Há um ano o Banco da Poesia homenageou Tiradentes, na voz poética de Cecília Meireles. E lembramos todos os homenageados do dia 21 de abril, que são muitos e alguns pouco lembrados.
Só para recordar:
Mas não deixemos de relembrar a história de Tiradentes, em cujo dia também se comemora o Dia da Latinidade (quem lembrou dele? Só o Chávez, quando presenteou o já rançoso livro do Eduardo Galeano ao Barack Obama); o aniversário de Brasília (inaugurada em 21 de abril exatamente porque Juscelino queria homenagear um mineiro ilustre); o aniversário de Roma (que não tem nada a ver com Tiradentes, mas em Brasília, na Praça dos Buritis, bem em frente ao palácio do governo distrital, existe uma réplica da Loba com Remo e Rômulo, presente da capital da Itália à capital brasileira –Brasília e Roma são cidades irmãs, devido à coincidência natalícia); Dia Mundial do Bombeiro, homenagem mais que justa (mas sempre apagada – perdão pelo trocadilho – diante da homenagem ao protomártir da Independência), e, ainda no Brasil, onde habita um povo que adora heróicos feriados retumbantes, o Dia da Polícia Civil, o Dia da Polícia Militar (que, possivelmente, serão os únicos a trabalhar neste feriado), Dia do Metalúrgico (terá Lula lembrado de seus companheiros de antanho?) e, finalmente, o Dia do Têxtil (que, de certa forma, colabora com a confecção das bandeiras hasteadas no dia de hoje).
Neste 21 de abril de 2010 temos uma data redondíssima a comemorar — os 50 anos de inauguração de Brasília, nossa Capital Federal, hoje quase transformada em Babilônica apocalíptica, onde transbordam as sem-vergonhices de muitos dos nossos honoráveis representantes, aos quais entregamos, de quatro em quatro anos, cheques em branco impagáveis (termo que se pode entender, na justa eleitoral, em todas as suas acepções léxicas: que não se pode ou não se deve pagar; inestimável; precioso; muito engraçado; hilariante; cômico, excêntrico, ridículo).
Vivi em Brasília por cerca de 14 anos. E confesso que aprendi a amá-la e entendê-la, pois, à moda de Bilac, é preciso saber vê-la e ouvi-la. Aprendi a conhecer as excentricidades da cidade cêntrica, planejada para abrigar preferencialmente o poder. Aprendi a ler seus complicados endereços, nem tão complicados assim depois que conhecemos seus códigos. Aprendi a separar a Brasília dos poderosos da Brasília da gente amigável, que trabalha realmente pensando no bem do enorme panorama brasileiro à sua volta.
Para homenagear seu cinquentenário, procurei poetas que a cantaram. E muitos há. Basta “guglear” Brasília poemas e aparecem coleções de odes elogiosas. Mas senti que seria infiel se não usasse palavras minhas para conversar com ela no dia de seu importante aniversário. Sem pretender fazer um poema, abri as portas da memória e, apenas passeando por metáforas, desaguei no que vai abaixo, pois, em meio à festa, não posso descuidar, como preocupado brasileiro, do que ocorre por lá, apesar de nossa sentinela avançadíssima afirmar, para espanto quase geral, que nada ouve e nada vê. E como ela nada escuta e nada enxerga, nada ocorre do que vemos e ouvimos. Pura lógica princepesca…
Para completar a homenagem, dois vídeos. O primeiro, com Vinicius de Moraes e Tom Jobim e a primeira música composta em Brasília, Água de Beber, sob inspiração do murmurejo de um riacho ao lado do Catetinho, o palácio de madeira construído por Oscar Niemeyer para Juscelino Kubitschek na início da construção de Brasília. No segundo, Juca Chaves, ainda mocinho atrevido, canta Presidente Bossa Nova, uma sátira ao construtor da nova capital. Música, aliás, que chegou a ser temporariamente censurada, apesar do Brasil ter vivido, naqueles tempos, uma era de plena liberdade de expressão. Com meu abraço e (confesso) um pouco de saudade. (Cleto de Assis)
Brasília
Andar por Brasília é como voar:
……………..planar sobre projetos arquitetônicos
……………..mover-se velozmente por planos urbanísticos
……………..brincar de gente grande em um imenso jardim de infância.
