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Os poetas não morrem

Mario_Benedetti_1Os poetas perseguem o sonho e a eternidade, o maior dos sonhos. A música é arte universal, cósmica e a seus autores pertencem somente os traços de estilo. As artes visuais remetem às formas e cores da natureza, de quando em quando pinceladas de um momento fixado pelo artista. O escritor também descreve fatos e fados, distanciando-se do que ele mesmo é, a não ser também por lampejos estilísticos e latejos da alma.

Já o poeta fala por si mesmo. Quando lemos um poema de Homero, em sua grandiloqüência histórica, ou os versos de Pessoa, mais introvertidos, não vemos ali apenas palavras soltas, mas reflexos da alma dos autores, que foram ao fundo de suas consciências e inconsciências para recompor o belo das letras e dos sons das palavras. Se na Ilíada ou na Odisséia seguimos Homero a contar a história de seus heróis, é Homero que nos fala, presente, altissonante.

Morreu Mario Benedetti, dizem os jornais. Cessou a respiração física de um dos maiores poetas latino-americanos. Mas o respirar poético, o pulsar do coração anímico jamais cessará. Suas palavras ecoarão com maior intensidade, mesmo que suas mãos já não possam escrever versos novos. Seus 89 anos dedicados à literatura, à poesia e, sobretudo, à ânsia pela justiça social, bem justificam uma vida bem vivida e, agora, coroada com sua ascensão à galeria dos poetas universais.

Porque cantam os poetas

Talvez para eternizar-se, como refletimos acima. Mas Benedetti buscava por razões mais sólidas. Assim como o nosso Manoel de Andrade, ao inspirar-se no poeta uruguaio para fazer a mesma reflexão, em poema homônimo de  alguns anos atrás. Em homenagem ao poeta que se despediu da vida física, publicamos os dois poemas. Em seguida, um resumo biográfico de Mário Benedetti, que, a partir de hoje, está também em nossa Biblioteca Virtual:  https://cdeassis.wordpress.com/biblioteca-virtual-de-poesia/ (C. de A.)

Por qué cantamos

Si cada hora viene con su muerte
si el tiempo es una cueva de ladrones
los aires ya no son los buenos aires
la vida es nada más que un blanco móvil

Usted preguntará por qué cantamos

Si nuestros bravos quedan sin abrazo
la patria se nos muere de tristeza
y el corazón del hombre se hace añicos
antes aún que explote la vergüenza

Usted preguntará por qué cantamos

Si estamos lejos como un horizonte
si allá  quedaron árbores y cielo
Si cada noche es siempre alguna ausencia
y cada despertar un desencuentro

Usted preguntará por qué cantamos

Cantamos porque el río está sonando
y cuando suena el río / suena el río
cantamos porque el cruel no tiene nombre
y en cambio tiene nombre su destino

Cantamos por el niño y porque todo
y porque algún futuro y porque el pueblo
cantamos porque los sobrevivientes
y nuestros muertos quieren que cantemos

Cantamos porque el grito no es bastante
y no es bastante el llanto ni la bronca
cantamos porque creemos en la gente
y porque venceremos la derrota

Cantamos porque el sol nos reconoce
y porque el campo huele a primavera
y porque en este tallo en aquel fruto
cada pregunta tiene su respuesta

Cantamos porque llueve sobre el surco
y somos militantes de la vida
y porque no podemos ni queremos
dejar que la canción se haga ceniza.

(De Retratos y Canciones)
PorQueCantamos

Por que cantamos

(versão em Português – tradutor não localizado)

Se cada hora vem com sua morte
se o tempo é um covil de ladrões
os ares já não são tão bons ares
e a vida é nada mais que um alvo móvel

Você perguntará por que cantamos

Se nossos bravos ficam sem abraço
a pátria está morrendo de tristeza
e o coração do homem se fez cacos
antes mesmo de explodir a vergonha

Você perguntará por que cantamos

Se estamos longe como um horizonte
se lá ficaram as árvores e céu
se cada noite é sempre alguma ausência
e cada despertar um desencontro

Você perguntará por que cantamos

Cantamos porque o rio esta soando
e quando soa o rio / soa o rio
cantamos porque o cruel não tem nome
embora tenha nome seu destino

Cantamos pela infância e porque tudo
e porque algum futuro e porque o povo
cantamos porque os sobreviventes
e nossos mortos querem que cantemos

Cantamos porque o grito só não basta
e já não basta o pranto nem a raiva
cantamos porque cremos nessa gente
e porque venceremos a derrota

Cantamos porque o sol nos reconhece
e porque o campo cheira a primavera
e porque nesse talo e lá no fruto
cada pergunta tem a sua resposta

Cantamos porque chove sobre o sulco
e somos militantes desta vida
e porque não podemos nem queremos
deixar que a canção se torne cinzas.

