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A salvadorenha Yanira Soundy

A dona dos belos poemas publicados abaixo vem de El Salvador, na América Central.  A nova poeta que o Banco da Poesia recebe agora é Yanira Soundy,  nascida em novembro de 1964, filha do arquiteto e pintor Edgar Soundy e Amália Trigueros de León de Soundy. Tem três filhos, Camila Marisol, Rebeca Lourdes e Edgard. É sobrinha do escritor e editor Ricardo Trigueros de León.

Advogada , escritora e colunista, publicou as primeiras linhas de seus contos e prosas poéticas nas páginas de La Prensa Gráfica, com a idade de 19 anos.Em 1987, colaborou com sua poesia em Filosofía, Arte y Letras e em El Diario de Hoy e  com artigos e reportagens sobre direitos humanos em ambos os veículos. Neste fazer jornalístico obteve o Prêmio Nacional UNICEF – Imprensa Escrita, no ano de 1992.

Yanira Soundy ganhou o  Prêmio Santillana IPEC, outorgado pela Fundação Santillana para Ibero-América no ano de 1998, graças a seu trabalho Comunicação Total para Crianças Surdas. Recebeu também o Prêmio Versal Editores em 1999, pelo qual sua obra foi selecionada para participar da antologia poética Las Caras del Amor (Andover, Massachussets, Estados Unidos e Québec, Canadá), com distribuição em trezentos países do mundo.

No ano 2001 o Centro Nacional de Registro de El Salvador lhe conferiu a honra de reconhecer sua trajetória e seu trabalho como escritora e poeta salvadorenha em nível nacional e, no ano de 2002,sua obra é publicada no livro Poésie Salvadorienne du XXe Siécle, editado na Suíça pela especialista em História da Literatura Latino-americana Maria Poumier. Em 2003 recebeu da Assembléia Legislativa de El Salvador o reconhecimento por haver apresentado à Comissão de Legislação e Pontos Constitucionais propostas de reformas à Constituição da República de seu país  e diferentes leis complementares em favor de pessoas surdas e pessoas cegas, com o propósito de que estas tenham a capacidade plena para celebrar atos jurídicos, públicos e privados, em forma legal. Em 2004 recebeu o reconhecimento honorífico  da Fundação Avon da América Central por seu trabalho e favor da comunidade surda salvadorenha.

Tito Mosquera Irurita, advogado, escritor, professor e  ex-Embaixador da Colômbia em El Salvador,  se referiu a ela, dizendo que “a elegância literária de Yanira reside, em minha  opinião, no pretender ser elegante,rebuscada ou erudita. Seu léxico é o de cada dia, como água cristalina da fonte. Nos versos de Yanira há uma palpitação tão forte de vida, um ritmo iminente tão espontâneo e tão cálido que seus poemas nos põem em comunicação direta com a emoção que lhes deu origem, no que esta emoção tem de incoercível e de vital.”

Fonte: http://www.artepoetica.net/yanirasoundy.htm

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A ese hombre

Yanira Soundy, El Salvador


Pienso en ese hombre que besa
como si el mar fuera a desbordarse,
que siembra su sonrisa en mi piel con la altivez de la espiga,
que dibuja mi soledad sobre la niebla.

Pienso en ese hombre, dócil a mis ojos, fiel, pleno, íntegro.
En su vuelo humedecido sin tiempo y sin espacio.
Como primavera sobre el trigo del otoño.

Pienso en ese hombre que inventa soles, aguas de seda al tacto
y una verdad sencilla para amarme.
Ese hombre cierto, inconstante, mío.
En el callado temblor de sus latidos,
en sus ojos de oscuros desafíos.

Pienso en ese hombre que me espera con dulce arrobamiento.
En su cabello de trigo que me inunda
en un pleamar de pétalos y trinos.

Ese hombre:
Sol salvaje, río de música y silencio, pájaro en el alba.
Pienso en ese hombre
y hay aroma en la música y color en el aroma,
claveles recién abiertos y flores niveas en mis sueños.

A esse homem

Penso nesse homem que beija
como se o mar fora desbordar-se,
que semeia seu sorriso en minha pele com a altivez da espiga,
que desenha minha solidão sobre a névoa.

Penso nesse homem, dócil a meus olhos, fiel, pleno, íntegro.
Em seu voo umedecido sem tempo e sem espaço.
Como primavera sobre o trigo do outono.

Penso nesse homem que inventa sóis, águas de seda ao tato
e uma verdade singela para amar-me.
Esse homem certo, inconstante, meu.
No calado tremor de suas pulsações,
em seus olhos de escuros desafios.

Penso nesse homem que me espera com doce arrebatamento.
Em seu cabelo de trigo que me inunda
em um preamar de pétalas e trinos.

Esse homem:
Sol selvagem, rio de música e silêncio, pássaro na alba.
Penso nesse homem
e há aroma na música e cor no aroma,
cravos recém abertos e flores níveas em meus sonhos.

Esa mujer

Yanira Soundy, El Salvador


Soy esa mujer, la que no amas. El seno desnudo de tu
agónica luz, el enjambre prendido de tus ramas, el cristal
que sueña tu mirada.

Soy esa mujer, la que no amas. Breña, mata, punzante
jarra, calle muda por donde no se escuchan tus pasos y
cuerpo desnudo para el eclipse de tus ojos.

Soy esa mujer, la que te toca demente.
Mil veces presa de ti en la delgadez del agua.
Pecho en fiebre que ambiciona tus besos, solo, adusto,
hecho pámpano ardiente.

Soy el anhelo inseguro que te acecha, la palabra que se
deslíe de tus labios húmedos chispeante entre la niebla.

Soy esa mujer, la que espera por ti, y sigue la ruta de tus
manos, tu cuello, tu voz y tus caminos. La que guarda tu
pasión, desafiando al escollo y la calma, olvidando tu
incansable deseo de volar, y ser en mí tan sólo agua al
trasluz y cielo de mi costa.

Soy esa mujer, un espacio inmenso, torrente en tu valle,
murmullo de tu ráfaga, amor que late en lo infinito, firme
y deslumbrante. Esa que siembra los surcos y su orgullo
entre las flores.

Y tú, hombre: pena y alegría, no aprendes que después
será muy tarde.

Essa mulher

Sou essa mulher, a que não amas. O seio desnudo de tua
agônica luz, o enxame pendido de teus ramos, o cristal
que sonha teu olhar.

Sou essa mulher, a que não amas. Brenha, mata, pungente
jarra, rua muda por onde não se escutam teus passos e
corpo desnudo para o eclipse de teus olhos.

Sou essa mulher, a que te toca demente.
Mil vezes presa de ti na delgadez da água.
Peito em febre que ambiciona teus beijos, solo, adusto,
feito sarmento ardente.

Sou o anseio inseguro que te espreita, a palavra que se
dilui de teus lábios úmidos faiscante entre a névoa.

Sou essa mulher, a que espera por ti, e segue a rota de tuas
mãos, teu pescoço, tua voz e teus caminhos. A que guarda tua
paixão, desafiando o escolho e a calmaria, esquecendo teu
incansável desejo de voar, e ser em mim tão somente água à
contraluz e céu de minha costa.

Sou essa mulher, um espaço imenso, torrente em teu vale,
murmúrio de tua lufa, amor que pulsa no infinito, firme
e deslumbrante. Essa que semeia os sulcos e seu orgulho
entre as flores.

E tu, homem: pena e alegria, não aprendes que depois
será muito tarde.

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Versão ao Espanhol e Ilustrações: C. de A.

