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Dia Mundial da Poesia

Há cinco anos, fiz uma homenagem a José de Anchieta, o poeta que inaugurou a arte em terras brasileiras, anos após o descobrimento, com a publicação de seu longo poema dedicado à Virgem Maria, em Latim e Português. O passar do tempo permitiu-me outro encontro com educador jesuíta, por meio de meu trabalho no Conselho Estadual de Educação do Paraná, que abriga uma Sala José de Anchieta, onde se reúne o Conselho Pleno. Neste princípio de ano, já a despedir-me de minhas funções administrativas (continuo como Conselheiro Suplente), a mudança daquela sala para o primeiro andar do prédio ora ocupado pelo CEE/PR me fez tomar uma decisão, contada abaixo, em um texto remodelado e que serviu de base para uma palestra aos Conselheiros, no dia 19 de março de 2019, aniversário de José de Anchieta. Com a republicação, faço também minha homenagem ao Dia Mundial da Poesia, uma vez que o agora São José de Anchieta inaugurou a arte poética no Brasil. – C. de A.

José de Anchieta, por Cleto de Assis/2019

Alguns historiadores defendem que o missionário jesuíta que aqui viveu de 1553 a 1597 foi primeiro poeta brasileiro. Conta-se que ele escreveu um longo poema dedicado à mãe de Jesus nas areias da praia de Iperoig, nome antigo de Ubatuba, no litoral paulista. Diz a tradição, quase ou puramente lendária, que Anchieta teria escrito esse poema com o auxílio de um cajado ou caniço. Pelo menos é assim que o representam em pinturas, como a imaginada por Cândido Portinari, em pelo menos duas versões.

Quando ocorreu a transferência da sala do Conselho Pleno do Conselho Estadual de Educação do Paraná (CEE/PR) do segundo para o andar térreo, alguém colocou na parede frontal o retrato de Tiradentes, que faz parte de nosso acervo. Imediatamente imaginei que o lugar teria que ser ocupado pelo patrono da sala, José de Anchieta. E decidi pintar um quadro que significasse a homenagem física, uma vez que já havia estudado sua figura histórica, quando publiquei um ensaio em meu blog de poesia. Imaginei o Anchieta poeta, o Anchieta educador, o Anchieta desbravador, o Anchieta pacificador – todos estes mais humanos que o Anchieta taumaturgo, como grande parte da população brasileira o considera. Nas facetas descritas, admiro o Anchieta poeta, que desfiava as línguas aprendidas em imensos e sensíveis poemas. Talvez o primeiro poeta brasileiro, ou a desenvolver a arte da poesia sob o sol tropical de Pindorama.

José de Anchieta nasceu em San Cristobal de La Laguna, em Tenerife, uma das sete ilhas do arquipélago das Canárias, Espanha, em 19 de março de 1534, portanto há exatos 485 anos. José foi o nome escolhido por ter nascido no dia de São José, no calendário cristão.

Pertenceu a uma família nobre de 12 irmãos, um dos quais também seguiu o sacerdócio. Sua mãe era natural das Ilhas Canárias, filha de judeus cristãos-novos. Seu pai, um nobre basco. O avô materno, Sebastião de Llarena, era um judeu convertido do Reino de Castela. Mas José de Anchieta abandonou suas origens ao escolher uma vida missionária.

Em 1551 foi estudar em Coimbra, Portugal, local onde teve o primeiro contato com a Companhia de Jesus, por meio de Francisco Xavier, um dos fundadores da ordem. Já aos 17 anos definiu sua vida religiosa. Na Companhia fundada recentemente por Inácio de Loyola, com quem Anchieta tinha laços de parentesco, fez um noviciado exigente, e mesmo com a saúde frágil adotou seus votos de castidade, pobreza e obediência.

