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Bakun, cem anos

BakunRetrato

Miguel Bakun

Início da década de 60. A arte paranaense entra em ebulição, após um longo período de trevas, onde só o academicismo tinha entrada permitida. Anos antes, Frans Krajcberg, polonês que vivia em Monte Alegre (atual Telêmaco Borba, no Paraná) expôs suas pinturas abstratas em Curitiba e foi duramente criticado. Desiludido, chegou a retalhar quase todos os seus quadros, após a exposição fracassada. Mas, em 61, apesar de Curitiba, participou da Bienal de São Paulo e foi premiado.

Claro que alguns artistas mais avançados, como Guido Viaro e Theodoro de Bona, ainda percorrendo as águas do impressionismo, eram respeitados por suas funções de mestres. Mas nenhuma colher de chá para expressões mais modernas.

Alguns artistas do Paraná já tentavam sair das amarras da academia. Havia a pintura de Loio Pérsio, de Alcy Xavier, de Fernando Veloso, de Domício Pedroso, os dois últimos com passagem pela França, onde foram aperfeiçoar sua arte. E uma nova geração invadia a velha Escola de Música e Belas Artes, onde também estudava Nilo Previdi, dono de uma pintura mais arrojada para a época. E Luiz Carlos de Andrade Lima, que também já mostrava um forte expressionismo. Da geração de 60, sairiam Fernando Calderari, João Osório Brzezinski e, logo a seguir, Juarez Machado, só para citar alguns exemplos.

É claro que havia outros “insurgentes”, que tentavam mostar outras formas de arte, abrindo caminho para uma renovação das artes plásticas paranaenses. Entre eles, quase à deriva, passava Miguel Bakun, a quem todos dirigiam encômios, mas não era reconhecido entre os mais consagrados. Porém ele insistia, quase teimosamente, em pintar e pintar e pintar. Com os luminosos amarelos vangoguianos, que também lhe traziam preocupações místicas.

Em um dia qualquer do início daquela década, estávamos, João osório Brzezinski e eu, na Confeitaria Schaffer, na rua Quinze, quando surgiu a figura simpática de Bakun, com quem encontrávamos, de quando em quando, nas raras ocasiões em que ele passava pela Galeria Cocaco, na rua Ébano Pereira. Fora até a confeitaria para comrpar alguma coisa e, em pé, falamos com ele por alguns minutos. Já o encontramos nervoso, sem sabermos que suas lutas interiores eram, então, mais intensas. E foi a última vez que o vi, que o ouvi. Algum tempo mais tarde, bem próximo àquele último encontro, Nelson Matulevicius, frequentador do Centro de Gravura do Paraná, que funcionava, sob a batuta de Nilo Previdi, no subsolo da EMBAP, passou pela escola, bastante nervoso, para nos dar a notícia da morte de Bakun, imolado em uma corda. Encontrou-se finalmente com Van Gogh? Só ele poderia nos dizer, se fosse possível.

Como toda pessoa que morre, de repente Miguel Bakun se transformou em um gênio. Todos procuraram esquecer a humilhação a ele involuntariamente infligida quando, ao buscar um galardão em um Salão Paranaense, foi contemplado com um prêmio quase de consolação – uma caixa de pintura oferecida por uma loja de produtos artísticos. Mas Bakun foi, logo após a sua dolorida morte, transformado em um gênio incomparável. Coisas da vida, recompensas da morte.

Hoje são festejados os cem anos do nascimento de Bakun. Muitas homenagens, todas justas, embora muitas tardias. Vamos a elas.

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Migauel Bakun - Cais do Porto, Paranaguá

Homenagem ao centenário de Miguel Bakun

Miguel Bakun era filho de Pedro Bakun – natural da cidade de Sokal – Ucrânia e Juliana Maksymowicz – natural da aldeia de Ripniv – Ucrânia. O Embaixador da Ucrânia no Brasil Volodymyr Lakomov vira de Brasília a Curitiba para as solenidades organizadas em comemoração ao centenário de nascimento de Miguel Bakun.

No dia 27 de outubro, em razão das comemorações do centenário do artista paranaense Miguel Bakun (1909-2009), a Secretaria de Estado da Cultura, por meio da Coordenadoria do Sistema Estadual de Museus (COSEM), promove uma série de atividades para celebrar a vida e obra do artista. Neste dia, acontecem na Casa Andrade Muricy (Al. Dr. Muricy, 915 – Centro) o lançamento do Museu Virtual Miguel Bakun, apresentações de grupos folclóricos ucranianos, dos quais o artista descende, e a projeção de um filme sobre ao artista, de Sylvio Back.