Florbela Espanca há 93 anos

Florbela Espanca morreu com 36 anos. Jovem e ainda bela flor. Seu sobrenome raro, herdado de pai natural, que só lhe perfilharia 18 anos após sua morte, poderia mais anunciar as agressões sofridas durante a sua curta vida, que as que dela jamais partiram. Permaneceu durante toda a vida com a terrível marca em sua certidão de nascimento: “filha ilegítima de pai incógnito”. Na realidade, ela teve vida familiar, pois a esposa legal de João Maria Espanca tomou a responsabilidade de, como madrinha, criá-la e educá-la, assim como também ocorreu mais tarde com seu irmão Apeles, gerado por mesmo pai e mesma mãe.

Ela tinha mais poesia e ritmo em seu nome completo: Florbela d’Alma da Conceição Espanca. E descobriu a poesia muito cedo e conheceu as variadas reações da sociedade portuguesa da primeira metade do Séc. XX, a exemplo do que ocorreu com outra poeta sua contemporânea, Virgínia Victorino (ver aqui). Três casamentos, celebridade e decepções prematuras, talvez um sentimento de amor pela morte, à qual não temia, conforme escreveu: “A morte pode vir quando quiser: trago as mãos cheias de rosas e o coração em festa”.

Romântica, buscou o amor em três casamentos e se fala em um quarto romance, já no final da vida, que teria sido uma das causas do encontro premeditado pela morte. Pois ela morreu exatamente quando completava seu 36º aniversário, por meio de uma dose excessiva de Veronal, o primeiro barbitúrico posto à venda por laboratórios, de efeitos sedativos e soníferos.

Mesmo sua morte — embora aparentemente marcada por um ritual quase literário, pela escolha do dia de seu nascimento e de seu primeiro casamento — também foi envolta em mistérios: há quem conteste o suicídio, já que seu último marido era médico e deveria tê-la impedido de estar rodeada de tantas drogas. Além disso, relata-se a visível calma do esposo ao encontrá-la morta e dar a notícia aos familiares. Para tornar ainda mais misterioso o infausto ato, seu atestado de óbito foi assinado por um carpinteiro, apesar da profissão do marido.

E porque estou escrevendo um pouco da história de Florbela? Primeiro, antiga admiração pela poeta portuguesa, também contemporânea do poeta maior Fernando Pessoa. Depois, porque acabei de ler o livro Poemas – Florbela Espanca (Martins Fontes, 2004), edição preparada por Maria Lúcia Dal Farra, igualmente responsável por outros trabalhos sobre a poeta. O livro transcreve as seis principais obras de Florbela  — Trocando Olhares (1913-1917); Livro de Mágoas (1919); Livro de “Sóror Saudade” (1923); Charneca em Flor (prduzida antes de sua morte, mas editada no ano seguinte, 1931); Reliquae (também póstuma, 1931) e Esparsa Seleta (que reúne poemas escritos de 1917 a 1930). Maria Lúcia Dal Farra faz primorosos estudos sobre a poeta e sua obra e nos oferece uma síntese biográfica comentada e a bibliografia de Florbela.

Mas a principal razão deste post é a coincidência de datas. Hoje, 30 de abril, completam-se exatamente 93 anos do término do primeiro manuscrito poético de Florbela Espanca, Trocando Olhares, o último livro a ser publicado, em 1994, também com organização e notas de Maria Lúcia Dal Farra. E terminar um livro é, para o escritores, a decisão de entregá-lo à leitura pública. Portanto, há 93 anos, Florbela d’Alma da Conceição Espanca entrava no reino universal e eterno da Poesia doada à vida e ao mundo.

A festa de aniversário será enfeitada por poemas desse seu primeiro livro. (C. de A.)

Dedicatória

É só teu meu livro; guarda-o bem;
Nele floresce nosso casto amor
Nascido neste dia em que o destino
Uniu o teu olhar à minha dor!

Poetas


Ai as almas dos poetas
Não as entende ninguém;
São almas de violetas
Que são poetas também.

Andam perdidas na vida,
Como as estrelas no ar;
Sentem o vento gemer
Ouvem as rosas chorar!

Só quem embala no peito
Dores amargas e secretas
É quem em noites de luar
Pode entender os poetas.

E eu que arrasto amarguras
Que nunca arrastou ninguém
Tenho a alma pra sentir
A dos poetas também!

08/01/1916

Mentiras

“Ai quem me dera uma feliz mentira
Que fosse uma verdade para mim!”
Júlio Dantas


Tu julgas que eu não sei que tu me mentes
Quando o teu doce olhar poisa no meu?
Pois julgas que eu não sei o que tu sentes?
Qual a imagem que alberga o peito teu?

Ai, se o sei, meu amor! Eu bem distingo
O bom sonho da feroz realidade…
Não palpita d’amor, um coração
Que anda vogando em ondas de saudade!

Embora mintas bem, não te acredito;
Perpassa nos teus olhos desleais,
O gelo do teu peito de granito…

Mas finjo-me enganada, meu encanto,
Que um engano feliz vale bem mais
Que um desengano que nos custa tanto!

10/03/1916

Maior Tortura

Na vida para mim não há deleite,
Ando a chorar convulsa toda a noite,
E não tenho nem sombra em que me acoite,
E não tenho uma pedra em que me deite!

Ah! Toda eu sou sombras, sou espaços!
Perco-me em mim na dor de ter vivido!
E não tenho a doçura duns abraços
Que me façam sorrir de ter nascido!

Sou como tu um cardo desprezado,
A urze que se pisa sob os pés,
Sou como tu um riso desgraçado!

Mas a minha tortura inda é maior:
Não sou Poeta assim como tu és
Para concretizar a minha dor.

Com o título de “A Minha Tortura”, e dedicado “A um grande poeta de Portugal”, esse soneto comparece refundido em Livro de Mágoas (Nota de Maria Lúcia Dal Farra)

A Maior Tortura

Na vida, para mim, não há deleite.
Ando a chorar convulsa noite e dia…
E não tenho uma sombra fugidia
Onde poise a cabeça, onde me deite.

E nem flor de lilás tenho que enfeite
A minha atroz, imensa nostalgia!…
A minha pobre Mãe, tão branca e fria
Deu-me a beber a Mágoa no seu leite!

Poeta, eu sou um cardo dsprezado
A urze que se pisa sob os pés.
Sou, como tu, um riso desgraçado!

Mas a minha tortura inda é maior:
Não ser poeta assim, como tu és,
Para gritar num verso a minha Dor!…

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Ilustrações: C. de A.

Brasília nos conformes do candango de Roberto Klotz

Muitas homenagens literárias foram feitas a Brasília pela pasagem dos seus cinquenta anos. O  Bar do Escritor também fez sua festa e reuniu várias colaborações de poetas e escritores brasilienses. Um texto despertou-me a atenção, pois descreve muito bem o que é a cidade e a relação que mantém com seus moradores. Conversei com o autor, Roberto Klotz, um engenheiro/escritor que trocou São Paulo por Brasília. Ele autorizou a publicação no Banco da Poesia e seu texto já está lá, na página de Crônicas. É a de nº 7. Boa leitura!

Cassiano Ricardo: batismo do Brasil

Neste mesmo dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! A saber, primeiramente de um grande monte, muito alto e redondo; e de outras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos; ao qual monte alto o capitão pôs o nome de O Monte Pascoal e à terra A Terra de Vera Cruz!

Pero Vaz de Caminha, na Carta do Achamento

Depois de um mês perambulando pelas até então desconhecidas águas do Oceano Atlântico, sem ventos fortes que o conduzissem à Calicute almejada, perdendo Vasco de Ataíde com a sua nau (onde estará Vasco Ataíde?), eis que, passados já os primeiros 21 dias de abril, encontra Pedro Álvares Cabral e o que restou de sua frota “muita quantidade de ervas compridas, a que os mareantes chamam botelho, e assim mesmo outras a que dão o nome de rabo-de-asno” além de topar com “aves a que chamam furabuchos”.

