Arquivo do mês: junho 2010

Erly Welton cicunloquial

Periférico

Erly Welton Ricci



não voa a alma naquilo que digo
ela já está
isso que você vê como névoa de cores insondáveis
espalhada em todos os campos
é a expansão intermitente e começou desde sempre
está na pedra, na placa e na praga
na areia, na água e na águia
na letra, na lente e na pele da palavra

por isso minha alma não é passional
nem minha
o verbo também
espalhado por todos os campos
amém

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Ilustração: C. de A.

Mais um clique de Lina Faria

Prometi, há algum tempo, a reprodução, no Banco da Poesia, de algumas das admiráveis fotos de Lina Faria, acrescentando uma pitada de poesia nas imagens que dela já são feitas. Hoje publico mais uma, retirada de seu blog Não Lugar.

Janela quebrada

Lina Faria + Cleto de Assis

Quem matou essa janela?
Foi o tempo, foi o tempo
e a pontaria de pedras
a criar buracos negros.
Quem reviveu a janela?
Foi a Lina, foi a Lina,
sua lente curiosa
e visão miraculosa
feito creme de mulher
que promete juventude
a pele já ressequida
e também à própria vida.
E o que mostra a janela?
A ruína, a ruína
a gastura da cidade
e mais três vidros intatos
tornados mágico espelho
a refletir bem no meio
a artesã de retratos.

Iriene em luz e somba

Umbra

Iriene Borges


Não me ocupes
Vago em luminescências
e rotaciono aluada

Para manter a linha
da mediatriz até o complexo
da cerviz até o sexo
fui sitiada
pelo remorso de existir

No entanto, irrompes a rir
e eu singular e asceta
projeto uma sombra completa
que me intercepta o senso
bem aqui na minha rua
quando alcanço a calçada
sob o primeiro poste
à esquerda

A persigo, e não me desgoste,
não por isso, que ela é tudo
tem o talhe do teu desejo
Pisa o asfalto como meu hálito
roça teus lábios sem beijar
Tem um contorno movediço
que me traga no molejo
e danço
entre o pudor e o vestido
feito pipa no ar.

Nos amamos em teu nome
em cada canto da vila
e inventamos a saudade
de conluio com cada esquina
só assim ela me arrasta pra casa
em êxtase
e some no clarão da porta
que amanhã tem volta
e reprise.

Não me ocupes
para a distância do sorriso
se vago em luminescências
rotaciono aluada

e só me sei sitiada

A morte solitária de Wilson Bueno

Um escritor, um poeta, escreve para todos. Semeia palavras, conta histórias, distribui partículas de sua sensibilidade que alcançam a alma de seus leitores. Os escritores, os poetas, os artistas todos, deveriam ser homenageados com o retorno dessa distribuição de felicidade. Deveriam poder partir em paz, anjos que foram ou são em vida, antíteses da maldade e da violência.

Mas a semana começa com uma notícia triste. Wilson Bueno, um desses arcanjos da literatura, foi morto por um covarde ato de violência. E morreu só, vítima da maldade humana, talvez saída de um deconhecido que nunca leu seus versos ou uma linha sequer de seus contos.

Nós, os que ficamos para depois, temos que fazer nossa homenagem pensando em sua recompensa em encontrar gasosa e amorosa nuvem, a receber seu pleno ser, engrandecido em vida por meio de sua obra já imortal.

O Banco da Poesia está abrindo, hoje, uma página especial para Wilson Bueno, que ficará à dispoisção dos leitores e de seus amigos que quiserem ampliá-la com comentários e novos aportes de sua obra.

Que podemos dizer mais? Somente muito obrigado, Wilson Bueno, por tudo de bom que soube construir na sua bela vida literária.

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Homenagem do cartunista Solda a seu amigo

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Amor, sim:
Porque tudo é belo —
A romã, o lábio, a fala, a cisterna.
Amor de amar
A casta flor do chão
E as reentrâncias do muro,
A manhã, a lua, a tarde.
Amor, sim:
Porque a cor do antúrio
Conta uma história serena
E amar o calmo confirma
O ânimo, os deuses que riem
À sombra das árvores
Do jardim de Parmênides.
Amor, sim:
Porque, amorosa, até a nuvem,
Ainda que gasosa acolherá
Meus todos, meus plenos, teus inteiros.

Do livro “35” (poemas de amor)

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Ilustrações: C. de A.

Homenagem de Solda: http://cartunistasolda.blogspot.com/