Os eventos começam pela manhã, às 10h30, com uma solenidade póstuma no Cemitério Municipal de Curitiba (Praça Padre João Sotto Maior, s/n, São Francisco). Lá, o público poderá assistir a apresentação do Coral da Paróquia Ucraíno, uma missa em rito bizantino, além de visitar o túmulo de Bakun.

Na parte da tarde, às 16h, a Casa Andrade Muricy (Al. Dr. Muricy, 915, centro) irá realizar o lançamento do Museu Virtual Miguel Bakun, de vínculo com a rede do Sistema Estadua de Museus do Paraná. Durante o lançamento, o grupo folclórico ucraniano Poltava irá apresentar o espetáculo com banduristas, instrumento típico eslavo.

No final do dia, 18h, ainda na CAM, o público terá a oportunidade de assistir ao filme O Auto-Retrato de Bakun (1984), dirigido e produzido por Sylvio Back. Após a projeção, que terá a duração de 43 minutos, o cineasta irá participar de um bate-papo com a platéia. A produção foi contemplada com o prêmio Glauber Rocha de “Melhor Filme”, na XIII Jornada Brasileira de Curta-Metragem da Bahia.

Museu Virtual

Colocar as obras do artista na internet foi o caminho encontrado pela COSEM para divulgar e facilitar o acesso do público geral ao trabalho e legado artístico de Miguel Bakun. “Claro que não substituem um espaço museológico físico, mas complementam, apoiam a área da museologia por divulgar acervos e contribuir para o conhecimento”, explica Eliana Réboli, coordenadora da COSEM.

Os trabalhos que estarão em exposição na internet tiveram curadoria da equipe da própria COSEM, por intermédio de uma grande pesquisa bibliográfica em conjunto com grupos de estudos do Museu de Arte Contemporânea do Paraná (MAC). “O Museu será sempre alimentado com outras obras e dados sobre Bakun”, garante Eliana.

Programação do Centenário do Nascimento de Miguel Bakun, dia 27 de outubro 2009

  • 10h30 – Solenidade Póstuma
  • Visita ao túmulo do artista
  • Oferta de flores
  • Apresentação do Coral da Paróquia Ucraíno – Católica N.S. Auxiliadora
  • Cerimonia Ucraniana em rito bizantino
  • Placa em homenagem ao centenário de nascimento do artista
  • Local: Cemitério Municipal de Curitiba (Praça Padre João Sotto Maior, s/n, São Francisco)
  • 16h – Espaço Miguel Bakun
  • Apresentação Capela de Banduristas Fialka do Grupo Folclórico Poltava
  • Lançamento do Museu Virtual Miguel Bakun vinculado à rede dos Sistema Estadual de Museus do Paraná (SEEC)
  • Local: Casa Andrade Muricy (Al. Dr. Muricy, 915 – Centro)
  • 18h – Exibição do filme, O AUTO-RETRATO DE BAKUN (1984). Roteiro, direção e produção de Sylvio Back; participação do pintor, Nelson Padrella. Co-produção: Embrafilme, Secretaria de Estado da Cultura e Fundação Cultural de Curitiba. Prêmio “Glauber Rocha”, de “Melhor Filme” na XIII Jornada Brasileira de Curta-Metragem da Bahia. Duração: 43 min.; cor/PB. Após a projeção, conversa com o cineasta Sylvio Back. Local: Casa Andrade Muricy(Al. Dr. Muricy, 915 – Centro)

