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Paz natalina

Hoje, domingo, 20 de dezembro de 2009, fez um belo domingo em Curitiba. Sol e cheiro do Natal que se aproxima.

O Banco da Poesia recebeu duas contribuições apropriadas à época natalina (ver abaixo). Manoel de Andrade relembra um poema de 2002, no qual dirige seus agradecimentos pelos presentes que a vida lhe reservou. Já Vera Lúcia Kalahari imagina, lá de Portugal, todo mundo reunido junto ao presépio cristão e faz um desafio inquietante. Aproveitei a onda e postei uma croniqueta, onde reflito sobre a possibilidade — utópica, é claro — de todos os dias poderem ser dias de Natal.

Tudo para reiterar nossos votos de um ótimo Natal e um ano de 2010 (gente, já estamos vencendo a décima parcela deste Século XXI!) bastante positivo para toda a sociedade humana e, evidentemente, para a grande Gaia que nos abriga.

Para ilustrar, uma foto do Natal do HSBC, tradição iniciada por seu antecessor Bamerindus, a nota máxima do Natal curitibano. Para quem não conhece o evento: imagine uma criança em cada janela do antigo Palácio Avenida, a compor um maravilhoso coral natalino. Cleto de Assis

Vera Lúcia lança um desafio natalino

Hoje resolvi apresentar-vos um trabalho diferente. Nesta época natalícia, que todos vivem o nascimento de Cristo, gostaria de vos conhecer um pouco melhor. Por isso, aqui vai o meu desafio.

Pieter Brueghel, o Velho (1525-69) – 1564, painel de madeira, 111 x 83.5 cm, National Gallery, Londres

Eles vieram de longe, do Oriente… Seguindo a estrela mensageira, encontraram no deserto os caminhos que conduziam a Jesus.

Menino-Deus, pedacinho de gente, dormindo sobre palhas…

A História conta que levaram presentes dignos do rei mais poderoso da terra. Não conta, isso não, que foi feito do ouro, do incenso e da mirra… E da estrela que guiou os passos dos três Reis Magos, Baltazar, Gaspar e Melchior…

Perguntas que deixaram de ser, porque cada vez que surge um presépio, uma manjedoira e uma estrela, a história do Menino repete-se, como se cada um de nós tivesse estado presente nessa noite distante de Belém.

E se assim tivesse acontecido? Se a sua presença fosse ali, bem perto da manjedoira? Qual teria sido o seu presente para Jesus, SE VOCÊ FOSSE REI MAGO?

Vera Lúcia Kalahari, Portugal, dezembro de 2009

A resignação de Vera Lúcia Kalahari

Estranhei o silêncio de Vera Lúcia Kalahari, a poeta portuguesa que escolheu Angola como um de seus ninhos de arribação. Ela me informa que esteve às voltas com problemas de saúde de sua filha, felizmente já superados. E manda ao Banco da Poesia mais um depósito, segundo ela produzido sob o efeito da emoção dolorosa por que passou. Agradeço e desejo plena saúde para sua filha e felicidade total para as duas.

Vontade de Deus


Se é vontade de Deus
Eu ser um pingo de chuva
Na esquecida sonolência
Dum rastro d’onda perdida
Eu ser eco ou ser brisa
Ser suspiro ou ser grito
Ou ser uma estrela cadente
Morrendo no infinito…
Se é vontade de Deus
Eu ter de lutar, de gemer,
E de sentir o que sente
O dia fugindo desfeito
Nos dedos frios da noite…
Se é vontade de Deus
Eu ser una ou ser múltipla…
Ser segundo, hora ou dia…
Ser raiz feita flor
Ou ser um caminho aberto
Por onde os pobres desfilam,
Esse será o meu destino
E será minha ventura…
Porque aquele que procura
E anseia por um além
Encontra sempre um bem
No mal que a vida tem.

_____

Ilustração: Cleto de Assis

Vera Lúcia em busca de notícias

Minha busca vã

Iluustração: C. de A.

Ilustração: C. de A.

