral que virou muro
e alguém recolherá as esmolas nela encostadas,
a ex-porta, a ex-janela, a ex-parede de madeira
a centena de tijolos desgastados
e quem sabe os ladrilhos brancos do ex-banheiro.

A ordem e o progresso urbanos retirarão de cena
o quadro mondriânico amarelo-branco-preto
dividido em áurea proporção
onde alguém grafitou um homem deitado
e um (talvez) rabo de galo.

Ainda bem que Lina passou por ali
e seu olho mágico tornou imortais os restos mortais da velha casa.

Até mais, Walmor

Conheci Walmor Marcelino, que nos deixou na manhã de hoje, há mais de trinta, quarenta anos. Quando ele era um entusiasta teatrólogo, em uma época que Curitiba ainda era conhecida como uma espécie de Cemitério das Artes. Também conheci o jornalista ativo e ativista, o escritor e poeta, o utopista, sempre a defender, com veemência e extrema coerência, os seus pontos de vista. Podíamos até discordar dele, mas o respeitávamos inteiramente por sua honestidade intelectual.

Quando, há poucos anos, retornei a Curitiba, Walmor foi uma das primeiras pessoas que encontrei, em um domingo pela manhã, quando fazíamos compras no Mercado Municipal. Um papo descontraído e rápido — Onde você andava?E você, o que está fazendo? — mas era mais uma amizade recuperada, apesar dos anos de separação.

Mais recentemente, estivemos juntos em um encontro de poetas no Bar Stuart, junto com Manoel de Andrade, J.B. Vidal, Marilda Confortin, Vinicius Alves e o artista plástico Attila Wensersky. Em meio aos ruídos de palavras e música, ainda tivemos um momento de conversa paralela e trocamos informações para atualizar nossas vidas. Ele, então, me deu um CD com o texto do primeiro caderno de sua novela Ulciscor (“Não chega a ser ensaio, porque lhe falta o convencimento das origens: definir objeto, clareza expositiva, argumentação dialógica, pertencimento científico, ainda que insinue referências e pretenda indicar fatos. Não chega a ser ‘ficção’, porque a sua escritura, conquanto sobreleve pessoas e momentos, é de verificação basilar e a exponência narrativa não se dispõe inteiramente ao ficcional. Não é obra de história, porque os fatos organizados estão dispostos muitas vezes em algaravia e carentes de informações, com cortes e flashbacks ao sabor de um cruzeiro de memória e sentido. E como poderia este excerto de biografia analítica ainda assim despertar atenção e interesse dos leitores – amigos, confrades e consócios na reconstrução ideológico-política da realidade – constrangidas na ação e mais estendidos na comunicação de cada um, eu me socorro deste artifício, ademais me apresentando humilde conviva nesta sociedade do espetáculo”.

A última reunião com Walmor – Da esquerda para a direita: Walmor Marcelino, Cleto de Assis, Marilda Confortin, Attila Wensersky e Vinicius Alves. Manoel de Andrade é aquele que não aparece, atrás de Attila. Fonto de J.B. Vidal.

A última reunião com WalmorDa esquerda para a direita: Walmor Marcelino, Cleto de Assis, Marilda Confortin, Attila Wensersky e Vinicius Alves. Manoel de Andrade é aquele que não aparece, atrás de Attila. Foto de J.B. Vidal.

Walmor pretendia iniciar um diálogo com seus leitores/amigos sobre seu texto e, ao mesmo tempo, associar-se a eles na futura publicação da novela. Não sei a quantas andava seu projeto, até o momento em que nos deixa. Daquele texto retiro a epígrafe, uma frase de Seth Báratro: “Não tenho todo o tempo do mundo, mas quanto é esse tempo?”. Hoje Walmor Marcelino conseguiu medir, como todos nós faremos um dia, a dimensão do tempo que nos é dado para viver.

