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Dia Nacional do Livro

Hoje, 29 de outubro, comemora-se o aniversário da Biblioteca Nacional, fundada por D. João VI em 1810, dois anos depois de haver chegado ao Brasil e fundado a Imprensa Régia. Nada mais justo, portanto, que o mesmo dia tenha sido consagrado ao Livro, apesar de nossa história não o ter adotado como elemento fundamental para o nosso desenvolvimento cultural. O Rei de Portugal, do Brasil e Algarves manteve severa censura à imprensa. Sob o selo da Imprensa Régia foi editado o primeiro livro no Brasil, “Marília de Dirceu”, de Tomás Antônio Gonzaga. É também fato a comemorar, pois o primogênito da imprensa brasileira foi um livro de poesia! Mas, além das publicações oficiais – inclusive um jornal denominado Gazeta do Rio de Janeiro – nada mais podia ser impresso sem autorização governamental. Mas havia dissidências: um exilado brasileiro, residente na Inglaterra, Hipólito José da Costa, lançou, em Londres, no dia 1 de junho de 1808, o Correio Braziliense, o primeiro jornal brasileiro, clandestino em sua chegada ao nosso país – apenas em outubro do mesmo ano, já que os correios e os transportes não eram tão eficientes. Uma curiosidade: seu editor proclama que o jornal fora criado para combater “os defeitos da administração do Brasil”, o que não é novidade para os brasileiros, passados mais de duzentos anos desse registro editorial. Não deixa de ser lamentável, também, o fato do Brasil só ter sentido o gosto da imprensa no início do Séc. XIX, enquanto outros países da América já a estavam desenvolvendo desde o Séc. XVI. Portanto, e o Livro e o Brasil? Castro Alves deveria ter escrito um poema com esse título, com o mesmo entusiasmo com que comemorou o nascimento da América e sua parceria histórica com o livro. Ou talvez não tenha encontrado razões para se entusiasmar, pois até um presidente que atravessou o portal do Séc. XXI já declarou, pelo menos em duas ocasiões, que não gosta de ler, porque a leitura lhe dá sono.

O certo é que o Livro, esse objeto ainda confeccionado em papel impresso, mas que já tem sucedâneos eletrônicos a pedir passagem, merece ser comemorado todos os dias, como o grande repositório do conhecimento e ferramenta indispensável n o progresso cultural.

Fazemos de Castro Alves o arauto dessa festa, na beleza de seus versos.

O Livro e a América

O Livro e a América - ilustração de Cleto de Assis

Talhado para as grandezas,
pra crescer, criar, subir,
p Novo Mundo nos músculos
sente a seiva do porvir.
— Estatuário de colossos —
cansado doutros esboços
disse um dia Jeová:
“Vai, Colombo, abre a cortina
da minha eterna oficina…
Tira a América de lá”.

Molhado inda do dilúvio,
qual Tritão descomunal,
o continente desperta
no concerto universal.
Dos oceanos em tropa
um — traz-lhe as artes da Europa,
outro — as bagas de Ceilão…
E os Andes petrificados,
como braços levantados,
lhe apontam para a amplidão.

Olhando em torno então brada:
“Tudo marcha!… Ó grande Deus!
As cataratas — pra terra,
as estrelas — para os céus.
Lá, do pólo sobre as plagas,
o seu rebanho de vagas
vai o mar apascentar…
Eu quero marchar com os ventos,
corn os mundos… co’os
firmamentos!!!”
E Deus responde — “Marchar!”

Marchar! … Mas como?…  Da Grécia
nos dóricos Partenons
a mil deuses levantando
mil marmóreos Panteons?…
Marchar co’a espada de Roma
— leoa de ruiva coma
de presa enorme no chão,
saciando o ódio profundo. . .
— Com as garras nas mãos do mundo,

— Com os dentes no coração?…
“Marchar!… Mas como a Alemanha
na tirania feudal,
levantando uma montanha
em cada uma catedral?…
Não!… Nem templos feitos de ossos,
nem gládios a cavar fossos
são degraus do progredir…
Lá brada César morrendo:
“No pugilato tremendo
quem sempre vence é o porvir!”