“Por que cantamos”

de Manoel Andrade

para Mario Benedetti(*)

manoel-de-andrade-foto-dele-img_7355Se tantas balas perdidas cruzam nosso espaço
e já são tantos os  caídos nesta guerra…
Se há uma possível emboscada em cada esquina
e  temos que caminhar num chão minado…

“você perguntará  por que  cantamos”

Se a violência sitia os nossos atos
e a corrupção gargalha da justiça…
Se respiramos esse ar abominável
impotentes diante do deboche…

“você perguntará por que cantamos”

Se o medo  está  tatuado em nossa agenda
e a perplexidade estampada em nosso olhar…
Se há um mantra entoado no silêncio
e as lágrimas repetem: até quando, até quando, até quando…

“você perguntará  por que cantamos”

Cantamos porque uma lei maior sustenta a vida
e porque um olhar ampara os nossos passos.
Cantamos porque há uma partícula de luz no túnel da maldade
e porque nesse embate só o amor é invencível.

Cantamos porque é imprescindível dar as mãos
e recompor, em cada dia, a condição humana.
Cantamos porque a paz é uma bandeira solitária
a espera de um punho inumerável.

Cantamos porque o pânico não retardará a primavera
e porque em cada amanhecer as sombras batem em retirada.
Cantamos porque a luz se redesenha em cada aurora
e porque as estrelas e porque as rosas.

Cantamos porque nos riachos e lá na fonte as águas cantam
e porque toda essa dor desaguará um dia.
Cantamos porque no trigal o grão amadurece
e porque a seiva cumprirá o seu destino.

Cantamos porque os pássaros estão piando
e ninguém poderá silenciar seu canto.
Cantamos para saudar o Criador e a criatura
e porque alguém está parindo neste instante.

Pelo encanto de cantar e pela esperança nós cantamos
e porque a utopia persiste a despeito da descrença.
Cantamos porque nessa trincheira global, nessa ribalta
nossa canção viverá para dizer por que cantamos.

Cantamos porque somos os trovadores desse impasse
e porque a poesia tem um pacto com a beleza.
E porque nesse verso ou nalgum lugar deste universo
o nosso sonho floresce deslumbrante.

Curitiba, maio de 2003
(*)  Escrevi  estes  versos motivado pelo belíssimo  poema  “Por qué cantamos”,  do poeta uruguaio Mario Benedetti. Num tempo em que todos caminhamos sobre o “fio da navalha”, me senti, como poeta,  implicitamente convocado a  também  testemunhar  por que cantamos. (Manoel de Andrade)

Súmula biográfica


don-mario-benedettiMario Benedetti nasceu em Paso de los Toros (Tacuarembó, Uruguay) no dia 14 de setembro de 1920. Educou-se no Colégio Alemão de Montevidéu e no Liceu Miranda, e trabalhou como vendedor, taquígrafo, contabilista, funcionário público e jornalista. Entre 1938 e 1941 residiu quase continuadamente em Buenos Aires e, em 1945, de regresso a Montevidéu, se integrou na redação do célebre semanário Marcha.  Ali se forma como jornalista, junto a Caros Quijano, e fez parte de sua equipe até 1974, com o encerramento da publicação. Naquele mesmo ano de1945, publica seu primeiro livro de poemas, La víspera indeleble, que não foi reeditado.

Depois do lançamento de sua primeira obra ensaística, Peripecia y novela, (1948) siguiu, em 1949, seu primeiro livro de contos, Esta mañana, e, um ano mais tarde, os poemas de Sólo mientras tanto. Em 1953, aparece Quién de nosotros, sua primeira novela, mas é o volume de contos Montevideanos (1959) – nos quais tomam forma as principais características da narrativa de Benedetti – o que supôs sua consagração como escritor. Com sua seguinte novela, La tregua (1960), Benedetti adquire projeção internacional: a obra teve mais de uma centena de edições, foi traduzida em dezenove idiomas e levada ao cinema, ao teatro, à rádio e à televisão.

Por razões políticas, teve que abandonar seu país em 1973, iniciando, assim, um longo exílio de doze anos, que o levou a residir na Argentina, no Peru, em Cuba e na Espanha, e que deu lugar também a esse processo por ele batizado como desexílio: uma experiência com marcas tão profundas tanto no vital como no literário.

