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Ferreira Gullar vence Prêmio Camões 2010

Prêmio Camões 2010 para Ferreira Gullar

O escritor, natural do Maranhão, é o nono brasileiro a ganhar o prestigiado galardão literário da lusofonia, também já atribuído a nove portugueses.

O escritor brasileiro Ferreira Gullar, atualmente com 79 anos de idade, é o vencedor do Prêmio Camões 2010, um dos mais prestigiados galardões literários da língua portuguesa. Na sua 22ª edição, o juri do prémio foi constituído por membros de Portugal, Brasil, Moçambique e São Tomé e Príncipe. No ano passado a distinção foi para Arménio Vieira, de Cabo Verde.

Ferreira Gullar é o nono brasileiro a ganhar o Prêmio Camões, depois de João Cabral de Mello Neto, Rachel de Queiroz, Jorge Amado, Antônio Cândido, Autran Dourado, Rubem Fonseca, Lygia Fagundes Telles e João Ubaldo Ribeiro. Assim, o Brasil iguala Portugal em número de vencedores daquele certame cultural.

Em anteriores edições o Prêmio Camões também já distinguiu os portugueses Miguel Torga, Vergílio Ferreira, José Saramago, Eduardo Lourenço, Sophia de Mello Breyner, Eugénio de Andrade, Maria Velho da Costa, Agustina Bessa-Luís e António Lobo Antunes. Na lista de premiados contam-se ainda o moçambicano José Craveirinha, os angolanos Pepetela e Luandino Vieira e o cabo-verdiano Arménio Vieira.

Na sua última edição o Prêmio Camões entregou a Arménio Vieira um cheque de 100 mil euros, valor acordado entre Portugal e Brasil, os organizadores da iniciativa.

Um maranhense chamado José Ribamar Ferreira

Ferreira Gullar nasceu no dia 10 de setembro de 1930 na cidade de São Luiz do Maranhão. Pseudónimo de José Ribamar Ferreira, é poeta, crítico de arte, biógrafo, tradutor, argumentista de teatro e de televisão, memorialista e ensaísta. Em 1950 mudou-se para o Rio de Janeiro.

Publicou o seu primeiro livro, Um pouco acima do chão, em 1949, editado com recursos próprios. Ferreira Gullar integrou movimentos literários e artísticos, tendo sido nomeado, em 1961, Diretor da Fundação Cultural de Brasília, onde elaborou o projecto do Museu de Arte Popular e lançou a sua construção. Assumiu uma posição política declarada e esteve no exílio (Moscou, Santiago do Chile, Lima e Buenos Aires) de 1971 a 1977. Escreveu Poema sujo em 1975.

Ferreira Gullar já foi agraciado com vários prêmios, entre os quais o Jabuti (em 1999 e em 2007), o Prêmio Alphonsus de Guimarães, bem como o Prêmio Multicultural 2000, do jornal O Estado de São Paulo.

Em 2002, por indicação de nove acadêmicos dos EUA, de Portugal e do Brasil, foi indicado para o Prêmio Nobel de Literatura. (do noticiário de imprensa)

Receita de Poesia

Criação Poética — O poema não tem plano. Escrevo meio cego. É uma descoberta passo a passo, algo que vai sendo revelado a mim mesmo a cada momento. Eu nunca presto atenção no modo como connsumo um poema. O poema, para mim, é a grande aventura de como fazer. Costumo dizer em palestras para estudantes que, quando vou escrever um poema, a página está em branco, e isso significa que todas as possibilidades estão abertas, são infinitas. No momento em que semeio uma palavra, o acaso é menor. Mas não sei o que vai acontecer.

A alegria da escrita — O poema é cura, não doença. Escrevo para ser feliz, para me libertar do sofrimento, não para sofrer. É a alquimia da dor em alegria estética. Mesmo quando a coisa é doida, amarga, naquele momento a transformo no ouro que é o poema.

(Revista Veja,  edeição 2 169, 16 de junho de 2010)

Mais ovos: desta vez enviados pelo “coelhinho” João Cabral de Melo Neto

João Cabral de Mello Neto (Recife, 9 de janeiro de 1920 — Rio de Janeiro, 9 de outubro de 1999) foi um poeta e diplomata  brasileiro. Sua obra poética, caracterizada pelo rigor estético, com poemas avessos a confessionalismos e marcados pelo uso de rimas toantes, inaugurou uma nova forma de fazer poesia no Brasil.

Irmão do historiador Evaldo Cabral de Melo e primo do poeta Manuel Bandeira e do sociólogo Gilberto Freyre, João Cabral foi amigo do pintor Joan Miró e do poeta Joan Brossa. Membro da Academia Pernambucana de Letras e da Academia Brasileira de Letras, foi agraciado com vários prêmios literários. Ele não compareceu a nenhuma reunião da Academia Pernambucana de Letras como acadêmico, nem mesmo a sua posse.

Foi eleito membro da ABL em 15 de agosto de 1968 e empossado em 6 de maio de 1969. Quando morreu, em 1999, especulava-se que era um forte candidato ao Prêmio Nobel de Literatura.