Filhos do sec’lo das luzes!
Filhos da Grande nação!
Quando ante Deus vos mostrardes,
tereis um livro na mão:
O livro — esse audaz guerreiro
que conquista o mundo inteiro
sem nunca ter Waterloo…
Eólo de pensamentos,
que abrira a gruta dos ventos
donde a Igualdade vooul…

Por uma fatalidade
dessas que descem de além,
o sec’lo, que viu Colombo,
viu Guttenberg também.
Quando no tosco estaleiro
da Alemanha o velho obreiro
a ave da imprensa gerou…
O Genovês salta os mares…
Busca um ninho entre os palmares
e a pátria da imprensa achou…

Por isso na impaciência
desta sede de saber,
como as aves do deserto
as almas buscam beber…
Oh! Bendito o que semeia
livros… livros à mão cheia…
E manda o povo pensar!
O livro, caindo n’alma
é germe — que faz a palma,
é chuva — que faz o mar.

Vós, que o templo das idéias
largo — abris às multidões,
pra o batismo luminoso
das grandes revoluções,
agora que o trem de ferro
acorda o tigre no cerro
e espanta os caboclos nus,
fazei desse “rei dos ventos”
— Ginete dos pensamentos,
— Arauto da grande luz! …

Bravo! a quem salva o futuro
fecundando a multidão! …
Num poema amortalhada
nunca morre uma nação.
Como Goethe moribundo
brada “Luz!” o Novo Mundo
num brado de Briaréu…
Luz! pois, no vale e na serra…
que, se a luz rola na terra,
Deus colhe gênios no céu!…

Castro Alves  – 1847-1871

Luiz Adolfo Pinheiro, uma viva lembrança

Luiz_Adolfo_PinheiroHá amigos que vêm e se vão. Há amigos que chegam e ficam para sempre. Luiz Adolfo Pinheiro foi um deles. Partiu prematuramente, na manhã da terça-feira de carnaval, 28 de fevereiro de 2006, vítima de um ataque cardíaco fulminante. Naquela época, ele encarnava um sonho há muito perseguido, como um Dirceu que tinha, realmente, encontrado a sua Marília e podia dizer, abertamente, como seu conterrâneo Tomás Antonio Gonzaga: “Graças, Marília bela, graças à minha Estrela!

Convivi com Luiz Adolfo durante muitos anos. Foi no Ministério da Educação, em Brasília, que nos conhecemos, onde ele fazia uma assessoria de comunicação social para o então ministro Ney Braga. Dali em diante estivemos em permanente contato social e profissional. Desenhei algumas capas de livros por ele escritos e participei de alguns de seus projetos editoriais, ele sempre cheio de criatividade. Em uma de suas dedicatórios em livro, ele definiu-me como “artifice e partícipe das aventuras brasilianas”.

Sofri com ele quando, num erro imperdoável, o incluiram no episódio dos anões do Congresso. Mais tarde o erro seria reconhecido, mas restaram cicatrizes. Ele havia feito uma reforma gráfica e editorial no Correio Braziliense, do qual era diretor de redação e o jornal, em vez de defendê-lo, optou pela medida mais simples, deixando-o sem emprego. Não sei se chegou a receber a indenização concedida pelos danos morais que sofreu, mas as marcas tristes não são apagadas por dinheiro nenhum.

O jornalista, escritor e poeta brasileiro Luís Adolfo Pinheiro nasceu em Prados, MG, em 1940. Fez seus primeiros estudos no Colégio Anchieta, de padres jesuítas, em Nova Friburgo (Rio de Janeiro). Começou no jornalismo como repórter do Correio de Minas, em 1962, de uma geração de jovens profissionais, como Moacir Japiassu, José Maria Mayrink, Carmo Chagas, entre outros. Trabalhou ainda no Estado de Minas, no Diário de Minas e no A Notícia. No Rio, foi de O Jornal e do departamento de pesquisa do Jornal do Brasil, quando ganhou o prêmio de reportagem do IV Centenário do Rio, com o pseudônimo de Flávio de Sá. Em 1968, mudou-se para São Paulo para compor o primeiro time da revista Veja, pela qual mudou-se para Brasília em 1970.

Na capital federal, comandou a sucursal de Veja e de O Globo. Foi superintendente da EBN (atual Radiobrás), redator, colunista e editorialista do Jornal de Brasília e do Correio Braziliense, onde criou os cadernos Mulher e Cidades, e do qual foi também diretor de Redação. Foi também editor da revista Rádio & TV, da Abert e fundador da revista Poder, voltada para a política em Brasília, e vice-presidente da Federação Nacional de Jornalistas, de 1996 até 1968.

Foi vencedor de vários prêmios jornalísticos, entre eles o do IV Centenário do Rio de Janeiro, outorgado pelo Jornal do Brasil (1965) e o Prêmio Esso Regional Centro-Oeste (1993), pelo Correio Braziliense.