Ao rouxinol que canta
Na noite que vai caindo
Marcado de triste dor,
Às nuvens que vão subindo
Em matizes d’esplendor,
Eu peço notícias de ti.
Ao vento que vai passando
À brisa que vem chegando,
Ao odor do mar e da flor,
Ao canto das praias varridas
Pelas ondas irritadas,
Eu peço notícias de ti.
Às gaivotas que vão deixando
Pelo ar, um risco branco,
Ao rumor leve dos búzios,
Às mil e uma coisas da terra,
Eu peço notícias de ti.
Aos homens que vem chegando,
Aos barcos, às fontes, aos rios,
Às estrelas que vão brilhando
Em risos, em frio desdém,
Eu peço notícias de ti.
Ninguém mas dá…
Só a chuva, sobre mim em pranto se cerra…
Há silêncio em toda a terra
Silêncio seco e ruim
De ventos vergando ramos
Como se dentro de mim
O mesmo silêncio se vaze.
Não há notícias de ti…
E neste anseio cansado
Nesta pergunta tão vã,
Apenas queria, vê lá,
Ser nuvem, ser ave, ter asas,
Ter algo mais do que sonhos,
Do que cantos, do que versos,
P’ra que pudesse voar
E poder assim saber,
Algo de ti, meu amor.

Vera Lúcia

Vera Lúcia Kalahari elogia a carta anômima

O encanto da carta anônima

xxxxxEu gosto de receber cartas anônimas. Não tenho, como muita gente, horror às mesmas. Liga-me a elas uma profunda e viva simpatia. Porque o que é uma carta anônima? É, de algum modo, a voz que teme ou odeia. De qualquer maneira, uma voz amiga que previne. Porque ela dá-nos a certeza que não estamos sós. Que podemos contar, pelo menos, com os nossos inimigos. Ora vejamos: Não são os nossos inimigos os nossos amigos mais sinceros? Porque todos sabemos que nas horas difíceis, os amigos abandonam-nos, desaparecem… Os nossos inimigos, não. Acompanham  passo a passo a nossa vida. Vivem a nosso lado, hiantes… Como espiões… Vivem espiando todos os nossos movimentos, as garras prontas a agatanharem. Que em boa verdade, os inimigos sinceros são os nossos únicos amigos. Geralmente, calam as nossas boas qualidades,  para  apresentarem só os defeitos. E nós, só lucramos com isto, porque, realmente, os bons que só têm qualidades, nunca se governaram.. Ao passo que os defeitos, impõem sempre respeito. E nós podemos aproveitar a oportunidade para os corrigir, aqueles que nos interessa corrigir, como é obvio.

xxxxxE depois, o interesse, o tempo que perdem a saber da nossa vida… Já alguém teve um  amigo que se interessasse realmente por si?  Onde mora? O que faz? Com quem vive? Duvido… Mas estes outros, não. Até se dão ao cuidado de escrever cartas anônimas…Imaginem:. Na era da informática, quando já ninguém tem paciência para escrever à mão… Por nós, vejam bem, por nós, irem comprar um envelope… Papel… Selos… Ficarem ali sentados a pensarem, de caneta na boca, naquilo que vão escrever.Depois, saírem de propósito para irem ao correio mais próximo deitar a carta… Que consolador não é tudo isto para nós…

xxxxxA carta anônima é útil, sim senhor. Eu, por mim, acho-as interessantíssimas. E até bendigo a santa criatura que a escreveu, que tanto bem me quer.

xxxxxVejamos: A carta anônima para a mulher, a dizer que o marido a engana, poderá ser a melhor estratégia para o homem, se este não for parvo. Será como o sal na comida. Irrita, mas  depois de muita conversa, que,confessemos, em alturas destas os homens são muito convincentes, pode-se chegar à conclusão que há muita gente sem escrúpulos que perdem o seu tempo a escreverem coisas destas. E a mulher acredita e perdoa. E tal perdão é sempre uma pedra no charco no marasmo do casamento, traz uma  nova acção, outra novidade, a maior parte das vezes bem gostosa…

xxxxxA carta anônima para o homem, a dizer que não passa dum corno, tem as suas vantagens, sim senhor… Porque ou não sabia e ficou sabendo, ou já sabia e não se rala. Se o não sabia, foi um ótimo serviço, se o já sabia e não se rala até poderá exclamar, depois de a ler com um sorriso : “…Tão bem intencionado… coitado…”

xxxxxA carta anônima vale mesmo uma epopeia… Que venham mais…

xxxxxE pensar que há ainda quem abomine, as simpáticas, as maravilhosas cartas anônimas… Falta de gosto… (Vera Lúcia Kalahari)

Encontros em rotas de estrelas

Vinha ao teu encontro

Vera Lúcia Kalahari

Encontro
Vinha vindo ao longo da vida e vinha ao teu encontro.

Por isso é que a vida sempre me pareceu bela e generosa.

Mas quando às vezes, sopravam os ventos adversos, havia qualquer coisa que, em meio da tormenta, falava ao meu coração. Era como a luz de um farol rasgando o nevoeiro, a noite, o temporal.

Vinha ao teu encontro.

Eras tu que eu sentia, como um encanto obscuro, uma fascinação misteriosa, além do horizonte.