Faço a homenagem do Banco da Poesia com um texto de um amigo comum, Aramis Milarch (que deve estar na comissão de recepção a Walmor, lá do outro lado), publicado no dia 1º de maio de 1986. E, abaixo, um poema de sua lavra, que consta no texto de Ulciscor. C. de A.

Quem diria, Walmor Marcelino, um romântico?

walmor marcelinoJornalista dos mais atuantes na imprensa paranaense há 30 anos, merecedor da admiração e respeito pela coerência e honestidade de seus pontos de vista, de seu comportamento como homem e profissional, Walmor nunca foi de fazer concessões. Em 1964, poucas semanas após o golpe militar de 1º de abril, publicava um corajoso livro de poesias, cujo título já traduzia o nojo que sentia pela ditadura que começava no Brasil: Tempo de Fezes e Traições. Quase que simultaneamente, em outro livro crítico sobre o golpe dos militares (Sete de Amor e Violência), incluía um texto amargo, cruel e profundamente político sobre aqueles dias cinzentos.

Intelectual do maior gabarito, apaixonado pelo teatro e literatura, primeiro encenador a dar uma montagem realmente dialética e política a textos de Camus (Os Justos) e Jean Paul-Sartre (A Prostituta Respeitosa) nos palcos do Guaíra, ao mesmo tempo que se integrava ao então nascente Centro Popular de Cultura, defendendo uma política cultural destinada a levar a arte as camadas mais pobres, Walmor nunca deixou de fazer sua poesia. Uma poesia honesta, verdadeira – mas sempre voltada ao lado político, a razão, a reflexão – escondendo, assim, muitas vezes, o seu lado lírico, amoroso, suave –que também raros viram atrás de sua fisionomia séria, hostil aos chatos e inoportunos –inimigo claro dos coniventes com o poder.

Hoje, sem arredar um pé de suas convicções, mas por certo com a sabedoria que o virar da casa dos cinqüenta traz, nas 28 páginas de seu mais recente livro (Confabulário, Dom Quixote, Edição do Autor), deparamos, já na primeira página, com um Walmor otimista – a partir do próprio título do poema – Esperança .

xxxxEu não sei por que não somos
xxxxdesbravantes, caminheiros.
xxxxPassageiros da utopia
xxxxmãos dadas, companheiros

Em cada novo poema de Walmor Marcelino, há um encontro com uma sensibilidade extrema, que, anos atrás, não seria comum em ler em sua obra. Como neste Um Verso:

xxxxO verso ai
xxxxEu e tu, ai
xxxxNos cruzamos
xxxxBailando ao vento
xxxxO verso escreve
xxxxnão fala, ai
xxxxque nos amamos
xxxxUm verso vive só
xxxxo que pensamos
xxxxO verso vem depois
xxxxque nós vivemos

Walmor nunca buscou aplausos ou elogios em sua obra extremamente pessoal. Nunca se filiou a escolas ou gerações. Faz e trabalha a poesia como trabalha e age em sua vida: uma coerência extremamente pessoal. Possivelmente, não quer interpretações críticas a este seu Confabulário (aliás, nem há críticos em Curitiba para tanto). O que importa é que, a sua maneira, ele dá um recado de força, vigor e integridade poética – numa realização plena, trabalhando com as palavras como o melhor entalhador o faz com a madeira. Aramis Milarch

Walmor, segundo Marcelino

Político insciente, poeta menor, teatrólogo sem nomeada, promotor sem significância expressiva e “maestro” convicto de comunicações sociais e debates políticos, ainda que em difusos opúsculos, cadernos e livros de edição própria. Itinerário jornalístico: Diário da Manhã (SC), Correio do Povo (RS), Diário do Paraná (PR), Última Hora (PR), Tribuna da Luta Operária (BR). Presença em livros e peçasPoesia Quixote (Porto Alegre); no Paraná, Os Fuzis de 1894, Os Idos e os Ódios de Março (teatros); Fráguas, Mágoas e Maçanilhas (Travessa dos Editores), Toda a Poesia, Próximas Palvras (poesias); A Guerra Camponesa do Contestado, Contribuição ao Estudo da AP no Paraná (esboços críticos); etc.