Publicou ainda livros sobre a história política do País, como A Consciência Nacionalista;
A Política Demográfica Brasileira; A Queda de Jango; A República dos Golpes; 3 X 30 – Bastidores da Imprensa;
e JK, Jânio e Jango, os Três Jotas que Abalaram o Brasil. São dele também as ficções Tocata & Fuga e Joel, um Justiceiro e preparava o lançamento de JK, Procura-se um Outro, em que narra a trajetória política de Juscelino Kubitschek.

Seu último cargo foi de assessor-chefe da Assessoria de Comunicação Social do Superior Tribunal de Justiça (STJ), convidado pelo presidente Edson Vidigal, cargo que assumiu em 5 de abril de 2004.

A Luiz Adolfo, o poeta amigo, minha homenagem, com a publicação de poemas seus em nosso Banco da Poesia. C. de A.

Morte

xxxxxxxxxxxxxxxx“Meu canto de morte,
xxxxxxxxxxxxxxxxxGuerreiros, ouvi!”
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx(Gonçalves Dias)

anjo_da_morte
minha morte
como será?

morrerei de acidente
dor grito gente gente
entre sangue e gemido
menos só, mais coletivo
no seio da multidão
xxxxxxxxxx– morrerei sem solidão?

minha morte
como será?

morrerei gasto, em desuso
de velhice velha e rabicho
que nem sabe se distingue
uma folha de um livro
um balanço de uma rede
uma palha de um caniço
xxxxxxxxxx – morrerei confuso, disso?

minha morte
como será?

soleníssima rito quente
missa de corpo presente
flor coroa e rastro
de alguém que teve lastro
numa terra pó sem fim
xxxxxxxxxx – morrerei de algo assim?

minha morte
como será?

morrerei de emboscada
morte quente e castigada
ou de pura sonolência
(sono de sonho e dolência)
numa tarde de janeiro
na Mantiqueira ou Florença
xxxxxxxxxx morrerei com minha essência?

minha morte
como será?

morrerei sem madrugada
no meio da noite, nada
no meio do dia, sem cada
pedaço que formei
com choro e sangue (sangrei)
xxxxxxxxxx – morrerei, eu saberei?

minha morte
como será?

Invasão holandesa

xxxxxxxxxxxxxxxx“Ali andavam entre eles três ou quatro moças,
xxxxxxxxxxxxxxxxxbem novinhas e gentis, com cabelos muito pretos
xxxxxxxxxxxxxxxxxe compridos pelas costas; e suas vergonhas,
xxxxxxxxxxxxxxxxxtão altas e tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras
xxxxxxxxxxxxxxxxxque, de as nós muito bem olharmos,
xxxxxxxxxxxxxxxxxnão se envergonhavam.”
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx(Carta a El Rei D. Manuel,
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxde Pero Vaz de Caminha, em 1500)

índia
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxde
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxper
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxnas
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxa
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxbertas
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxe
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxar
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxvir
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxgi
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxnal
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxa
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxin
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxdia
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxre
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxce
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxbe
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxmau
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxcio
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxnas
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxsau

Festa do Livramento

xxxxxxxxxxxxxxxx“Andar com fé eu vou
xxxxxxxxxxxxxxxxQue a fé não costuma faiá.”
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx(Gilberto Gil)

Imagem_procissaolivramento
No alto do morro
a igreja branca e amarela
espera o romeiro
de julho.

A parede
descascada
sustenta a torre sem sino
sem relógio
sem palma.

Já não se ouve o lamento do escravo
e o grito de “ouro!”
no fundo do vale.

Nossa Senhora do Livramento
do Pensamento
do Passamento
recebe no altar
a prece do romeiro
descalço
que pede a cura
da sífilis da filha.

A poeira vermelha
encobre o caminhão
a laranja
a boca
a alma.

o vigário traça uma cruz no ar:
em nome do Pai e do Filho e do
outro lado estoura o foguete
e a criança
chora no batismo.

o caipira
de roupa nova
ajoelha só com um joelho
e pede a Deus perdão
para o pecado da comadre.

o coro entoa
Maria Mater Gratiae
e o vento frio de julho
na Mantiqueira mineira
espalha a sua brisa
sobre o justo e o pecador.

Ao cair da noite
ainda há uma vela se consumindo
na porta da igreja deserta.

o romeiro se despediu
com o sinal da cruz
a cicatriz e o pus
até o ano que vem
amém.

____________

Do livro Brasilíadas. Editora Dom Quixote: Brasília, 1985

Duas parcerias

Brasilíadas e Tocata&Fuga, duas das capas que desenhei para Luiz Adolfo Pinheiro

Brasilíadas e Tocata&Fuga, duas das capas que desenhei para Luiz Adolfo Pinheiro