Sua ampla produção literária abarca todos os gêneros, inclusive famosas letras de canções, e soma mais de setenta obras.  Entre elas se destacam suas recopilações poéticas Inventario e Inventario Dos, o ensaio El escritor latinoamericano y la revolución posible (1974), os contos de La muerte y otras sorpresas (1968), Con y sin nostalgia (1977) e Geografías (1984), as novelas Gracias por el fuego (1965) e Primavera con una esquina rota, que, em 1987, recebeu o Prêmio Chama de Ouro, da Anistia Internacional, assim como a extraordinária novela em verso El cumpleaños de Juan Ángel.

Seus livros mais recentes são Despistes y franquezas (1990), Las soledades de Babel (1991), La borra del café (1992), Perplejidades de fin de siglo (1993) e sua mais recente novela Andamios (1996). Sua obra poética completa foi recolhida en Inventario Uno (1950-1985) e Inventario Dos (1986-1991), e seus contos em Cuentos completos (1947-1994). Existe uma biografía de Benedetti escrita por Mario Paoletti, que se intitula Mario Benedetti, el aguafiestas.

A noite dividida

Na última sexta-feira (15.05.09), Manoel de Andrade e eu fizemos uma balada cultural (não sei se existe, mas deveria) já nos primeiros tremores de Curitiba. O frio está vindo de mansinho, pedindo pousada na terra dos pinheiros que, por sua vez, começam a debulhar os gostosos pinhões.

Bendito AssaltoTínhamos que atender a dois convites, em horários semelhantes. O primeiro começou cedo, mas calculamos que, mais boêmio, poderia se prolongar ad infinitum. O segundo, marcado para as 19 horas, além de estar no roteiro geográfico, pressupunha longas filas: era o lançamento do livro de Domingos PellegriniBendito Assalto. Optamos, portanto, em comparecer inicialmente no simpático Quintana’s Bar, ali na avenida do Batel. Já encontramos uma pequena multidão de amigos e admiradores do escritor londrinense, que lá estava, sentado em ampla mesa, a distribuir autógrafos com auroras cordiais.

Para mim, foram várias festas. Reencontrei Domingos (não me me sinto à vontade ao chamá-lo pelo nome de cartório), reencontrei Dinho, após alguns anos. Sem a barba com que foi anunciado dias atrás, neste blog, parecia ter rejuvenescido. Entrei na fila para abraçá-lo e o reencontro foi mais que o ato social. Entramos em breves recordações de Londrina, com relatórios relâmpagos sobre o tema – o que você está fazendo? E conheci Dalva, a simpática esposa, sempre atenta aos convidados da noite.

Levei também, autografado para minha neta, a publicação infantil de Dinho, O Livro das Perguntinhas, que Mariah, com seus sete aninhos, leu, de uma sentada, no dia seguinte.
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Como não poderíamos deixar os demais convidados à espera, alternamos vários momentos, até o final, no qual recordamos a grata aventura do Novo Jornal, um semanário que fez história na imprensa de Londrina e do qual Dinho foi o primeiro redator-chefe. Lembramos que fomos ele e eu os principais responsáveis pelo nascimento do jornal, após uma visita que ele fez à gráfica onde eu era sócio. Em pouco tempo o projeto gráfico estava pronto e Dinho, moço com ânimo aventureiro, se despedia da mesa que ocupava na Folha de Londrina para dirigir a pequena troupe de jornalistas iniciantes, alguns ainda alunos do curso de Comunicação Social da UEL. Mas essa história será contada brevemente, em uma edição rememorativa que planejamos editar, com o imediato apoio de Nilson Monteiro, um daqueles focas (hoje um excelente jornalista) que puseram fermento saudável na idéia do Novo Jornal, também reencontrado na noite de autógrafos.

Entre os muitos amigos, vi novamente Tereza e Claret de Rezende, com quem compartilhamos uma mesa e um papo dos bons. Ambos já  estão há muitos anos em Curitiba, mas Londrina foi tema recorrente, pois foi lá que nossa amizade nasceu, Claret na Folha e Tereza na universidade.
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Manoel de Andrade (outro amigo com diminutivo fraterno) e Domingos Pellegrini também renovaram a amizade recente, mas já solidificada pela literatura. Com oportunidade de trocar figurinhas, como mostra a foto: Maneco levou seu Poemas para a Liberdade para Dinho e recebeu o Bendito Assalto – seria uma espécie de divisão da partilha?…

Demoramos mais que o imaginado, mas foi muito bom compartilhar do sucesso da sessão de autógrafos e de lá sair munido de novos projetos, sobre os quais mais tarde falarei.