Em 1553, com apenas 19 anos, foi enviado para o Brasil com missão evangelizadora. Mas deveria continuar seus estudos, pois ainda não era sacerdote. Estudava Filosofia, Teologia, em meio a seu trabalho catequista, dando aulas e conhecendo melhor o povo indígena. Para melhor evangelizar, respeitava a cultura dos índios e procurou aprender a língua Tupi-Guarani. E foi além: estruturou gramaticalmente o idioma dos índios, ao escrever um vocabulário, uma gramática e diversos opúsculos para os evangelizadores. Conhecia muito bem o Latim, o Espanhol e o Português, o que lhe facilitou a abertura ao trabalho literário. Hoje é considerado o iniciador da poesia e da dramaturgia brasileiras, deixando cantos piedosos, poemas e autos e diálogos ao estilo de Gil Vicente, espalhados entre os primeiros colégios brasileiros fundados pelos Jesuítas, a partir de São Paulo.

Suas cartas, enviadas a Portugal, inclusive algumas endereçadas a Inácio de Loyola, se tornaram fonte preciosa para o registro da história brasileira daquela época, além de contribuições para o estudo da fauna, da flora e da ictiologia local e da coleta que fez sobre aspectos etnológicos e folclóricos.

Mas nem tudo era paz nas relações com os habitantes da nova terra. Mais ao interior viviam os Tamoios, povo bravio, que trariam dificuldades aos trabalhos de aproximação. Nesse sentido, foi fundamental a sua tarefa como intérprete de Manoel da Nóbrega, seu chefe provincial, que procurava salvar da destruição as primeiras colônias do litoral paulista.

Nessa ocasião, permaneceu vários meses preso, como refém dos indígenas, para facilitar o trabalho de Nóbrega. Foi nessa situação que teria escrito o seu poema A compaixão e o pranto da Virgem na morte do Filho, primeiro em Latim (De compassione et planctu virginis in morte filii), em plena praia, utilizando um bastão. Não se pode duvidar que ele possa ter utilizado a grande lousa de areia para ensinar os indígenas, escrevendo algo aqui e ali, ou mesmo para ensaiar versos.  Mas seria um ofício grandioso escrever 4172 versos – esta a medida de seu poema – na areia e guardá-los na memória para, mais tarde, transcrevê-los no papel e traduzi-lo ao Português. Milagre de um futuro santo?

Em 1566 foi enviado à Capitania da Bahia com o encargo de informar ao governador Mem de Sá sobre o andamento da guerra contra os franceses, possibilitando o envio de reforços portugueses ao Rio de Janeiro. Somente nesta época foi ordenado sacerdote, aos 32 anos de idade.

Sua admiração pelo Governador-geral, fundador do Rio de Janeiro, era grande e a ele dedicou outro enorme poema, considerado pelos exegetas como obra comparável aos poemas de Homero, por ele denominado De Gestis Mendi de Saa, ou Os feitos de Mem de Sá.

Após a expulsão dos franceses da Guanabara, Anchieta e Manuel da Nóbrega teriam motivado Mem de Sá a prender, em 1559, um refugiado calvinista, o alfaiate Jacques Le Balleur, e a condená-lo à morte por professar “heresias protestantes”. Em 1567, Jacques Le Balleur foi preso e conduzido ao Rio de Janeiro para ser executado. Porém o carrasco teria se recusado a executá-lo ou teve dificuldades para fazê-lo prontamente. Diante do fato e talvez até movido por piedade, Anchieta o teria estrangulado com suas próprias mãos. Essa história foi bastante discutida durante o processo de canonização de Anchieta. O episódio é contestado como apócrifo pelo maior biógrafo de Anchieta, o padre jesuíta Hélio Viotti, com base em documentos que, segundo o autor, contradizem a versão. Investigações históricas, baseadas em documentos da época (correspondência de Anchieta e manuscritos de Goa) corroboram essa versão absolvedora de Anchieta, quando revelam que Balleur não morreu no Brasil. Teria sido conduzido a Salvador, na capitania da Bahia, e dali mandado a Portugal, onde teve o seu primeiro processo concluído em 1569. Em um segundo processo, no Estado Português da Índia, foi finalmente condenado pelo tribunal da Inquisição de Goa, em 1572.