Na história pátria, há divergências sobre essa descoberta. Ou achamento, como diziam na época. Pois o Brasil não foi descoberto, mas achado por aí, já que Cabral havia perdido sua rota e, para consolo de D. Manuel, seu rei e financiador, topara com uma simpática ilha, a que chamou inicialmente de Vera-Cruz. Conta-se, também, que, três meses antes de Cabral, já havia chegado às costas do Ceará o espanhol Vicente Pinzón, companheiro de Colombo na aventura da descoberta da América. Mas, de qualquer maneira, coube a Caminha, como nosso primeiro correio, enviar ao rei de Portugal a boa nova e a ele sugerir a primeira plantação de esperança (semente que seria utilizada milhares ou milhões de vezes pelos políticos brasileiros que viriam, depois de Cabral, a descobrir as riquezas do Brasil): “Contudo, o melhor fruto que dela se pode tirar parece-me que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar. Não é à toa, portanto, que encontramos no nosso hino, em um dos estribilhos, a permanente súplica — Salve! Salve!

E quem nos salvará? O nosso magnânimo atual monarca prometeu, mas até agora… Apesar de dizer aos quatro cantos do mundo que foi ele que inventou o Brasil. Portanto, não sabemos, como nas novelas de televisão, se somos filhos de portugueses ou de espanhóis, nem exatamente qual a nossa data natalícia. Por enquanto, fiquemos com a história oficial, primeiramente relatada por Pero Vaz de Caminha, que registrou os primeiros sinais de nosso cordão umbilical português, formado por botelhos, rabos-de-asno e furabuchos, a flutuar no fluido amniótico das praias baianas. Para ampliar ainda mais o rol de indecisões quanto ao nosso nascimento, isto é, achamento, sabemos também que tivemos muitos nomes, antes de firmarmos a presente assinatura de Brasil.

Como uma espécie de certidão de nascimento, o poeta Cassiano Ricardo nos deixou um belo poema, que vai abaixo, ilustrado por um quadro de Cândido Portinari.

Cassiano Ricardo Leite foi jornalista, poeta e ensaísta. Nasceu em São José dos Campos, SP, em 26 de julho de 1895, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 14 de janeiro de 1974. Eleito em 9 de setembro de 1937 para a Cadeira nº 31, na sucessão de Paulo Setúbal, foi recebido em 28 de dezembro de 1937 pelo acadêmico Guilherme de Almeida.

Era filho de Francisco Leite Machado e Minervina Ricardo Leite. Fez os primeiros estudos na cidade natal. Aos 16 anosCassiano Ricardo publicava o seu primeiro livro de poesias, Dentro da noite. Iniciou o curso de Direito em São Paulo, concluindo-o no Rio, em 1917. De volta a São Paulo, foi um dos líderes do movimento de reforma literária iniciada na Semana de Arte Moderna da 1922, participando ativamente dos grupos Verde Amarelo e Anta, ao lado de Plínio Salgado, Menotti del Picchia, Raul Bopp, Cândido Mota Filho e outros. Formaram a fase que Tristão de Athayde classifica de nacionalista.

No jornalismo, Cassiano Ricardo trabalhou no Correio Paulistano (de 1923 a 1930), como redator, e dirigiu A Manhã, do Rio de Janeiro (de 1940 a 1944). Em 1924, fundou a Novíssima, revista literária dedicada à causa dos modernistas e ao intercâmbio cultural pan-americano. Também foi o criador das revistas Planalto (1930) e Invenção (1962).

Em 1937 fundou, com Menotti del Picchia e Mota Filho, a Bandeira, movimento político que se contrapunha ao Integralismo. Dirigiu, àquele tempo, o jornal O Anhanguera, que defendia a ideologia da Bandeira, condensada na fórmula: “Por uma democracia social brasileira, contra as ideologias dissolventes e exóticas.”

Eleito, em 1950, presidente do Clube da Poesia em São Paulo, foi várias vezes reeleito, tendo instituído, em sua gestão, um curso de Poética e iniciado a publicação da coleção Novíssimos, destinada a publicar e apresentar valores representativos daquela fase da poesia brasileira. Entre 1953 e 1954, foi chefe do Escritório Comercial do Brasil em Paris.

Poeta de caráter lírico-sentimental em seu primeiro livro, ligado ao Parnasianismo/Simbolismo, em A flauta de Pã (1917) adota a posição nacionalista do movimento de 1922, revelando-se um modernista ortodoxo até o início da década de 40. As obras Vamos caçar papagaios (1926), Borrões de verde e amarelo (1927) e Martim Cererê (1928) estão entre as mais representativas do Modernismo. Com O sangue das horas (1943), inicia uma nova e surpreendente fase, passando do imagismo cromático ao lirismo introspectivo-filosófico, que se acentua em Um dia depois do outro (1947), obra que a crítica em geral considera o marco divisório da sua carreira literária. Acompanhou de perto as experiências do Concretismo e do Praxismo, movimentos da poesia de
vanguarda nas décadas de 50 e 60. A sua obra Jeremias sem-chorar, de 1964, é bem presentativa desta posição de um poeta experimental que veio de bem longe em sua vivência estética e, nesse livro, está em pleno domínio das técnicas gráfico-visuais vanguardistas.

Se a sua obra poética é tida como uma das mais sérias e importantes da literatura brasileira contemporânea, a de prosador é também relevante. Historiador e ensaísta, Cassiano Ricardo publicou em 1940 um livro de grande repercussão, Marcha para Oeste, em que estuda o movimento das entradas e bandeiras.

Cassiano Ricardo pertenceu ao Conselho Federal de Cultura e à Academia Paulista de Letras. Na Academia Brasileira de Letras, teve atuação viva e constante. Relator da Comissão de Poesia em 1937, redigiu parecer concedendo a láurea ao livro Viagem, de Cecília Meireles. Para a vitória do seu ponto de vista, manteve destemido confronto. Saiu vitorioso, e Viagem foi o primeiro livro da corrente moderna consagrado na Academia. Ao lado de Manuel Bandeira, Alceu Amoroso Lima e Múcio Leão, Cassiano Ricardo levou adiante o processo de renovação da Instituição, para garantir o ingresso dos verdadeiros valores. (Fonte: Academia Brasileira de Letras)

Os nomes dados a terra descoberta

Cassiano Ricardo

Cândido Portinari - Descobrimento do Brasil - Óleo sobre tela - 199 x 169cm - Acervo do Banco Central do Brasil

Cândido Portinari - Descobrimento do Brasil - Óleo sobre tela - 199 x 169cm - Acervo do Banco Central do Brasil

Por se tratar de uma ilha deram-lhe o nome
de ilha de Vera-Cruz.
……….Ilha cheia de graça
……….Ilha cheia de pássaros
……….Ilha cheia de luz.

……….Ilha verde onde havia
……….mulheres morenas e nuas
……….anhangás a sonhar com histórias de luas
……….e cantos bárbaros de pajés em poracés batendo os pés.

Depois mudaram-lhe o nome
……….pra terra de Santa Cruz.
……….Terra cheia de graça
……….Terra cheia de pássaros
……….Terra cheia de luz.

A grande terra girassol onde havia guerreiros de tanga e
onças ruivas deitadas à sombra das árvores
mosqueadas de sol

Mas como houvesse em abundância,
certa madeira cor de sangue, cor de brasa
e como o fogo da manhã selvagem
fosse um brasido no carvão noturno da paisagem,
e como a Terra fosse de árvores vermelhas
e se houvesse mostrado assaz gentil,
……….deram-lhe o nome de Brasil.

……….Brasil cheio de graça
……….Brasil cheio de pássaros
……….Brasil cheio de luz.