Nós acrescentamos: extrema humildade, valor de um homem bom e grande.

Memorial

xxxxxxxxWalmor Marcelino

Memorial

Assim um estilete no ouvido
furando o pensamento
e seu fio de memória exposto
ao tempo. Fosse dor atravessada,
nunca no curso interrompida
e consecutiva; roída morte
movendo-se em corpo,
entropia perdida no espaço.
Perfurante itinerário
até a luz nascente das coisas
com a escuridão
de seus propósitos.

Mais um poeta retorna ao Parnaso

No último sábado fomos surpreendidos pela morte de Antonio Olinto, escritor, poeta, ensaísta de Ubá, Minas Gerais. O Banco da Poesia faz sua homenagem a mais um poeta que se retira e parte para merecido descanso junto a Apolo e Atena. Com certeza, foi recebido no Monte Parnaso, em festa organizada por Dionísio e animada pelas Musas.

Por aqui, Antonio Olinto nos deixou extensa obra (ver abaixo) e um enorme exemplo de dedicação às letras. Fazemos nossa homenagem ao poeta com quatro poemas de sua autoria.

Morre aos 90 anos o escritor e acadêmico Antônio Olinto

O escritor em recente evento em sua cidade natal, Ubá, MG

O escritor em recente evento em sua cidade natal, Ubá, MG

O escritor, acadêmico e ensaísta Antônio Olinto, que ocupava a cadeira número oito da Academia Brasileira de Letras (ABL) morreu na madrugada de sábado, 12 de setembro, no Rio de Janeiro, de falência múltipla dos órgãos.

Ele morreu em casa, por volta das 4h30, em Copacabana, Zona Sul da cidade. O corpo do acadêmico foi velado no prédio da ABL, no centro, e
sepultado no Mausoléu da Academia, no Cemitério São João Batista, às 16h deste sábado.

O presidente da ABL, Cícero Sandroni, determinou luto oficial de três dias na Academia, que, na próxima quinta-feira realizará a sessão solene de saudade, quando será declarada aberta a vaga da cadeira número oito.

O escritor e ensaísta foi casado com a também escritora Zora Seljan, falecida no Rio em 2006, e não teve filhos. Sua obra abrange romance, poesia, ensaios, análise política e crítica literária. Após decretada vaga a cadeira número oito, haverá prazo de 30 dias para o registro de candidaturas à vaga de Olinto e, ao final deste tempo, será marcada a data para a eleição do novo acadêmico.

Entre as muitas obras do escritor, estão o romance A casa da Água, de 1969, e livros de poesia como Presença, O Homem do Madrigal, Nagasaki e O Dia da Ira.
(Correio do Brasil, RJ)

Biografia

Antonio Olinto (nome completo: Antonio Olyntho Marques da Rocha, nasceu em 1919, em Ubá, e foi batizado no Piauí, Minas Gerais) estudou Filosofia e Teologia nos seminários católicos de Campos, Belo Horizonte e São Paulo. Tendo desistido de ser padre, foi durante 10 anos professor de Latim, Português, História da Literatura, Francês, Inglês e História da Civilização, em colégios do Rio de Janeiro. Publicou então seu primeiro livro de poesia, Presença. Foi secretário do “Grupo Malraux” tendo organizado a 1a. exposição de poesias, montada na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro.

O Dia da IraJuntamente com sua atividade de professor, ingressou no setor publicitário e no jornalismo. Seu livro Jornalismo e Literatura foi adotado em cursos de jornalismo em todo o Brasil. Da mesma época é seu livro de ensaios o Diário de André Gide. Crítico literário de O Globo ao longo de 25 anos, colaborou em jornais de todo o Brasil e de Portugal. Convidado para as comemorações do Cinqüentenário do Prêmio Nobel em 1950, fez então conferências nas universidades de Estocolmo e Uppsala e entrevistou Willian Faulkner, Bertrand Russell e Per Lagerkvist. Em 1952, a convite do Departamento de Estado dos Estados Unidos, percorreu 36 estados norte-americanos fazendo conferências sobre cultura brasileira. Teve publicados na década de 50 quatro volumes de poesia e dois de crítica literária.