E fomos, Maneco e eu, para o Alto da Glória. Para quem não conhece Curitiba, esclareço que não se trata de nenhuma ambição  artística. Trata-se de um bairro da capital do Paraná, bastante tradicional e que já foi morada das famílias que dominaram a economia da erva mate, do final do Século XIX a meados do século XX. Lá se localiza, na reverente Travessa Luthero, o pouco reverente Bar do Mato, um ambiente simples e acolhedor. Encontramos os integrantes da reunião lítero-musical já em adiantada animação, com Marilda Confortin, Daniel Farias e seus inseparáveis violão e boa música, e novos amigos, como Narciso Pires e sua esposa Valquíria. Peço perdão por não guardar o nome de todos, mas destaco os que me premiaram com publicações suas: Raul Pough e Wilson Miran Lopes de Carvalho. Ambos também partícipes da tertúlia, o primeiro dizendo o poema Dote, já depositado no Banco, logo abaixo. O segundo, com sua alma de troubadour nordestino, também pegou na viola e mostrou suas habilidades poético-musicais. Daqui a pouco mostrarei seus trabalhos. E cada um de nós teve oportunidade de cantar poemas, seus ou emprestados.

Enfim, uma noite para guardar no lado agradável da memória. (C. de A.)

Dia 15 está chegando

Falta só uma semana para o lançamento do livro Poemas para a Liberdade (Poemas para la Libertad) , em edição bilingue, do  poeta Manoel de Andrade, sobre o qual já  escrevemos neste blog, dias atrás. Anotem em suas agendas. Não dá para perder.

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Escrituras Editora
e Espaço Cultural Alberto Massuda
convidam para o lançamento do livro

POEMAS PARA A LIBERDADE

de Manoel de Andrade

4ª feira, 15 de abril de 2009
a partir das 20 horas, no Espaço Cultural Alberto Massuda
Rua Trajano Reis, 453
Centro Histórico – Curitiba – Fone (41)3076-7202

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Com quatro edições no exterior, o livro Poemas para la Libertad estreou em junho de 70 na Bolívia. A 2ª edição surgiu em setembro de 70, na Colômbia, e esgotou-se em algumas semanas nas livrarias de Cali e Bogotá. A 3ª edição, publicada em abril de 71, em San Diego , espalhou-se pela Califórnia e pelo sudoeste dos E.U.A., levada pelos estudantes e intelectuais chicanos. Suas primeiras edições panfletárias, lançadas pelas Federações Universitárias de Cuzco e Arequipa, em janeiro de 1970, ficaram conhecidas em todo o meio estudantil do Peru e percorreram a América nas mochilas de dezenas de estudantes latino-americanos.

Nascido em Rio Negrinho, SC, e radicado no Paraná, onde se formou em Direito, Manoel de Andrade deixou o Brasil em março de 69, por razões políticas, quando sua poesia começava a ser conhecida nacionalmente através de jornais e revistas, como a Civilização Brasileira.

Poesia & História

Evidentemente, a publicação de um livro com referências do tempo em foi escrito insere-se também em um contexto histórico importante para o Brasil, que surpreendeu toda uma geração de jovens idealistas que pretendiam novos caminhos para a vida nacional. O próprio poeta reconhece que sua obra não pertence somente ao reino da Poesia, embora se possa sentir, em sua leitura, marcantes frases poéticas de ternura, saudade e amor, em meio a punhos levantados pela ira política que alimentava a alma do jovem caminhante. Talvez Manoel de Andrade não tenha alcançado seu objetivo mais flamante, que era a luta guerrilheira ao lado de outros jovens bolivianos, seus primeiros companheiros de vida no exílio. Mas seu lábaro poético também foi usado nas marchas daquele tempo.

E servirá, por muito mais tempo, como bandeira para apontar a liberdade como valor maior da sociedade humana, contrário à prepotência dos regimes autoritários que não permitem a livre expressão até mesmo na arte. A liberdade de Manoel de Andrade, portanto, se mescla à arte poética e à história de seu país. C. A.