E era a tua sombra que, às vezes, me fazia parar um pouco, junto do homem que passava.

E porque era a tua sombra fugaz apenas que me detivera, junto do homem que passava, logo o deixava passar.

E seguia a minha estrada, em busca do teu amor: o outro era apenas um caminho para o teu amor.

Vinha ao teu encontro… Como se seguisse na rota duma estrela, como se fosse no rumo do sol. Vinha ao teu encontro na certeza de encontrar-te, porque eras a promessa do meu destino. Sabia que existias e vinha vindo
ao teu encontro, embora ignorasse se eras uma flor ou uma fonte, um raio de luar, uma nota de música, uma paisagem, um silêncio, um sonho.

Sabia que existias e vinha ao teu encontro, ao longo da vida. Assim, agora que te encontrei, tenho a certeza de que sempre estiveste em minha vida, de que sempre caminhamos juntos, pois vivias dentro do meu sonho. Agora tenho a certeza que vinha  vindo ao longo da vida, caminhando ao teu encontro, como se seguisse na rota duma estrela — iluminada por sua luz distante.

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Ilustração: C. de A.

Um conto de Vera Lúcia Kalahari

Nossa amiga e correntista Vera Lúcia Kalahari nos envia, de Angola, um conto de sua autoria, premiado em 1973 em Lourenço Marques, atual Maputo, Luanda, Huambo e Benguela.

Mãe

xxxxxEsse era o dia em que Saiengue, o soba de Camanongue, esperava a chegada de seu filho único, vindo da cidade.
xxxxxO rapaz partira há seis anos e agora todos aguardavam o seu regresso: o pai, a velha mãe, a mulher, o filho e a filha. Nesses seis anos nenhum deles o vira e assim cada um o esperava anciosamente.
xxxxxA cubata erguia-se a certa distância do povoado, longe da única estação, e por isso não podiam saber a hora exata da chegada. Era uma pequena casa muito limpa, no meio de um extenso mangueiral, alinhado nas margens do rio. Do outro lado erguiam-se verdejantes montanhas que se perdiam em picos altos e nublados. No tempo do frio, o rio corria remansoso e pouco profundo. Mas quando as chuvas chegavam das serranias, as águas cresciam assustadoramente, lamacentas e escuras.
Todos se haviam vestido mais cedo e ficaram sentados pacatamente à espera. Lá estava o velho pai, a barba branca destacando-se no rosto negro e grave. Era um homem respeitado naqueles lugares.
xxxxxHoje, porque seu filho único voltava, pusera o seu melhor pano, que comprara há anos na cidade.
xxxxxAo lado do velho, sentava-se a mulher, a única que tivera em toda a sua vida, porque havia sido uma boa companheira, dócil e trabalhadora. Numa pedra mais baixa, sentava-se a nora, companheira do seu filho. Segurava uma fita longa de missangas, e seus dedos hábeis iam tecendo um cinto largo de cruzes miúdas, em carmesim. O seu rosto, nem feio nem bonito, denotava a ansiedade febril que a tomava. De vez em quando baixava-se para dizer qualquer coisa à pequenita que lhe brincava aos pés. Mais longe, debaixo de uma grande mangueira, um rapazito esguio tentava colher um fruto dourado. O velho tinha os olhos fitos no rapaz, mas via-se que o seu pensamento estava distante.
xxxxxA velha mãe virou-se para a nora e perguntou:
xxxxx— Compraste o peixe na loja do Calonjere?
xxxx —Sim, minha mãe, tratei de tudo.
xxxxxNa obscuridade da porta os seus olhos brilhavam na face escura.
xxxxxO miúdo escorregou, caíu e começou a chorar desalmadamente. A jovem mulher levantou-se rapidamente e limpou-lhe os calções do pó.
xxxxx— Cala-te! Teu pai está prestes a chegar e não gostará de te encontrar assim!
xxxxxO rapaz limpou as lágrimas com as mãos e sentou-se calmamente no capim áspero. O velho olhou o neto, alisou a barba branca e, sorrindo, disse:
xxxxx— Calomanga ficará satisfeito por ter à sua espera dois filhos como estes.Ele te agradecerá a maneira como trataste seus velhos pais nestes longos anos. Foi um bom dia aquele em que te trouxe para esta casa.
xxxxxMal havia acabado de proferir estas palavras, ouviu-se uma voz na curva do caminho. Era bem a voz de que eles se lembravam e que tanto desejavam ouvir, mas agora bem diferente das suas recordações.
xxxxx— Aqui estou!
xxxxxA velha mãe uniu as mãos com força sobre o regaço. O velho levantou-se rapidamente do chão. Os passos do recém-chegado ressoavam mais perto, na terra avermelhada. A mulher, que se deixara ficar sentada, de olhos fitos no solo, pôde ver os pés calçados de grossas botas e ouviu-o gritar:
xxxxx— Meu pai! Mãe!
xxxxx— Filho…— disse o velho.
xxxxxA sua voz tremeu e suavemente começou a chorar. A mãe acercara-se timidamente e tocou no braço do filho.
xxxxx— Calomanga, estás diferente. Não pareces o mesmo!
xxxxx— Mãe, seis anos não deixam ninguém na mesma – disse o rapaz numa voz clara e rápida.
xxxxxDepois, acercou-se da jovem mulher que se mantivera imóvel.
xxxxx— Então, Fuvuca, estás boa?
xxxxx— Foi a melhor das filhas para nós,Calomanga-falou o velho.
xxxxx— Sim?— interrompeu o jovem. — E onde estão os meus filhos?
xxxxx—Estou aqui…
xxxxxO pequeno abeirou-se lentamente e olhou aquele desconhecido, de sapatos de cabedal e de calças que eram de um tecido grosso e escuro, uma fazenda dos brancos. Calomanga passou-lhe a mão pelos cabelos ásperos , rindo.
xxxxx— Então foi nisto que se transformou o pequeno choramingas que deixei?
xxxxxA jovem mulher olhava-o agora abertamente. Sim! Como estava mudado! Seis anos na cidade haviam modificado seu marido, cheio de juventude e energia. Sentiu-se muito tímida e começou a chorar.
xxxxxApós uma longa pausa, como se cada um tentasse adivinhar os pensamentos do outro, Calomanga começou a falar. Dir-se-ia que falava apenas para preencher o vácuo que se estendia sobre eles.
xxxxx— Como é bom estar de volta! É pena continuar tudo tão atrasado!
xxxxx— Estamos na mesma – respondeu o velho pai, permanecendo um pouco pensativo.
xxxxx— Pois é…Habituado como estou à cidade, tudo me parece bem diferente – estas últimas palavras foram ditas com um certo ar de troça -.
xxxxxFuvuca sentiu um leve aperto no coração e, silenciosamente, afastou-se.