Ademir Demarchi e o elogio a Tânatos

Ademir Demarchi nasceu em Maringá, em 7 de abril de 1960, e reside em Santos há 15 anos, onde trabalha como redator. Formado em Letras/Francês, com Mestrado pela Universidade Federal de Santa Catarina (1991) e Doutorado em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (1997), foi editor da revista Babel, de poesia, crítica e tradução, com seis números publicados de 2000 a 2004. É autor de Passagens – Antologia de Poetas Contemporâneos do Paraná (Imprensa Oficial do PR, 2002); Volúpias (poemas, Florianópolis: Editora Semprelo, 1990); Espelhos incessantes (“livro de artista” com poemas do autor e gravuras de Denise Helena Corá, edição dos autores, Santos: 1993; exposto no Museu da Gravura em Curitiba no mesmo ano); Janelas para lugar nenhum (poemas, com linoleogravuras de Edgar Cliquet, edição dos autores, Santos: 1993; lançamento feito em Curitiba, no Museu da Gravura, no mesmo ano). Além desses trabalhos, o autor tem também poemas, artigos e ensaios publicados nos livros Passagens – Antologia de Poetas Contemporâneos do Paraná; 18 Poetas CatarinensesA mais nova geração deles (ed. e org. Fábio Brüggemann, FCC Edições/Editora Semprelo, 1991); Os mortos na sala de jantar (Realejo Livros, 2007) e Passeios na Floresta (Editora Éblis, Porto Alegre, 2008). Publica também em periódicos como Literatura e Sociedade (São Paulo, USP); Medusa (Curitiba); Coyote (São Paulo), Oroboro (Curitiba),  Jornal do Brasil/Idéias; Rascunho (Curitiba); Jornal da Biblioteca Pública do Paraná; Babel (Santos); Sebastião (São Paulo); Los Rollos del Mar Muerto (Buenos Aires, Argentina) e sites,  entre eles,  as revistas eletrônicas Germina, Agulha, El Artefacto Literario, Tanto e Critério.

Em seu livro Os Mortos na Sala de Jantar, Ademir Demarchi invade o terreno quase proibido — ou pelo menos evitado — da Morte, essa senhora que nos espera desde o dia em que nascemos. Não é tema inédito nas artes, mas é sempre corajoso, dado o costume que temos defugir do tema. Talvez, em nossa literatura pátria, o exemplo máximo de culto à morte tenha sido o de Augusto dos Anjos (1884-1914), poeta que feria sua obra com a obsessão pelo sofrimento, produto de sua frágil saúde e senilidade precoce. Demarchi, no entanto, não se refugia em sentimentos negativos pessoais. Apenas nos lança um desafio — olhar de frente o único acontecimento previsível de nossa própria vida e do qual quase sempre nos recusamos até mesmo de falar.  E já no começo de seu livro, registra a simples e inequívoca frase lapidar de Marcel Duchamp (1887-1968), o polêmico dadaísta francês: “…além disso, é sempre os outros que morrem…“.

Mas avisa aos desavisados, no seu primeiro registro poético:

As aparências enganam

qualquer semelhança
com palavras fatos
coisas pessoas

mortos

terá sido mera coincidência

Ademir dedica seu livro “aos cadáveres que a vida no dá de comer”, o que explica o título Os Mortos na Sala de Jantar. Em um de seus poemas, ironicamente nos faz pensar na atualíssima ração humana (“seja lá o que isso for“), para ampliar o cardápio do excêntrico (ou muito centrado) ágape poético. E pesponta o livro com momentos de irônico humor: “lá vai o viúvo / sorri sua mulher / morreu sua amante” (Da Felicidade e da Infelicidade) e satirizando a Política em Manchete: “ex-diretor de cemitério / nega ter sido / funcionário fantasma“.

Quem tem medo do escuro, leia. Quem não gosta nem de ouvir falar na Morte, leia também. O livro de Ademir Demarchi faz a gente pensar por meio da composição poética, que estende as mínimas palavras em máximas reflexões. Como no seu mais lacônico poema, quase posfácio, Pós Tudo: ¨pó”. É preciso mais para filosofarmos sobre nosso destino? (C. de A.)

Da Incapacidade de Sentir Luto


amas parasita, diz e diz, não exita:
o amor, errante, além de tudo cego
feito um imenso morcego negro
que, imerso em trevas, só vê o ego

ouves senão por apupos meigos
inflação econômica de si mesmo
insuflada por espelhos vesgos
e promessas de paraísos ternos

no vazio de si inflas de ilusão
e epifania um Pai de aluvião
que cadencie carnificina e gozo

o ego cego que tem por coração
blindado e oco veloz do ai se esvazia

veloz esqueces crimes e imune à punição
desobrigas-te de tudo
e até do luto

Balada de Narayama

Imagem do cartaz do filme Balada de Narayama, de Keisuke Kinoshita (1958)

a sina assinala a hora
para o filho chegada
para a mãe partida

ossos pelo caminho
assinalam as vorazes fomes
dos que deles nasceram
e se nutriram para tomar forma
perpetuando a vinha

o útero que o fiou
agora às costas
é uma pena inútil
pela qual não se chora

subindo a montanha
reprimes a vida de manhas
para ser pai deixarás
a mãe às entranhas

Enterros no Céu


não há terra para o enterro
nem parasitas para roer
há frio que congela os corpos
e não os desintegra

é preciso fazê-Ias desaparecer

por não ter onde os pôr
os tibetanos os levam a uma alta pedra
e os repicam em pedaços
que as aves de rapina
possam bicar

e

levar

para

o

céu

Uma voz de Valência, transformada em silêncios, atravessa o Atlântico

Em Algemesí, municipio da província de Valência, na Espanha, uma comemoração tradicional rememora o achado, em 1247, de uma imagem de Nossa Senhora da Saúde (Verge de la Salut ou Mare de Déu da Salut, na língua valenciana). A festa cobre os días de 7 e 8 de setembro, que se constituem nas maiores datas da cidade. No dia 8, uma procissão formada por danças típicas,

Torre humana na Muixeranga de Algemesí

introduz a imagen da Virgem na basílica de Algemesí, “rodeada de muixerangues e danças de tornejants, bastonets e llauradores, ao som de dolçaines e tabalets” (ver significado abaixo). No dia da festa do ano de 1968, poucas horas depois da imagen ter entrado na igreja, nascia uma menina que receberia o nome de Salut, em homenagem à padroeira local.

O cenário que cercou o nascimento de Salut Navarro Girbés talvez lhe tenha tocado com o dom da poesía. Mais tarde, ela estudaria Psicologia, pela Universidade de Valência, e tornou-se mestre em Marketing. Apaixonada pela poesia e a literatura desde sua infância, só recentemente lançou seu primeiro libro Silentes, no qual ela convida o leitor a percorrer seus sentimentos e experiências pessoais, magnificados sempre pelo silêncio, que  identifica e define toda sua obra poética. Como ela mesma expressa: “Estou plena de silêncios, mas ainda me restam algumas palavras”.

Conheci Salut Navarro no ning Militeraturas! e, após ler seus poemas em vários sites, convidei-a a abrir uma conta no Banco da Poesia. Não só aceitou o convite como me comunicou que seu libro e seu disco já estão atravesando o oceano Atlântico para me encontrar.

Mas antes que Silentes chegue, vamos conhecê-lo por meio da sinopse que o livro nos oferece.

Existe.

Há um lugar no qual o silêncio caminha descalço sobre sinuosa hera, onde a profundidade salobre nos protege a todos de caminhos cotidianos na vida.

Há um lugar perdido, repleto de atalhos inundados de fragrâncias, paixões, amor, tristeza notâmbula e lodo azulado de olhares ermos.

O mar convertido em homem nos arroupa azul, esculpindo ilhas, abrigando náufragos, albergando para sempre nossas almas silentes…

Silentes é um percurso pela ampla bagagem sentimental, uma carícia essencial, uma biografia da sensibilidade inata, um passeio pelas emoções capturadas. Em suma, um esboço das palabras que jamais se pronunciam.”