Nomeado Diretor do Serviço de Documentação do Ministério de Viação e Obras Públicas, ali lançou a Coleção Mauá, de livros técnicos, promoveu Salões de pintura dedicados a obras que privilegiassem ferrovias, estradas e os caminhos do mar e dirigiu a revista Brasil Constrói, redigida em 4 idiomas. Data dessa época o lançamento de mais de trinta concursos literários ligados a livros (exemplos: as melhores vitrines com livros, cartilhas, contos esportivos), culminando com o lançamento do Prêmio Nacional Walmap, considerado o pioneiro dos grandes prêmios literários do país.

O_Rei_de_KetoNomeado Adido Cultural em Lagos, Nigéria, pelo governo parlamentarista de 1962, em quase três anos de atividade, fez cerca de 120 conferências na África Ocidental, promoveu uma grande exposição de pintura brasileira sobre motivos afro-brasileiros, colaborou em revistas nigerianas, enfronhou-se nos assuntos da nova África independente e, como resultado, escreveu uma trilogia de romances – A Casa da Água, O Rei de Keto e Trono de Vidro – hoje traduzidos para dezenove idiomas (inglês, italiano, francês, polonês, romeno, macedônio, croata, búlgaro, sueco, espanhol, alemão, holandês, ucraniano, japonês, coreano, galego, catalão, húngaro e árabe) e com mais de trinta edições fora do Brasil. Seu livro Brasileiros na África, de pesquisa e análise sobre o regresso dos ex-escravos brasileiros ao continente africano, tem sido, desde sua publicação em 1964, motivo de teses, seminários e debates. De 1965 a 1967 foi Professor Visitante na Universidade de Columbia em Nova York, onde ministrou um curso sobre Ensaística Brasileira. Na mesma ocasião, fez conferências nas Universidades de Yale, Harvard, Howard, Indiana, Palo Alto, UCLA, Louisiana e Miami. Escreveu uma série de artigos sobre a Escandinávia, o Reino Unido e a França.

Em 1968 foi nomeado Adido Cultural em Londres, onde desenvolveu uma atividade incessante, através de conferências e um mínimo de 100 exposições ao longo de cinco anos.

Membro do PEN Clube do Brasil, ajudou a organizar três congressos do PEN Internacional no Brasil: em 1959, 1979 e 1992. Passou a participar também das atividades do PEN Internacional, com sede em Londres, tendo sido eleito, no começo dos anos 90, para o cargo de Vice-Presidente Internacional. Na qualidade de “Visiting-Lecturer” deu vários cursos de Cultura Brasileira na universidade inglesa de Essex.

Dirigiu e apresentou os primeiros programas literários de televisão no Brasil na TV Tupi, e em seguida nas Tvs Continental e Rio. Fez conferências sobre cultura brasileira em universidades e entidades culturais em Tóquio, Seul, Sidney, Luanda, Maputo, Dacar, Lomé, Porto Novo, Lagos, Ifé, Warri, Abidjan, Tanger, Arzila, Buenos Aires, Lisboa, Coimbra, Porto, Madri, Santiago, Barcelona, Lion, Paris, Marselha, Milão, Pádua, Veneza, Bérgamo, Florença, Roma, Belgrado, Zagreb, Bucareste, Sófia, Varsóvia, Cracóvia, Moscou, Estocolmo, Copenhague, Aarhus, Londres, Manchester, Liverpool, Colchester, Newcastle, Edimburgo, Glasgov, St. Andrews, Oxford, Cambridge, Bristol, Dublin.