………………………………………………………………………………………………………….

xxxxxCalomanga havia distribuído os presentes que trouxera.
xxxxxA jovem esposa retirara-se para um canto, olhando o marido e os filhos que o cercavam.
xxxxx— Pai…tenho uma coisa para lhe dizer…
xxxxxO velho estremeceu e puxou com força a manta que lhe escorregava nas pernas. A fogueira bruxuleava, pondo sombras grotescas nas mangueiras que se erguiam em copas cerradas.
xxxxx— O pai sabe… — continuou o filho . — Na cidade vêm-se muitas coisas. Já não poderei ficar aqui. Acostumei-me a outra vida. Vim, para levar os meus filhos, para metê-los na escola dos brancos.
xxxxxOs pequenos começaram aos pulos, a gritarem radiantes.-
xxxxx— Irei no comboio…Irei no comboio…
xxxxxA miúda agarrou-se ao pai e perguntou ansiosamente:
xxxxx— Eu também vou?
xxxxx— Sim, tu vais também, — respondeu o pai com energia.
xxxxx— E Fuvuca? – falou o velho mansamente.
xxxxx— Bem…ela…pensei mandá-la de volta para o pai. Dar-lhe-ei dinheiro e nada lha faltará.
xxxxxO pequeno Jamba virou-se para a mãe, os olhos brilhando de satisfação.
xxxxx— Então irei para a escola! Sempre desejei isso!
xxxxxNenhum deles pensava em Fuvuca, reparava na sua expressão. Ninguém notou como ela tremia, a não ser o velho, que continuava sentado, acariciando a barba branca.
xxxxxCalomanga, radiante com a alegria dos filhos, exclamou:
xxxxx— Irás para a escola, verás grandes ruas, automóveis , tudo o que nunca viste até agora.
xxxxxA criança não se pôde conter:
xxxxx— Quando vamos? Eu quero ir já!

old_hands
xxxxxFuvuca olhou para aquele filho que acalentara ao longo das noites, que bebera do seu leite. Lembrou-se de quando lhe limpava a boca gotejante de leite branco. Era então aquele o seu filho! Este, encontrando o olhar da mãe, confessou, pensativo:
xxxxx— Sempre quis ir para a cidade, mãe!
xxxxxCalomanga agarrava a filha, num gesto de posse. Então, a miúda encostando a cara ao pai, olhou, arrogante, para a mãe.
xxxxx— Está claro que nada te faltará – dirigiu-se o homem para a jovem mulher.

