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Confissões de L. Rafael Nolli

O leão nosso de cada dia

L. Rafael Nolli, Araxá

Para Cássio Marcos Amaral

Hoje, sou exatamente aquilo que tenho:
centavos que não compravam felicidade alguma
uma úlcera metafísica,
que não me acompanhará ao infinito
dezenas de poemas sobre a exaltação do homem
………..e a felicidade tola dos desvairados.

Hoje, sou tudo que tenho:
um sonho de primavera
amadurecendo o coração dos brutos
um gosto de beijo nunca dado
uma iluminação repentina e irremediável,
………..que me levaria ao céu, se o quisesse.

Hoje, nada além dos meus pertences é o que sou:
uma dor de cabeça debutante
migalhas de pão presas à barba
um projeto de poesia
que me remediará de todo o mal do mundo —
depois de escrito me trairá covardemente,
por não saber nada além
………..do que suas palavras dizem.

Hoje, sou exatamente o que tenho:
………..mas é nu que espero o amanhã.

Tragilirismo em Rafael Nolli

Bilhete encontrado em um buquê de rosas

L. Rafael Nolli


Se eu não te amasse, te mataria com prazer.
Te esqueceria numa cova rasa, em beira de estrada,
para que cães pudessem lhe desenterrar —
arrastá-la pelo asfalto em pedaços repletos de vermes
xxxxxxe de moscas.

Se eu não te amasse, te jogaria da ponte –
como se lê todos os dias nos jornais –
só para vê-la voar desesperada, sujar o chão
e menstruar a cara de merda dos passantes
xxxxxxe suas blusas impecáveis.

Se eu não te amasse, te sufocaria com o travesseiro
(seria perigoso dormir comigo). Te picaria
com a faca cega da cozinha. Pela noite,
prepararia uma travessa de yakisoba
xxxxxxe me tornaria canibal.

Se eu não te amasse, te atormentaria amiúde.
Faria com que Hitchcock dirigisse os teus
pesadelos. Te acordaria com sussurros de so-
cos no ouvido — se eu não te amasse,
xxxxxxseria isso que eu faria.

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Ilustração: Cleto de Assis