Conheceu, em 1955, a escritora e jornalista Zora Seljan, com quem se casou. A partir de então, os dois trabalharam juntos em atividades culturais e literárias. Quando Antonio Olinto foi crítico literário de O Globo, Zora Seljan assinava a crítica de teatro no mesmo jornal, sendo que às vezes as duas colunas saiam lado a lado na página. Antes de os dois seguirem para a Nigéria, já Zora havia escrito a maioria de suas peças de teatro afro-brasileiras, das quais, mais tarde, em Londres, uma delas, Exu, Cavalheiro da Encruzilhada, seria levada em inglês por um grupo de atores ingleses e americanos, sob a direção de Ray Shell, que participara da produção de Jesus Christ Superstar. Na Nigéria, Zora Seljan foi leitora na Universidade de Lagos. De volta da África, Antonio Olinto publicaria um relato de sua missão ali, Brasileiros na África; Zora Seljan lançaria dois livros: A Educação da Nigéria e No Brasil ainda tem gente da minha cor?. Em 1973, os dois fundaram um jornal em Londres e em inglês, The Brazilian Gazette, que vem existindo continuamente desde então.

Recebeu em 1994 o “Prêmio Machado de Assis”, por conjunto de obras, da Academia Brasileira de Letras, a mais alta laúrea literária do Brasil.

Antonio Olinto e Zora Seljan foram eleitos para o conselho fiscal do Sindicato dos Escritores, em 7 de maio de 1997.

Em 31 de Julho de 1997, foi eleito para Academia Brasileira de Letras na Cadeira nº 8, sucedendo o escritor Antonio Callado. Foi eleito para o cargo de Tesoureiro nas gestões de 1998, 1999 e 2000 e também Diretor das Publicações dos mesmos anos. Tem uma Biblioteca em Bucareste com seu nome: Biblioteca Antonio Olinto.

Foi nomeado por ato do Prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, para o cargo de Diretor Geral do Departamento de Documentação e Informação Cultural, da Secretaria das Culturas, dirigida por Paulo Alberto Moretzsohn Monteiro de Barros (o  Artur da Távola). Em sua gestão, inaugurou duas bibliotecas em comunidades carentes, como manteve as 23 bibliotecas municipais em prédios fixos.

Ary_BarrososEm 2003 foi convidado para ser Presidente da Comissão Nacional das Comemorações do Centenário de Ary Barroso, que foi celebrado com várias comemorações pelo país e pelo exterior. Para homenagear Ary Barroso, Antonio Olinto lançou com grande estrondo na ABL o livro Ary Barroso, a história de uma paixão, que foi apresentado em várias capitais e em sua cidade natal, Ubá.

No dia 17 do mês de julho de 2003 apresentou seus quadros naif no Shopping Cassino Atlântico, juntamente com o lançamento de seu livro Ary Barroso.

Sua obra abrange poesia, romance, ensaio, crítica literária e análise política e três dos seus livros foram traduzidos para o romeno – Copacabana, tradução romena de , Editura Univers, 1993.; Scurt? Istorie a Literaturii Braziliene (1500-1994), Editora ALLFA, 1997; Timpul Paiatelor,  Editora Univers, Bucaresti, 1994. As três obras foram trauzidas por Micaela Ghitescu. (Academia Brasileira de Letras)

Bibliografia

Poesia

  • Presença – Editora Pongetti, 1949
  • Resumo – Livraria José Olympio Editora, 1954
  • O Homem do Madrigal – Livraria José Olympio Editora, 1957.
  • Nagasaki – Livraria José Olympio Editora, 1957
  • O Dia da Ira –Livraria José Olympio Editora, 1959
  • The Day of Wrath – tradução inglesa de O Dia da Ira, por Richard Chappell, edição Rex Collings, Londres, 1986.
  • As Teorias – Edição Sinal, 1967
  • Theories and Other Poems – tradução inglesa de As Teorias por Jean McQuillen, edição Rex Collings, 1972
  • Antologia poética –Editora Leitura, 1967.
  • A Paixão segundo Antonio – Editora Porta de Livraria, 1967
  • Teorias, novas e antigas – Editora Porta de Livraria, 1974
  • Tempo de verso – Editora Porta de Livraria, 1992
  • 50 Poemas escolhidos pelo autor – Editora Galo Branco, 2004