xxxxx— Nunca passarás necessidades.
xxxxxFuvuca olhou-o com dignidade, mas ele nem reparou, enlevado como estava com os filhos. E sem que ninguém se apercebesse, a mãe saíu de casa. Sentou-se na pedra onde se sentara por tantos anos com os dois filhos. Num instante pensou no que seria a sua vida dali para o futuro. Sim! Já sabia qual o caminho a tomar. Levantou-se e caminhou silenciosamente para o rio que brilhava ao luar. Ainda ouviu a voz do filho, gritando alegremente:
xxxxx— E posso também andar de carro?
xxxxxO velho tinha começado a falar, numa voz triste e implorativa.
xxxxxA água corria-lhe agora aos pés e sentiu o frio cortante do seu beijo. Lembrou-se por instantes que devia descer rapidamente e lançou-se convulsivamente para a frente.

xxxxxO rio abriu-se para a receber num abraço gélido. Como de muito longe, pareceu-lhe ouvir ainda a voz do filho, repetindo várias vezes, a rir:
xxxxx— Irei de comboio…Irei de comboio…
xxxxxEsta voz morreu ao longe e a jovem mãe nada mais ouviu.
xxxxxAs águas fecharam-se novamente e continuaram o seu serpentear tranquilo para o mar.

River

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Ilustrações: Cleto de Assis

E vamos por aí

Poesia e Internet. Uma linguagem e um instrumento de comunicação. Talvez os poetas mais antigos, em suas solidões nos autoconfessionários da alma, nunca imaginaram que, um dia, estariam tão próximos de seus leitores. Sem preconceitos e sem barreiras geográficas. O Banco da Poesia registra depoimentos de pessoas simples, a manifestar seu gosto pela poesia. E, nesta interação instantânea, nosso blog, assim como milhões de sites publicados na rede, percorre os caminhos das estrelas e atinge habitantes de qualquer parte do planeta sensíveis ao mundo da poesia.

Começamos, em nossos primeiros dias, a travar contato com o poeta espanhol Francisco Cenamor, que edita o blog Asamblea de Palabras. Ele já é nosso correntista e registrou por lá a entrada do Banco da Poesia na rede. Depois publicamos poemas de Vera Lucia Kalahari, que vive em Angola e percorre as sendas da África ainda misteriosa e sofrida. Imediatamente ela nos chama de amigo e se corresponde conosco como se fôssemos vizinhos de janela. Mas outro português, lá na cabeça da Europa, lê seus poemas e os republica em seu blog. E nos manda um simpático recado:

Olá, Cleto de Assis
Parabéns pelo seu bonito e útil blogue.Tomei a liberdade de republicar um poema da Vera Lúcia  publicado no seu blogue.

Rui Moio.” http://sentirsentidos.blogspot.com/2009/08/viagem.html

Nosso mais recente amigo de infância foi mais longe: reproduziu o texto publicado no Banco da Poesia no Google Reader, ampliando ainda mais a leitura do que publicamos. E nos abre um relicário de belos poemas de vasto panorama da lusofonia.

Também já não quer dizer nada imaginar que o Timor Leste está lá do outro lado da Terra. Logo após à publicação de cinco poemas de poetas timorenses, obtivemos respostas amoráveis, a primeira já consignada no post específico, que nos recomenda outros poetas timorenses: “Este Banco de Poesia (está de parabéns pela iniciativa e assim é mais um a divulgar Timor Leste) que não esqueça esses que sentem Timor de uma forma tão sensível. Sem egoísmos,  publiquem os seus trabalhos, porque eles são arte genuína de Timor do Sol Nascente”, nos diz J. Rodrigues Sarmento, lá do outro lado da Terra, editor do blog Aqui é Timor-Leste.

E também de imediato nos vem a notícia de que o Banco da Poesia foi recomendado ao leitores do blog Uma Lulik , também do Timor Leste, como “um blog em destaque – Visite o blogue Banco da Poesia e leia poesias de Crisódio T. Araújo, Fernando Sylvan, Jorge Barros Duarte, Jorge Lauten e Ruy Cinatti ilustradas com belas imagens representativas”.

Já o responsável pelo site social Portugalmaresias, João Raimundo Goçalves, de Costa de Caparica, Portugal, nos dá conta que criou “um espaço de amizade onde se cruzam a poesia e a prosa, os cheiros e os sabores da Lusofonia”. E nos convida a participar (convite aceito!) do seu recanto eletrônico.

E por aí vamos. A encurtar os mares e aproximar as terras à vista. A criar amizades e fortalecer solidariedades. Graças à poesia. (C. de A.)