E Salut– cujo nome já é uma saudação – continua: “Creio estar exatamente na metade do caminho, nem muito jovem, nem muito mais velha para nada, e tenciono aproveitar ao máximo tal situação. Tenho um pé na terra e outro em Vênus, balanço-me mas consigo o equilíbrio. Sou cidadã do mundo, como todos os cidadãos, e escrevo para ti, enaltecendo o mestre Sanchis Girbés, seguindo seus sábios conselhos: ‘Escreve e caminha. Nunca deixes de escrever nem de caminhar’. Nele estou, e ainda que ele me acompanhe, tenho que assumir também que se foi, ainda que seja só um pouco”.

Seja bem-vinda, Salut. Que seus versos sigam enriquecendo o Banco da Poesia! (C. de A.)

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Notas

  • Muixerangues ou Muixeranga – conjunto de quadros plásticos composto por torres humanas e figuras representativas, abrem uma sucessão de danças que finalizam as festas da Virgem da Saúde.
  • Els Bastonets – dança guerreira que aparece em muitos partes de Valência. Sua presença em Algemesí datada de 1839 e relaciona a festa com as tradições mais ancestrais da cultura valenciana. Ao som dos tabalets e da dolçaines os oito componentes da dança encenam uma luta com os bastonets (bastões) e as plantxetes.
  • Els Tornejants – a dança mais emblemática da festa da Virgem Maria da Saúde. Repleta de conteúdos místicos, põe em evidência as destrezas e habilidades de um grupo de cavalheiros que se movimentam ao som de um tambor como único acompanhamento.
  • Llauradores (lavradores) ou Bolero é a dança mais moderna da procissão, pois apareceu pela primeira vez em 1906. É a única dança que não vai acompanhada pela música da dulzaina e do tabalet, mas pela seção de instrumentos de sopro da banda.
  • Tabalet ou tamboril é um instrumento de percussão membranófono, cilíndrico, percutido com baqueta típico da península Ibérica. Similar a um tambor, mas com uma caixa mais estreita e alongada.
  • Dolçaines ou dulzaina é um instrumento de sopro de lingueta dupla, da família do oboé. Tem forma cônica e cerca de 30 cm de comprimento.

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Mienten

A Juan E. Sanchis Girbés
Maestro literario

Batas blancas dicen que has muerto,
que tu último aliento ha expirado.
Emblemático y simbólico
transciendes a tu propio ser,
y expandes tu fuerza al viento
que mueve gigantes y molinos.

…Y te yergues sobre tu caballo,
altivo, noble, sincero, digno.
Por lanza, una pluma afilada.
De escudo,  innata honestidad.
La honra, libertad blanca.
Arte, como lucha e himno.

Tu prisma ante la vida, zurdo y caleidoscópico,
te transforma en amenazador de miradas hipócritas.
Rey de los locos,
loco en presencia de fariseos,
cuerdo-loco por sabio, por bondadoso, por tierno.
Eres amor infinito.

Acaricio el pelo negro, la barba entrecana.
Frente tibia en lágrimas bañada.
Agua salina de horizonte vital y sombrío.
Permanezco en tu ribera,
en tus manos que se tornan frías, amarillean.
Mis palabras trenzadas con respuestas silentes.

Escudero soy, sé que las batas blancas mienten,
como se equivocó don Miguel.
¡Don Quijote no ha muerto!
Yo quiero ser loco,
privilegiadamente loco,
cíclope sabio de sensibilidad eterna.

Hoy dicen que has muerto,
y encierran tu cuerpo en un sepulcro gélido, mudo, oscuro.
Mis ojos te persiguen y mi alma queda presa contigo
entre las cuatro claustrofóbicas paredes de tu silencio.
Festones negros adornan el cielo.

Testigo e indigna de tu pluma
armaré el valor con lanza aguda,
tejiendo sentimientos con palabras esenciales,
aullando al vacío las que jamás se pronuncian.
Perdurarán nuestros silencios compartidos,
que hablarán de nosotros con el tiempo como vestigio.

Tú, mi Quijote, que siempre fuiste libre,
hoy te escapas galopando.
Y yo tu fiel escudero, te serviré y te seguiré sin dudarlo
cuando llegue el momento, allí estaré contigo.
¡Cabalga!
¡No mires atrás!
¡Cabalga libre Quijote mío…!

Mentem

A Juan E. Sanchis Girbés
Mestre literario

Batas brancas dizem que morreste,
que teu último alento expirou.
Emblemático e simbólico
transcendes a teu próprio ser,
e expandes tua força ao vento
que move gigantes e moinhos.

…E te ergues sobre teu cavalo,
altivo,nobre,sincero, digno.
Por lança,uma pluma aguçada.
De escudo,inata honestidade.
A honra, liberdade branca.
Arte, como luta e hino.

Teu prisma ante a vida, canhoto e caleidoscópico,
Transforma-te em ameaçador de olhares hipócritas.
Rei dos loucos,
louco em presença de fariseus,
lúcido-loco por sábio,por bondoso,por terno.
És amor infinito.

Acaricio o cabelo negro,a barba gris.
Fronte tíbia em lágrimas banhada.
Água salina de horizonte vital e sombrIo.
Permaneço em tua ribeira,
em tuas mãos que se tornam frias,amarelecem.
Minhas palavras trançadas com respostas silentes.

Escudeiro sou, sei que as batas brancas mentem,
como se equivocou dom Miguel.
Dom Quixote não morreu!
Eu quero ser louco,
privilegiadamente louco,
cíclope sábio de sensibilidade eterna.

Hoje dizem que morreste,
e encerram teu corpo em um sepulcro gélido, mudo, escuro.
Meus olhos te persiguem e minh’alma fica presa contigo
entre as quatro claustrofóbicas paredes de teu silêncio.
Festões negros adornam o céu.

Testemunha e indigna de tua pluma
armarei o valor con lança aguda,
tecendo sentimentos com palavras essenciais,
uivando ao vazio as que jamais se pronunciam.
Perdurarão nossos silêncios compartilhados,
que falarão de nós com o tempo como vestígio.

Tu, meu Quixote, que sempre foste livre,
hojr escapas galopando.
E eu, teu fiel escudeiro, te servirei e te seguirei sem duvidá-lo
quando chegue o momento, ali estarei contigo.
Cavalga!
Não olhes atrás!
Cavalga livre, Quixote meu…!

Noche

“La gran tumba de la noche
su negro velo levanta
para ocultar con el día
la inmensa cumbre estrellada”

García Lorca

Envuelta en seda
y rosas de espina rasgada,
majestuosa y quimérica,
amaneces engalanada.

Viajera errabunda
en la tregua del camino
brindas por la sangre
besando tu filo.

Despuntan,
cuchillos y navajas
tiritando como el frío
envuelto entre mortajas.

Noche

Dulce noche de los néctares.
Noche abandonada en destierro.
Oscura noche aniquilada.

Noche

Tu mirada se estrecha,
deambulando,
antojadiza,
enlutada.

Noite

“A grande tumba da noite
seu negro véu levanta
para ocultar com o dia
a imensa cúpula estrelada”

García Lorca

Envolta em seda
e rosas de espinha rasgada,
majestosa e quimérica,
amanheces engalanada.

Viageira errabunda
na trégua do caminho
brindas pelo sangue
beijando teu fio.

Despontam,
facas e navalhas
tiritando como o frio
envolto entre mortalhas.

Noite

Doce noite dos néctares.
Noite abandonada no desterro.
Escura noite aniquilada.

Noite

Teu olhar se estreita,
deambulando,
antojadiça,
enlutada.