Ensaio

  • Jornalismo e literatura – MEC, 1955
  • O “Journal” de André Gide – MEC, 1955
  • Dois ensaios – Livraria São José, 1960
  • Brasileiros na África – ensaio sócio-político, Edições GRD, 1964
  • O problema do Índio Brasileiro – Embaixada do Brasil em Londres, 1973
  • Para onde vai o Brasil? – ensaio político, Editora Arca, 1977
  • Do objeto como sinal de Deus – ensaio sobre arte africana, RIEX, 1983
  • On the Objects as a Sign from God – tradução inglesa de Ira Lee, RIEX, 1983
  • O Brasil exporta – história da exportação brasileira, Banco do Brasil, 1984
  • Brazil Exports – tradução inglesa, Banco do Brasil, 1984
  • Literatura Brasileira – Editora Lisa, 1994
  • Letteratura Brasiliana – história da literatura brasileira, tradução italiana de Adelina Aletti, Jaca Book, 1993
  • Scurt? Istorie a Literaturii Braziliene (1500-1994) – tradução romena de Micaela Ghitescu, Editora ALLFA, 1997
  • Antonio Olinto apresenta Confúcio e o Caminho do Meio – Rio de Janeiro, Editora Bhum – Ao Livro Técnico- 2001

Artes Plásticas

  • African Art Collection, tradução inglesa de Ira Lee, Printing and Binding, Londres, 1982

Crítica Literária

  • A invenção da Verdade – crítica de poesia, Editorial Nórdica, 1983
  • A verdade da Ficção – crítica literária, COBRAG, 1966
  • Cadernos de Crítica – crítica literária, Livraria José Olympio Editora, 1958

Literatura Infantil

  • Ainá no Reino do Baobá – Literatura Infantil, LISA, 1979

Romance

  • A Casa da Água – romance, Edições Bloch, 1969 ; Círculo do Livro, 1975 e 1988; Difel. 1983; Nórdica, 1988; Nova Froteira, 1999
  • The Water House – tradução inglesa de Dorothy Heapy, Edição Rex Collings, 1970; Thomas Nelson and Sons Ltd, Walton-on-Thames, 1982; Carrol & Graff, 1985
  • La Maison d’Eau – tradução francesa de Alice Raillard, Edição Stock, 1973
  • La Casa del Água – tradução argentina de Santiago Kovadlof, Editorial Losada, 1972 e 1973
  • Bophata Kyka – tradução em macedônio, Macedônia Makepohcka Khnra (km), Skopje, 1992
  • Dom Nad Woda – tradução polonesa de Elizabeth Reis, edição Wydawnictwo Literackie, 1983. ( Dom Nad Woda, edição Braille polonês, Polska Braille, 1985)
  • Casa dell’Acqua – tradução italiana de Sonia Rodrigues, Edição Jaca Book, 1987
  • O Cinema de Ubá – Livraria José Olympio Editora, 1972
  • Copacabana – LISA, 1975; Editora Nórdica, 1981
  • Copacabana – tradução romena de Micaela Ghitescu, Univers, 1993
  • O Rei de Keto – Editorial Nórdica, 1980
  • Le Roi de Ketu – tradução francesa de Geneviève Leibrich, Edição Stock, 1983
  • Il Re di Keto – tradução italiana de Sonia Rodrigues, Edição Jaca Book, 198
  • The King of Ketu – tradução inglesa Richard Chappell, edição Rex Collings, Londres, 1987
  • Kungen av Ketu – tradução sueca de Marianne Eyre, Edição Norstedts, Estocolmo, 1988
  • Os móveis da bailarina – novela, Edição Nórdica, 1985
  • The Dancer’s Furniture – tradução inglesa de C. Benson, Editorial Nórdica, 1994
  • I Mobili della Ballerina – tradução italiana de Bruno Pistocchi, L`Umana Avventura, 1986
  • Les Meubles de la Danseuse – tradução francesa, L`Aventure Humaine, 1986
  • Die Möbel der Tänzerin – tradução alemã, “Humanis”, 1987
  • Mobilele Dansatoarei – tradução romena de Micaela Ghitescu, Edição Nórdica, 1994
  • Trono de vidro – romance, Editorial Nórdica, 1987
  • Trono di Vetro – tradução italiana de Adelina Aletti, Jaca Book, 1993
  • The Glass Throne – tradução inglesa de Richard Chappell, Sel Press, 1995
  • Tempo de palhaço – Editorial Nórdica, 1989
  • Timpul Paiatelor – tradução romena de Micaela Ghitescu, Editura Univers, Bucaresti, 1994
  • Sangue na floresta – Editorial Nórdica, 1993
  • Alcacer-Kibir – romance histórico, Editora CEJUP, 1997
  • A dor de cada um – 1º romance da “Coleção Anjos de Branco”, Mondrian, 2001
  • Ary Barroso, história de uma paixão – Mondrian, 2003.