O que dizem, agora, de Miguel Bakun

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Miguel Bajun - autoretrato

Com uma pintura de acentos pós-impressionistas e expressionistas, Miguel Bakun é considerado um dos pioneiros da arte moderna no Paraná. Filho de imigrantes eslavos, ingressa na Escola de Aprendizes da Marinha, em Paranaguá, no ano de 1926. É transferido para a Escola de Grumetes do Rio de Janeiro em 1928, onde conhece o jovem marinheiro e artista ainda desconhecido José Pancetti (1902 – 1958). Estimulado pelo amigo, começa a desenhar, seguindo sua inclinação de infância. Realiza desenhos nos diversos períodos em que precisa ficar de repouso por causa de acidentes. Em 1930 é desligado da Marinha por incapacidade física, em conseqüência de uma queda do mastro do navio. Transfere-se para Curitiba, onde trabalha como fotógrafo ambulante. Logo conhece os pintores Guido Viaro (1897 – 1971) e João Baptista Groff (1897 – 1970), que o incentivam a pintar. Autodidata, dedica-se profissionalmente à pintura até o fim de sua vida. Em busca de um ambiente cultural mais propício, volta ao Rio de Janeiro em 1939. Reencontra Pancetti e realiza uma série de paisagens da cidade, principalmente no morro Santa Tereza. Mas diante das dificuldades encontradas em se estabelecer como pintor, retorna em definitivo para Curitiba no início de 1940. Instala ateliê em prédio cedido pela prefeitura e passa a conviver com outros artistas avessos ao academismo, como Alcy Xavier (1933), Loio-Pérsio (1927), Marcel Leite e Nilo Previdi (1913 – 1982). Esse contato permite que Bakun conheça os valores plásticos da pintura. A surpreendente emotividade dos quadros que pinta supera as deficiências de sua formação, sendo logo notado pela crítica. Em texto de 1948, o crítico Sérgio Milliet (1898 – 1966), após visita à cidade, aponta para o espírito van-goghiano de Bakun, ressaltando que lhe falta noção da tela como um todo e há excesso de empastamento. Contudo, conclui sua crítica dizendo: “o entusiasmo do pintor, sua participação intensa na obra tornam, entretanto, simpáticos os seus próprios defeitos”. A partir de então a comparação com o artista holandês se torna recorrente, tanto com relação à pintura de Bakun quanto por seu temperamento melancólico e depressivo. O próprio artista a aceita, reconhecendo sua admiração por Vincent van Gogh (1853 – 1890), cujos quadros conhecia em reproduções ou pessoalmente. Outro ponto de semelhança entre ambos é uma certa religiosidade mística em conflito com um sentimento de profunda solidão, que de modo e intensidade diversos manifestam-se em suas obras. A década de 1950 é a mais produtiva de Bakun, que se dedica à pintura de retratos, naturezas-mortas, marinhas, mas, sobretudo, à pintura de paisagem, cuja temática mais recorrente são os arredores de Curitiba, com suas matas e casas simples e a intimidade dos fundos de quintal. É nesse último gênero que encontra seu melhor desempenho artístico. O desconhecimento das leis canônicas da perspectiva para a construção do espaço pictórico faz com que o artista invente de modo prático e intuitivo suas próprias soluções.

MarinhaBakun

Miguel Bakun - Marinha

A elaboração de um espaço quase sem profundidade e pontos de fuga, construído pela corporeidade da tinta, singulariza suas paisagens. Apesar de utilizar esboços a lápis na tela ou no papel, o desenho não comparece em suas pinturas. As formas são criadas mediante o manejo da própria matéria pictórica. Sua paleta restringe-se a tons de azul, verde, branco, por vezes laranja e vermelho e, a cor preferida, amarelo. A variação entre áreas densas e outras ralas, chegando às vezes à ausência de tinta, constitui a espacialização rítmica de suas obras. Os ambientes, em geral familiares e cotidianos como árvores no fundo do quintal, cercas, portas de madeira gastas em casas simples, beiras de estrada, bosques, adquirem um ar de mistério. O misticismo panteísta de Miguel Bakun leva-o a uma profunda vinculação com a natureza. Para ele, Deus está presente em todos os elementos vivos, animais ou vegetais, e as cores podem revelar esse componente sagrado. É nesse sentido que se devem fazer restrições aos críticos que vêem em seus trabalhos um viés puramente expressionista. Se por um lado seu olhar singular manifesta-se com liberdade, por outro o respeito pela natureza não o afasta da vontade de representação do real. O que vemos é um envolvimento entre o artista e a paisagem, no qual homem e natureza são permeáveis um ao outro. Isso se revela na sensação de proximidade espacial proporcionada por suas telas. Em fins do anos 1950 o artista introduz estranhas criaturas no quadro, numa visão animista da natureza ainda que alguns críticos, equivocadamente, vejam influência do surrealismo em seu trabalho. No início dos anos 1960 realiza obras de temática religiosa. Sente-se marginalizado com a chegada do abstracionismo, que começa a dominar as poucas exposições em Curitiba. Sua situação econômica também se torna cada vez mais precária. Esses fatores contribuem para o agravamento de sua depressão, apegando-se como nunca à religião. Em fevereiro de 1963 suicida-se em seu ateliê.