Saudade

Saudade, dueña del sueño
Sinuosa yedra
Serpiente sibilina
Silenciosa carcelera

Añoranza, mensajera del tiempo
Anunciadora de ausencias
Amante de la sierpe
Ábaco de bellezas

Nostalgia, concilio de los afectos
Navío sin estrella
Náufrago desesperado
Nacimiento sin fecha

Melancolía, amiga del recuerdo
Memoria evocadora
Marinero sin destino
Mañana sin aurora

Soledad, desatada por el viento
Sinuosa yedra
Serpiente sibilina
Silenciosa carcelera

Saudade

Saudade, dona do sonho
Sinuosa hera
Serpente sibilina
Silenciosa carcereira

Amarga mensageira do tiempo
Anunciadora de ausências
Amante da serpe
Ábaco de belezas

Nostalgia, concilio dos afetos
Navio sem estrela
N
áufrago desesperado
Nascimento sem data

Melancolia, amiga da recordação
Memória evocadora
Marinheiro sem destino
Manhã sem aurora

Solidão, desatada pelo vento
Sinuosa hera
S
erpente sibilina
Silenciosa carcereira

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Tradução e ilustrações: C. de A.

Um paulistano nas Alagoas: Walter Bezerra

Ganhamos um novo correntista: Walter Bezerra nos escreve de  Maceió,  de Alagoas, onde vive. E conta quem é: “Não tenho muito a falar de mim. Nasci paulistano em 1959, mas sou alagoano até a alma. Sou publicitário por convicção e poeta, contista, cronista e compositor por insistência. Como sempre vivi no ostracismo voluntário, não tenho nenhuma obra publicada, a não ser uma mísera participação numa coletânea de poetas alagoanos”.

E prossegue: “Fui redator das principais agências de publicidade do Recife, como a Ítalo Bianchi, Gruponove e MMS. Em 1989, participei, no Rio,  da campanha de Brizola para presidente da República, através da Makplan, agência do publicitário pernambucano José Nivaldo Júnior. Assinei a coluna Dito por não Dito, no semanário A Semana, de Olinda. Fui responsável também pela coluna Brainstorm, no Jornal do Comércio, do Clube de Criação de Pernambuco, entidade da qual eu fui presidente. Como profissional,  fui medalhista ouro no Colunistas Norte/Nordeste e finalista do Profissional do Ano, da Globo.  Vez e outra, me dou articulista e publico alguns textos nos jornais de  Alagoas. No momento, estou concluindo um romance e produzindo um CD, que contará com a participação de 10 cantores daqui da terra”.

“É só isso, Cleto. Um grande abraço!”

O só-isso já é muito. Quem é “poeta, contista, cronista e compositor” – além de publicitário, atividade onde deve depositar sua criatividade, – já faz bastante coisa para melhorar este mundinho. Esperamos que os seus poemas e também suas crônicas sejam permanentemente entesourados em nosso Banco da Poesia.

Bem vindo, Walter!

Da morte

Walter Bezerra

O que é viver senão um estágio para a morte?
Quando defendemos uma ideologia,
…..e ela não floresce, não morremos aos poucos?
Quando amamos e não há reciprocidade,
…..não violentamos o fígado, pâncreas,
…..pulmões, tripas, mente, coração?
Os humanistas e os apaixonados são suicidas
involuntários.
Quem dera, antes de morrer, possa eu esclarecer
…..o que se fez dúvida ou má interpretação.
Quem dera, antes de morrer, possa eu me redimir
…..com aqueles que, por negligência, não os inclui
…..entre os meus prediletos.-
…..com aqueles que, por omissão, não me dediquei
…..com a merecida intensidade.
Quem dera, antes de morrer, possa desculpar-me
…..com aqueles que, por imprudência, não amei
…..com a devida ternura.Quem dera, antes de morrer, possa eu,
…..no meu ínfimo alcance, contribuir para que os que são covardemente
…..manipulados repugnem os seus déspotas.
Quem dera, antes de morrer, possa eu deixar algum
…..legado para os oprimidos e os que sofrem
…..de prisão de ventre neurônica.
Não tenho medo da morte,
…..mas desejo que ela permita que as rugas
…..me venham em primeiro plano.
Morrer precoce é uma tirania.
Sei que a morte é inevitável,
…..mas espero que ela não me surpreenda
…..fulminantemente.
Espero que ela me venha dócil,
…..encontre-me dormindo, anestesiado,
…..sem pesadelos, sem cumplicidade.
A pior das mortes é a súbita.
Quando eu morrer, não me visitem o túmulo,
…..porque nem a minha alma niilista
…..estará mais ali.
Quando eu morrer, não me acendam velas,
…..porque luz não haverá mais em mim.
Quando eu morrer, para que flores
…..se eu não poderei mais sentir-lhes
…..o perfume?
A lembrança que se tem de alguém que partiu
…..é a única explicação teórica da ressurreição.
O nascimento é, por si só, a anunciação da morte.
Imortal é aquele que nunca nascerá.
A morte nos mora na vida;
…..ela é o pagar das luzes,
…..a plenitude da solidão.
Morrer é dar adeus em silêncio;
…..é colocar um ponto final na poesia
…..que somos nós.
A gente não morre; evolui.
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Ilustração: C. de A.

Conta nova: Carlos Couto

Mais um novo correntista do Banco da Poesia para saudarmos: Carlos Couto (nome completo: Carlos Alberto do Couto Coelho), escritor, poeta e ensaísta. Nasceu na cidade de Rio Grande, RS, é engenheiro civil de profissão. Publicou quatro livros, Denúncia Vadia (pensamentos e reflexões de cultura rasa); Sangue Novo na Anemia (coletânea de poesias
da Confraria Terra dos Poetas, da qual participou o nosso correntista Solivan Brgnara); Quem Mexeu no Meu Poema? (poesias) e A Paisagem de Dentro (poesias e haicais). Foi colaborador da coluna O Impopular, no jornal Correio do Paraná e fundou a Confraria Terra dos Poetas, entidade
cultural com objetivos de promover, apoiar e desenvolver atividades de cunho literário.

Atualmente vive em Curitiba. Vamos degustar seus poemas, que também podem ser encontrados no blog do autor, [no poem].


Descartes, o pensamento e a pedra de existir


1.
Penso:
– sou pedra,
logo,
– triste e demente,
existo.

2.
Vejo a pedra,
oca de abstrações,
ela não pensa,
mas eu sei que ela existe.

3.
Quem pensa que é pedra,
existe,
e pedra, que não pensa,
também.

Poema de um mar inventado


Desenhos de um mar inventado,
são náufragos, esboços que flutuam
então rasuras, ora são marinheiros reflexivos
e um vazio com gosto de maresia:
– a sede de minha mão são palavras de papel.

Onde o mar e o tempo

Onde o mar, eu flutuo.
Estou acelerado,
então o tempo… recuo.

Onde o mar, eu navego.
Estou consumado,
então o tempo… me nego.

Onde o mar, eu sonho.
Estou fragmentado,
então o tempo… me recomponho

Onde o mar, eu reflito.
Estou amordaçado,
então o tempo… grito.

Onde o mar, eu enjoo.
Estou ancorado,
então o tempo… lanço-me no voo.

Onde o mar, eu naufrago.
Estou desequilibrado,
então o tempo… me embriago

Onde o mar, eu me jogo.
Estou angustiado,
então o tempo… me afogo

Onde o mar, eu afundo.
Estou cansado,
então o tempo… abandono o mundo.