Conto

  • O menino e o trem – Editora Ao Livro Técnico, 2000.

Gramática

  • Regras práticas para bem escrever / Laudelino Freire (1873-1937) – ampliada e atualizada por Antonio Olinto, Lótus do Saber Editora, 2000.

Dicionário

  • Minidicionário poliglota – Editora Lerlisa
  • Minidicionário Antonio Olinto: inglês-português, português-inglês – Editora Saraiva, 1999
  • Minidicionário Antonio Olinto: espanhol-português, português- espanhol – Editora Saraiva, 2000
  • Minidicionário Antonio Olinto da lingua portuguesa – Editora Moderna, 2000

Nossa Homenagem

Olinto1

Noite é chuva, plano é longo.

Hora de abraçar a máquina
medianeira do olho e do objeto
disposta para o módulo dos ritos
através.

Ó câmara de sutis delicadezas,
brandura carda, mansa entrega,
me ensina a reta prontidão
no pegar cada coisa e seu contorno,
me concede a cordura decisiva
da lente caminhando para a imagem
diretamente.

Ferramenta e musa,
vem comigo às estacas do homem
chamado Sousa,
entra na macia resistência da pele
águas adentro
(sabes: somos em aquário,
nele andamos, consistimos,
amamos
refreados de presenças
além do líquido limite:
em aquário somos).
Mulher e fábula,
tira a transparência
das roupas silenciadas,
restaura os rituais
dos mitos cotidianos
passados de fêmea a fêmea,
mãe, irmã, amante,
câmera votiva.

Que importa sejas metal agora,
vidro, foco, olho de máquina,
para a justa visão da coisa vista?

Eia, câmera, comigo
ao plano largo, noite chuva.

Olinto2

Num retrospecto
de que vale?
O menino soltava papagaio
no morro transformado em nova imagem
tão nítida que vai além retângulo,
termina no prelúdio de uma nuvem
e o grito batia longe
na tarde dos bambuais
de que vale?
Sousa já era mas sorria,
tinha o fascinio dos começos,
a fixidez dos olhos sendo
nada e flor.
A voz que subia aflita
(só podia ser da mãe)
talava da noite próxima
e de bichos escondidos
pelo pasto,
no regato,
no caminho,
pela sombra deslizada de repente
de que vale?
Na descida tudo vinha
em gesto nem sempre visto
de papagaio vermelho,
papel de seda rasgado
na maciez do paiol.
Súbito
era noite e um cão latia
alto.