Já com 18 anos, começa a frequentar a roda literária do Café Lafayette, que se reúne em volta de Willy Lewin e do pintor Vicente do Rego Monteiro, que regressara de Paris por causa da guerra.

Em 1940 viaja com a família para o Rio de Janeiro, onde conhece Murilo Mendes. Esse o apresenta a Carlos Drummond de Andrade e ao círculo de intelectuais que se reunia no consultório de Jorge de Lima. No ano seguinte, participa do Congresso de Poesia do Recife, ocasião em que apresenta suas Considerações sobre o poeta dormindo.

É removido, em 1947, para o Consulado Geral em Barcelona, como vice-cônsul. Adquire uma pequena tipografia artesanal, com a qual publica livros de poetas brasileiros e espanhóis. Nessa prensa manual imprime Psicologia da composição. Nos dois anos seguintes ganha dois filhos, Inês e Luiz. Residindo na Catalunha, escreve seu ensaio sobre Joan Miró, cujo estúdio frequüenta. Miró faz publicar o ensaio com texto em português, com suas primeiras gravuras em madeira.

Quando o leitor é confrontado com a poesia de Cabral percebe-se, a princípio, de um certo número de algumas dualidades antitéticas, por vezes obsessivas. Entre espaço  e tempo, entre o dentro e o fora, entre o maciço e o não-maciço… Entre o masculino  e o feminino, entre o Nordeste desértico e a Andaluzia  fértil, ou entre a caatinga desértica e o úmido Pernambuco. É uma poesia  que causa algum estranhamento porque não é emotiva, mas sim cerebral.  Ele não recorre ao pathos (paixão) para criar uma atmosfera poética, mas a uma construção elaborada e pensada da linguagem e do dizer da sua poesia.

Estranhamente, João Cabral escreveu um poema sobre a Aspirina, que tomava regularmente, chamando-a de Sol, de Luz… De fato, desde sua juventude João Cabral tomava de três a dez aspirinas por dia. Certa vez, em entrevista à TV Cultura, ele contava que boa parte da inspiração (inspiração sempre cerebral) provinha da aspirina, que a aspirina o salvava da nulidade.

Obras

  • Pedra do Sono (1942)
  • Os Três Mal-Amados (1943)
  • O Engenheiro (1945)
  • Psicologia da Composição com a Fábula de Anfion e Antiode (1947)
  • O Cão sem Plumas (1950)
  • O Rio ou Relação da Viagem que Faz o Capibaribe de Sua Nascente à Cidade do Recife (1954)
  • Dois Parlamentos (1960)
  • Quaderna (1960)
  • A Educação pela Pedra (1966)
  • Morte e Vida Severina (1966)
  • Museu de Tudo (1975)
  • A Escola das Facas (1980)
  • Auto do Frade (1984)
  • Agrestes (1985)
  • Crime na Calle Relator (1987)
  • Primeiros Poemas (1990)
  • Sevilha Andando (1990)

Prêmios

  • Prêmio Camões — 1990
  • Neustadt International Prize for Literature — 1992
  • Prêmio Rainha Sofia de Poesia Ibero-Americana — 1994

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Elogios ao Ovo

I

Ao olho mostra a integridade
de uma coisa num bloco, um ovo.
Numa só matéria, unitária,
maciçamente ovo, num todo.

Sem possuir um dentro e um fora,
tal como as pedras, sem miolo:
é só miolo: o dentro e o fora
integralmente no contorno.

No entanto, se ao olho se mostra
unânime em si mesmo, um ovo,
a mão que o sopesa descobre
que nele há algo suspeitoso:

que seu peso não é o das pedras,
inanimado, frio, goro;
que o seu é um peso morno, túmido,
um peso que é vivo e não morto.

II

O ovo revela o acabamento
a toda mão que o acaricia,
daquelas coisas torneadas
num trabalho de toda a vida.

E que se encontra também noutras
que entretanto mão não fabrica:
nos corais, nos seixos rolados
e em tantas coisas esculpidas

cujas formas simples são obra
de mil inacabáveis lixas
usadas por mãos escultoras
escondidas na água, na brisa.

No entretanto, o ovo, e apesar
de pura forma concluída,
não se situa no final:
está no ponto de partida.

III

A presença de qualquer ovo,
até se a mão não lhe faz nada,
possui o dom de provocar
certa reserva em qualquer sala.

O que é difícil de entender
se se pensa na forma clara
que tem um ovo, e na franqueza
de sua parede caiada.

A reserva que um ovo inspira
é de espécie bastante rara:
é a que se sente ante um revólver
e não se sente ante uma bala.

É a que se sente ante essas coisas
que conservando outras guardadas
ameaçam mais com disparar
do que com a coisa que disparam.

IV

Na manipulação de um ovo
um ritual sempre se observa:
há um jeito recolhido e meio
religioso em quem o leva.

Se pode pretender que o jeito
de quem qualquer ovo carrega
vem da atenção normal de quem
conduz uma coisa repleta.