Anchieta dirigiu o Colégio dos Jesuítas do Rio de Janeiro por três anos, de 1570 a 1573. Em 1569, fundou a povoação de Reritiba (ou Iriritiba), atual Anchieta, no Espírito Santo. Outra ação memorável da vida de Anchieta é a fundação da cidade de São Paulo pelo grupo de jesuítas que ele comandava, ao lado de Manoel da Nóbrega, a 25 de janeiro de 1554. Com o objetivo de catequizar os índios que viviam na região, os jesuítas ergueram um barracão de taipa de pilão, em uma colina alta e plana, localizada entre os rios Tietê, Anhangabaú e Tamanduateí, com a anuência do cacique Tibiriçá, que comandava uma aldeia de guaianases nas proximidades.

Em 1577 José de Anchieta foi nomeado Provincial da Companhia de Jesus no Brasil, função que exerceu por dez anos, até sua substituição, a pedido, em 1587. Retirou-se para Reritiba, mas teve ainda de dirigir o Colégio dos Jesuítas em Vitória, no Espírito Santo. Um equívoco histórico levou Anchieta a ser considerado o primeiro professor brasileiro. Mas esse mérito pertence a um colega seu, chegado ao Brasil antes dele, em 1549, com Tomé de Souza, que desembarcou na Bahia com a primeira missão jesuítica. Era Vicente Rijo, português, nascido no ano de 1528, em Sacavém, nas proximidades do rio Tejo, e falecido no Brasil, em 1600. Vicente rijo é historicamente considerado como o primeiro mestre-escola do Brasil, fundador de uma pequena escola na Bahia, por volta de 1549. Conviveu com Anchieta por algum tempo, quando se trasladou para a região hoje ocupada pelo Rio de Janeiro e o Espírito Santo.

Em 1595, José de Anchieta obteve dispensa das funções de Provincial e conseguiu retirar-se definitivamente para Reritiba, onde faleceu, em 1597. Seu corpo foi sepultado em Vitória. Beatificado em 1980 pelo papa João Paulo II e canonizado em 2014 pelo papa Francisco, é conhecido, no mundo católico, como o Apóstolo do Brasil.

Volto à reflexão inicial: Anchieta não foi o primeiro poeta brasileiro, mas o certamente o autor do primeiro poema aqui composto. Outros poetas ter-lhe-ão sucedido. A história registra, em primeiro lugar, somente o nome de Gregório de Matos Guerra, nascido em Salvador – BA, em 1636 e falecido no Recife – PE, em 1695.

A Presidente do do Conselho Estadual de Educação, Conselheira Maria das Graças Figueiredo Saad, e o ex-Presidente Oscar Alves, descerram quadro de Anchieta, com o autor, Cleto de Assis

E finalizo com uma pergunta decorrente: qual foi o primeiro livro escrito no Brasil? Muitos preferem entregar o mérito ao primeiro libro publicado no Brasil, que foi “Marília de Dirceu” escrito em Portugal, pelo poeta Tomás Antônio Gonzaga, luso-brasileiro nascido na cidade do Porto, em Portugal. Mas os versos de Gonzaga somente chegaram ao prelo em 1792, em Lisboa, quando o poeta já cumpria o exílio em Moçambique, por sua participação da Inconfidência Mineira. no Brasil. A bem da verdade, o primeiro livro escrito no Brasil, embora publicado na Europa, foi a gramática de José de Anchieta – “Arte da Gramática da Língua Mais Falada na Costa do Brasil” –  que, junto com uma versão da figura de Anchieta, entrego à Presidente Maria das Graças Figueiredo Saad. Não esperem ver um retrato clássico ou quase fotográfico do jesuíta luso-brasileiro, homenageado com seu nome nesta sala do Conselho Estadual de Educação do Paraná. Não existem registros iconográficos de sua pessoa física, apenas a imaginação de alguns pintores, que lhe deram a imagem de uma pessoa combalida, de cabelos grisalhos e já com a doença que o distanciou das praias brasileiras a tomar conta do corpo e do espírito. Pensei em Anchieta como o primeiro grande comunicador do solo brasileiro, mais importante até do que Pero Vaz e Caminha, escrivão do primeiro relatório sobre as terras de Santa Cruz. Pensei em Anchieta como educador, razão porque recebeu a homenagem do Conselho Estadual de Educação do Paraná. Pensei em Anchieta em sua visão humanizante dos índios brasileiros, em uma época em que se discutia se os indígenas tinham alma. Fui ao encontro de uma alegoria, baseado em um retrato pintado por Oscar Pereira da Silva, em 1920, e que pertence ao acervo do Museu Paulista da USP. Pensei em um Anchieta que cumpria o sonho registrado no último verso do poema dedicado a Maria, aqueles lendariamente escritos nas areias de Iperoig:

Vivere dulce dies, hic mihi dulce mori! Viver e morrer com prazer, este é o meu grande desejo.