Olinto3

O desígnio das coisas
ferido de espera.
Nem poderia ser, como pensais,
de lastro diferente.
Sabeis e guardais remanso.
Vinde à frente do palco
no risco da luz firmada
que os olhos querem vossa fala.
caso inventado mas pende
da mais sólida nuvem.
As tábuas estão aí,
a mesa, o pão, a roupa
e as gentes.
Nas cadeiras que vos olham
a certeza de vossa força.
Traçai o desenho
do que está vindo,
erguei a mão em rito,
fazei objetos.
Agora vejo.
Esse traço é o caminho da moça?
Completai-o que desce um cântico,
não deve ser interrompido.
O desígnio da moça
repousa em nervos de flor.
Riscai outros.
Esse não conheço.
Da que foi mãe?
Parece mais linha sem ponta.
Aonde irá?

xxxxxxxxDe O Dia da Ira
xxxxxxxxRio de Janeiro: Nórdica; Londres: Rex Colling, 1986
Olinto4
xxxxxxxx“Mudaria o Natal ou mudei eu?”
xxxxxxxxMachado de Assis

Mudaria o Natal ou mudo iria
mudar sempre o menino o mundo em tudo?
Ou fui só quem mudei, e meu escudo
novidadeiro, múltiplo, daria

ao mudadiço mito da alegria
em noite tão mutável jeito mudo?
O homem é mudador, muda de estudo,
de mucama, de verso, pouso, dia,

porque a muda modula esse desnudo
renascimento em palha, e molda e afia
o instrumento da troca, o fim miúdo,

a noite amena erguendo-se em poesia.
Mudei eu sempre sem saber que mudo
ou somente o Natal me mudaria?

xxxxxxxxNova York, Natal de 1965

Pequenas férias

O Banco da Poesia entrou em recesso por alguns dias. Pedimos desculpas aos nossos leitores e prometemos ativar nossas postagens a partir de hoje

I Bienal do Livro de Curitiba: e a Poesia?

BienalDoLivroPara quem viveu a secura cultural do Paraná de antes dos anos 60, os eventos que se sucedem na terra dos pinheirais (nem tantos assim…) são alegria para os olhos e para a alma. A I Bienal do Livro de Curitiba, que está ocorrendo no pavilhão de eventos da Unimed, no campus da Universidade Positivo, é um desses eventos que devem ser visitados, apoiados e incentivados para que permaneçam definitivamente no calendário cultural.

Fui visitar a exposição ontem à noite, em companhia de Manoel de Andrade, e ambos sentimos falta da mesma coisa: onde está a Poesia? É claro que, ali e acolá, catando com cuidado, encontramos alguns livros, principalmente clássicos já em fase de domínio público e que ganham edições mais populares. Mas nada objetivamente dedicado a ela, um ser talvez em esquecimento, em perigosa linha de extinção.

Trabalho para os poetas paranaenses, daqui a dois anos: propor aos organizadores um estande especial para a Poesia, no qual as poucas editoras brasileiras que mantém livros do gênero em seus catálogos mostariam seus títulos e os mutos poetas independentes, que financiam suas próprias edições, teriam um lugarzinho ao sol. E podemos realizar, no local, uma série de minieventos, com apresentações de poetas, jograis e outras coisas da área. Precisamos armar nosso circo para levar a Poesia à grande massa de leitores que dela está afastada.

Por enquanto, nem tudo está perdido. Acabo de receber lembrete de Domingos Pellegrini Jr., que estará amanhá, quarta-feira, 2 de setembro, às 18 horas, no recinto da Bienal, para apresentar um audiolivro gravado por ele e sua Dalva. Para comemorar o evento, já que Dinho também é poeta, vai aí um poema recolhido em seu blogC. de A.

GALEAR

Galear

Um galo canta
lá vem o dia
Outro responde:
eu já sabia
Mas um novato
pergunta onde
Vem daquele lado
donde sempre vem
diz o velho galo
porém o novato
pergunta por que
Então silenciam
os galos do vale
pois quem é que sabe
por que nasce o dia
Té que o velho galo
canta: só sei que
não nascia sem
eu para cantá-lo
Eu também, e eu
cantam outros galos
e o galo novato
vê que amanheceu
Não pergunta mais
se haveria dia
sem galo a cantar
Acredita pia-
mente que o sol nasce
para iluminar-se
Como tanta gente
que ora simplesmente
apenas porque
orar faz tão bem