O ovo porém está fechado
em sua arquitetura hermética
e quem o carrega, sabendo-o,
prossegue na atitude regra:

procede ainda da maneira
entre medrosa e circunspeta,
quase beata, de quem tem
nas mãos a chama de uma vela.

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Ilustração: C. de A.

Prêmio Camões para Cabo Verde

AVtomando_cafe_no_extinto_Café_Cachito_Praia_julho1997O poeta Armenio Vieira, de Cabo Verde, ganhou o Prêmio Camões, o mais importante prêmio literário da língua portuguesa, informou na quarta-feira, dia 3/6,  a imprensa portuguesa. É a primeira vez que este prêmio é atribuído a um cidadão de Cabo Verde, “país cuja tradição literária e cultural merece um reconhecimento”, segundo a presidente do júri Helena Buescu.

Nascido em 2 de janeiro de 1941, Vieira é jornalista e colabora com diversas publicações. Seu primeiro livro, intitulado Poemas foi publicado em 1981. O Prêmio Camões, dotado de 100 mil euros, foi criado em 1988 por Portugal e Brasil com o objetivo de recompensar os autores de língua portuguesa que contribuem para enriquecer o patrimônio cultural e literário dos países lusófonos. Autores como os portugueses Antonio Lobo Antunes (em 2007) e José Saramago (em 1995), o brasileiro Jorge Amado (em 1994) e o angolano Pepetela (em 1997) foram alguns dos vencedores em edições anteriores. (Agência France Presse)

O Banco da Poesia também presta homenagem ao recente laureado, com três poemas de sua lavra. Ao final, a homenagem a Cabo Verde, que também apareceu por aqui no dia 31 de maio, com Corsino Fortes. No vídeo, canta uma das maiores intérpretes cabo-verdianas, Cesária Évora, em crioulo, que é uma mistura do português arcaico com a lingua nativa. E quem a acompanha é a nossa Marisa Monte. Segundo a Wikipédia, Cesária Évora (Mindelo, 27 de agosto de 1941), também conhecida como “a diva dos pés descalços”, é a cantora cabo-verdiana de maior reconhecimento internacional de toda história da música popular daquele país. O gênero musical com o qual ela é melhor relacionada é a “morna”, por isso também recebe o apelido de “Rainha da morna”, mesmo tendo sido bastante sucedida com diversos outros gêneros musicais. Morna é um ritmo e uma dança de Cabo-Verde, que lembra o nosso samba e, às vezes, o chorinho.

Isto é o que fazem de nós

Galinhas

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxIsto!
E perguntam-nos:
xxxxxxxxxxxxxxx sois homens?
Respondemos:
xxxxxxxxxxxxxxx animais de capoeira.
Dizem-nos:
xxxxxxxxxxxxxxx bom dia.
Pensamos:
xxxxxxxxxxxxxxxlá fora…

Isto é que fazem de nós
quando nos inquirem:
xxxxxxxxxxxxxxx estais vivos?
E em nós
as galinhas respondem:
xxxxxxxxxxxxxxxdormimos.

Poema

Sand__Sea

Mar! Mar!
Mar! Mar!

Quem sentiu mar?

Não o mar azul
de caravelas ao largo
e marinheiros valentes

Não o mar de todos os ruídos
de ondas
que estalam na praia

Não o mar salgado
dos pássaros marinhos
de conchas
areias
e algas do mar

Mar!

Raiva-angústia
de revolta contida

Mar!

Siléncio-espuma
de lábios sangrados
e dentes partidos

Mar!
do não-repartido
e do sonho afrontado

Mar!

Quem sentiu mar?

xxxxxxxxxxxxxxx(1962)

Ser Tigre

tigerO tigre ignora a liberdade do salto
é como se uma mola o compelisse a pular.

Entre o cio e a cópula
o tigre não ama.

Ele busca a fêmea
como quem procura comida.

Sem tempo na alma,
é no presente que o tigre existe.

Nenhuma voz lhe fala da morte.
O tigre, já velho, dorme e passa.

Ele é esquivo,
não há mãos que o tomem.

Não soa,
porque não respira.

É menos que embrião
abaixo do ovo,
infra-sémen.

Não tem forma,
é quase nada, parece morto.

Porém existe,
por isso espera.

Epopéia, canção de amor,
epigrama, ode moderna, epitáfio,

Ele será
quando for tempo disso.

xxxxxxxxxxxxxxx(de Vozes poéticas da lusofonia, Sintra, 1999)

Cesária Évora e Marisa Monte

Mar Azul

Composição: B. Leza

xxxxxO… Mar, detá quitinho bô dixam bai
xxxxxBô dixam bai spiá nha terra
xxxxxBô dixam bai salvá nha Mâe… Oh Mar, oh mar
xxxxxMar azul, subi mansinho
xxxxxLua cheia lumiam caminho
xxxxxPam ba nha terra di meu
xxxxxSão Vicente pequinino, pam bà braçá nha cretcheu…
xxxxxOh… Mar, anô passá tempo corrê
xxxxxSol raiá, lua sai
xxxxxA mi ausente na terra longe… Oh  Mar, oh Mar..