A ordem das coisas


xxx(primeiro o medo)
somente minha sombra ao mar rugia
como se fosse um arpão
atado às minhas tíbias
então ruminei o silêncio
junto ao grave rosto do medo
fuga foi o que desejei
mas estar acordado
apontava-me setas e dedos
e então vi que o medo é um animal assustado
engolindo seu próprio corpo
e o medo digere a pedra de seu peso
e tece suas próprias algemas

o medo é um grito na escuridão
com medo de ser ouvido

xxx(depois o anseio)
quando eu morri
inclusive o medo era escasso
os dias foram noites lentas
e cada minério do sono
cumpria o peso das horas perdidas
inaugurei então o esquecimento
extinguindo o fogo de estar vivo
depois verti o anseio de estar afundando
no redemoinho do tempo breve

morrer não é partir
é desistir
deixar-se levar

________________

Ilustrações: Cleto de Assis

Fogo sobre Cristal, de Frederico Füllgraf

Frederico Füllgraf

Na página  Crônicas, Manoel de Andrade faz uma resenha do filme Fogo sobre Cristal, um Diário Antártico, do escritor e cineasta paranaense Frederico Fullgraf. O filme retrata as paisagens geladas da Passagem de Drake, nas Ilhas Orçadas do Sul, Shettland do Sul  e do Mar de Weddel, no setor leste da Península Antártida. Leia aqui.

Vida, Paixão e Morte de César Vallejo

César Vallejo, por Pablo Picasso - 1938

A poesia de César Vallejo, até onde consegui conhecê-la,  me parece dividida entre o culpar a sociedade pelas injustiças sociais e o assumir culpas produzidas por excessiva educação religiosa. Conta sua biografia que, membro de uma família com doze filhos, dos quais ele era o menor, estaria destinado a ser padre, o que era ou é comum nas famílias católicas da América Latina, em especial nos países hispanos, onde a tradição religiosa sempre foi mais arraigada. Ele mesmo teria admitido essa vocação, em sua infância, e deve ter recebido profunda influência no conhecimento bíblico e de toda a liturgia de sua crença, tanto que seus textos poéticos seriam, mais tarde, impregnados por essa mística, além do tema obsessivo da Vida e da Morte.

Vallejo viveu as contradições da sociedade européia da primeira metade do Séc. XX, contaminada e desgastada por duas grandes guerras e por acaloradas discussões ideológicas, notadamente pelo marxismo que organizara a União Soviética. Participou, como correspondente, dos conflitos da Guerra Civil Espanhola (1936-1939), o que lhe serviu até mesmo como inspiração poética.

Sua vida e obra bem demonstram que seus principais conflitos foram existenciais, dividido entre uma santidade que seus pais haviam presumido para ele e a revolta ante a injustiça social, que o levou a extremos caminhos políticos. Entretanto, dentro dele viveu um homem íntegro e um poeta completo. Talvez não tenha visto a realização do que sua esperança desenhava como um mundo diverso daquele que testemunhava em vida, mas com certeza tornou o mundo melhor com sua poesia. C. de A.

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Dados biográficos

César Vallejo nasceu em 1892, em Santiago de Chuco, região andina localizada ao norte do Perú, no seio  de uma família com origens espanholas e indígenas. Desde pequeno conheceu a miséria, mas conheceu o benévolo o afeto familiar. Longe de sua família, nunca escondeu que sofria de um incurável sentimento de orfandade.

Estudou na Universidade de Trujillo, cidade onde descobriu a boemia, influenciado por jornalistas, escritores e políticos rebeldes. Em Trujillo, Vallejo publicou seus primeiros poemas antes de chegar a Lima no final de 1917. Nesta cidade lança seu primeiro livro: Los Heraldos Negros (impresso em 1918, lançado em 1919), um dos mais representativos exemplos de pós-modernismo.

Casa de Vallejo, em Santiago de Chuco, Perú

Em 1920 faz uma visita a sua cidade natal e acaba se envolvendo em confusões que o levaram a cadeia, onde permaneceu por cerca de três meses. Esta experiência teve uma profunda influência em sua vida e em sua obra, refletindo diretamente em vários poemas de seu segundo livro, Trilce (1922), considerada como uma obra fundamental da renovação da linguagem poética hispanoamericana. Em Trilce Vallejo se afasta dos modelos tradicionais que, até então, havia seguido, adotando uma linha mais modernista e realizando um angustiante e desconcertante mergulho nos abismos da condição humana, que nunca antes haviam sido explorados.

No ano seguinte parte para Paris, onde permanecerá (fazendo algumas viagens a União Soviética, Espanha e outros países europeus) até o fim de seus dias. Em París, viveu em extrema pobreza e grande sofrimento físico e moral. Participa com amigos como Huidobro, Gerardo Diego, Juan Larrea e Juan Gris de atividades de cunho vanguardista, renunciando a sua própria obra Trilce e, em 1927, aparece firmemente comprometido com o marxismo em sua atividade intelectual e política. Escreve artigos para jornais e revistas, peças teatrais, relatos e ensaios de intenção propagandistas, como Rússia, em 1931. Inscrito no Partido Comunista da Espanha (1931) e designado para ser correspondente, acompanha os acontecimentos da Guerra Civil e escreve o
seu poema mais político: España, aparta de mi este cáliz, que aparece em 1939, impresso por soldados do exército republicano.

Toda a obra poética escrita em Paris e que Vallejo publicou parcamente em diversas revistas, apareceria postumamente naquela cidade com o título: Poemas Humanos (1939). Nesta produção é visível seu esforço em superar o vazio e o niilismo de Trilce
e em incorporar elementos históricos e da realidade concreta (peruana, européia, universal) com os que pretendem manifestar uma apaixonada fé na luta dos homens pela justiça e solidariedade social.

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Los Heraldos Negros / César Vallejo

Hay golpes en la vida, tan fuertes … ¡Yo no sé!
Golpes como del odio de Dios; como si ante ellos,
la resaca de todo lo sufrido
se empozara en el alma… Yo no sé!

Son pocos; pero son… Abren zanjas obscuras
en el rostro más fiero y en el lomo más fuerte.
Serán talvez los potros de bárbaros atilas;
o los heraldos negros que nos manda la Muerte.

Son las caídas hondas de los Cristos del alma,
de alguna fe adorable que el Destino blasfema.
Esos golpes sangrientos son las crepitaciones
de algún pan que en la puerta del horno se nos quema.

Y el hombre… Pobre… pobre! Vuelve los ojos, como
cuando por sobre el hombro nos llama una palmada;
vuelve los ojos locos, y todo lo vivido
se empoza, como charco de culpa, en la mirada.

Hay golpes en la vida, tan fuertes… Yo no sé!

Grafismo sobre gravura de Albrecht Dürer

Os Arautos Negros

Há golpes na vida, tão fortes … Eu não sei!
Golpes como do ódio de Deus; como se ante eles,
a ressaca de todo o sofrido
se empossara na alma… Eu não sei!

São poucos; mas são… Abrem valas obscuras
no rosto mais feroz e no dorso mais forte.
Serão, talvez, os potros de bárbaros átilas;
ou os arautos negros que nos manda a Morte.

São profundas quedas dos Cristos da alma,
de alguma fé adorável que o Destino blasfema.
Esses golpes sangrentos são as crepitações
de algum pão que na porta do forno se queima.

E o homem… Pobre… pobre! Volta os olhos, como
quando por sobre o ombro nos chama uma palmada;
volta os olhos loucos, e todo o vivido
se empoça, como charco de culpa, na mirada.

Há golpes na vida, tão fortes… Eu não sei!

Epístola a los Transeuntes / César Vallejo

Reanudo mi día de conejo
mi noche de elefante en descanso.

Y, entre mi, digo:
ésta es mi inmensidad en bruto, a cántaros
éste es mi grato peso,
que me buscará abajo para pájaro
éste es mi brazo
que por su cuenta rehusó ser ala,
éstas son mis sagradas escrituras,
éstos mis alarmados compañones.

Lúgubre isla me alumbrará continental,
mientras el capitolio se apoye en mi íntimo derrumbe
y la asamblea en lanzas clausure mi desfile.