Fonte: ItaúCultural

Mercedes Sosa: adiós a la vida

Mercedes_Sosa

O site de Mercedes Sosa (http://www.mercedessosa.com.ar/), na Argentina, amanheceu com a seguinte notícia:

“Nesta data, na cidade de Buenos Aires, Argentina, temos que informar-lhes que a senhora Mercedes Sosa, a maior artista da música popular latino americana, nos deixou.
Haydé Mercedes Sosa nasceu no dia 9 de julho de 1935 na cidaden Miguel de Tucumán. Com 74 anos de idade e uma trajetória artística de 60 anos, ela transitou por diversos países do mundo, compartilhou cenários com inumeráveis e prestigiados artistas e  deixou, além disso, um enorme legado de gravações fonográficas.
Sua voz levou sempre uma profunda mensagem de compromisso social por meio da música de raiz folclórica, sem prejuízo de somar outras vertentes e expressões de qualidade musical.
Seu talento indiscutível, sua honestidade e suas profundas convicções deixam uma enorme herança para as gerações futuras. Admirada e respeitada em todo o mundo, Mercedes se constitui como um símbolo de nosso acervo cultural que nos representará por sempre e para sempre.
Talvez as palavras de sua grande amiga Teresa Parodi resumam o sentimento de muitos:

…Mercedes, salmo nos lábios

amorosa mãe amada

mulher da América ferida

tua canção nos põe asas e faz que a pátria toda

miudinha e desolada não morra todavia,

não morra porque sempre cantarás em nossas almas…

Seus restos serão velados no Salão dos Passos Perdidos, no Honorável Congresso da Nação, Avenida Rivadávia, 1864, a partir do meio dia de hoje. Sua familia, parentes e amigos agradecem profundamente o acompanhamento e o apoio expressado nestes dias.”

Mercedes com artistas brasileiros: Milton Nascimento, Chico Buarque, Caetano Veloso e Gal Costa

Mercedes com artistas brasileiros: Milton Nascimento, Chico Buarque, Caetano Veloso e Gal Costa

Mercedes Sosa se tornou amiga de medalhões da MPB

O auge da popularidade de Mercedes Sosa no Brasil foi nas décadas de 1970 e 1980, quando se tornou amiga de medalhões da MPB, que chamaram a atenção para a sua importância e para a beleza contundente de seu canto. Amiga de Milton Nascimento, Caetano Veloso, Fagner, Chico Buarque, Vinicius de Moraes, Elis Regina e Beth Carvalho, Mercedes fez duetos em shows e gravações com vários deles. Numa de suas últimas vindas a São Paulo, em 2007, dividiu o palco com Maria Rita. Registrou em discos também canções de Vitor Ramil, Djavan, Marcos Valle e Kleiton Ramil.

Milton é o brasileiro mais presente no repertório da cantora, que também fez duetos históricos com ele em Volver a los 17 (Violeta Parra) e Sueño con Serpientes (do cubano Silvio Rodriguez). Em 1985, os dois dividiram o palco com o argentino León Gieco num grande show em Buenos Aires, que virou disco: Corazón Americano. Procurado pelo jornal O Estado de S. Paulo, Milton, segundo sua empresária, não quis dar declarações por estar muito abalado com a morte da amiga.

Outros encontros marcantes de Mercedes com brasileiros foram com Beth Carvalho, em Solo le Pido a Diós (León Gieco) e com Fagner em Años (Pablo Milanés). Um compacto com O Cio da Terra (Chico Buarque/Milton Nascimento) e San Vicente (Milton/Fernando Brant) é outro registro que merece destaque.

“Éramos bastante amigas desde que vi um show dela no Scala, no Rio. Depois convidei-a para gravar em 1986. Foi uma gravação muito feliz, muito bonita”, lembra Beth Carvalho. Depois ela me convidou para fazer um espetáculo no Luna Park, em Buenos Aires, chamado Sin Fronteras, em 1988. Ela estabeleceu que era uma reunião das rainhas de cada lugar. Do Brasil fui eu, do México tinha Amparo Ochoa, da Venezuela foi uma outra. Foi muito lindo, eu encerrava o show com ela”, lembra Beth.

Em 1980, Mercedes gravou o álbum Ao Vivo no Brasil e em 1982 teve um outro disco montado só para o mercado brasileiro, Gente Humilde, puxado pela faixa-título de Chico Buarque, Vinicius de Moraes e Garoto. O álbum também incluía Viola Enluarada (Marcos/Paulo Sérgio Valle) e o dueto com Fagner em Años. Em 1986. ela fez uma participação no programa Chico & Caetano, da Rede Globo, cantando Volver a los 17, com os anfitriões mais Milton Nascimento e Gal Costa. O encontro saiu em CD numa coletânea brasileira.

