Arquivo da tag: metonímia

Eu, direto ao ponto

Metapoética

Cleto de Assis, Curitiba

Porque os poetas místicos dizem que as flores sentem
E dizem que as pedras têm alma
E que os rios têm êxtases ao luar.
Mas flores, se sentissem, não eram flores,
Eram gente;
E se as pedras tivessem alma, eram cousas vivas, não eram pedras;
E se os rios tivessem êxtases ao luar,
Os rios seriam homens doentes.

Fernando Pessoa/Alberto Caeiro, em Ficções do Interlúdio


Por que metáforas, se a palavra real é mais objetiva?
Por que a ilusão de ouvir o céu a cantar,
se sabemos que nuvens ou o distante firmamento
só têm cores para mostrar e não sons maviosos?
Se sabemos que a metáfora faz a transposição de uma palavra para outra
por pura analogia de sensações,
por que não ficamos com a primeira, que é mais exata
e dimensiona de modo simples nossos sentimentos?
Ou serão a metáfora e a metonímia, além de figuras de linguagem
escapismos dos tímidos que não ousam enfrentar a palavra real
e por isso inventam figuras de linguagem?

Perdi em mim a criança que fui
e com ela foi embora a coragem de dizer que ainda sou criança
apesar dos visíveis sinais do tempo.
Mas isso não é metáfora, é puro cumprimento do ciclo vital
somado à vaidade de ser considerado um homem respeitável,
porque um homem respeitável não pode ser criança
a não ser por metonímia.
Uma música me diz que morremos um pouquinho em cada despedida,
e isso não é metáfora, é pura realidade
porque sempre estamos morrendo um pouquinho a cada momento,
diante de adeuses ou reencontros
e é preciso viver a vida
e ver sua beleza através da córnea
e da luz que ela filtra até a retina
e não com supostos olhos da alma.
Tivesse olhos a alma
e tivéssemos alma com olhos
para que carregaríamos
o magnífico par de olhos que fazem a luz convergir
e mostrar ao nosso cérebro que podemos enxergar a realidade
sem artifícios poéticos e com cores mais vivas?

Estendo a mão para que a alcance outra mão:
não preciso de palavras
nem enfeitá-las com metáforas
para dizer o que quero.

Curitiba, julho de 2010