Mais um abraço para a Poesia, em seu dia

Desencanto

Manuel Bandeira

Manuel Bandeira - 1986-1968

Manuel Bandeira – 1986-1968

Eu faço versos como quem chora
De desalento… de desencanto…
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente…
Tristeza esparsa… remorso vão…
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

– Eu faço versos como quem morre.

Dia Mundial da Poesia

21 de março marca o Dia Mundial da Poesia,  criado na XXX Conferência Geral da Unesco, em 16 de novembro de 1999. O objetivo deste dia é promover a leitura, a escrita, a publicação e o ensino da Poesia em todo o mundo.

Salve, Poesia, mãe de todas as paixões,
misericordiosa para todos os males.
Salve, Rainha das Palavras
e maga toda poderosa das ternuras e das bem-aventuranças,
acalentadora de corações, artífice de piedades.
Saúdo-te em teu dia glorioso
embora tenha cometido o pecado do abandono provisório.
Mas de ti não desdenhei.

Desenhei teus encantos
nos traços de rotas várias de multicoloridas imagens: ut pictura poesis.
Salve, mimética e metafórica arte,
jubilosa Érato, desejável Euterpe,
mensageira de precisões e ambiguidades,
portadora de lamentos e devaneios,
incubadora de sonhos e tormentos,
arrimo dos nubívagos.

Em teu dia volto a abraçar-te
e em meus braços trago a promessa firme
de em ti permanecer,
pois em teu seio tenho o melhor alimento.
Eia ergo, carmina nostra,
illos tuos misericordes oculos
ad nos converte.
Porque nós precisamos de ti,
agora e sempre.

Cleto de Assis – março de 2016

 

Dia Mundial da Poesia

Hoje, 21 de março de 2010, mais de cem países estão comemorando o Dia Mundial da Poesia, instituído pela UNESCO há dez anos, com o objetivo de defender a diversidade linguística.

O Banco da Poesia registra a data com um poema de Fernando Pessoa – Liberdade, quase uma brincadeira literária, mas eternamente belo.  Com uma versão musicada do mesmom poema, de autoria de Ronaldo Miranda, gravada no Recital de Graduação em Regência Coral da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 2007, no Instituto de Artes daquela universidade, com a regente Luana Lied Zapata.

E publicamos, logo abaixo, o primeiro anúncio sobre Poesia, de uma série que vamos revelar pouco a pouco. Afinal, seria muito bom se a Poesia fosse considerada um bem de primeira necessidade e estivesse entre os produtos mais consumidos em nossa sociedade.

Liberdade

Fernando Pessoa

Grafismo sobre desenho de Almada Negreiros

Ai que prazer
não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
e não o fazer!
Ler é maçada,
estudar é nada.
O sol doira sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
como tem tempo, não tem pressa…

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto melhor é quando há bruma.
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças…
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

E mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças,
Nem consta que tivesse biblioteca…

Fernando Pessoa


E deixamos a Poesia fugir, em seu dia

No dia 21 de março último, o mundo inteiro comemorou o Dia Mundial da Poesia. Poucas comemorações no Brasil. Nenhuma em Curitiba, que eu saiba. A Unesco, entidade responsável pela promulgação desse dia, divulgou uma mensagem de seu diretor geral,   Koichiro Matsuura:

Poesia é uma arte milenar. É a arte da linguagem, uma interação de palavras, estética oral. Um poema não se lê, se diz.

Por isso, a poesia tem atravessado épocas e continentes. Fruto do imaginário, tanto individual como coletivo, a poesia é um elemento permanente na construção da vida social, tanto como a música, a dança e as artes plásticas. A poesia está presente em todas as partes e, no entanto, ao mesmo tempo, é inacessível. Sua fragilidade aparente, ligada ao seu caráter imaterial, fazem dela uma arte superior inviolável, que não teme os assaltos do tempo e da intolerância.