Porque Brasília é ainda infante, apesar de cinquentenária:
que são cinquenta aninhos perto dos 510 do jovem Brasil?
No jardim do planalto central,
……………..onde árvores retorcidas do cerrado
……………..deram lugar a templos de cimento armado,
……………..onde se juntaram o sonho de Dom Bosco
……………..aos delírios de Juscelino
……………..e às fantasias temperadas
……………..nos caldeirões de Niemeyer e Lúcio Costa,
plantaram-se esperanças vindas de todas as partes
e nasceu gente nova, candangos do Século XXI.
É verdade que a Brasília igualitária imaginada nas pranchetas
jamais frutificou
— no sopé das caixas de cimento
ainda germinam as diferenças
e aparecem e desaparecem teimosas favelas
como a dizer: também sou chão brasileiro
feito de pobreza, deseducação e doença.
É verdade que os senadores e ministros e deputados
e sacrossantos magistrados não realizaram o sonho de viver
ao lado dos motoristas e serventes e vigias.
É verdade que Brasília,
para onde se transferiu a forja de leis carioca,
também importou a fluidez e multifácies do poder insensato
e os inefáveis palavreados das tribunas e dos tribunais,
nos quais mudaram as paredes, o ar em torno, mas não o ar interno.
Brasília recebeu suntuosos memoriais
e em cada canto outros vicejam
a guardar reminiscências e a esconder pecados.
……………..Brasília ainda aguarda o Memorial da Incúria
……………..onde, em mil paredes, se exporiam
……………..as miríades de atos impudentes
……………..colhidos na Praça dos Três Poderes
……………..e onde as novas gerações aprenderiam
……………..a ter vergonha na cara
……………..e a respeitar e respeitar e respeitar todas as (re)públicas
……………..e a honrar e honrar e honrar todos os compromissos
……………..e fazer do não roubarás também um pétreo preceito constitucional.
Mas Brasília carrega a sina
de ter se tornado famosa
antes de madurar.
E por mais distante que esteja
é lá que nossas vidinhas e vidões
são lançados à sorte da roleta política
e das decisões destemperadas do Olimpo planaltino.
E segue vivendo sua vida sem esquinas
e com lagos artificiais e artifícios democráticos,
com mil violinos de Chagall
e violões de Dilermando
e cavaquinhos de Waldir Azevedo
a tocar sobre seus tetos,
com milhares de gravatas
transformadas em bandeiras de representação
do Zé Povinho descalço e sem roupas
eterna Capital da Esperança
com chegança sem data marcada.
……………………………..
Um dia, olhando Brasília lá do alto,
ouvi sua prece murmurante
a pedir para não ser transformada na Babilônia apocalíptica,
mãe de todas as prostitutas e abominações da terra.
sentada na Besta escarlate
e destinada a ser destruída por culpa dos pecados de seus príncipes,
que se gloriam com insolência e pronunciam blasfêmias
e reproduzem, de suas cabeças, outras Bestas,
com chifres semelhantes aos do Cordeiro,
mas com vozes troantes de Dragão,
a exercitar todo o poder da primeira Besta na sua presença
e a fazer que todos os habitantes adorem a primeira Besta,
cuja ferida mortal já foi curada,
tal como profetiza o Apocalipse 13.
Eu, então, a consolei, mostrando-lhe que os reis passarão
e ela permanecerá incólume e linda
e um dia se tornará uma das maravilhas do mundo moderno
com suas fontes a jorrar leite e mel e felicidade.
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