Pero cuando yo muera
de vida y no de tiempo,
cuando lleguen a dos mis dos maletas,
éste ha de ser mi estómago en que cupo mi lámpara en pedazos,
ésta aquella cabeza que expió los tormentos del círculo en mis pasos,
éstos esos gusanos que el corazón contó por unidades,
éste ha de ser mi cuerpo solidario
por el que vela el alma individual; éste ha de ser
mi hombligo en que maté mis piojos natos,
ésta mi cosa cosa, mi cosa tremebunda.

En tanto, convulsiva, ásperamente
convalece mi freno,
sufriendo como sufro del lenguaje directo del león;
y, puesto que he existido entre dos potestades de ladrillo,
convalesco yo mismo, sonriendo de mis labios.

Epístola aos Transeuntes

Reinicio meu dia de coelho
minha noite de elefante em descanso.

E, entre mim, digo:
esta é minha imensidade em bruto, a cântaros
este é meu grato peso,
que me buscará abaixo para pássaro
este é meu braço
que por sua conta recusou ser asa,
estas são minhas sagradas escrituras,
estes meus alarmados testículos.

Lúgubre ilha me alumbrará continental,
enquanto o capitólio se apoie em meu íntimo desmoronamento
e a assembleia em lanças enclausure meu desfile.

Porém quando eu morra
de vida e não de tempo,
quando cheguem a duas minhas duas maletas,
este há de ser meu estômago em que coube minha lâmpada em pedaços,
esta aquela cabeça que expiou os tormentos do círculo em meus passos,
estes esses vermes que o coração contou por unidades,
este há de ser meu corpo solidário
pelo qual vela a alma individual; este há de ser
meu umbigo onde matei meus piolhos natos,
esta minha coisa coisa, minha coisa horripilante.

No entanto, convulsiva, asperamente e
convalesce meu freio,
sofrendo como sofro da linguagem direta do leão;
e, posto que existi entre duas potestades de obstinação*,
convalesço eu mesmo, sorrindo de meus lábios.

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NT – Percebi que, em algumas versões ao Português deste poema, o termo ladrillo foi traduzido literalmente por tijolo. Entretanto, o vocábulo tem outras acepções, em Espanhol, como coisa pessada ou aborrecida (quase equivalente a chatice em Português) ou, então, em termo regional peruano, qualidade de pessoa muito trabalhadora e estudiosa. Como não podemos saber, hoje, a exata intenção do poeta ao usar o termo, preferi, quase intuitivamente, utilizar uma idéia mais ligada a sentimentos, pois é disto que trata o poeta em seus versos.

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El entierro del poeta / Luis Rogelio Nogueras*

A Víctor Casaus

Dijo de los enterradores cosas francamente
impublicables.
Blasfemaba como un condenado
y a sus pies un par de águilas lloraban pensando
en las derrotas.
En el entierro estaba Lautréamont,
yo lo vi desde mi puesto en la cola:
dejaba el sombrero al borde de la tumba
y cantaba algo triste y oscuro
(lloraba honradamente, ya lo creo, y los
caballos devoraban higos en silencio).
Hubo discursos,
sonrisitas de Rimbaud junto a la cruz,
paraguas abiertos a la lluvia como
a él le hubiera gustado.
Hubo más:
hubo viernes y
canciones funerarias,
palomas que volaban sin sentido, como niños,
versos oscuros,
la hermosa voz de Aragón,
suicidios deportivos de Georgette y nunca más
y hasta siempre.
A la hora más triste del asunto
no quería bajar porque decía que allí estaba
oscuro.
Pero estaba muerto y hubo que bajarlo.
Los sombreros abandonaron las cabezas,
se alzaron copas, adioses, letreros de nunca te
olvidamos.
(Un joven poeta a mi derecha le mesaba las
rodillas a la muerte).
Lo bajaron.
Se aplaudió en forma delirante;
la gente corría como loca asumiendo lo grave
del momento.
Lo bajaban.
Las mujeres lloraban en silencio
porque bajaban las águilas, los sueños, países
enteros a la tierra.
Se intentó una última sentencia:
Nerval se acercó con una tiza y escribió con
letra temblorosa:
Su cadáver estaba lleno de mundo.
Desde el fondo, Vallejo sonreía sin descanso
pensando en el futuro,
mientras una piedra inmensa le tapaba el
corazón y los papeles.

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* Poeta cubano (14.11.1944 – 06.07.1985)


O enterro do poeta

A Víctor Casaus

Disse dos coveiros coisas francamente
impublicáveis.
Blasfemava como um condenado
e a seus pés um par de águias choravam pensando nas derrotas.
No enterro estava Lautréamont,
eu o vi desde meu possto na fila:
deixava o chapéu na borda da tumba
e cantava algo triste e obscuro
(chorava honradamente, isso eu creio,
e os cavalos devoravam figos em silêncio).
Houve discursos,
risadinhas de Rimbaud junto à cruz,
guarda-chuvas abertos à chuva como ele teria gostado.
Houve mais:
houve indulgências e canções funerárias,
pombas que voavam sem sentido, como crianças,
versos obscuros,
a formosa voz de Aragón,
suicídios desportivos de Georgette
e nunca mais e até sempre.
Na hora mais triste do assunto
ele não queria baixar porque dizia que ali estava escuro.
Mas estava morto e houve que baixá-lo.
Os chapéus abandonaram as cabeças,
levantaram-se taças, adeuses, faixas de nunca te esquecemos.
(Um jovem poeta à minha direita arrancava os
joelhos da morte.)
O baixaram.
Aplaudiu-se em forma delirante;
as pessoas corriam como loucas, assumindo o grave
do momento.
O baixavam.
As mulheres choravam em silêncio
porque baixavam as águias, os sonhos, países
inteiros à terra.
Tentou-se uma última sentença:
Nerval se proximou com um giz r escreveu com
letra tremida:
Seu cadáver estava pleno de mundo.
Lá no fundo, Vallejo sorria sem descanso
pensando no futuro,
enquanto uma pedra imensa lhe tapava o
coração e os papéis.

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Masa / César Vallejo

Al fin de la batalla,
y muerto ya el combatiente, vino hacia él un hombre
y le dijo: “No mueras, te amo tanto!”
Pero el cadáver ¡ay! siguió muriendo.

Se le acercaron dos y repitiéronle:
“No nos dejes! ¡Valor! ¡Vuelve a la vida!”
Pero el cadáver ¡ay! siguió muriendo.

Acudieron a él veinte, cien, mil, quinientos mil,
clamando: “¡Tanto amor y no poder nada contra la muerte!”
Pero el cadáver ¡ay! siguió muriendo.

Le rodearon millones de individuos,
con un ruego común: “¡Quédate, hermano!”
Pero el cadáver ¡ay! siguió muriendo.

Entonces, todos los hombres de la tierra
le rodearon; les vió el cadáver triste, emocionado;
incorporóse lentamente,
abrazó al primer hombre; echóse a andar…

Massa

Ao fim da batalha,
e morto já o combatente, veio até ele um homem
e lhe disso: “Não morras, amo-te tanto!”
Mas o cadáver, ai, seguiu morrendo.

Acercaram-se-lhe dois e repetiram:
“Não nos deixeis! Ânimo! Volta à vida!”
Mas o cadáver, ai, seguiu morrendo.

Acorreram a ele vinte, cem, mil, quinhentos mil,
clamando: “Tanto amor e não poder nada contra a morte!”
Mas o cadáver, ai, seguiu morrendo.

Rodearam-lhe milhões de indivíduos,
com um rogo comum: “Fica, irmão!”
Mas o cadáver, ai, seguiu morrendo.

Então, todos os homens da terra
o rodearam; viram o cadáver triste, emocionado;
incorporou-se lentamente,
abraçou o primeiro homem; pôs-se a andar…

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Versão em Português: Cleto de Assis