Como todo o conjunto de patrimônio imaterial, esta arte deve ser objeto de toda nossa atenção. Ainda que todos a admirem, publica-se pouca poesia e se traduz ainda menos. Encontra-se no coração de todas as línguas, mas também é freqüentemente considerada inacessível.

Poesia é uma arte na qual permite-se criar raízes e renovar-se, é o mais autêntico mensageiro de uma cultura; testemunha única e refinada da História. A poesia pode ensinar muito acerca do universo de outros povos, seus valores e sonhos. A poesia é uma porta aberta para o diálogo e para a compreensão dos povos e, por isso, é celebrada neste Ano das Nações Unidas do Diálogo entre as Civilizações.

A UNESCO está engajada na promoção do ensino da poesia nas escolas e apoia todos os esforços para a publicação e tradução de poesia. Gostaria de convidar os Estados Membros a contribuir também, de todas as maneiras possíveis, para a promoção permanente da poesia”.

Também a 14 de março, data de nascimento de Castro Alves (1847) foi comemorado (onde?) o Dia Nacional da Poesia. Confesso-me partícipe da legião dos desmemoriados, mas a culpa maior foi dos promotores culturais, esses estranhos seres que habitam os gabinetes oficiais.

Tanto o dia nacional quanto o mundial deveriam ter sido lembrados principalmente nas escolas, com a participação dos poetas vivos e  a lembrança dos que já se foram, deixando-nos as relíquias de suas palavras mágicas. Meta anotada para o próximo ano.

Para não dizer que esquecemos totalmente da data, usarei o dia da inauguração deste Banco da Poesia, a 12 de março, para homenagear as duas datas. Pelo menos, tudo aconteceu em março.

Recolhi, no colombiano Con-fabulación (http://con-fabulacion.blogspot.com/), a notícia e interessante saudação feita a propósito da comemoração do Dia Nacional da Poesia naquele país, que transcrevo a seguir. C.deA.

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Todos os poetas do pasado, todos os poetas do presente e todos os poetas do futuro, tão somente escrevem um fragmento, um episódio de um grande poema coletivo que escrevem todos os homens”.

Percy Bysshe Shelley


A terceira versão do Dia Mundial da Poesia reuniu 180 devotos na Universidade Nacional de Colômbia e 320 no teatro do Ginásio Moderno. Agora sabemos que também é formosa a colheita intangível e que, como disso Octavio Paz: “A poesia necessita da morte do poeta que a escreve e do nascimento do poeta que a lê…

Agradecemos a esta bela horda de Con-fabulados, assim como aos 18 poetas que uma vez mais demostraram que a poesia é o único ofício desinteressado, e aos meios de comunicacão  que difundiram animadamente o evento: El Espectador, El Tiempo, Caracol Radio, UM radio, TV Centro, Libros & Letras, Canal Capital,   Radiodifusora Nacional… Representados nos jornalistas e intelectuais empenhados no êxito da cerimônia, os professores Fabio Jurado Valencia e Jorge Rojas, e os jornalistas Gustavo Gómez, Paola Mariño, Henry Posada, Oriana Obagi, Lilian Contreras, Carlos Restrepo e Jorge Consuegra.

A seguir, a bela peça que, a maneira de prefacio, fez o escritor Federico Díaz-Granados. Habemus poesia.

A festa do equinócio

Por Federico Díaz-Granados*

Nosso admirado Aldo Pellegrini nos convidou a contribuir à confusão geral. Por isso, o Ginásio Moderno, esta casa centenária, acolhe na tarde de hoje a todos os confabulados interessados em empreender a verdadeira aventura essencialista da criação e do assombro, fiel a seu talante liberal e inclusivo e à herança humanista dos pais fundadores que nos ensinaram que somente por meio da poesia e da literatura poderíamos entender as proporções de uma sociedade mais justa e solidaria.

federico_diaz_granados2Todos nos recordamos que, nos tempos primitivos, a poesia servia para chorar e celebrar o mundo. Hoje, a poesia continua tendo, entre tantas, a função de exaltar a existência e lamentar e combater a morte.