Recentemente, Vitor Ramil, de quem Mercedes gravou Semeadura, a tinha convidado para participar de seu novo álbum, mas ela já estava doente. O produtor Ricardo Frugoli tinha um projeto de gravar um novo álbum de Mercedes no Brasil ainda este ano. “Seriam 14 canções, sete com cantores brasileiros consagrados e sete canções com cantores brasileiros de várias gerações com enorme talento e menor visibilidade”, conta Frugoli.

Mercedes também estaria no projeto que Beth Carvalho vem alimentando há anos, que se chama Beth Carvalho Canta as Músicas Revolucionárias Latino-Americanas. “Ela topou na hora quando falei desse projeto. Iria cantar com ela, com Silvio Rodríguez, cada um representante de cada lugar desse tipo de música, revolucionária, que acho linda. Queria fazer uma coisa grandiosa, gravar em Cuba. Mas eu vou fazer, pena que não vou ter mais a Mercedes.” (A.E.)

Mercedes canta Gracias a la Vida, de Violeta Parra,

Até mais, Walmor

Conheci Walmor Marcelino, que nos deixou na manhã de hoje, há mais de trinta, quarenta anos. Quando ele era um entusiasta teatrólogo, em uma época que Curitiba ainda era conhecida como uma espécie de Cemitério das Artes. Também conheci o jornalista ativo e ativista, o escritor e poeta, o utopista, sempre a defender, com veemência e extrema coerência, os seus pontos de vista. Podíamos até discordar dele, mas o respeitávamos inteiramente por sua honestidade intelectual.

Quando, há poucos anos, retornei a Curitiba, Walmor foi uma das primeiras pessoas que encontrei, em um domingo pela manhã, quando fazíamos compras no Mercado Municipal. Um papo descontraído e rápido — Onde você andava?E você, o que está fazendo? — mas era mais uma amizade recuperada, apesar dos anos de separação.

Mais recentemente, estivemos juntos em um encontro de poetas no Bar Stuart, junto com Manoel de Andrade, J.B. Vidal, Marilda Confortin, Vinicius Alves e o artista plástico Attila Wensersky. Em meio aos ruídos de palavras e música, ainda tivemos um momento de conversa paralela e trocamos informações para atualizar nossas vidas. Ele, então, me deu um CD com o texto do primeiro caderno de sua novela Ulciscor (“Não chega a ser ensaio, porque lhe falta o convencimento das origens: definir objeto, clareza expositiva, argumentação dialógica, pertencimento científico, ainda que insinue referências e pretenda indicar fatos. Não chega a ser ‘ficção’, porque a sua escritura, conquanto sobreleve pessoas e momentos, é de verificação basilar e a exponência narrativa não se dispõe inteiramente ao ficcional. Não é obra de história, porque os fatos organizados estão dispostos muitas vezes em algaravia e carentes de informações, com cortes e flashbacks ao sabor de um cruzeiro de memória e sentido. E como poderia este excerto de biografia analítica ainda assim despertar atenção e interesse dos leitores – amigos, confrades e consócios na reconstrução ideológico-política da realidade – constrangidas na ação e mais estendidos na comunicação de cada um, eu me socorro deste artifício, ademais me apresentando humilde conviva nesta sociedade do espetáculo”.

A última reunião com Walmor – Da esquerda para a direita: Walmor Marcelino, Cleto de Assis, Marilda Confortin, Attila Wensersky e Vinicius Alves. Manoel de Andrade é aquele que não aparece, atrás de Attila. Fonto de J.B. Vidal.

A última reunião com WalmorDa esquerda para a direita: Walmor Marcelino, Cleto de Assis, Marilda Confortin, Attila Wensersky e Vinicius Alves. Manoel de Andrade é aquele que não aparece, atrás de Attila. Foto de J.B. Vidal.

Walmor pretendia iniciar um diálogo com seus leitores/amigos sobre seu texto e, ao mesmo tempo, associar-se a eles na futura publicação da novela. Não sei a quantas andava seu projeto, até o momento em que nos deixa. Daquele texto retiro a epígrafe, uma frase de Seth Báratro: “Não tenho todo o tempo do mundo, mas quanto é esse tempo?”. Hoje Walmor Marcelino conseguiu medir, como todos nós faremos um dia, a dimensão do tempo que nos é dado para viver.