Está chegando a edição brasileira de Poemas para la Libertad

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Até agora inédito no Brasil, o sucesso editorial de Poemas para a Liberdade, do poeta Manoel de Andrade, foi tão considerável quanto seu alcance político. A obra estreou em 1970, na Bolívia. A 2ª edição, colombiana, esgotou-se em poucas semanas nas livrarias de Cali e Bogotá. A 3a edição, lançada em San Diego, em 1971, espalhou-se pela Califórnia e pelo sudoeste dos EUA, levada pelos estudantes e intelectuais chicanos. Suas primeiras edições panfletárias, lançadas em 1970 em Cuzco e Arequipa, espalharam-se pelo meio estudantil do Peru e percorreram a América nas mochilas de estudantes latino-americanos. Seus poemas foram publicados em jornais, revistas, opúsculos, cartazes e panfletos.

A nova edição de Poemas para a Liberdade, agora bilíngue, será lançada em Curitiba no próximo dia 15 de abril, a partir das 20 horas, no Espaço Cultural Alberto Massuda (Rua Trajano Reis, 453 -Centro Histórico)

O autor, Manoel de Andrade, é catarinense radicado no Paraná, onde se formou em Direito. Deixou o Brasil em março de 1969, perseguido em razão da panfletagem de seu poema Saudação a Che Guevara, em uma época em que sua poesia começava a ser conhecida nacionalmente por meio de jornais e publicações como a Revista Civilização Brasileira. Seu relacionamento com o movimento estudantil da Bolívia lhe custo a expulsão daquele país, em fins de 1969.  Ali havia chegado em setembro para se integrar ao movimento guerrilheiro comandado por Inti Peredo. Foi preso e expulso do Peru e da Colômbia em 1970. Seus Poemas para la Libertad tiveram uma trajetória política e uma aventura literária que dificilmente outro livro tenha tido. Como falam da luta armada e cantam a saga guerrilheira em uma América Latina então controlada por ditaduras militares, cruzaram clandestinamente certas fronteiras, como uma mala com 200 exemplares da edição boliviana, que chegou a Guayaquil por via fluvial, trazida do Peru por contrabandistas equatorianos.

Poemas para a Liberdade consta de vários catálogos da literatura latino-americana e seus poemas foram inluídos em várias antologias, como Poesia Latinoamericana – Antología Bilingue, publicada em 1998 pela Epsilon Editores de México, em que o autor partilha suas páginas com consagrados poetas, como Mario Benedetti, Juan Gelman e Jaime Sabines.

A capa do livro da nova edição foi inspirada em cartaz de um recital do autor em 1970, na Universidad de Los Andes, Bogotá, Colômbia.

Sobre o autor

Manoel de Andrade nasceu em 1940, em Rio Negrinho, SC. Graduado em Direito no Paraná, começa a publicar seus versos na imprensa curitibana em 1962. Em 1965, recebe o 1º prêmio no Concurso de Poesia Moderna promovido pelo Centro de Letras do Paraná. Ainda em 1965, participa da Noite da Poesia Paranaense, no Teatro Guaíra. Em 1966, a Revista Forma publica seu premiado Poema Brabo. Em 1968, sua Canção para os homens sem face é publicada pela Revista Civilização Brasileira e, ainda naquele ano, junto com Dalton Trevisan e Jamil Snege, é apontado pela imprensa local, como um dos três destaques literários no Paraná. Na época, foi chamado de “poeta maior” pelo jornalista Aroldo Murá Haygert e, posteriormente, destacado pelo crítico Wilson Martins pela sua “grande poesia”. Manoel de Andrade fugiu do Brasil em março de 1969, pela repercussão da panfletagem de seus poemas políticos. Atravessou 15 países da América publicando livros,promovendo debates, dando palestras e declamando seus versos em teatros, universidades e sindicatos. Seu primeiro livro, Poemas para la Libertad é publicado em junho de 1970 na Bolívia e, em janeiro de 1971, Canción de amor a América y otros poemas é editado na Nicarágua e em El Salvador. Em fevereiro daquele ano, Francisco Julião, exilado no México, abre seu primeiro recital de poesia na capital mexicana e, em seguida participa, em Tampico, das comemorações do 37º aniversário de morte de Augusto Cesar Sandino. Em março, viaja à Califórnia, para palestras e recitais nas universidades de San Diego, Los Angeles, Berkeley e São Francisco. Em agosto é convidado pela Universidade Central do Equador a apresentar um ciclo de palestras sobre problemas centro-americanos. Em 1972 retorna anonimamente ao Brasil.