O poeta português Eugenio de Andrade (ver post abaixo) mencionou que a única e verdadeira moral da poesia “é que se rebela contra a ausência do homem no homem, porque se este se atreve a – cantar no suplício – é porque não quer morrer sem se olhar em seus próprios olhos e reconhecer-se e detestar-se ou amar-se”.

Desde Homero a São Juan de La Cruz, de Virgílio a William Blake, desde o lamento do pobre Jó a Fernando Pessoa, desde Hölderlin a Nazim Hikmet, a maior ambição do quefazer poético sempre tem sido a mesma: Ecce Homo, repete Eugenio de Andrade e parece dizer cada poema: Eis aqui o homem, eis aqui sua fugacidade sobre a terra. Porque o futuro do homem é o homem, estamos de acordo, mas o homem de nosso futuro não nos interessa desfigurado e aí sobreviverá a eterna e misteriosa poesia. Ausência e presença, vazio e plenitude, dúvida e certeza estarão presentes para sempre na palavra.

Quem senão o poeta para devolver ao mundo um pouco da beleza e o horror que este nos outorgou? Quem senão o poeta para traduzir a liberdade do homem e de seus sonhos? A poesia não vai resolver, nem nunca resolveu os conflitos, nem o problema da fome e seguramente hoje não solucionará o flagelo do sequestro ou o dos desaparecidos ou o dos torturados, mas sempre nos tem acompanhado (melhor dizendo, desde o avô pitecantropo) e nos tem ajudado a sobreviver graças a sua beleza. Quiçá essa seja sua única obrigação: ser bela, seja qual seja seu tempo e seu tema, e revelar,  como num cálculo algébrico, a obscuridade e o desconhecido. Por isso, celebrar o Dia Mundial da Poesia é festejar o triunfo do assombro, a solidariedade e o compromisso em tempos da globalização e da desumanização. Não seria justo estar aqui se não estivéssemos conscientes de que exaltar o Dia Mundial da Poesia, no equinócio de primavera, é proclamar uma vez mais o triunfo da poesia como a verdadeira resistência do homem em sua passagem por esta aventura dea vida sobre a Terra.

Neste complicado, difícil e caótico mundo que nos correspondeu, a poesia segue definindo-se como um milagre e segue defendendo-se ante toda proposta virtual. O homem está em crise há muito tempo e sua catástrofe nos recorda uma espécie de Titanic de nossa modernidade. Por isso, quando restar o último de nós, solitário sobre a única rocha erguida sobre a terra, naquela noite final dos tempos, somente terá a seu lado a poesia, a palavra, a prece ou a imprecação como companhia.

Saint-John Perse disse, em seu discurso de aceitação do Prêmio Nobel, que quando as mitologias se desvanecem, o sagrado encontra na poesia seu refugio e talvez seu relevo, porque a poesia moderna adentra em uma aventura cuja meta é conseguir a integração do homem. Isso é o que festejamos na tarde de hoje, a integração do homem através dea palavra de sempre.

A poesia, escreveu García Márquez, “por cuja virtude o inventário esmagador das naves que enumerou o velho Homero em sua Ilíada, é visitado por um vento que as impulsiona a navegar com sua presteza intemporal e alucinada. A poesia que sustém, no delgado andaime dos tercetos de Dante, toda a fábrica densa e colossal da Idade Média. A poesia, enfim, essa energia secreta da vida cotidiana que ferve os grãos-de-bico na cozinha e contagia o amor e repete as imagens nos espelhos”.

Bem vindos, poetas, bem vindos todos vós a esta casa de poesia e celebremos nossa grande recompensa de presenciar o milagre do feito poético em tempos da amnésia e da paranóia, onde não têm cabida os milagres nem a taumaturgia. Bem vindos, poetas herdeiros de uma profunda e verdadeira tradição que hoje cada um de vós homenageia com sua voz.

Em conclusão, quero citar a Pablo Neruda, que nos recordou que: “somente com uma ardente paciência conquistaremos a esplêndida cidade que dará luz, justiça e dignidade a todos os homens. Assim a poesia não terá cantado em vão”.

Que a poesia seja nosso pastor e nada nos falte…

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*Poeta, catedrático e ensaísta colombiano