Faço a homenagem do Banco da Poesia com um texto de um amigo comum, Aramis Milarch (que deve estar na comissão de recepção a Walmor, lá do outro lado), publicado no dia 1º de maio de 1986. E, abaixo, um poema de sua lavra, que consta no texto de Ulciscor. C. de A.

Quem diria, Walmor Marcelino, um romântico?

walmor marcelinoJornalista dos mais atuantes na imprensa paranaense há 30 anos, merecedor da admiração e respeito pela coerência e honestidade de seus pontos de vista, de seu comportamento como homem e profissional, Walmor nunca foi de fazer concessões. Em 1964, poucas semanas após o golpe militar de 1º de abril, publicava um corajoso livro de poesias, cujo título já traduzia o nojo que sentia pela ditadura que começava no Brasil: Tempo de Fezes e Traições. Quase que simultaneamente, em outro livro crítico sobre o golpe dos militares (Sete de Amor e Violência), incluía um texto amargo, cruel e profundamente político sobre aqueles dias cinzentos.

Intelectual do maior gabarito, apaixonado pelo teatro e literatura, primeiro encenador a dar uma montagem realmente dialética e política a textos de Camus (Os Justos) e Jean Paul-Sartre (A Prostituta Respeitosa) nos palcos do Guaíra, ao mesmo tempo que se integrava ao então nascente Centro Popular de Cultura, defendendo uma política cultural destinada a levar a arte as camadas mais pobres, Walmor nunca deixou de fazer sua poesia. Uma poesia honesta, verdadeira – mas sempre voltada ao lado político, a razão, a reflexão – escondendo, assim, muitas vezes, o seu lado lírico, amoroso, suave –que também raros viram atrás de sua fisionomia séria, hostil aos chatos e inoportunos –inimigo claro dos coniventes com o poder.

Hoje, sem arredar um pé de suas convicções, mas por certo com a sabedoria que o virar da casa dos cinqüenta traz, nas 28 páginas de seu mais recente livro (Confabulário, Dom Quixote, Edição do Autor), deparamos, já na primeira página, com um Walmor otimista – a partir do próprio título do poema – Esperança .

xxxxEu não sei por que não somos
xxxxdesbravantes, caminheiros.
xxxxPassageiros da utopia
xxxxmãos dadas, companheiros

Em cada novo poema de Walmor Marcelino, há um encontro com uma sensibilidade extrema, que, anos atrás, não seria comum em ler em sua obra. Como neste Um Verso:

xxxxO verso ai
xxxxEu e tu, ai
xxxxNos cruzamos
xxxxBailando ao vento
xxxxO verso escreve
xxxxnão fala, ai
xxxxque nos amamos
xxxxUm verso vive só
xxxxo que pensamos
xxxxO verso vem depois
xxxxque nós vivemos

Walmor nunca buscou aplausos ou elogios em sua obra extremamente pessoal. Nunca se filiou a escolas ou gerações. Faz e trabalha a poesia como trabalha e age em sua vida: uma coerência extremamente pessoal. Possivelmente, não quer interpretações críticas a este seu Confabulário (aliás, nem há críticos em Curitiba para tanto). O que importa é que, a sua maneira, ele dá um recado de força, vigor e integridade poética – numa realização plena, trabalhando com as palavras como o melhor entalhador o faz com a madeira. Aramis Milarch

Walmor, segundo Marcelino

Político insciente, poeta menor, teatrólogo sem nomeada, promotor sem significância expressiva e “maestro” convicto de comunicações sociais e debates políticos, ainda que em difusos opúsculos, cadernos e livros de edição própria. Itinerário jornalístico: Diário da Manhã (SC), Correio do Povo (RS), Diário do Paraná (PR), Última Hora (PR), Tribuna da Luta Operária (BR). Presença em livros e peçasPoesia Quixote (Porto Alegre); no Paraná, Os Fuzis de 1894, Os Idos e os Ódios de Março (teatros); Fráguas, Mágoas e Maçanilhas (Travessa dos Editores), Toda a Poesia, Próximas Palvras (poesias); A Guerra Camponesa do Contestado, Contribuição ao Estudo da AP no Paraná (esboços críticos); etc.

Nós acrescentamos: extrema humildade, valor de um homem bom e grande.

Memorial

xxxxxxxxWalmor Marcelino

Memorial

Assim um estilete no ouvido
furando o pensamento
e seu fio de memória exposto
ao tempo. Fosse dor atravessada,
nunca no curso interrompida
e consecutiva; roída morte
movendo-se em corpo,
entropia perdida no espaço.
Perfurante itinerário
até a luz nascente das coisas
com a escuridão
de seus propósitos.