Afastado 30 anos da literatura, participa, em 2002, da coletânea paranaense Próximas Palavras. Volta a publicar em 2007, com o lançamento de seu livro Cantares, publicado pela Escrituras Editora, também responsável pela edição brasileira de Poemas para a Liberdade.

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Retrato do poeta quando jovem, de 1964, obra do artista Juarez Machado
41x61cm – nanquim e guache sobre papel

No primeiro post, uma homenagem

Há quase 43 anos, participei de uma aventura editorial, que resultou em dois números de uma revista de cultura que, segundo afirmam os contemporâneos, marcou aquela época da vida curitibana. Era a revista Forma, feita em parceria com Philomena Gebran. Pretendíamos fundar uma tribuna concreta de divulgação da cultura, “num esforço conjunto de todos os que sentem a falta de uma revista de cultura, em nosso ambiente tão necessitado, cada vez mais, de melhores meios de comunicação entre os que trabalham e se preocupam com o problema cultural”, conforme escrevemos no primeiro editorial.

Mas de antemão fazíamos a previsão da curta vida: “Sabemos, os descrentes já nos contaram, que somos movidos por um sonho quase irrealizável e que estamos sujeitos à inclusão entre os casos – comuns – de ‘mortalidade infantil’ das revistas de cultura, conforme a expressão sugerida por Sylvio Back, um dos membros do Conselho de Redação. Conselho, aliás, composto por colaboradores de peso, como Adherbal Fortes de Sá Junior (decano da imprensa do Paraná), Célia Reis Lazzarotto (esposa de Poty), Cesar Muniz Filho(poeta perdido para a Economia), Ernani Reichmann (escritor paranaense, considerado um dos maiores especialistas em Soeren Kierkegaard, José Renato (diretor teatral que, à época, ajudava a fundar o Teatro de Comédia do Paraná), Marcos de Vasconcellos (escritor e arquiteto carioca), Sérgio Rubens Sossela (um de nossos grandes poetas, que nos deixou recentemente) e o já citado Sylvio Back, conhecido por seus filmes e, mais recentemente, por seu trabalho poético.

Chegamos ao segundo número bastante animados com a repercussão da iniciativa, não só no Paraná, mas em várias cidades brasileiras. Mas não escapamos do registro amargo no mapa epidemiológico da cultura, que registrou a revista como mais uma vítima da tal mortalidade infantil. Como pretendíamos sobreviver sem inserções publicitárias, nos baseamos em promessas de apoio cultural de autoridades da época, que, afinal, foram somente promessas. Mas valeu a experiência.

Valeu tanto que, passados mais de 40 anos, ao reler os dois únicos números, podemos verificar que todos os nossos colaboradores, se ainda não eram consagrados, tiveram todos brilhantes caminhos em suas atividades culturais. E Forma ainda é lembrada com elogios, apesar de sua curtíssima existência.

Mas volto ao assunto principal deste primeiro post, que é uma homenagem a um dos primeiros poetas publicados por Forma. Ficamos sem nos ver também por quase quarenta anos. No reencontro, rapidamente religamos os laços separados por diferentes fados, sem que tivéssemos diminuídas as ligações de amizade e valores comuns daqueles tempos de juventude.

Remarcada a agenda social, até mesmo para apresentarmos as respectivas famílias, tivemos um encontro em minha casa, na noite de 21 de maio de 2008. Conheci Neiva e ele conheceu Teresa. Com o papo mais animado, criei um momento de suspense, dizendo lamentar por ele não ter lembrado que, exatamente naquele dia, um filho seu completava 42 anos. Mas eu, querendo reparar seu esquecimento pelo filho abandonado, resolvera trazer-lhe o herdeiro para revê-lo. Claro que a comediazinha causou certo frisson no ambiente, principalmente pelo fato de Neiva, até aquela altura, desconhecer a existência de um filho de seu marido com aquela idade.

Para desvendar rapidamente o mistério, entreguei-lhe o “filho” aparentemente esquecido, que veio à luz no dia 21 de maio de 1964 e foi publicado na revista Forma 1, em 1966. Era o Poema Brabo, do reencontrado Manoel de Andrade, poeta e amigo de longa data, ressuscitado em forma de um pôster emoldurado, com a reprodução da página da revista. Apenas acrescentei, como dedicatória: reeditado em maio de 2008.

E é esta a homenagem que o primeiro post do Banco da Poesia quer fazer ao Maneco, como ele é chamado carinhosamente, com a publicação, já em formato eletrônico, de seu Poema Brabo, tal como foi editado na Forma.

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